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CONHECER o OUTRO NA ENTREVISTA Solon Spanoudis Nas entrevistas dos encontros das triagens, das anamneses, dos históricos de casos sistematizados de modo geral, 0 que se busca basica- mente é conhecer a outra pessoa Nessas situações diversas pretende-se geral- mente colher dados pessoais, É a par- tir dessas informações que são conhecidos vários fatos referentes à vida pro- blemática da pessoa entrevistada. A triagem é normalmente 0 primeiro passo para encaminhar o interessado vários serviços A anamnese serve para a formação do diagnóstico e outras entrevistas servem para decidir a respeito da indicação de orientação ou terapia. Apesar de diferentes, estas atividades sempre dirigem ao histórico da pessoa pelo re- gistro dos seus que chamamos de passado. o registro de antecedentes se realiza de preferência através do preenchi- mento de formulários já preparados As questões preparadas. contidas nos for- mulários, estão de antemão planejadas no conteúdo e na Assim, encontramos essas questões, nessa ordem: antecedentes familiares, informa- ções estrutura familiar, nivel cultural. doenças, traumas quicos, Nas entrevistas de caráter verbal segue-se mesmo esquema e planejamento. apesar da ordem das questões ser mais flexivel. mesmo assim, nos dois tipos de procedimento fundamental a importância decisiva dada ao registro dos antecedentes sob a primazia do passado. A coleta de dados hoje em dia claborada e computada com maior eficiência, tem a finalidade de verificar e explicar as causas que determi- nam os efeitos correspondentes da mesma mancira que se encontra no vírus da paralisia infantil a causa da atrofia dos músculos atacados por con- da paralisia e da dificuldade de locomoção dos membros afetados, procura-se através da elaboração dos dados coletados as causas que determi- nam, por exemplo, os sintomas neuróticos, desvio de conduta, os Baseando-se nos de causalidade e determinismo é indispensá- vel o procedimento acima exposto. Mas será que conhecer outro, entrevis- tado, se limita à coleta de dados e informações dos antecedentes de sua vida e ambiente? Será que conhecer o outro quer dizer formar uma opinião, um pa- recer, sobre através de coleta elaboração de dados informações? Será que fundamental é somente a importância decisiva do passado? Será que conhecer é somente a elaboração de informações de um objetivado a aquisição de dados no decorrer do tempo? "Conhecer" é derivado do latim "Cognoscere" que. por sua vez, é formado por cum gnosco nosco. Gnosco nosco significa começar a aprender (pelos sentidos), tomar conhecimento, examinar, considerar. Cum (com) significa junto com outros.Conhecer é algo mais fundamental do que coletar e elaborar dados e in- formações Para conhecer o outro, sendo este entrevistado, precisamos aproximá-lo, não no sentido espacial, mas no da familiaridade Aproximar quer dizer tentar compreender 0 outro na como ele vive, atua, pensa e sente. Quando uma pessoa procura ser entrevistada, faz a entrevista para seja para ser diagnosticada, seja para ser encaminhada ou orientada. Esse para algo, que também pode ser começar a terapia, tem o caráter de futuro. Se a pessoa interessada não tiver uma expectativa de algo baseado no futuro nun- ca poderá procurar uma entrevista. entrevistado é motivado expectati- va de consulta, ocasião em que evoca acontecimentos do passado para mos- trar como se pensa e atua no presente. Se deixamos a pessoa à vontade, fazendo perguntas simples essenciais, mesma evoca passado conforme este se apresenta. Evocar o passado é algo vivencial, não mero registro dos antecedentes. o histórico ou a anamnese do entrevistado não depende somente de da- dos do passado mas é um procedimento onde futuro, passado e presente se fundem. o futuro desde que nascemos até o dia de nossa sempre nos motiva, nos apela para participar de nosso histórico. Essa maneira de se liber- tar do passado como algo exclusivamente determinista e entender tempo não somente como uma de como registro de anteceden- tes, constatação do presente e previsão conclusiva do mas de uma ma- neira onde o futuro, passado e presente apelam juntos, foi o que Martin Heidegger nos ensinou e Medard Boss aprofundou na Essa de compreender existir humano nos possibilitou uma apro- ximação com o outro mais ampla e libertadora. No momento em que o regis- tro dos antecedentes e a primazia do passado determinista é superada, abri- mos também a possibilidade de atendimento de pessoas cronologicamente idosas. Oportunamente vamos expor acompanhamento de uma pessoa de 68 anos a quem. fora de um atendimento medicamentoso e algumas sessões paliativas de apoio, foi negado o atendimento psicoterapêutico e psicanalitico devido a sua idade cronológica. Conforme a visão do tempo linear determinista, o passado dessa pessoa, no acúmulo dos acontecimentos ocorri- dos, já tinha congelado todas as possibilidades dela enfrentar seus problemas de uma maneira corajosa e de assumir uma vida mais ativa, criativa feliz. Ficamos surpreendidos quando, na hora em que se livrou do peso do passado e respondeu ao apelo e motivação do futuro, se livrou da depressão e tor- nou uma pessoa realizada e feliz. Conhecer o entrevistado não se limita à coleta de dados informativos de forma objetiva a respeito dos antecedentes, nem as constatações do presente. Se queremos nos aproximar para compreender e conhecer o entrevistado te- mos que partir de perguntas simples e claras pois somente assim poderemos entender como ele pensa, age, sente, gesticula, reage às situações e se relaciona com as outras pessoas de âmbito familiar ou social. Evitamos per- 78guntas padronizadas e esquematizadas. Preferimos perguntar e solicitar a res- peito de, por exemplo, frustrações, decepções, abalos vividos pelo entrevista- do. em vez de perguntar: "Quais os traumas psíquicos que ocorreram em sua vida?" É muito importante também ficarmos sempre atentos aos detalhes sim- ples e evidentes, que esquecemos facilmente quando presos a descobrir cau- sas e suposições complicadas Antes de, por exemplo, pensarmos numa disritmia cerebral diante de queixas de dor de falta de atenção, falta de concen- tração e lembrança das coisas, é aconselhável pensarmos em primeiro lugar numa simples deficiência de vista ou numa anemia decorrente de verminose ou de falta de alimentação adequada. Além disso, é também importante sem- pre tentarmos esclarecer o sentido do que nos fala e apresenta o entrevistado. Por exemplo, quando alguém nos procurei senhor porque sou muito nervoso". A palavra "nervoso" nos diz tudo e nada. Nervoso pode ser o entre- vistado que sente, por exemplo. raiva, tensão, ansiedade, de- cepção ou alegria. Em cada caso, sentido de nervosismo precisa ser esclare- cido. Atendendo à expectativa do entrevistado para conhecê-lo devemos fazer perguntas simples e claras que o deixem à vontade para que a sua problemáti- ca se mostre num evocar de do passado, de forma pessoal. Não podemos, no entanto, negligenciar como lhe apela o futuro para que se apre- sentem as dificuldades, dúvidas e problemas que ele encontra. Sem o apelo do futuro não seria aproximar e conhecer outro. BIBLIOGRAFIA HEIDEGGER, M. Sein und Zeit (1927) Max Niemeyer Verlag, 1972 edição. HEIDEGGER, M. Being and Time Oxford, Basil Blackwell, 1973 ed. GOMES FERREIRA, A. Dicionário de - Porto Editora Ltda.