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TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
PROF. FLÁVIO TARTUCE
PRINCÍPIOS CONTRATUAIS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 
Veremos cinco princípios:
•	Autonomia privada.
•	Função social do contrato.
o	Força obrigatória do contrato.
•	Boa-fé objetiva.
o	Relatividade dos efeitos contratuais.
Enunciado n. 167 – III Jornada de Direito Civil: houve uma aproximação principiológica entre o Código Civil de 2002 e o CDC em matéria contratual, pois ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos. 
..
Legenda:
o	Princípios clássicos.
•	Princípios contemporâneos ou sociais.
1. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA
Este princípio substituiu o modelo liberal puro da autonomia da vontade por três razões:
“Crise da vontade”: “crise do contrato” (Morte do Contrato - Grant Gilmore).
Dirigismo contratual: intervenção da lei nos contratos. Exemplos: CDC e CC.
Prevalência dos contratos de adesão. “Império dos contratos-modelo” (Enzo Roppo).
O contrato de adesão é aquele em que o estipulante impõe o conteúdo do negócio, restando à outra parte, o aderente, duas opções: aceitar ou não (“take it or leave it”, como dizem os americanos).
Fórmula: Autonomia da vontade + certa intervenção = autonomia privada
•	O contrato de adesão é aquele em que o estipulante impõe o conteúdo do negócio, restando à outra parte, o aderente, duas opções: aceitar ou não – “take it or leave it”.
•	O oposto de contrato de adesão é o contrato paritário, que é aquele amplamente negociado pelas partes.
• 	A Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica – origem: MP 881/2019 - LLE) é especialmente dirigida ao contrato paritário empresarial.
O contrato de adesão não necessariamente será um contrato de consumo (Enunciado n. 171 – III Jornada de Direito Civil). Exemplo: franquia.
A autonomia privada é a soma da autonomia da vontade com uma certa intervenção – Respeito a normas de ordem pública (Lei 13.874/2019, art. 3º, V e VIII). 
Lei 13.874/2019, art. 3º, V e VIII: “São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: (...). V - gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário; (...). VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública”. 
A autonomia privada foi positivada pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) no art. 3º, V.
A autonomia privada é o direito que a pessoa tem de regulamentar os seus próprios interesses (direito de autorregulamentação contratual), o que encontra limites em normas de ordem pública (art. 3º, VIII, Lei 13.874/2019).
No plano contratual, a autonomia privada se desdobra em duas liberdades:
Liberdade de contratar: momento + parte.
b) Liberdade contratual: conteúdo (cláusulas contratuais).
A autonomia privada é também retirada do art. 425 do CC, que prevê ser lícita a criação de contratos atípicos, sem regulamentação legal mínima, desde que observadas as regras do Código Civil e de outras leis. 
Exemplo: contrato de estacionamento: contrato atípico e misto (prestação de serviços + depósito). Porém, em contrato de estacionamento, é nula a cláusula de não indenizar (“placa”). Fundamentos:
CDC, art. 51, I: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;”.
CC, art. 424: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
•	CC, art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
•	CC, art. 421: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019). Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)”.
•	Súmula 130 do STJ: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
2. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO (CC, arts. 421 e 2.035, parágrafo único)
Miguel Reale: o contrato não deve atender apenas aos interesses das partes contratantes, mas de toda a sociedade (efeitos externos). 
Segundo Orlando Gomes, a palavra “função” significa finalidade, e a palavra “social” significa coletivo.
Meu conceito: Função social do contrato é princípio contratual de ordem pública (CC, art. 2.035, parágrafo único ) pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade.
Principal efeito: mitigação ou relativização da força obrigatória do contrato (“pacta sunt servanda”).
CC, art. 421 – Redação corrigida pela Lei da Liberdade Econômica: A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
A função social do contrato limita o conteúdo das cláusulas.
Essa redação já era proposta por Junqueira, Villaça e Giselda Hironaka. 
 
