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3 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni TEORIA CONTRATUAL: PARTE GERAL - PARTE I 1. Noções Gerais sobre CoNtrato. CoNCeito e evolução HistóriCa 1.1. Noções Gerais do CoNtrato – CoNsiderações PrelimiNares O contrato é o principal instrumento jurídico da vida privada, que faz parte do cotidiano das pessoas. Por isso, este negócio jurídico sempre foi considerado um dos pilares do direito civil. A sua repercussão e a sua relevância social tornaram-no um dos principais instrumentos das relações intersubjetivas e privadas. Desde os primórdios da civilização, o contrato sempre possuiu uma função social. Tal fun- ção teve o caráter alterado ao longo dos tempos. Em tempos primitivos, estava relacionada ao contrato como mero instrumento de circulação de riquezas. No liberalismo, este caráter patrimonial da função social do contrato manteve-se presente. Com a transição do Estado liberal para o social e democrático, a função social do contrato suportou uma verdadeira metamorfose e, de instrumento econômico de circulação de rique- zas (caráter patrimonial), tornou-se um instrumento de promoção da pessoa humana (caráter existencial). Esta é a nova concepção da função social do contrato. Atualmente, o contrato, para ter tutela estatal, deve, necessariamente, ter uma função so- cial (instrumento de promoção e concretização de direitos fundamentais da pessoa humana). O princípio da função social passa a interagir com os valores existenciais da pessoa humana, fato que repercutirá na teoria contratual. A função social, assim qualificada, altera toda a concepção e estrutura da teoria contratual, pois submete este negócio jurídico especial à observância das questões existenciais da pes- soa humana em detrimento de questões patrimoniais. Portanto, o contrato moderno submete-se a valores constitucionais, envolve situações existenciais e ainda transcende a relação jurídica subjetiva estabelecida entre os sujeitos para repercutir na esfera jurídica de terceiros, estranhos e a ele alheios (tutela externa ou eficácia externa do contrato). Embora o contrato seja fonte de circulação de riquezas, somente terá tutela estatal e legitimidade se preservar a dignidade dos sujeitos contratantes e de terceiros dele não integrantes, mas cujos efeitos possam repercutir em suas esferas jurídicas. Além disso, deve existir a mútua cooperação entre os contratantes em decorrência do dever de soli- dariedade e a relação contratual deverá ser equilibrada ou guardar a devida equivalência, tudo para garantir a necessária igualdade substancial. Este novo contrato tem como primado a justiça social e não mais a vontade. No Estado liberal, o contrato foi forjado como acordo de vontade, por meio do qual pessoas livres vincu- lam-se juridicamente. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 4 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Na segunda metade do século XIX e no século XX, o contrato perde a sua concepção in- dividualista e liberal. E em uma nova concepção de contrato, socializada, constitucionalizada e funcional, a autonomia da vontade (desejo do sujeito e sua manifestação exterior) cede es- paço para a autonomia privada, que corresponde ao poder de autodeterminação do sujeito, respeitadas as limitações de normas de ordem pública, especialmente os princípios sociais contratuais. O individualismo cede espaço para a cooperação e a solidariedade nas relações privadas. O paradigma voluntarista, baseado na plena liberdade contratual, na força obrigatória, na intan- gibilidade dos contratos e na relatividade dos efeitos, restrito às partes, passa por um processo de renovação, na medida em que o contrato, instrumento de tutela da pessoa humana, apenas se legitima caso tais princípios clássicos venham a interagir com o solidarismo constitucional. A funcionalidade do direito subjetivo acarreta a sua socialização e, por isso, a tutela do interesse privado é condicionada à preservação e à proteção do interesse público e social. O contrato, embora dependa da vontade (esse é o seu núcleo essencial), não é puro ato de vontade, mas vontade dirigida a determinada finalidade. Vontade e função, origem e finalidade caminham lado a lado nesta empreitada. O estudo do contrato moderno deve ser orientado e baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade social e igualdade substancial. Tais princípios constitucionais, somados aos princípios da função social e da boa-fé objetiva, orientam todas as relações jurídicas privadas, em especial as materializadas em contrato. Necessariamente, como condição de sua legitimidade, devem interagir com os seus princípios clássicos, como a autonomia da vontade, a obrigatoriedade e a relatividade, tornando o contrato instrumento de justiça social e não mais um pacto para resguardar interesses estritamente individuais. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 5 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni A Professora Teresa Negreiros defende também a tese da relação entre os princípios clás- sicos e contemporâneos, os quais devem ser harmonizados em caso de conflito: Em caso de conflito, é preciso decidir sob que circunstâncias os princípios clássicos – autonomia da vontade, a intangibilidade do conteúdo do contrato e a relatividade dos seus efeitos – devem sobrepor-se aos princípios contemporâneos da boa-fé, do equilíbrio econômico e da função social. (Teoria do contrato, novos paradigmas) Segundo ela, deve-se buscar um novo paradigma, denominado por ela mesma “paradigma da essencialidade”. Tal paradigma: [...] constitui um instrumento para se distinguirem os contratos à luz das diferentes funções que desempenham em relação às necessidades existenciais do contratante. Os contratos que tenham por função satisfazer uma necessidade existencial do contratante devem se sujeitar a um regime de caráter tutelar – ampliando-se, correlatamente, o campo de aplicação dos novos princípios. Ao revés, os contratos que tenha por objeto bens supérfluos, destinados a satisfazer preferências que não configuram necessidades básicas da pessoa, tais contratos são compatíveis com uma discipli- na mais liberal, o que vale dizer que devem sofrer maior influência dos princípios clássicos. Esta questão da essencialidade é um interessante parâmetro para estabelecer, à luz do caso concreto, a devida ponderação entre os princípios clássicos e os modernos. Quanto mais essencial para satisfazer uma necessidade existencial for o contrato, mais deve se aproximar dos princípios modernos, preponderando os valores sociais constitucionais. Em sentido opos- to, quanto menor a essencialidade para a satisfação de interesses existenciais, preponderarão os princípios clássicos. A ideia é a busca do equilíbrio e da ponderação entre os princípios. Assim, o contrato assume caráter de instrumento. É instrumento para a concretização de questões existenciais, em especial do desenvolvimento da personalidade da pessoa humana, nos seus mais variados aspectos e não como fim em si mesmo. Em qualquer negócio jurídico, as questões existenciais, relativas à pessoa humana, sempre preponderarão sobre questões as patrimoniais. E também, em razão da necessária função so- cial, agora renovada por estes novos valores, os efeitos do contrato transcendem o interesse dos contratantes para repercutir na esfera jurídica de terceiros dele não integrantes,dando-lhe um novo sentido social, cuja legitimidade e conteúdo passam a interessar a toda a coletividade. 1.2. CoNtrato e teoria Geral do Fato JurídiCo O fato jurídico, em sentido amplo, subdivide-se em fato jurídico em sentido estrito (eventos da natureza com repercussão jurídica), ato-fato jurídico (atos humanos com consequência jurídi- ca, sendo irrelevante a vontade em relação ao resultado previsto na norma jurídica) e, finalmen- te, ações humanas, lícitas e ilícitas. