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E a escuta nem sempre é uma escuta que a criança vai elaborar e te dizer 
diretamente. Ela vai te mostrar de inúmeras outras formas. E quando nós 
falamos escuta, essa escuta não é também uma escuta que aceita e que só 
reforça o que a criança está dizendo, mas que demonstra para ela o sentido de 
viver em coletividade, portanto aprendendo os limites desse viver em sociedade, 
desse convívio com o outro. 
Olá, sejam bem-vindos ao segundo episódio do podcast Criançar Infância em 
Movimento. Meu nome é Daniela Leão e hoje estamos aqui. A nossa proposta é 
pensar sobre infância e subjetividade. Nada é tão novo quanto o que 
aprendemos hoje. Nosso objetivo é abrir um espaço de diálogo e reflexão entre 
profissionais especialistas da área e a comunidade, tendo como eixo central a 
infância. Esse podcast é uma iniciativa do Instituto Criançar, Escola de 
Profissionais da Infância, fundado por mim, Daniela, Alessandra e Marcela, 
profissionais da área da psicologia, educação e direito. 
E hoje nós estamos aqui com uma convidada super especial, a professora Liliane 
Barros de Almeida. Essa pessoa maravilhosa que está aqui com a gente hoje, 
ela encanta pela sua grandeza intelectual e essencialmente pela humanidade 
presente na sua existência. Ela, com a sua generosidade, ao compartilhar 
conosco seu amplo conhecimento, ela vai deixando a nossa ignorância mais à 
vontade para se manifestar e alimentar-se na fonte do pensamento filosófico, 
ampliando o nosso esclarecimento. Pessoa porque o Instituto tem imenso 
respeito e admiração. Está presente no nosso Instituto Criançar, oferecendo 
assessoria teórica e metodológica aos nossos projetos. Seja bem-vindo, Liliane. 
Obrigada, Daniela. Obrigada, Alessandra, Marcela. É uma emoção ouvir suas 
palavras. Muito obrigada a vocês três, que com tanto empenho estão aí 
buscando desempenhar um papel muito importante na nossa sociedade, em prol 
da infância, em prol da educação. Isso por si só já me deixa muito emocionada 
e não teria como não acompanhar um projeto tão lindo quanto esse. Então, se 
você deseja saber um pouco mais sobre essa profissional e o tema que a gente 
vai trabalhar aqui, vem com a gente. 
E aí, passo para você agora, Liliane, se apresente um pouquinho para nós, fala 
o seu currículo aí para a gente um pouquinho. 
Sim, eu sou professora pedagoga de formação, mestre e doutora em educação 
também, formada pela universidade pública, pela escola pública do nosso país 
e, portanto, defensora também da escola pública, da educação pública e de 
responsabilidade de todos nós. Eu fui professora da educação básica por muitos 
anos, trabalhei na gestão também da escola básica e, atualmente, estou como 
professora da universidade, pesquisadora da área da educação e pesquiso a 
formação humana e é de grande interesse aquilo que vocês estão aqui 
discutindo, pensando, trabalhando no Instituto Criançar. 
Hoje, eu trouxe uma fala de uma autora que eu gosto muito e que eu estudo 
muito nessa área da criança, que é a Sheila Antonia, e ela coloca assim, que 
ontologicamente somos um ser de relação e construímos a nossa identidade por 
meio dos contatos que estabelecemos com o mundo e com o outro e que o 
mundo subjetivo da criança é construído e organizado a partir das múltiplas 
coexistências experimentadas ao longo da vida. 
E hoje nós estamos aqui para falar dessa criança, da subjetividade, da infância 
e aí, diante disso, eu gostaria de começar te perguntando, o que é importante 
pensar quando falamos de subjetividade? É muito importante pensar, assim 
como a autora coloca, naquilo que nos funda como humanos, naquilo que nos 
traz condiçãode ser no mundo. E a subjetividade é o que sustenta o ser no 
mundo, é o que nos dá a possibilidade de sermos sociais, de conviver com o 
outro, de nos responsabilizar pela nossa existência e também pela existência do 
outro. Portanto, nos manter em relação sempre viva com o humano. Quando nós 
falamos de subjetividade, é preciso compreender que a minha subjetividade se 
constitui com a subjetividade do outro. Portanto, é muito importante o convívio. 