CC, art. 421, parágrafo único (incluído pela Lei 13.874/2019) – O dispositivo cita o princípio da intervenção mínima, o que causa dúvidas entre os civilistas. Entretanto, trata-se de desdobramento do princípio da autonomia privada e, desse modo, está submetido ao art. 3º, VIII da Lei 13.874/2019. Seu âmbito de aplicação – contratos empresariais paritários.
¹ CC, art. 2.035, parágrafo único: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
CC, art. 421-A (incluído pela Lei 13.874/2019) – O dispositivo traz uma presunção relativa (“iuris tantum”) de que os contratos civis e empresariais são paritários e simétricos (igualdade entre os contratantes).
Nos contratos civis empresariais que possuem simetria, as partes podem estabelecer parâmetros para interpretação, revisão e resolução.
Os riscos contratuais devem ser respeitados.
A revisão contratual é excepcional.
Tudo isso é possível desde que não se contrarie nenhuma norma de ordem pública (art. 3º, VIII, Lei 13.874/2019).
 
Segundo o entendimento majoritário, a função social do contrato tem dupla eficácia:
•	Eficácia interna: entre as partes contratantes (Enunciado n. 360 – IV Jornada de Direito Civil).
•	Eficácia externa: além das partes contratantes (Enunciado n. 21 – I Jornada de Direito Civil).
 ² Enunciado n. 360, IV JDC: “O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes”.
 ³Enunciado n. 21, I JDC: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”.
 
a) Eficácia interna: seis aplicações.
a.1) Tutela da pessoa humana no contrato (Enunciado n. 23 – I Jornada de Direito Civil).
a.2) Nulidade de cláusulas antissociais, tidas como abusivas, com objeto ilícito (CC, art. 166, II). Exemplo: Súmula 302 do STJ: em contrato de plano de saúde, é nula a cláusula que limita no tempo a internação do segurado.
a.3)Vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual - equivalência material.
Exemplo: CC, art. 413: redução equitativa da cláusula penal.
a.4) Conservação contratual ou do negócio jurídico (Enunciado n. 22 – I Jornada de Direito Civil). Exemplo: Teoria do Adimplemento Substancial.
4Enunciado 23, I JDC: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.
5Enunciado 22, I JDC: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.
 
a.5) Proteção do vulnerável contratual.
CDC: consumidor.
CC/2002: aderente contratual - aquele a quem o conteúdo do contrato é imposto (contratos de adesão).
CC, art. 423: prevê a interpretação “pro aderente”, havendo cláusulas ambíguas ou contraditórias.
CC, art. 424: prevê a nulidade de cláusulas de renúncia antecipada a direito resultante da natureza do negócio. 
A Lei da Liberdade Econômica ampliou a proteção do aderente (art. 113, § 1º, IV, CC) – “Interpretatio contra proferentem” ou “contra stipulatorem” (interpretação contra aquele que redigiu o documento).
¬6 CC, art. 113, §1º, IV: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º  A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) (...) IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)”
 
a.6) Frustração do fim do contrato ou desaparecimento da causa (Enunciado n. 166 – III Jornada de Direito Civil). Quando o contrato perde a sua razão de ser, deve ser reputado extinto sem imputação de culpa. Exemplo: aluguel de casa para acompanhar o carnaval e, posteriormente, ele é cancelado.
 
7 Enunciado 166, III JDC: “A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil”.
 
b) Eficácia externa: o contrato também gera efeitos perante terceiros.
b.1) Tutela dos direitos difusos e coletivos
Ex.: função socioambiental do contrato. Um contrato para extração de areia de um rancho que, apesar de ser um instrumento justo e equilibrado, regula uma atividade que causa desequilíbrio ecológico. Nesse caso, é possível dizer que o contrato é nulo ou ineficaz, pois contraria a função socioambiental do contrato.
b.2) Tutela externa do crédito (Enunciado n. 21 da I Jornada de Direito Civil - Exceção ao princípio da relatividade dos efeitos). Exemplo: CC, art. 608: Teoria do Terceiro Cúmplice. Prevê a responsabilização do terceiro aliciador.
8Enunciado n. 21, I JDC: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”.
 