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 6 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni A ação humana lícita é desdobrada em ato jurídico em sentido estrito (autonomia da von- tade desprovida de poder ou autonomia privada, pois os efeitos jurídicos são predeterminados pela lei) e negócio jurídico. Fato Jurídico Sentido Amplo 1. Fato jurídico em sentido estrito 2. Ato-fato jurídico 3. Ação humana 3.1. Lícita (ato jurídico em sentido amplo) Ato jurídico em sentido estrito Negócio jurídico (NJ) 3.2. Ilícita (ato ilícito) O contrato é espécie de fato jurídico por ser o principal instrumento de viabilização dos negócios jurídicos, sendo considerado o negócio jurídico por excelência. O contrato, como tipo ou espécie de negócio jurídico, é um fato (evento humano) jurídico (com repercussão jurídica). Por ser um negócio jurídico bilateral (para sua formação é indispensável a junção ou con- vergência de duas vontades), aplica-se ao contrato toda a teoria do negócio jurídico, em es- pecial o estudo da autonomia da vontade e da autonomia privada, regras e princípios relacio- nados à interpretação do negócio jurídico, pressupostos de validade do negócio, a teoria da representação, os defeitos do negócio jurídico, elementos secundários do negócio jurídico, como a condição, o termo e o encargo, a teoria da invalidade do negócio jurídico (negócio nulo e anulável), prescrição e decadência e a prova do negócio jurídico. A parte geral do direito civil tutela o plano de validade do contrato (negócio jurídico). Em função disso, os pressupostos de validade, os defeitos e a invalidade do negócio jurídico (e o contrato é um negócio jurídico) estão vinculadas mais especificamente à origem e à formação deste fato jurídico. Já a teoria geral das obrigações e contratos disciplina as questões supervenientes à for- mação do contrato, como a teoria do adimplemento e inadimplemento das obrigações. O contrato, portanto, é espécie de fato jurídico, porque tem o poder de criar, modificar, conservar ou extinguir relações jurídicas patrimoniais. É negócio jurídico, pois é baseado na vontade ou na declaração de vontade. Esta vontade exteriorizada no contrato, por meio de uma declaração, é direcionada à produção de resultado jurídico desejado pelos sujeitos contratan- tes e tutelado pelo Estado. Fato jurídico é igual a evento mais norma jurídica. O evento, no caso do contrato, é uma declaração de vontade. Se a norma jurídica tutelar esta vontade exteriorizada, atribuindo-lhe efeitos jurídicos, estaremos diante de um negócio jurídico. No negócio jurídico, existe autonomia privada: as partes têm o poder de regular os seus interesses e eleger o resultado ou os efeitos relativos a determinado negócio. Se a ordem legal reconhecer a legitimidade deste resultado pretendido e atribuir-lhes efei- tos jurídicos, teremos um negócio jurídico. Se este negócio jurídico, para ser formado e pro- duzir efeitos, necessitou da junção ou da convergência de duas ou mais vontades, estaremos diante de um contrato. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 7 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni O negócio jurídico, quanto à formação, pode ser bilateral ou unilateral. O contrato, quanto à formação, sempre será negócio jurídico bilateral. O contrato depende da junção ou da con- vergência de duas ou mais vontades para se formar. A norma jurídica também atribui efeitos jurídicos à vontade unilateral (declarações unilaterais de vontade – promessa de recompensa, gestão de negócios, pagamento indevido e enriquecimento sem causa e o testamento) e bila- teral (contrato). Portanto, há negócios jurídicos que possuem natureza contratual e negócios que não ostentam esta qualidade ou atributo. O contrato é causa ou fato gerador de direitos e obrigações, podendo ser considerado como a principal fonte de obrigações nas relações privadas. Aliás, no ordenamento jurídico brasileiro, o contrato apenas gera obrigações, não sendo capaz de transferir direitos reais. A transferência de direitos reais fundados em contrato ocorrerá no momento do adimplemento ou na fase de execução do contrato. 1.3. autoNomia da voNtade e autoNomia Privada (relevâNCia Para a teoria CoNtratual) O fundamento do contrato é a vontade, sem a qual ele não existe. Tal vontade expressa o sentimento, o desejo, a motivação, a intenção e, principalmente, as pretensões do agente responsável pela sua exteriorização. A vontade humana é a base de toda a teoria do contrato. Na aula, foi realizada uma análise pormenorizada da autonomia da vontade e da autonomia privada, aplicável à teoria contratual. 2. PriNCíPios CoNtratuais – ClássiCos e CoNtemPorâNeos 2.1. iNtrodução Os princípios contratuais clássicos assentam-se no dogma da vontade. Com a consolida- ção do Estado liberal, pós-Revolução Francesa, a força jurídica do contrato passou a derivar diretamente da vontade exteriorizada por pessoas livres de interferências estatais. Para preservar esta liberdade plena, a teoria clássica dos contratos passou a girar em torno de três princípios, todos fundados no dogma da vontade, de onde o contrato extraía sua força jurídica. Tais princípios clássicos são representados pela autonomia da vontade, obrigatorie- dade dos contratos e relatividade das obrigações decorrentes do contrato. Neste cenário liberal, a autonomia da vontade retratava a plena e irrestrita liberdade de con- tratar, na medida em que as partes podiam contratar quando, como e com quem quisessem. Estavam sujeitas apenas a limites impostos por raras normas de ordem pública. O princípio da obrigatoriedade ou da intangibilidade do conteúdo do contrato tornava o vínculo indisso- lúvel, equiparando o pacto à lei. E, finalmente, o princípio da relatividade restringia os efeitos jurídicos obrigacionais às partes contratantes, não podendo prejudicar e tampouco favorecer terceiros (res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest). O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 8 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni 2.2. autoNomia da voNtade O princípio da autonomia da vontade é o símbolo mais bem acabado do liberalismo predo- minante no século XIX. Na teoria contratual clássica, a finalidade deste princípio era garantir, de forma plena e quase absoluta, a liberdade dos sujeitos em relação à escolha do momen- to para contratar, do parceiro contratual e, principalmente, do conteúdo e da substância do contrato. A vontade era autônoma, independente e originária. A força jurídica de um contrato decorrida de uma vontade exteriorizada por pessoas livres. É a denominada liberdade de con- tratar. Os sujeitos passaram a ter o poder de autorregular os seus interesses, conformeas suas conveniências. No Estado social e democrático atual, a liberdade contratual ainda se apresenta com des- taque na teoria dos contratos, mas mitigada por novos princípios fundados nos valores sociais constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade social e igualdade substancial. Quanto à liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato, tal poder suportou uma limita- ção de novos princípios, como a função social, a boa-fé objetiva e a equivalência material. Isso porque o contrato passou de um modelo meramente estrutural, fundado na vontade, para um modelo funcionalizado, embasado em valores sociais constitucionais e na proteção e tutela da pessoa humana. O Código Civil atual disciplina o princípio da liberdade contratual nos artigos 421 e 425. No primeiro, dispõe que a liberdade contratual será exercida nos limites do princípio da função social dos contratos, o que evidencia esta nova conformação da autonomia da vontade a de valores mais caros e sensíveis da sociedade contemporânea. Por outro lado, o artigo 425 é um desdobramento da nova concepção do princípio da au- tonomia da vontade, ao permitir que as partes estipulem contratos atípicos, desde que sejam observadas as normas gerais impostas pela legislação, como função social, boa-fé objetiva, igualdade substancial. O conteúdo do contrato, mesmo atípico, passará por um controle de merecimento. Na I JDC, foi aprovado o Enunciado n. 23, segundo o qual: ENUNCIADO N. 23 a função social do contrato, prevista no artigo 421 do atual CC, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. A introdução de novos princípios à teoria contratual - a funcionalização dos negócios jurí- dicos em geral e do contrato em particular, a necessidade de o contrato cumprir uma função econômica, social e coletiva - alteram sobremaneira a concepção da autonomia da vontade, para reduzir o poder de regulação dos interesses. Isso, ao contrário do que se pensa, valoriza as relações privadas, que passam a se conformar a estes valores sociais constitucionais que são a base da República. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 9 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Em síntese, autonomia da vontade é a liberdade de contratar ou não, de fixar o conteúdo do contrato, de escolher com quem contratar e a forma da contratação. É a liberdade de exterio- rizar a vontade ou de agir com eficácia jurídica. A autonomia privada é a concessão de poder para esta vontade, materializada no espaço livre deixado pelo Estado, a fim de que os sujeitos possam regular os seus próprios interesses. É o poder de regulação. 