Haja vista aí o momento que nós passamos recentemente, que nós tivemos a 
nossa subjetividade muito reduzida, inclusive principalmente nos aspectos 
físicos. Enfrentando todo mundo, né? Tanto que foi tão falado da saúde mental, 
foi tão colocado em evidência a saúde mental em todas as faixas etárias, criança, 
adolescentes, adultos. Exatamente. E isso já nos mostra o quanto é importante 
pensar na nossa singularidade, que se faz sendo plurais. Nossa singularidade, 
que é aquilo que marca cada um de nós, mas também nos constitui na 
coletividade. Então, é muito importante. 
E Liliane, como que a criança constrói a sua subjetividade? Como é que isso vai 
se dando ao longo do desenvolvimento? Então, é preciso, primeira coisa, 
considerarmos isso. Nós, adultos, considerarmos a subjetividade na infância. As 
crianças são seres únicos, portanto precisam ser respeitadas como seres únicos, 
que são individuais, mas também são singulares, mas também são plurais. São 
seres individuais, mas também coletivos. E na relação com a coletividade é que 
ela se faz. Na infância é preciso compreender essa singularidade e auxiliá-los 
como pais, como responsáveis, como adultos que educam. E isso não são só os 
pais, mas todos nós somos adultos que educam. Que nós temos que auxiliar as 
crianças a compreender a coletividade. 
Tem uma frase que a gente traz, que é compreender a criança é saber escutá-
la. E aí essa escuta já começa desde muito pequena. E no início da vida, muito 
mais por questões comportamentais, através do choro, como é que ela vai 
mostrando ali já dessas questões. E depois no desenvolvimento a gente vai ver. 
Mas a questão do escutar, de já ter essa troca com a criança, de ouvir essa 
criança. Até uma coisa interessante que às vezes eu falo muito para pais ou para 
alunos e psicólogos, outros psicólogos ou profissionais que atendem criança. 
Essa nossa paciência com a escuta, de ouvir. Até para a gente entender como é 
que a criança está entendendo e percebendo o que está acontecendo ao redor. 
E a escuta nem sempre é uma escuta que a criança vai 
elaborar e te dizer diretamente. Ela vai te mostrar de inúmeras outras formas. 
Seja exatamente, ela vai te mostrar de inúmeras outras formas. E quando nós 
falamos escuta, essa escuta não é também uma escuta que aceita 
e que só reforça o que a criança está dizendo, mas que demonstra para ela o 
sentido de viver em coletividade, portanto, aprendendo os limites desse viver em 
sociedade, desse convívio com o outro, os limites que são seus, os limites que 
são do outro. Isso é educar. 
Agora, é importante também, Liliana, a gente trazer, assim, dessa conversa, a 
gente trazer essa consciência para nós, adultos. Entendeu? A gente não tem 
essa consciência, né, esse despertar para escutá-la. Principalmente nos 
momentos, nos dias atuais, né, que todos os adultos têm a vida tão corrida e, 
assim, a gente não separa um momento da nossa vida para poder escutá-la, a 
criança, mesmo que seja dois minutos, cinco minutos, para entender o que ela 
está tentando nos trazer, né? 
Então, assim, antes da gente tentar escutá-la e entendê-la, a gente já vai com a 
resposta pronta, né, e com o resultado pronto também, né? E você quer que ela 
se torne alguma coisa que você acha que é certa ou que você projetou, que você 
acha que naquele momento seria o certo. E, normalmente, ela tem outra 
resposta para te dar, né, em relação a determinada situação. Ou querendo te 
mostrar outra coisa, não é, Marcelo? 
De repente, a criança dá uma birra no supermercado e nós ali imediatamente, 
para evitar a birra, entregamos o que ela quer. Daqui a pouco ela dá outra birra. 
E, de repente, não é o objeto. A birra quer dizer outra coisa. Então, isso é escuta. 
Quando eu presto atenção, é fundamental quando se fala de escuta a atenção. 
Porque aquela birranem sempre é de solução imediata. Aquela birra, às vezes, 
está nos mostrando, e a escuta atenta, que é o que você está aí chamando a 
atenção, é isso, né? Por que ela está assim? Qual é o sentido? O que ela está 
me dizendo, né? Ao fazer aqui esse ato. 
Então, de repente, ela não vai chegar e dizer, olha, eu quero, eu estou sentindo 
um mal-estar por isso. Mas ela dá uma birra aqui, outra ali, você, de repente, 
escuta isso que ela está te dizendo. Então, quando vocês estão aqui 
preocupados com a subjetividade, é disso que nós estamos falando, né? 