Aplicada ao caso Zeca Pagodinho. 
CC, art. 608: “Aquele que aliciar [BRAHMA] pessoas obrigadas em contrato escrito [ZECA PAGODINHO] a prestar serviço a outrem [NOVA SCHIN] pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos”.
 “INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E À IMAGEM - Empresa-autora que foi prejudicada pelo aliciamento do principal artista de sua campanha publicitária por parte da empresa-ré - Improcedência da demanda - Inconformismo - Acolhimento parcial - Requerida que cooptou o cantor, na vigência do contrato existente entre este e a autora - Veiculaçâo de posterior campanha publicitária pela ré com clara referência ao produto fabricado pela autora - Não observância do princípio da função social do contrato previsto no art. 421 do Código Civil - Concorrência desleal caracterizada - Inteligência do art. 209 da Lei n° 9.279/96 - Danos materiais devidos - Abrangência de todos os gastos com materiais publicitários inutilizados (encartes e folders) e com espaços publicitários comprovadamente adquiridos e não utilizados pela recorrente, tudo a ser apurado em liquidação - Dano moral - Possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral - Súmula 227 do Colendo Superior Tribunal de Justiça - Ato ilícito da requerida que gerou patente dano moral e à imagem da requerente - Sentença reformada - Ação procedente em parte - Recurso parcialmente provido.” (TJSP - Apelação 911.2793-79.2007.8.26.0000, Relator J. L. Mônaco da Silva, 5ª Câmara de Direito Privado, julgado em 12/06/2013, publicado em 25/06/2013).
 
3. Princípio da força obrigatória da convenção e do contrato. 
Continua em vigor o princípio pelo qual o contrato faz lei entre as partes (“pacta sunt servanda”). Este princípio foi fortalecido pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019, art. 2º e art. 3º, V e VIII).
4. Princípio da boa-fé objetiva (CC, arts. 113, 187 e 422).
Trata-se de uma evolução do conceito de boa-fé, que saiu do plano meramente intencional (boa-fé subjetiva) para o plano concreto de lealdade das partes (boa-fé objetiva) - Menezes Cordeiro.
9Lei 13.874/2019, art. 2º: “São princípios que norteiam o disposto nesta Lei: I - a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; II - a boa-fé do particular perante o poder público; III - a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e IV - o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.” 
 
Ver o esquema abaixo, muito importante para entender a matéria.
 