2.3. obriGatoriedade (PaCta suNt servaNda) O princípio da obrigatoriedade é uma decorrência lógica e necessária do princípio da au- tonomia privada. O contrato, desde que obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório para os contratantes. Passa a ostentar força vinculante. O conteúdo do contrato passa a ser intangível. Entretanto, esta concepção de “obrigatoriedade” suportou consideráveis mutações ao lon- go dos tempos, principalmente quando se compara o caráter deste princípio no Estado liberal do século XIX, com a sua nova roupagem assumida no início do século XX até a consolidação de um Estado social no final do século passado. A concepção de que o princípio da obrigatoriedade leva à intangibilidade do conteúdo do contrato; que impede a alteração do conteúdo do pacto mesmo pela superveniência de acon- tecimentos determinantes para a ruptura do equilíbrio das prestações e de que o contrato faz lei entre as partes, é contemporânea ao liberalismo. Com a transição do Estado liberal para o Estado social, o princípio da obrigatoriedade, pouco a pouco, perde o seu rigor e passa a se adaptar ao novo contexto social, econômico e cultural em que o contrato é inserido. Os contratos, na atualidade, também possuem força obrigatória. As obrigações contratu- ais devem ser cumpridas por aqueles sujeitos que, livremente ou não, resolvem se vincular a outro sujeito ou ao Estado por meio de um contrato. Jamais se pregou a eliminação deste prin- cípio salutar para as relações privadas. Entretanto, assim como outros princípios clássicos, o princípio da obrigatoriedade, passou a ter nova conformação, outra finalidade e fundamento substancialmente diverso daquele que o caracteriza no liberalismo. Se, no liberalismo, o con- trato era obrigatório porque decorrente de declarações de vontades emanadas de pessoas livres, no Estado Social o contrato será obrigatório, porque é concretamente justo sob o ponto de vista dos contratantes e da sociedade de uma maneira geral. Esta é a questão principal. O princípio é exatamente o mesmo. O que muda é a sua concep- ção e conformação. Agora, para que um contrato seja obrigatório, é essencial que o pacto não apenas decorra de vontades livremente manifestadas, mas que, principalmente, esteja confor- mado aos valores sociais constitucionais que se tornaram paradigmas das relações privadas, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial. Tais valores transportam para o conteúdo do contrato a ideia de justiça social. O dogma da vontade é substituído pelo valor da justiça contratual. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 10 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni O princípio da obrigatoriedade foi relativizado por princípios contemporâneos como a função social, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual, bem como por novos valores que fundamentam as relações privadas, extraídos diretamente do texto constitucional. O estopim para esta nova concepção do princípio da obrigatoriedade do contrato foi a Primeira Guerra Mundial,1 quando se verificou a necessidade de o Estado intervir nas relações privadas. Os preços tornaram-se excessivamente onerosos com a guerra e o princípio da obri- gatoriedade passou a ser um obstáculo para se ajustar os contratos a este novo cenário eco- nômico. Em razão disso, houve a percepção generalizada de que o princípio da obrigatoriedade tinha de ser relativizado e essa relativização gradual ainda não fechou o seu ciclo. O contrato está em constante mutação e deve ser adaptado ao contexto social, econômico, legal, cultural e até internacional em que ele está inserido. A palavra empenhada não é mais irreversível. O contrato tem força obrigatória, desde que esteja conformado com os novos valores sociais constitucionais e os princípios contempo- râneos da teoria contratual, os quais conferem ao princípio da força vinculante dos contratos um novo caráter ou uma nova concepção. O fundamento da obrigatoriedade deixa de ser a vontade e a lei (de acordo com os positivistas) para ser a justiça contratual, que torna o pacto um processo dinâmico, funcional, complexo, em que as partes, de forma cooperativa, agregam ao conteúdo do contrato um significado de justiça e utilidade. 2.4. relatividade dos CoNtratos O princípio da relatividade, em termos clássicos, também é uma decorrência da concepção indi- vidualista e egoísta que fundamentou as relações jurídicas privadas durante o Estado liberal. Segundo este princípio, o contrato apenas gera efeitos jurídicos obrigacionais aos contra- tantes, não podendo prejudicar ou beneficiar terceiros que não integraram a relação jurídica contratual. Portanto, nomodelo liberal de contrato, o princípio da relatividade foi forjado para garantir que a relação entre os contratantes não suportasse os influxos de questões externas ao contrato e impedisse que o contrato transcendesse o pacto entre os sujeitos para repercutir na coletividade. O contrato, naquela concepção clássica, era uma relação jurídica enclausura- da, que interessava apenas aos contratantes. A funcionalização do contrato, o caráter de interatividade com a coletividade e a transcen- dência dos efeitos acabaram por mitigar, e muito, o princípio da relatividade. Não há dúvida de que o contrato tem eficácia interna, ou seja, os efeitos jurídicos obrigacionais de um contrato repercutem na esfera jurídica dos contratantes. No entanto, para que o contrato tenha tutela estatal, é essencial que tenha um significado social, uma função social e uma utilidade coleti- va. Não basta que os interesses econômicos dos contratantes sejam preservados. É essencial que o contrato não repercuta, de forma negativa, na coletividade. 1 Na França, os contratos tornaram-se onerosos com a deflagração do primeiro conflito mundial. A Lei Failliot, de 21 de maio de 1918, permitiu a revisão de contratos mercantis antes de 1 de agosto de 1914, cuja execução se prolongasse no tempo, em razão do estado de guerra. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 11 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni O responsável por esta revolução em relação ao princípio da relatividade é o princípio da função social dos contratos que, como uma das principais contribuições para a teoria contra- tual, confere a todo o contrato uma eficácia externa. O contrato deixa de ser um instrumento individual de circulação de riquezas para ser instrumento de promoção e tutela da pessoa hu- mana, que interessa a toda a coletividade. Tal fato tem, como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não são propriamente parte do contrato possam nele influir, em razão de serem por ele atingidos de maneira direta e indireta. Nesse sentido, é pertinente o Enunciado n. 21 da I JDC: ENUNCIADO N. 21 A função social do contrato, prevista no artigo 421, CC, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, impli- cando a tutela externa do crédito. 2.5. PriNCíPio do CoNseNsualismo O consensualismo não pode ser considerado propriamente um princípio, mas um modelo para que o contrato se forme ou se aperfeiçoe. Pelo denominado “princípio” do consenso, o acordo de duas ou mais vontades é suficiente para o aperfeiçoamento e a formação de um contrato. Basta o consenso, a justaposição ou as declarações convergentes de vontade para que tenha formado um contrato. O contrato, no Liberalismo, formava-se pelo mero consenso (acordo de vontades). Trata- va-se de desdobramento da valorização da vontade, com a exaltação de princípios que gira- vam em torno deste dogma, como a autonomia da vontade, o princípio da obrigatoriedade e a relatividade. O contrato consensual generalizava a ideia de que qualquer ajuste, como decor- rência do acordo de vontades, tem força cogente. Estes princípios clássicos são pautados no dogma da vontade. Com o fim do liberalismo e a imposição de deveres de prestação ao Estado, foi construída uma nova teoria contratual, forjada em valores sociais constitucionais, fato que torna possível o reconhecimento de direitos fundamentais aos contratantes, desde a formação, durante a execução e mesmo após a extinção dos contratos. 2.6. PriNCíPios CoNtemPorâNeos (FuNção soCial dos CoNtratos e boa-Fé obJetiva – tutela da CoNFiaNça) 2.6.1. Contrato e o Princípio da Função Social O princípio da função social sempre esteve vinculado à teoria geral dos contratos. A função social é fator de legitimação da liberdade contratual (de estabelecer o conteúdo do contrato), que passa por um controle de merecimento. O contrato somente terá tutela estatal se ostentar a função social adaptada aos valores constitucionais que fundamentam o Estado e dão suporte à sociedade contemporânea (dignidade da pessoa humana, solidariedade das relações e igualdade substancial). O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 12 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Em tempos recentes, a função social do contrato deverá interagir com princípios da liberda- de econômica. A Lei Federal n. 13.874/2019, que instituiu a declaração de direitos de liberdade econômica, entre outras disposições, com a finalidade de potencializar e disciplinar o princípio da livre iniciativa, alterou o artigo 421 do Código Civil. Veja a sua atual redação: Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. A função social integra o conteúdo e confere legitimidade a qualquer contrato. A norma apenas explicita o que já é previsto na própria CF, artigo 170. Segundo a referida norma consti- tucional, a