Tem uma fala também que eu trago, assim, as crianças não nascem prontas. 
Então, tem um desenvolvimento, uma formação, e nós, adultos, somos 
responsáveis também para ajudá-las nesse processo de formação e de 
entendimento. Por isso a importância do nosso olhar e nessa totalidade da 
criança. Porque aí nós vamos olhar para o intelecto, para o cognitivo, nós vamos 
olhar para o emocional, nós vamos olhar para o ambiente, nós vamos olhar para 
vários aspectos que integram essa criança para até entender o que está 
acontecendo com essa criança e como é que ela está percebendo o mundo e se 
relacionando com o que está acontecendo nessa relação. 
E, pensando na educação, é importante a gente entender que, às vezes, escutar 
a criança não significa fazer o que ela quer e atendê-la em todos os momentos. 
Mas escutar, na maior parte, é compreender a linguagem. Existe uma linguagem 
infantil, existe uma linguagem da criança. Num primeiro momento, a linguagem 
da criança é o choro. A linguagem da criança é uma forma de expressão. Então, 
o que ela está querendo dizer quando ela chora, quando ela grita, quando ela dá 
birra ou quando ela diz não? É um processo de compreensão dessa criança e 
do todo que está acontecendo ali naquele momento. Não necessariamente 
atendê-la. Ou não atendê-la e dar uma bronca e pôr de castigo. Nem só o sim, 
nem só o não, mas é a compreensão do que está acontecendo ali. 
Alessandro, quando você fala isso, me chama a atenção, me leva a pensar, 
quando você considera a criança o ser humano, que é na sua totalidade, você 
não olha para ela como a criança em si, mas como um ser humano que elabora 
o mundo. Então, seja uma birra, seja um choro, seja uma alegria, ela está 
elaborando o mundo que ela está vivenciando. E não um momento em si. Nós 
temos muitas vezes o adulto, que é o que nós estamos aqui discutindo, ele olha 
paraa criança e vê a criança por ela mesma, mas a criança é um ser humano. 
Então, às vezes, o nosso mundo tão rápido, como a Marcela colocou, ele faz 
com que a gente veja as atitudes das crianças como atitudes imediatas. E nem 
sempre elas são, ou quase nunca elas são assim como as nossas. Elas são 
sempre demonstração de uma totalidade vivendo, lendo o mundo, 
compreendendo esse mundo e nos dizendo algo. 
Você foi falando e me veio aqui, né? Por isso que muitas vezes quando a criança 
está apresentando algum comportamento que considera mais problemático, 
algum sintoma, algum adoecimento que a gente percebe ali emocional e que ela 
não vai conseguir trazer isso diretamente para a gente, porque às vezes ela nem 
está entendendo ainda, mas ela traz por meio dos sintomas ou de alguns 
comportamentos, também não é uma coisa que a gente consegue resolver 
rápido. Não é uma coisa que vai chegar, faça isso que vai resolver. Por quê? 
Porque eu preciso compreender um monte de... vão me vir um monte de 
perguntas para compreender essa criança numa totalidade maior. Até para saber 
por que esse tipo de comportamento ou sintoma está acontecendo. E aí é um 
processo de um tempo que a gente precisa, tanto quanto é na questão, na minha 
área, que é a psicologia e no consultório, a gente tem um processo terapêutico 
que a criança e os pais vão passar para a gente compreender isso juntos. Então, 
muitas vezes, na maioria das vezes, não é uma resposta imediata. 
Liliane, a gente fica muito ligado também quando a gente traz o ser na sua 
totalidade, a criança, a gente fica muito ligado ao cognitivo. Você quer saber se 
ela aprendeu, se ela não aprendeu, que nota que ela tirou, entendeu? Então, 
assim, eu acho que principalmente esse movimento, não sei se dos pais 
exatamente, não sei se da escola, mas a gente fica muito ligado no cognitivo. E 
aí o emocional fica sempre de lado um pouco, né? A gente não tem muito esse 
olhar para o emocional, você fica só no cognitivo. E aí a gente percebe o buraco 
quando isso afeta, quando o emocional já afeta o cognitivo. E aí tem atraso na 
escola, e aí a criança não dá conta, né? Então essa dificuldade daqueles que 
não chegam, né? Alguns vão e a dificuldade daqueles que não chegam sempre 
por essa falta de você ter esse olhar no total, né? E acaba reduzindo, né, 
Marcela? Talvez aquele ser ali na dificuldade que muitas vezes não é cognitiva, 
mas acaba se tornando porque você... as questões imediatas do cotidiano vão 
nos trazendo e viram uma bola de neve, muitas vezes não é investigada aquilo 
que a Daniela traz, que é o universo pessoal daquele sujeito ali, né? 