 
10CC, art. 1.201: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”.
11CC, art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Três funções da boa-fé objetiva no Código Civil de 2002:
1ª: Função de interpretação (CC, art. 113 - Alterado pela Lei 13.874/2019). 
Critérios:
Boa-fé;
Regras de tráfego ou de mercado;
Vedação do comportamento contraditório;
“Interpretatio contra proferentem”;
Racionalidade econômica, levando-se em conta as informações no momento da contratação;
Regras de interpretação incluídas pelas partes.
Tudo isso é possível desde que não se contrarie nenhuma norma de ordem pública.
2ª: Função de controle (CC, art. 187): aquele que viola a boa-fé objetiva no exercício de um direito comete abuso de direito (ilícito). Consequências: nulidade da cláusula e responsabilidade civil objetiva (Enunciado n. 37 – I Jornada de Direito Civil).
12CC, art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
13Enunciado 37, I JDC: “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico
3ª: Função de integração (CC, art. 422) - A boa-fé objetiva deve integrar todas as fases contratuais:
Pré-contratual (Enunciado 25, I Jornada de Direito Civil e Enunciado 170, III Jornada de Direito Civil).
Contratual
Pós-contratual
14CC, art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
15Enunciado 25, I JDC: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.”
16Enunciado 170, III JDC: “A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.”
Exemplo (pré-contratual): “Caso dos tomates” (TJ/RS,1990 = CICA): quebra de um ciclo de confiança contratual.
Ver ainda o caso IBM (REsp n. 1.309.972/SP):
“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DICOTOMIA TRADICIONAL. AQUILIANA E CONTRATUAL. REFORMULAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELA QUEBRA DA CONFIANÇA. ORIGEM NA CONFIANÇA CRIADA. EXPECTATIVA LEGÍTIMA DE DETERMINADO COMPORTAMENTO. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FORMAL SUPERADA PELA REPETIÇÃO DE ATOS. JUIZ COMO PERITO DOS PERITOS. COORDENAÇÃO DAS PROVAS. ART. 130 DO CPC/1973. 1. Tradicionalmente, a responsabilidade civil divide-se em responsabilidade civil stricto sensu (delitual ou aquiliana) e a responsabilidade contratual (negocial ou obrigacional), segundo a origem do dever descumprido, contrato ou delito, critério que, apesar de conferir segurança jurídica, mereceu aperfeiçoamentos, à luz da sistemática atual do Código Civil, dos microssistemas de direito privado e da Constituição Federal. 2. Seguindo essa tendência natural, doutrina e jurisprudência vêm se valendo de um terceiro fundamento de responsabilidade, que não se vincula a uma prestação delineada pelas partes, nem mesmo vincula indivíduos aleatoriamente ligados pela violação de um dever genérico de abstenção, qual seja a responsabilidade pela confiança. 3. A responsabilidade pela confiança é autônoma em relação à responsabilidade contratual e à extracontratual, constituindo-se em um terceiro fundamento ou 'terceira pista' (dritte Spur) da responsabilidade civil, tendo caráter subsidiário: onde houver o dano efetivo, requisito essencial para a responsabilidade civil e não for possível obter uma solução satisfatória pelos caminhos tradicionais da responsabilidade, a teoria da confiança será a opção válida.
4. A teoria da confiança ingressa no vácuo existente entre as responsabilidades contratual e extracontratual e seu reconhecimento se fundamenta principalmente no fato de que o sujeito que dá origem à confiança de outrem e, após, frustra-a, deve responder, em certas circunstâncias, pelos danos causados dessa frustração. A defraudação da confiança constitui o verdadeiro fundamento da obrigação de indenizar. 5. A responsabilidade fundada na confiança visa à proteção de interesses que transcendem o indivíduo, ditada sempre pela regra universal da boa-fé, sendo imprescindível a quaisquer negociações o respeito às situações de confiança criadas, estas consideradas objetivamente, cotejando-as com aquilo que é costumeiro no tráfico social. 6. A responsabilidade pela quebra da confiança possui a mesma ratio da responsabilidade pré-contratual, cuja aplicação já fora reconhecida pelo STJ (REsp 1051065/AM, REsp 1367955/SP). O ponto que as aproxima é o fato de uma das partes gerar na outra uma expectativa legítima de determinado comportamento, que, após, não se concretiza. O ponto que as diferencia é o fato de, na responsabilidade pré-contratual, a formalização de um contrato ser o escopo perseguido por uma das partes, enquanto que na responsabilidade pela confiança, o contrato, em sentido estrito, não será, ao menos necessariamente, o objetivo almejado. 
7. No caso dos autos, ainda que não se discuta a existência de um contrato formal de compra e venda entre as partes ou de qualquer outra natureza, impossível negar a existência de relação jurídica comercial entre as empresas envolvidas, uma vez que a IBM portou-se, desde o início das tratativas, como negociante, com a apresentação de seu projeto, e enquanto titular deste, repassando à Radiall as especificações técnicas do produto a ser fabricado, assim como as condições do negócio. 8. Com efeito, por mais que inexista contrato formal, o direito deve proteger o vínculo que se forma pela repetição de atos que tenham teor jurídico, pelo simples e aqui tantas vezes repetido motivo: protege-se a confiança depositada por uma das partes na conduta de seu parceiro negocial. 9. Mostrou-se, de fato, incontroverso que os investimentos realizados pela recorrente, para a produção das peças que serviriam ao computador de bordo de titularidade da recorrida, foram realizados nos termos das relações que se verificaram no início das tratativas entre essas empresas, fatos a respeito dos quais concordam os julgadores de origem. 10. Ademais, ressalta claramente dos autos que a própria recorrida estipulou quais os modelos de conectores deveriam ser produzidos pela recorrente e em que quantidade, vindo, após certo tempo, repentina e de maneira surpreendente, a alterar as especificações técnicas daquelas peças, tornando inúteis as já produzidas.
11. O ordenamento processual pátrio consagra o juiz como o perito dos peritos e a ele a lei atribui a tarefa de dar a resposta à controvérsia apresentada em juízo, não importando a que ramo do conhecimento diga respeito. Essa a lição que se extrai do artigo 130 do CPC de 1973, que atribuiu ao juiz a função de ordenar e coordenar as provas a serem produzidas, conforme a utilidade e a necessidade, a postulação do autor e a resistência do réu, podendo determinar a realização de perícia, quando necessária a assessoria técnica para auxiliá-lo no deslinde da questão alvo (arts. 145, 421, 431-B do CPC). 12. Assim, a solução apresentada à controvérsia deve ser fruto do convencimento do Juiz, com base nas informações colhidas no conjunto probatório disponível nos autos, não estando restrito a uma e qualquer prova, especificamente. 13. Recurso especial parcialmente provido, para reconhecer a responsabilidade solidária da IBM - Brasil pelo ressarcimento dos danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) à recorrente” (REsp 1309972/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 08/06/2017).
Exemplo n. 2 (fase contratual): Súmula 308 do STJ: a boa-fé objetiva “vence” a hipoteca, que deixa de ter efeitos erga omnes e passa a ter efeitos inter partes.
Exemplo n. 3 (pós-contratual): Súmula 548 do STJ: o credor tem o prazo de cinco dias úteis, após o efetivo pagamento da dívida, para retirar o nome do devedor do cadastro de inadimplentes, sob pena de uma responsabilidade pós-contratual (Post pactum finitum).
 