ordem econômica, fundada na livre iniciativa, tem por finalidade assegurar a todos, contratantes e coletividade, a dignidade. Portanto, por imposição constitucional, o contrato é meio para a concretização de direitos fundamentais existenciais da pessoa humana, como instrumento da ordem econômica. Logo, a noção de “função social” deve ser extraída dos valores constitucionais que con- ferem ao contrato legitimidade. Tal função social impõe a conciliação entre questões exis- tenciais da pessoa humana e os princípios da livre iniciativa. O contrato terá função social se não violar a dignidade dos contratantes e de terceiros, se houver entre os sujeitos a necessária cooperação e solidariedade, se houver um equilíbrio material na relação jurídica contratual e, ao mesmo tempo, forem observados os princípios da livre iniciativa. A função social impõe que o contrato tenha uma causa. Esta causa ou finalidade é a con- cretização do interesse dos contratantes, o qual deve ser digno de tutela e será quando for compatível com os valores fundantes do Estado democrático de direito. O artigo 421 retrata cláusula geral, pois não há definição sobre a função social. Por isso, o intérprete deverá integrar o conteúdo desta norma com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais, de acordo com o contexto social, a complexidade do contrato e os sujeitos nele en- volvidos. Esta cláusula geral concretiza a ideia de operabilidade que inspirou os idealizadores do atual Código Civil. A redação do art. 421 do CC é genérica, mas dela pode-se extrair que a possibilidade de con- tratar é livre, mas a liberdade contratual ou a de estabelecer o conteúdo do contrato é limitada, porque deve estar ajustada à observância desta função social. Em resumo, a função social integra o conteúdo do contrato, legitima-o e justifica-o. A liber- dade contratual mencionada pela norma é justamente a liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato, que passa por controle de merecimento, por imposição da função social. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 13 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Ocontrato contemporâneo não pode ser compreendido apenas sob a perspectiva estru- tural, que marcou o direito civil clássico. Além da vontade humana (contrato é consequência de acordo – resultado de proposta e aceitação), objeto e eventualmente forma, é essencial verificar a finalidade, as razões que levaram os sujeitos a contratarem, porque a função social impõe a necessária adequação de qualquer contrato aos valores sociais constitucionais, como dignidade da pessoa humana, igualdade substancial e solidariedade social. O paradigma estru- turalista cede espaço para o paradigma funcional. O parágrafo único do artigo 421 apenas e tão somente destaca que a função social, que integra o conteúdo do contrato, como limite positivo (controle de merecimento), deve harmo- nizar-se com os princípios da livre iniciativa, como a intervenção mínima do Estado e a excep- cionalidade da revisão do contrato. Além de valorizar a autonomia privada, pretende-se impor maior responsabilidade dos con- tratantes em relação ao conteúdo do contrato. A função social, como limite interno da liberda- de contratual, impõe finalidade ajustada a valores maiores do ordenamento, que condicionarão a legitimidade, validade e eficácia do contrato. Em razão da função social, os efeitos do contrato transcendem a relação jurídica entre os contratantes, para repercutir na esfera de terceiros, seja para protegê-los, quando vítimas da relação contratual, ou para sancioná-los, quando aliciam um dos contraentes. A proteção dos contratantes contra ação ilícita de terceiro ou do terceiro contra os efeitos de um contrato é o que se convencionou denominar de tutela externa do crédito. 2.6.2. A Função Social e os Limites à Autonomia Privada O art. 421 faz referência “aos limites” da função social. O que isso significa? A autonomia privada confere às partes o poder de regular seus próprios interesses. Este poder é restringido pelo princípio da função social. Tal limitação de poder tem um sentido negativo e po- sitivo. Para que o contrato atinja a sua necessária função social, os contratantes devem abster-se de inserir no contrato cláusulas que violem os valores constitucionais (limite negativo – um exem- plo disso é a cláusula em contratos de assistência à saúde que restringe a internação do paciente em UTI), bem como incluir no pacto cláusulas essenciais para que o contrato possa atingir a sua necessária função social (limites positivos – no contrato de assistência à saúde, por exemplo, deve ser garantido ao paciente o mais pleno tratamento para que possa ter uma vida digna). A Lei n. 13.874/2019 também acrescenta ao CC o artigo 421-A que, de igual forma, renova e potencializa a autonomia privada com a presunção, relativa, é verdade, de que: Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários [resultam de processo de ne- gociação entre partes que estão em condições de igualdade] e simétricos [equilíbrio e equivalência no conteúdo das disposições contratuais] até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, ga- rantido também que: O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 14 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni No caso, foram ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, em que não incide a referida presunção, como os contratos de incorporação imobiliária, propriedade fiduci- ária imobiliária ou mobiliária, entre outros, com intensa regulação normativa. Em razão da presunção relativa de paridade e simetria, com base na autonomia privada, as partes podem estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas contratu- ais, bem como para os pressupostos legais que admitem a revisão e a resolução do contrato (inciso I), até porque os riscos alocados pelos sujeitos devem ser respeitados e a revisão con- tratual é excepcional e limitada, o que está em consonância com os princípios (artigo 2º) da declaração de direitos da liberdade econômica. É certo, como enuncia a norma, que haverá circunstâncias em que esta presunção deve ser afastada. Portanto, presumem-se paritários, até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento desta. Tais elementos concretos capazes de afastar tal presunção e torná-los contratos por adesão, com alteração do modo de interpretação e submissão a regras especiais (artigo 423 e 424), dependerão de outros fatores, como natureza do contrato, finali- dade, condição dos sujeitos, pessoalidade e economia, entre outros. A alocação de riscos, definida pelas partes, deve ser respeitada e observada (inciso II). Tal norma conecta-se com a regra interpretativa da vontade presumível, inciso V, § 1º, do artigo 113, do CC. Portanto, observar os riscos assumidos e alocados pelas partes será parâmetro de interpretação e revisão do contrato. A interpretação e a revisão devem ser pautadas na lógica econômica do negócio, ou seja, qual o fato que, em termos econômicos, estimulou os sujeitos a realizarem o negócio jurídico. O inciso III apenas enuncia que a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excep- cional e limitada, na esteira do princípio básico de intervenção mínima do Estado nas relações privadas previsto na Lei n. 13874/2019. 2.6.3. A Função Social e a Sua Relação com os Princípios Clássicos O princípio da função social não elimina, mas mitiga ou reduz o alcance dos princípios con- tratuais clássicos: autonomia da vontade, obrigatoriedade dos contratos e relatividade. Em relação à autonomia da vontade, essa implica a liberdade de contratar. Tal concepção foi substituída pela autonomia privada, que consiste na liberdade contratual ou no poder de estabelecer o conteúdo do contrato. Em razão dos limites positivos e negativos impostos pelo princípio da função social, a autonomia privada ou poder de regulação passa a subordinar-se aos valores constitucionais já assinalados, sempre na busca de resguardar situações existen- ciais da pessoa humana. Em relação ao princípio da obrigatoriedade, a função social quebra a ideia de intangibilidade e imutabilidade que sempre o norteou. O contrato é obrigatório e deve ser cumprido, desde que não viole a dignidade dos contratantes e de terceiros e ele alheios, que as partes tenham um comportamento ético durante todo o processo contratual, que não se caracterize qualquer dos defeitos do negócio jurídico, que não haja desequilíbrio econômico da relação por fatos superve- nientes à formação, que não caracterize onerosidade excessiva, dentre muitas outras condições. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 15 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni O contrato é obrigatório apenas se o seu conteúdo estiver afinado com os princípios consti- tucionais que o fundamentam. Tais valores constitucionais condicionam a obrigatoriedade do pacto. No entanto, como bem ponderou Teresa Negreiros, deve haver um equilíbrio e harmonia entre os princípios clássicos e contemporâneos (teoria do contrato). A devida ponderação e a prevalência de uns sobre os outros deve ter como paradigma a essencialidade ou não do con- trato para a satisfação das necessidades existenciais do contratante. É nesse sentido que deve ser interpretado o parágrafo único do artigo 421 do CC. A inter- venção do Estado em relação aos contratos será maior ou menor, a depender dos valores envol- vidos na relação contratual. O contrato, quanto mais essencialpara a satisfação de questões existenciais, suportará maior controle e intervenção estatal e, quanto menos essencial para tais situações (com finalidade marcadamente econômica), menor será a intervenção Estatal. No mais, a função social interage com o princípio da relatividade para mitigá-lo. O contrato não é mais uma relação enclausurada entre dois sujeitos, mas uma relação jurídica cooperativa com repercussão social. Isso significa que o contrato não apenas ostenta uma eficácia interna, mas, principalmente, uma eficácia externa. É o que será objeto de análise no próximo tópico. 2.6.4. Função Social: Eficácia Interna e Externa do Contrato Por fim, na relação com o princípio da relatividade, verifica-se a maior transformação pro- vocada pelo princípio da função social. Neste momento, deve ser ressaltada a eficácia interna e externa dos contratos em decorrência da interatividade entre os princípios da função social e relatividade. No liberalismo, a relatividade dos contratos significava que estes somente geravam efeitos entre os contratantes, ou seja, não prejudicavam e tampouco beneficiavam terceiros não parti- cipantes da relação contratual. Era a denominada eficácia interna. Por conta da função social, terceiros, que não sejam propriamente partes do contrato, po- dem nele influir, porque o contrato é visto como fator de alteração da realidade social, não sen- do mais restrito ao interesse exclusivo dos contratantes. Com isso, torna-se relativo o princípio da relatividade dos contratos. A função social desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia privada. Ao contrário disso, a sua atividade é contro- lada por preceitos de ordem pública. Com o princípio da função social, aquela eficácia interna foi reforçada e, mais importante do que isso, o contrato passou a ostentar uma eficácia externa ou transcendente, passando a gerar efeitos na esfera jurídica de terceiros alheios à relação contratual, ou seja, terceiros que não integraram a relação jurídica base. Quanto à eficácia interna, impõe-se que o princípio da função social atue primeiro entre as partes, a fim de assegurar a preservação da dignidade dos contratantes, a equivalência ma- terial e a preservação de uma causa legítima (os interesses perseguidos pelos contratantes O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 16 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni devem ser dignos de tutela e tal questão está diretamente conectada à função social). Tal efi- cácia interna foi ressaltada no Enunciado n. 360, da IV Jornada de Direito Civil: “O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre os contratantes”. A doutrina sempre divergiu sobre a função social interna do contrato, tendo em vista que o princípio da boa-fé objetiva seria suficiente para resguardar e tutelar os interesses dos con- tratantes. Até pelo caráter horizontal da boa-fé objetiva, exige-se uma recíproca cooperação e proteção dos contratantes e, nessa toada, admitir a função social interna poderia levar a uma indevida sobreposição de princípios, fato que esvaziaria uma das acepções ou vertentes da boa-fé objetiva. Após uma profunda reflexão, vemos que não há perigo deste esvaziamento ocorrer. Isso porque haverá situações em que a boa-fé objetiva, de forma isolada, não conseguirá tutelar. Por exemplo, em contratos que tenham por objeto o direito da personalidade da pessoa hu- mana (cessão de imagem, por exemplo), é possível cogitar lealdade, proteção e cooperação recíproca. As partes atuam de boa-fé, agem com correção, honestidade e ética. Todos sabem os limites e a extensão do contrato. Não há informações ocultas. Por isso, se a dignidade de um dos contratantes estiver em risco, não se pode cogitar ausência de boa-fé. O que poderia proteger a dignidade em contratos desta natureza em que a ética é recíproca? A função social. Tal princípio condiciona a legitimidade dos contratos à salvaguarda da dig- nidade dos contratantes. Não se pode esquecer que a função social é causa do negócio jurídico. Exemplo disso é o Enunciado n. 166 da III JDC: ENUNCIADO N. 166 A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a impossibili- dade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil. A função social está conectada à socialidade e, no âmbito interno, complementa o prin- cípio da boa-fé objetiva. A eficácia interna também pode ser concretizada na proteção dos vulneráveis contratuais, como nos casos de contratos por adesão que ostentem cláusulas de renúncia antecipada a direito do aderente. Como exemplo veja o que diz os Enunciados n. 172 e 433 das JDC. ENUNCIADO N. 172 As cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas de consumo. Dessa forma, é possível a identificação de cláusulas abusivas em contratos civis comuns, como, por exemplo, aquela estampada no art. 424 do Código Civil de 2002. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 17 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni ENUNCIADO N. 433 A cláusula de renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do con- trato de adesão. Também pode ser citada a nulidade de cláusulas contratuais antissociais, como aquela que limita o período de internação em UTI, já considerada nula pelo STJ, por meio da Súmula n. 302: SÚMULA N. 302 É abusiva a cláusula que limita no tempo a internação do segurado, o qual prorroga a sua presença em unidade de tratamento intensivo ou é novamente internado em decorrência do mesmo fato médico, fruto de complicações da doença, coberto pelo plano de saúde. Assim como aquela que repassa ao consumidor os custos administrativos do contrato: ENUNCIADO N. 432 Em contratos de financiamento bancário, são abusivas cláusulas contratuais de repasse de custos administrativos (como análise do crédito, abertura de cadastro, emissão de fichas de compensação bancária, etc.), seja por estarem intrinsecamente vinculadas ao exercício da atividade econômica, seja por violarem o princípio da boa-fé objetiva. A outra vertente da eficácia da função social é a sua repercussão externa. É a denominada eficácia externa ou tutela externa do crédito. A função social torna o contrato “interativo”, pois tal negócio jurídico interage com a coletividade de um modo geral. Por esta razão, se o con- trato entre dois sujeitos violar interesses coletivos, os interesses econômicos individualizados serão sacrificados para salvaguardar o interesse público. Em matéria contratual, o interesse público sempre prevalecerá sobre interesses econômicos individualizados. Esta repercussão do contrato na sociedade decorre dos seus efeitos transcendentes diante da renovação impos- ta pelo princípio da função social ao princípio da relatividade dos contratos. A partir desta eficácia externa, os interesses privados de terceiros não integrantes da rela- ção contratual estarão assegurados caso aquele contrato venha a repercutir negativamente na esfera jurídica dos mesmos. A revolução provocada pela função social no aspecto relacionado aos efeitos transcendentes pode ser visualizada em várias situações, a seguir exemplificadas. O Enunciado n. 21 da I JDC, ressalta esta nova característica do contrato em decorrência do princípio da função social:ENUNCIADO N. 21 A função social do contrato, prevista no art. 421 do CC, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, impli- cando a tutela externa do crédito. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 18 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Em resumo, a “tutela externa do crédito” decorre ou deriva do princípio (cláusula geral) da função social (externa) dos contratos. Em tempos de socialidade e funcionalização dos direi- tos, os contratos passam a ser oponíveis a toda a coletividade e, como consequência, com eficácia perante terceiros (não para impor deveres contratuais a estes). O objetivo principal é proteger o direito/crédito dos contratantes contra atos ilícitos de terceiros (que não integraram a relação contratual). O princípio da relatividade perde a condição de dogma (a regra res inter alios acta, o contrato não traz benefícios ou prejuízos a terceiros, deve ser revista). Em razão desta eficácia ultra partes (transcendente), terceiros podem interagir com deter- minados contratos a partir de duas perspectivas: 1. na condição de vítimas (ofendidos) de re- lação contratual da qual não fizeram parte (o direito do terceiro é violado); e 2. na condição de autores (ofensores), quando atuam para interferir ilicitamente na relação contratual (terceiro provoca o inadimplemento contratual). Nestas perspectivas, a tutela externa do crédito significa conferir proteção jurídica (tute- la) ao direito subjetivo/interesse (crédito) de terceiro (externa) vítima de contrato ou proteger (tutela) os contratantes (crédito) por força da atuação de terceiro (externo) que interfere em contratos ou situações jurídicas em andamento. Apesar da relatividade, o contrato projeta sua eficácia perante terceiros e, por isso, impõe deveres de abstenção (proíbe que terceiro interfira em contrato – estes devem respeitar situações jurídicas consolidadas) ou protege as vítimas (terceiros) de qualquer relação contratual. Ainda que também associada à proteção de vítimas de contratos (terceiro ofendido), a tutela externa do crédito, de fato, tem como objetivo central proteger os contratantes contra atos ilícitos de terceiros. A tutela do direito de crédito é interna (teoria do adimplemento/ina- dimplemento) e externa (ílcito genérico – neminem laedere – pela imposição do dever geral de abstenção). O direito de crédito deve ser protegido contra aliciadores de contratantes. O terceiro ofensor será responsabilizado pela violação do dever geral de abstenção. A violação ocorrerá quando o terceiro convencer um dos contratantes a romper o contrato e celebrar outro com ele (terceiro), incompatível com o primeiro. Em terras tupiniquins, os exemplos de aliciadores, que provocam o inadimplemento de contratos em andamento, são abundantes. Nestas situações, o contratante vítima do alicia- mento terá direito à indenização contra o terceiro ofensor, com base na teoria do ato ilícito (responsabilidade extracontratual), sem prejuízo de exigir os encargos decorrentes do inadim- plemento contra o contratante seduzido pelo aliciador (responsabilidade contratual), gerando reparações distintas e autônomas. A eficácia externa, ou “tutela externa do crédito”, funciona como gênero da tutela de inte- resses transindividuais, do terceiro ofendido e do terceiro ofensor. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 19 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Interesses Transindividuais No caso dos interesses transindividuais, em razão da eficácia externa decorrente da neces- sária função social do contrato, caso este viole tais interesses difusos ou coletivos, qualquer dos legitimados do artigo 82 do CDC poderá pleitear a invalidação, a ineficácia ou a conforma- ção do contrato aos valores constitucionais, para que ostente a função social imposta pela lei. Os interesses ou direitos difusos são aqueles de natureza indivisível, de que sejam titu- lares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (inexistência de relação jurídica base entre os sujeitos e indivisibilidade do bem jurídico), como, por exemplo, questões ambientais. Obs.: � Nas relações de consumo, tais interesses difusos podem estar relacionados à publici- dade enganosa ou abusiva ou à colocação no mercado de produtos com alto grau de periculosidade ou nocividade à saúde ou segurança dos consumidores. Nestes exem- plos, o bem jurídico tutelado é indivisível e uma única ofensa é suficiente para a lesão de todos os consumidores. Neste caso, embora os interesses econômicos dos con- tratantes estejam preservados, a eficácia transcendente (repercussão dos efeitos do contrato na coletividade) pode levar à invalidação ou à imposição de penalidades para a necessária conformação do contrato ao princípio da função social. Isso é possível em razão da eficácia externa do contrato. Os interesses ou direitos coletivos são de natureza indivisível, de que seja titular um gru- po, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. A relação jurídica base é preexistente à eventual lesão. Assim, interesses deste grupo ou classe que sejam atingidos por contratos firmados por membro do mesmo grupo ou classe poderão ser questionados em razão da eficácia externa e da repercussão dos efeitos do contrato em suas esferas jurídicas, ainda que não tenham integrado o contrato. De acordo com o Enunciado n. 23 da I JDC, a função social reduz o alcance do princípio da autonomia privada, quando presentes interesses metaindividuais. Terceiro Ofendido A tutela externa do crédito ou eficácia externa do contrato sob a perspectiva do direito subjetivo de terceiro ofendido pela relação contratual da qual não participou também merece destaque. Nesta situação, um sujeito qualquer, estranho e alheio à relação jurídica de direito material (contrato), vê o seu direito subjetivo violado ou lesado (por isso se diz terceiro “ofen- dido”) por um contrato. Há vários exemplos que podem ilustrar tal situação: Em primeiro lugar, o consumidor por equiparação (chamados também de bystanders), objeto do art. 17 do CDC. O artigo está inserido em seção que trata da responsabilidade do fornecedor por fato do produto ou serviço, os denominados “acidentes de consumo”. Se os O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 20 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni defeitos em produto decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, ma- nipulações, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações inadequadas ou insuficientes sobre sua fruição e risco e, ainda, os defeitos relativos à presta- ção de serviços, violarem direito de terceiro que não integra a relação de consumo, este sujeito poderá exigir a reparação dos danos suportados, como se consumidor fosse. Outra situação é a do sujeito vítima de um contrato de seguro. De acordo com o art. 757 do CC, o segurador obriga-se a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados. No caso de seguro de dano ou responsabilidade civil, o segura- dor deve garantiro pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro, conforme redação expressa do art. 787 do CC. Como se vê, o segurador tem a obrigação de indenizar, diretamente, o terceiro ofendido pelo segurado, embora não haja relação jurídica material entre a vítima (terceiro) e a seguradora. Qual a razão disso? Função social ou eficácia externa do contrato, a qual acarreta a transcendência dos efeitos do contrato, fazendo-o repercutir na esfera jurídica de terceiros. O segurador garante o paga- mento de indenização ao terceiro e não apenas ao segurado. Apesar da responsabilidade da seguradora, neste caso, o STJ possui súmula, segundo a qual SÚMULA N. 529 No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo ter- ceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano. Assim, faz-se mister a participação do segurado no polo passivo, como condição para a responsabilização direta da seguradora. O fundamento deste entendimento é que a ausência do segurado poderia prejudicar ou dificultar a defesa da seguradora. Em outra súmula, o STJ firmou entendimento de que SÚMULA N. 537 Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, poderá ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado ao pagamento de indenização devida à vítima, nos limites da condenação deste na ação regressiva. O próprio artigo 128 do CPC/2015 admite e permite execução direta contra o denunciado, nos casos de denunciação. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 21 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Outro exemplo de terceiro ofendido poderia ser localizado no art. 456 do CC, que tratava da denunciação da lide em caso de evicção. A novidade do dispositivo era a denominada de- nunciação “por saltos”, uma vez que a norma permitia a denunciação de alienantes anteriores, ou seja, de sujeito com quem o denunciante adquirente jamais teve relação jurídica de direito material (os verbos estão sendo utilizados no passado porque este artigo foi revogado pelo CPC/2015). Por fim, outro exemplo de tutela do terceiro ofendido é a Súmula n. 308 do STJ, segundo a qual SÚMULA N. 308 a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à cele- bração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. Trata-se da aplicação do princípio da função social para proteger adquirentes de imóvel que não participaram do contrato de financiamento entre a construtora e o agente financeiro. Os adquirentes de imóvel hipotecado são terceiros em relação a estes contratos e, como tais, diante da eficácia externa do contrato, não podem ser prejudicados por um contrato do qual não participaram. O direito de crédito do financiador pode ser exercido contra a devedora/ construtora, mas não contra os adquirentes, que são terceiros ofendidos e não podem ser prejudicados pelo inadimplemento da construtora a qual não efetivava o repasse dos recursos para a financiadora. No caso, há duas relações jurídicas distintas e inconfundíveis. A primeira, de financiamento entre os bancos investidores e as construtoras. A segunda, de compra e venda e, em alguns casos, também