Então cada criança, então às vezes são filhos gêmeos, são crianças, irmãos que 
estão ali vivenciando as mesmas experiências, mas cada um constitui, por isso 
a importância da subjetividade, cada um constitui um universo próprio, que 
precisa por isso é terapêutico, é algo que vai exigir uma investigação e um 
investimento de energia, de um trabalho ali de envolvimento emocional, 
cognitivo, temporal, de muita tolerância, muita paciência, muito cuidado com 
esse universo desse sujeito que está nesse processo. 
Então quando vocês... e isso que você traz, Marcela, da questão cognitiva muitas 
vezes, porque a infância ela é muito, na nossa sociedade, é muito marcada pela 
escolarização. Então aí a criança entra na escola, é como se a gente dissesse 
para ela, comunicasse para ela de todas as formas possíveis, agora a vida 
começou a ficar séria para você. É verdade. E aí começa a ver os problemas na 
vida daquele sujeito, daquela criaturinha ali, e ela começa, então aí começa a vir 
a escola para dizer, olha ela não está comportando, olha ela não está 
aprendendo a letra, a vogal, ou aquilo que a Alessandra, que é a especialista, lá 
no processo de alfabetização, dificuldade de leitura, de matemática. E muitas 
vezes isso torna-se maior do que aquela criança, maior do que aquele sujeito 
ali.Eu estou aqui firmando sempre o olhar para a criança como sujeito. Porque 
na sua totalidade, na sua inteireza, integralmente. E o cognitivo passa a ser mais 
evidenciado. Mas antes do cognitivo, se as emoções não estiverem em ordem, 
o cognitivo é a mesma coisa. O cognitivo vai ser afetado por essas emoções que 
estarão ali, um turbilhão do mutuado. Então é preciso pensar na subjetividade 
da criança antes das avaliações do cognitivo aparecerem como principal 
problema. Não há, nós temos que desmistificar essa ideia do cognitivista. É a 
subjetividade, é aquele ser na sua totalidade que precisa, naquele momento ali, 
de um auxílio. Talvez um tempo diferente, um auxílio um pouco diferente, um 
auxílio terapêutico, uma atenção da família. Sem ser rotulado, né, Lilian? Sem 
ser rotulado e reduzido à questão que está sendo apresentada ali, num 
pedacinho do todo, né? Às vezes a criança precisa de tempo para brincar. Às 
vezes é algo simples. Ela precisa de tempo para brincar, ela precisa de se sentir 
à vontade para falar, se sentir à vontade para desenhar, para se sujar. Às vezes 
é isso. 
Então, agora, como é que a gente vai ter uma lista que a gente vai ticando, assim, 
ah, ela não precisa disso, ela precisa daquilo. Não, é o sujeito sendo respeitado 
nas suas particularidades, na sua singularidade, sendo compreendido, 
orientado. É que nós vamos percebendo as necessidades. E aí o olhar desse 
adulto é ampliar, não ficar só no cognitivo e a gente amplia para integrar tanto os 
sentidos, o corpo, as emoções e o intelecto, né? Precisa ampliarisso aí. 
Exatamente. 
E como que nós vamos fazer isso? Nós vamos fazer isso: 
• Lendo livros, 
• Conversando, 
• Dialogando, 
• Aprendendo, 
• Trocando ideias, 
• Ouvindo podcasts do Instituto Criar Sá, 
• Lendo os textos que na universidade estão pesquisando, 
• Ouvindo palestras, 
• Consultando os nossos profissionais. 