17Súmula 308, STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
18Súmula 548, STJ: “Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito”.
 Da função de integração são retirados os conceitos parcelares da boa-fé:
“Supressio” (“Verwirkung”).
“Surrectio” (“Erwirkung”).
“Tu Quoque”.
“Exceptio Doli”.
“Venire contra factum proprium non potest”.
“Duty to mitigate the loss”.
“Supressio”: perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo (renúncia tácita).
“Surrectio” (“o outro lado da moeda” – Simão): surgimento de um direito por práticas, usos e costumes.
Exemplo 1: O Art. 330 do Código Civil prevê que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia tácita do credor relativamente ao que constar do contrato. 
Exemplo 2: Renúncia tácita à correção monetária em contrato de mandato (STJ – REsp n. 1.202.514/RS): “CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO. 1. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do direito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, como isso, a manutenção do contrato. Portanto, não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por 06 anos. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, deexigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual. 2. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação. Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa. Precedentes. 3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular.
4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio. 5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. 6. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp 1202514/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 30/06/2011). 
c) “Tu quoque” 
“Até tu?”: grito de dor do Imperador Julio Cesar ao seu filho adotivo Brutus, que o traiu.
Regra de ouro: não faça contra o outro o que você não faria contra si mesmo.
Exemplo: uma parte contratual não pode criar uma situação fática para depois dela tirar proveito.
 