de financiamento, entre a construtora e os adquirentes de unidades imobiliá- rias. Não se pode exigir dos adquirentes garantia que não anuíram e não deram causa. Neste sentido, é o REsp 468.062/CE, de relatoria do Min. Humberto Martins, julgado em 11.12.2008. Terceiro Ofensor A tutela externa do crédito ou eficácia externa do contrato sob a perspectiva do terceiro ofensor também deve ser ressaltada. O terceiro ofensor é o sujeito que interfere ilicitamente em uma relação contratual em pleno processo de execução, causando o inadimplemento des- ta. A eficácia externa impõe que terceiros ou a coletividade abstenha-se de violar os direitos dos contratantes, mediante interferências indevidas. Caso isso ocorra, este terceiro ofensor será penalizado. Segundo a professora Teresa Negreiros, A oponibilidade dos contratos traduz-se, portanto, nesta obrigação de não fazer, imposta àquele que conhece o conteúdo de um contrato, embora dele não seja parte. Isto não implica tornar as obrigações contratuais exigíveis em face de terceiros (é o que a relatividade impede), mas impõe a terceiros o respeito por tais situações jurídicas, validamente constituídas e dignas de tutela do ordenamento (é o que a oponibilidade exige). (Teoria do contrato) O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 22 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni O exemplo citado pela referida professora de terceiro ofensor diz respeito aos contratos de exclusividade que as distribuidoras de gasolina mantêm com os postos que exibem a sua “bandeira”. A celebração de contratos com postos vinculados a outra distribuidora, em termos de exclusividade, implica responsabilidade do terceiro (distribuidora) que provocou o rompi- mento do contrato. No caso, a responsabilidade é do terceiro em relação ao contratante pre- judicado, sem prejuízo deste último exigir do contratante que optou por vincular ao terceiro os encargos previstos no contrato, em decorrência deste rompimento injustificado (provocado pelo terceiro). Outro exemplo de terceiro ofensor, expressamente disciplinado no art. 608 do CC, envolve o aliciamento de contratantes por terceiros em contrato de locação de serviços. Segundo o re- ferido dispositivo, aquele que aliciar pessoas obrigadas, em contrato escrito, a prestar serviço a outrem, pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houver de pagar durante dois anos. A conduta do terceiro aliciador provoca o rompimento do contrato e, no caso, tal terceiro, pelo ajuste desfeito, responderá pela indenização prevista no artigo ao contratante prejudicado, sem prejuízo deste exigir do seu parceiro contratual os encargos de- correntes deste inadimplemento. O grande avanço na temática consiste na possibilidade de o ofendido, pela quebra de seu contrato, demandar diretamente contra terceiro ofensor, mesmo não havendo avença entre eles (Direito dos contratos). Obs.: � Em conhecido caso da mídia, o cantor Zeca Pagodinho, que era garoto propaganda de uma cervejaria, por conta de aliciamento de terceiro (Ambev), rompeu o contrato de exclusividade para assinar outro contrato com o terceiro que o aliciou. Neste caso, que chegou aos tribunais, a conduta da Ambev foi considerada abusiva, pois, embora não tenha sido parte no contrato entre o cantor e a Schincariol, interferiu ilicitamente em contrato alheio ao não observar o pacto de exclusividade, o que gerou um dano indenizável. Na V JDC, foi aprovado o Enunciado n. 431 para registrar que a ausência de função social poderá conduzir à invalidade ou à ineficácia do contrato ou de cláusulas contratuais, a depen- der do momento e das circunstâncias do caso concreto. Aliás, por ser preceito de ordem pública, ao teor do disposto no parágrafo único do art. 2.035 do CC, a função social permite a atuação do juiz de ofício e a intervenção do Ministério Público. Por tal razão, incompreensível, a Súmula n. 381 do STJ, veda ao juiz conhecer de ofício a abusividade em contratos bancários. Em relação de consumo, a súmula torna-se incompatí- vel com o sistema que impõe a nulidade de pleno direito de cláusulas abusivas. Nas relações civis, a súmula viola o parágrafoúnico do artigo 2.035, na medida em que a abusividade de cláusulas de contratos, em especial bancários, viola o princípio da função social, cuja cláusula geral permite ao juiz intervir, de ofício. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 23 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni A responsabilidade do terceiro ofensor é extracontratual, porque não há relação jurídica material e individualizada entre ele e a vítima da ofensa. A conduta do terceiro viola o dever genérico legal, que impõe a todos a observância de determinado comportamento. Em regra, aplica-se a teoria do ato ilícito que é fundada na culpa, tudo nos termos dos artigos 186 e 927, ambos do CC. 2.6.5. Princípio da Boa-Fé Objetiva e Tutela da Confiança Como Direito Fun- damental Na teoria geral dos contratos, a cláusula geral da boa-fé objetiva está inserida no art. 422 do CC, segundo o qual os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. A ética é um dos paradigmas da codificação civil de 2002 e tal princípio é retratado no sistema pela boa-fé objetiva, que não se confunde com a boa-fé subjetiva (relacionada a fato- res psicológicos). A boa-fé objetiva compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte (Direito dos contratos). A boa-fé objetiva tem três funções bem delineadas e definidas no sistema civil: • A primeira é a função interpretativa/integrativa, por servir como parâmetro de interpre- tação e integração de lacunas dos negócios jurídicos em geral e do contrato em particu- lar, objeto de disciplina no art. 113 do CC (Direito dos contratos). • A segunda função é a imposição de limites éticos para o pleno exercício de direitos subjetivos e potestativos, a qual é retratada no art. 187 do CC, dispositivo que regula a teoria do abuso de direito. • A terceira função do princípio da boa-fé objetiva é a criação de deveres anexos, colate- rais ou secundários, como lealdade, imposição de comportamento honesto, dever de co- laboração e solidariedade recíprocas, informação, que podem ser sintetizadas na ética e probidade, conforme art. 422 do CC (Deveres de proteção, de cooperação e deveres de esclarecimento ou informação). As três funções relacionadas ao princípio da boa-fé objetiva devem ser observadas na te- oria contratual. O sentido e significado do contrato devem levar em conta a conduta e o com- portamento dos sujeitos. Portanto, a interpretação de um contrato é realizada à luz do princí- pio da boa-fé objetiva. Por outro lado, o contrato é fonte geradora de direitos e, ao exercer os direitos originados de um contrato, nenhum dos contratantes pode agir com abuso, sob pena de violação do princípio ético da boa-fé objetiva, o que caracteriza o ilícito pelo abuso de direito (artigo 187). O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 24 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni E, por fim, o no âmbito da formação e durante todo o processo contratual que finalizará com o adimplemento, impõem-se às partes contratantes deveres de conduta e comportamen- to, conforme art. 422 do CC. Tais deveres podem ser resumidos em dever de proteção recí- proca, lealdade, informação e cooperação. Todo e qualquer outro dever estará relacionado a um destes. Na proteção, os contratantes devem criar condições contratuais para que seu parceiro não seja prejudicado por intercorrências externas, imprevistos que desequilibrem o contrato e não suporte violação de seus direitos existenciais (dignidade da pessoa humana). A lealdade implica tratar o contratante como parceiro. Os contratantes devem possuir inte- resses convergentes, como condição de legitimidade de um contrato. O dever de informação é a essência dos denominados deveres anexos, colaterais ou secun- dários impostos aos contratantes pelo artigo 422 do CC. A informação clara e precisa sobre os termos, limites, condições, imprecisões, vícios, ônus, sujeições, dentre outros, é essencial para a plena concretização da boa-fé. A cooperação recíproca poderia ser considerada o resumo de todos os demais deveres. Nesta perspectiva, o contratante confia na sinceridade da vontade manifestada pelo parceiro por ocasião da formação de qualquer contrato e, em razão disso, nasce uma expectativa le- gítima elevada à condição de direito fundamental, capaz de ser oposto em qualquer relação privada. Esta confiança e expectativa devem ser tuteladas. A confiança foi elevada à categoria de direito fundamental nas relações privadas, em de- corrência do princípio da boa-fé objetiva. Em qualquer ato ou negócio jurídico, em geral, e no contrato, em particular, a confiança extraída do comportamento ou da conduta de um dos sujeitos é digna de tutela. A confiança é uma crença efetiva no comportamento alheio e tem como fundamento a boa-fé. A exigência de comportamento leal foi objeto do Enunciado n. 26, da I JDC: ENUNCIADO N. 26 A cláusula geral contida no art. 422 do Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exi- gência de comportamento leal dos contratantes. Na aplicação da boa-fé, deve-se verificar a natureza do contrato, as circunstâncias do negó- cio, o histórico dos contratantes, os valores da sociedade, o tempo, o espaço, como condição para observar se a atuação humana, no caso concreto, é compatível com o sentimento ético da sociedade ao tempo do contrato. A boa-fé objetiva é um princípio em constante transfor- mação, que deve sempre ser adaptado aos valores da sociedade no tempo do contrato. Ao contrário da “equidade”, que busca um sentimento de justiça e afasta o aplicador das regras e princípios jurídicos positivados, a boa-fé objetiva é avaliada à luz destes valores positivados. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 25 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni O art. 422 do CC, conforme tratado no capítulo sobre obrigações, amplia o conceito de adimplemento, pois o princípio da boa-fé objetiva impõe aos contratantes, ao lado do dever principal de prestação, alguns deveres de conduta (proteção, colaboração, informação, etc.), os quais, se não observados, levarão ao inadimplemento do contrato, o que se convencionou denominar de violação positiva do contrato. Nesse sentido está o Enunciado n. 24, da I JDC: ENUNCIADO N. 24 Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa. Portanto, a lesão aos deveres de proteção, informação e cooperação caracterizam a viola- ção positiva do contrato, espécie do gênero inadimplemento. Ainda conectado ao dever de comportamento leal e honesto, em especial aos deveres de proteção e colaboração, o princípio da boa-fé objetiva impõe que o contratante aja rapidamen- te para mitigar as perdas ou evitar o agravamento do próprio prejuízo. Em resumo, o princípioda boa-fé objetiva é princípio que materializa e concretiza, no mundo dos fatos, o paradigma da eticidade. Tal princípio impõe aos sujeitos, em especial em relações jurídicas obrigacionais, padrão de conduta e comportamento, em todas as fases: preparação (antes); for- mação e execução (durante) e, extinção (após). O sujeito deverá atuar de acordo com determinado padrão de honestidade e correção, o que somente poderá ser apurado no caso concreto. O modo e o padrão de conduta dependerão da natureza da obrigação, do contexto social e da condição dos su- jeitos, entre outras circunstâncias que podem estar presentes no caso concreto (ética da situação). A boa-fé objetiva, portanto, é analisada externamente, pois é irrelevante a sua convicção ou intenção (boa-fé subjetiva). Também se relaciona com a segurança jurídica, porque preserva a coerência e confere estabilidade para os comportamentos que geram expectativa e confiança. Em conclusão, a boa-fé objetiva impõe comportamento ético, correção no modo de agir. De acordo com o artigo 422, as partes devem comportar, tanto nas negociações que an- tecedem o contrato, como durante a execução deste, o princípio da boa-fé. A boa-fé também deve ser observada na fase pós-contratual. Neste sentido, o Enunciado n. 170, da III JDC afirma ENUNCIADO N. 170 A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato. Portanto, a boa-fé passa a integrar o conteúdo das relações jurídicas obrigacionais, em especial no âmbito contratual. TRT-PR-18-01-2012 CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DANO MORAL. FASE PÓS-CONTRATUAL. DESQUALIFICAÇÃO OBREIRA PERANTE TERCEIROS. A cláusula geral da boa-fé objetiva, disciplinada pelo art. 422 do CC, exige também lealdade e probidade aos sujeitos envolvidos na fase pós-contratual, buscando a proteção do patrimônio (tanto material quanto moral) dos contratantes. O dano pós-contra- tual (ou culpa “post pactum finitum”) encontra-se dentro da responsabilidade civil contratual. O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título, a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal. 26 de 96www.grancursosonline.com.br Teoria Contratual: Parte Geral – Parte I DIREITO CIVIL Daniel Carnacchioni Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Pro- prium), Supressio (Verwirkung), Surrectio (Erwirkung) e Tu Quoque São decorrências do princípio da boa-fé objetiva, como standard de comportamento, cer- tos subprincípios, que norteiam a análise realizada pelo julgador da conduta das partes. O venire contra factum proprium veda o comportamento contraditório e a incoerência do su- jeito em determinada relação privada. Por isso, se o sujeito se orienta no início do negócio jurídico de uma forma e, no decorrer do negócio, sem qualquer justificativa, passa a ter uma conduta incompatível e contrária à conduta inicial, restará caracterizado o abuso de direito. O objetivo deste instituto é a tutela da confiança do sujeito que acreditou no comportamento inicial da outra parte. A supressio, a surrectio e o tu quoque são desdobramentos da nemo potest venire contra fac- tum proprium, estando, portanto, integradas na teoria do abuso de direito. A supressio implica a supressão de direitos ou de situações jurídicas em função de um deter- minado comportamento, de uma omissão, que gera na outra parte uma legítima expectativa de que o sujeito omisso não tem mais interesse no direito. A surrectio seria o lado oposto, representando o surgimento de um direito, aquisição de um direito e razão do comportamento continuado da outra parte (supressio e surrectio são lados opostos de uma mesma moeda). Por fim, o tu quoque representa a adoção de critérios diferentes para situações assemelhadas. Então, a pessoa, diante da mesma situação, adota comportamentos diferentes em relação a cada um dos sujeitos. É a prática de “dois pesos e duas medidas”, como o caso em que uma parte, após violar a norma, pretende exercer posição jurídica que esta mesma norma lhe assegura. 2.6.6. Duty to Mitigate the Own Loss O dever de mitigar a própria perda foi inspirado no direito anglo-saxão, que tem natureza de dever e recebe o nome de duty to mitigate the own loss. Ele tem total ligação com o princípio da boa-fé objetiva, na realidade, sendo dele decorrente. Está relacionado a uma conduta omis- siva e abusiva do titular de um direito subjetivo, o qual, diante do inadimplemento do parceiro contratual, não adota o comportamento esperado dos credores em situações desta natureza (a exigência do direito). Ao contrário, retarda, abusivamente, o exercício do direito subjetivo com a finalidade de aumentar o passivo do seu parceiro. A mitigação do próprio prejuízo constitui um dever de natureza acessória, anexo, decorrente da boa conduta que deve existir entre os negociantes. Faz parte, portanto, do dever de colabora- ção entre as partes contratantes. Além de caracterizar conduta abusiva por omissão, tal compor- tamento viola o artigo 422, na medida em que não há a devida colaboração e proteção do outro contratante, deveres fundamentais a serem observados antes, durante e após o contrato. 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A parte que invocar o inadimplemento do contrato deverá tomar as medidas que forem razoáveis, de acordo com as circunstâncias, para diminuir os prejuízos resultantes do des- cumprimento, incluídos os lucros cessantes. Caso não adote estas medidas, a outra parte poderá pedir redução na indenização das perdas e danos, no montante da perda que deveria ter sido mitigada. O Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2010, no julgamento do REsp 758.518/PR, de re- latoria do Min. Vasco Della Giustina, julgou um leading case em matéria relacionada ao dever de mitigar a própria perda. 2.6.7. Princípio do Equilíbrio Contratual ou Equivalência Material O equilíbrio contratual é uma especialização ou vertente da cláusula geral da função social dos contratos. O contrato, dentre outros aspectos, ostentará função social quando a relação jurídica material e substancial for equilibrada economicamente. O equilíbrio contratual ou a equivalência material é uma exigência do princípio da função social e do valor constitucional “igualdade substancial”. O instituto da lesão, previsto no art. 157 do CC, a teoria da imprevisão, disciplinada no art. 317, a teoria da onerosidade excessiva objeto do artigo 478 e a vedação da cláusula penal excessiva, constante no art. 413 da Lei Civil, são algumas normas que visam a concretizar a igualdade substancial e material e, em consequência, garantir o equilíbrio e a equivalência do contrato. O importante a ressaltar é que o fundamento deste princípio está na Constituição. A ve- dação a que as prestações contratuais expressem um desequilíbrio real e injustificável entre as vantagens obtidas por um e por outro dos contratantes ou, em outras palavras, a vedação a que se desconsidere o sinalagma contratual
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