Se eu preciso de ajuda da psicologia, eu vou procurar. Se eu preciso de uma 
orientação psicopedagógica, enfim, é dialogando, buscando, compreendendo, 
junto com aqueles que se voltam a fazer os estudos, é que nós vamos sim 
auxiliar as nossas crianças como seres humanos e melhorar a nossa sociedade, 
que clama por isso, né? E assim, o quanto ressaltar aqui, o quanto isso é 
importante, esse olhar para essa totalidade, principalmente, todos os momentos, 
mas assim, na escola, o quanto às vezes isso falta na escola, por falta do tempo, 
do excesso, a preocupação com o cognitivo e com o comportamento, o quanto 
isso é importante olhar também para esse todo, para essa criança na totalidade 
no processo ensino-aprendizagem, porque isso na escola, na sala de aula, 
borbulha, transborda na sala de aula, essa subjetividade e a coletividade e o 
professor que está ali no comando dá conta de administrar e de estabelecer uma 
relação saudável, uma relação de escuta no processo ensino-aprendizagem, 
né? E de favorecendo o desenvolvimento dessa criança é um grande desafio, 
né? Não é uma tarefa fácil, ela é uma tarefa desafiadora, porque você está ali 
com um grupo, né? Então, é importante olhar para isso. 
Conversar com três profissionais, cada um da sua área, é interessante que 
nenhuma vai deixar passar aquilo que é da sua área. Enquanto você falava, 
Alessandra, e eu como pesquisadora, né? Que agora olho a escola, e fiquei 
muitos anos trabalhando na escola básica, quando eu olho para a escola, né? 
Hoje, do lado de fora, olhando de fora para dentro, aí nossa tarefa redobra, não 
é? Porque na escola nós somos profissionais e aí não há como, nós 
podemoserrar, mas é um limite bem menor, não é? Porque as nossas intenções 
ali, elas são, tem que ser muito compromissadas. E aí elas têm que ser muito 
compromissadas com esse desenvolvimento. E a nossa escola, a escola 
brasileira, ela ainda é muito conteudista. Nós precisamos, e ao ser conteudista, 
eu não estou aqui dizendo que a escola não precisa trabalhar os conteúdos, é a 
tarefa dela. Eles também são importantes, né? É o eixo. A escola precisa 
alfabetizar, a escola precisa trabalhar os conteúdos programáticos ali 
estabelecidos no currículo. O Marcelo sabe muito bem disso, que é 
responsabilidade civil. Eu já vou assim trazendo as áreas aqui, porque eu sei 
que vocês vão me chamar sempre, não é? Mas ele não pode ser à frente, o que 
está à frente são os humanos ali envolvidos, né? Os alunos, os professores, os 
alunos, as crianças na educação infantil, né? Os alunos lá no ensino 
fundamental, no ensino médio, mas são pessoas ali, são seres humanos que 
têm uma totalidade, que nessa instituição escolar eu vou, tenho uma tarefa com 
eles que é trabalhar os conteúdos, os conhecimentos, mas o olhar é sempre para 
o ser humano que está ali. 
Então, se essa criança tem dois anos e morde muito o coleguinha, mordendo os 
coleguinhas, a primeira coisa que você tem que entender, isso faz parte do 
desenvolvimento humano dela. Depois, se ela está com um comportamento 
diferente, eu tenho que ir, não é um processo terapêutico, mas eu preciso 
conhecer esse universo dessa criança, auxiliar os adultos que convivem com ela 
para compreender. Se eu tenho uma criança no processo de alfabetização que 
está com maior dificuldade ou com tempo diferente de aprendizagem, eu preciso 
dialogar então com quem acompanha essas crianças, compreender lá o universo 
dela para auxiliar, mas em nenhum momento para culpabilizar. 
Acho que a escola ainda precisa caminhar um pouco, a escola vem caminhando, 
vem mudando muito, mas nós, e aí eu me coloco, porque eu sou formadora de 
professores, então estou também na escola, de certo modo, nós ainda na escola 
ainda temos muito a caminhar nesse sentido, de evitar a culpabilização, mas 
responsabilizarmos em conjunto pela educação da criança, dos jovens e assim 
por diante. 
Aí, Liliane, trazendo aqui um pouquinho agora para o meu lado, quando a gente 
coloca um pouquinho sobre o direito à educação, e trazendo um pouquinho o 
ECA, que acho que a principal eixo do ECA é trazer a criança como sujeito de 
direito que veio a partir da Constituição de 88. Mas aí quando a gente leva esse 
pensamento, essa realidade na verdade, para a escola pública, o que acontece? 
Existe uma, não sei se é dizer uma falha, um distanciamento eu acho, dessa 
concretização desse direito. Porque a criança, quando ela já é uma criança 
sofrida, até pela própria condição de vida da família dela, de onde ela vem, onde 
ela mora, e aí quando ela chega na escola, que ela já traz todas essas 
dificuldades, não cognitivas, mas essas dificuldades sociais e subjetivas da sua 
formação, ela não tem na escola um apoio nesse sentido de outros profissionais, 
como psicólogos, terapeutas, e ela não vai ter essa assistência em casa, porque 
os pais não têm condição. 