d) “Exceptio doli” 
É a defesa contra o dolo alheio.
Exemplo: CC, art. 476: exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus). Em um contrato bilateral, uma parte não pode exigir que a outra cumpra com a sua obrigação se não cumprir com a própria.
e) “Venire contra factum proprium non potest”
Vedação do comportamento contraditório.
Enunciado 362, IV Jornada de Direito Civil - Fundamento: proteção da confiança – Teoria dos atos próprios – Dever anexo de confiança.
Exemplo: REsp n. 95.539/SP (1996): marido “vendeu” imóvel sem outorga da esposa (vigência do CC/1916 – nulidade absoluta). A esposa, como testemunha em uma ação, disse que concordava com a venda (conduta n. 1). Anos após, a esposa ingressou com a ação de invalidade da venda (conduta n. 2). A ação de invalidade foi julgada improcedente.
“PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONSENTIMENTO DA MULHER. ATOS POSTERIORES. " VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM ". BOA-FE. PREPARO. FERIAS. 1. TENDO A PARTE PROTOCOLADO SEU RECURSO E, DEPOIS DISSO, RECOLHIDO A IMPORTANCIA RELATIVA AO PREPARO, TUDO NO PERIODO DE FERIAS FORENSES, NÃO SE PODE DIZER QUE DESCUMPRIU O DISPOSTO NO ARTIGO 511 DO CPC. VOTOS VENCIDOS. 2. A MULHER QUE DEIXA DE ASSINAR O CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA JUNTAMENTE COM O MARIDO, MAS DEPOIS DISSO, EM JUIZO, EXPRESSAMENTE ADMITE A EXISTENCIA E VALIDADE DO CONTRATO, FUNDAMENTO PARA A DENUNCIAÇÃO DE OUTRA LIDE, E NADA IMPUGNA CONTRA A EXECUÇÃO DO CONTRATO DURANTE MAIS DE 17 ANOS, TEMPO EM QUE OS PROMISSARIOS COMPRADORES EXERCERAM PACIFICAMENTE A POSSE SOBRE O IMOVEL, NÃO PODE DEPOIS SE OPOR AO PEDIDO DE FORNECIMENTO DE ESCRITURA DEFINITIVA. DOUTRINA DOS ATOS PROPRIOS. ART. 132 DO CC. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO” (REsp 95.539/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/1996, DJ 14/10/1996, p. 39015).
19Enunciado 362, IV: “A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.”
f) “Duty to mitigate the loss”
Artigo 77 da Convenção de Viena (CISG).
Enunciado n. 169 – III Jornada de Direito Civil: o princípio da boa-fé objetiva impõe ao credor o dever de mitigar o próprio prejuízo.
Exemplo: REsp n. 758.518/PR (2010): redução de aluguéis fixados em compromisso de compra e venda pela demora na propositura da ação dos promitentes vendedores, havendo inadimplemento dos compromissários compradores.
“DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 
4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano. 5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido” (REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010).
20CISG, art. 77: “A parte que invocar o inadimplemento do contrato deverá tomar as medidas que forem razoáveis, de acordo com as circunstâncias, para diminuir os prejuízos resultantes do descumprimento, inc1uídos os lucros cessantes. Caso não adote estas medidas, a outra parte poderá pedir redução na indenização das perdas e danos, no montante da perda que deveria ter sido mitigada”.
5. Princípio da relatividade dos efeitos contratuais (“res inter alios”)
O contrato, em regra, gera efeitos entre as partes contratantes, pois é instituto de direito pessoal. Porém, há exceções:
1ª exceção: estipulação em favor de terceiro (CC, arts. 436 a 438). 
O contrato beneficia um terceiro que não é parte, mas que pode exigir o seu cumprimento. Os efeitos contratuais são de dentro do contrato para fora do contrato (efeitos exógenos). Exemplo: seguro de vida.
2ª exceção: promessa de fato de terceiro (CC, arts. 439 e 440). 
Um contratante promete ao outro uma conduta alheia que, se não praticada, gera o seu inadimplemento. Os efeitos são de fora para dentro do contrato (efeitos endógenos). Exemplo: promessa de um “show” de um cantor que não comparece ("efeito Tim Maia").
3ª exceção: eficácia externa da função social do contrato (Enunciado n. 21 – I Jornada de Direito Civil - Tutela externa de crédito). Além do caso Zeca Pagodinho, pode ser citado o caso Danilo Gentili.
"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ART. 608 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. TEORIA DO TERCEIRO OFENSOR, TERCEIRO CÚMPLICE OU TERCEIRO INTERFERENTE. PRÁTICA DE ALICIAMENTO. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. ARTISTA. PROPOSTA. EMISSORA CONCORRENTE. RELAÇÃO JURÍDICA VIGENTE. PRÁTICA DE MERCADO ACEITÁVEL. CONCORRÊNCIA DESLEAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. BOA-FÉOBJETIVA. DEVERES DECORRENTES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. INDENIZAÇÃO. DEVER DE TERCEIRO. AFASTAMENTO. (...). 2. Cinge-se a controvérsia a definir o âmbito da responsabilidade de terceiro que oferece proposta de contratação a prestador de serviço durante a vigência de negócio jurídico celebrado com emissora de televisão concorrente e a consequente resilição do contrato em curso. 3. Nos termos do art. 608 do Código Civil de 2002, o terceiro que alicia profissional obrigado em contrato a prestar serviço a outrem, provocando a quebra do ajuste anterior, tem o dever de indenizar o contratante lesado, independentemente da responsabilidade contratual incidente entre as partes do negócio desfeito. Relação jurídica que se amolda ao disposto no referido artigo. 
4. A interpretação do art. 608 do Código Civil de 2002 deve levar em consideração o comportamento de mercado dos concorrentes envolvidos no ramo de atividade em questão.
5. A doutrina brasileira e a jurisprudência desta Corte Superior admitem a responsabilização de terceiro pela quebra de contrato em virtude dos postulados da função social do contrato, dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva, da prática de concorrência desleal e da responsabilidade por ato ilícito ou abusivo. Na hipótese, não restou demonstrada a violação de tais preceitos ou a prática de aliciamento para fins de incidência do disposto no art. 608 do Código Civil de 2002. 6. Prejudicado o fundamento subsidiário de violação do art. 186 do Código Civil de 2002, nos casos de responsabilização com fundamento no art. 608 do referido Código, a lei dispensa a prova do prejuízo, prefixando a indenização no valor que a lesada pagaria ao prestador pelo período de 2 (dois) anos. 7. Recurso especial provido" (STJ, REsp n. 2.023.942/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 28/10/2022.)
 21Enunciado 21, I JDC: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.”
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