E aí a criança vai, no passar ao longo dos anos da escola, esse cognitivo que 
acaba sendo um resultado daquilo tudo que ela está apresentando, ele vai 
ficando um processo muito difícil para ela aprender, entendeu? E aí o que leva é 
que muitas crianças no ensino médio abandonam a escola, enfim, ela não 
consegue dar sequência à carreira de estudante dela e ser um profissional. 
Então, essa é uma questão que me afeta um pouco, sabe? Me incomoda 
bastante, eu acho que alguma coisa tem que ser feita nesse sentido. Aí você 
levanta uma questão social muito importante que incomoda todos nós, e que é 
um momento que nós precisamos como educadores, como cidadãs,nós aqui e 
todos que nos ouvem, e a responsabilidade de todos nós, pensarmos a 
educação num sentido muito mais amplo. Houve, né? E é responsabilidade de 
todos nós pensarmos a educação no sentido muito mais amplo, Marcela. 
Quando você traz a educação como direito, é ter escola, é ter condições do pai, 
da mãe, da família, da avó, né? Tantas crianças no nosso país são educadas 
pelas avós, pelos avôs, pelas tias, madrinhas, enfim. Que os adultos que educam 
crianças tenham condições mínimas para fazer essa educação. E condições 
mínimas exigem uma ação política, né? Um programa político que envolva, que 
tenha compromisso com a educação. E compromisso com a educação é mais 
do que escola pública. É isso que nós estamos tratando aqui. Para eu olhar para 
aquela criança, para eu olhar para o meu próximo, eu preciso primeiro ter 
dignidade. 
Então, o direito à infância, o direito à educação na infância, Marcela, que você 
traz é algo que nós todos, quando nós estamos aqui fazendo esse trabalho e 
tantos outros trabalhos que nós desenvolvemos, é nessa luta, é de entender 
essa amplitude. Na verdade, ela perpassa pela escola, né? Mas não é só na 
escola que ela acontece. 
Exatamente, exatamente. O que se espera da criança na atualidade, para a 
gente ir fechando um pouco, e qual é o desafio entre essa criança que a gente 
está falando aqui, essa infância que a gente está falando, e o desafio do que se 
espera dessa criança? Então, nós, na verdade, nós temos uma resposta bem 
simples, bem curta, e outra resposta que é para reflexão. 
O que se espera dessa criança? Simplesmente que ela seja criança. É o que se 
espera, que ela viva a sua possibilidade do seu jeito único de ser criança. E a 
outra é para... Então, o que eu espero da criança? Que ela seja criança. 
De outro lado, o que nós adultos precisamos perceber, considerar, olhar para 
aquela criança? Eu estou olhando para o ser humano, que não vai terminar 
quando ele fizer 12 anos. Agora acabou, deixou de ser criança, agora já não 
precisa ser tratado assim. Essa criança vaipermanecer nesse adulto até o dia 
da sua morte. Então, as crianças não terminam, a infância não tem uma data 
para terminar. A infância é a nossa vida. Dentro de cada um de nós tem uma 
criança aqui. Então, nós precisamos considerar, e isso é fundamental, porque 
senão parece que a gente finaliza a infância ali aos 12 anos. 
E aí é o que eu chamo de criança em si. É como se ela fosse um fim em si 
mesma. Não, ela é infinita. Finita até a morte daquele adulto ali. Acho que é isso. 
Maravilhosa essa colocação. Eu acho que é fundamental para a gente 
internalizar isso, entender isso dessa maneira. Acho que muda completamente, 
não tem como não alterar a nossa forma de olhar, de cuidar da infância. 
Estamos aqui criançando, para continuar conjugando o verbo de vocês. E não 
por acaso que essa criança seja criança e criança em movimento. Por isso, 
infância, criançar, infância em movimento. 
Bom, estamos chegando ao final. Antes de encerrar, eu gostaria de saber se 
você tem mais alguma coisa para dizer, se você gostaria de acrescentar mais 
alguma coisa da sua fala. Então, eu quero agradecer mesmo a oportunidade de 
estar com vocês. É sempre muito prazeroso, porque nós podemos discutir, 
aprofundar especialmente esse tema que é formação humana. Um tema que é 
muito caro para mim. E que nós possamos continuar criançando. É isso.

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