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profecia DESMENTIDA cre1100

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A profecia desmentida
SANCHIS
especial para a Folha
haba sendo repetitiva a consta-
taçäo de certo fracasso prospecti-
vo das teorias da secularização. O
mundo moderno, crescentemente
racionalizado, burocratizado e en-
œegue a uma multiplicidade de
instâncias reguladoras eficazmen-
te engenadas entre si, não poderia
mais abrir æaço para um fenó-
meno irracional, cuja eficácia
prescindia de uma catrçalid'de Io-
gicamente inteligível e cujas ins-
tä.nciasadministradoras —as igre-
jas— pretendiam um poder de al-
cance social universal-
As impressões contemporaneas
parecem —até dramaticamente—
não confirmar semelhante profe-
Deveremos então falar de uma
volta uiunfante da religião? Deve-
remos, ao contrário, negar que a
onda crescente que invade espaços
sociais e consciências seja de cará-
ter religioso? Muito provavelmen-
te seja mais realista dizer que esta
dimensão é, de fato, "religiosa",
mas que a própria "religião" não
representa, no decorrer dos sécu-
10s, uma realidade social homogê-
nea e constante nas suas formas e
suas funções. k modernidade não
expulsou nem suprimiu a religião,
mas amoldou-a em parte à sua
imagem e semelhança.
-Comecemos pela mudança mais
notável, quase que radical: desti-
tuída da situação que ocupava no
ponto de convergência das linhas
da arquitetura social, a religiåo
perdeu sua funrþo primordial, que
era permitir ao sistema como um
todo ser vivido como prenhe de
sentido. As consciências indivi-
e sobretudo aquilo que era
considerado como matriz e resul-
tante coletiva de sua sinergia, a
consciência do vupo, sabiam, por
meio dela e do universo simbólico
que segregava, o porquê, o para
quê, o para onde a vida encami-
nhzva todos e cada um.
Um corpo de valores, -unanime-
mente compartilhado —impor-
tando menos que seja, de á.to, res-
peitado— acabava de compor o
mapa onde cadac:-apo fana a lei-
tara de sua posição e de seu cami-
nhar. Mas os tempos foram- Outra
instância globalizadora, o Estado,
veio desbancar a religião do seu
papel totalizante, antes de ser ela
própria desafiada por um sem-nú-
mero de referências, institucionais
ou não, cujo entrelaçar constitui a
charnada "sociedade civil"
meio destas referências, as retá-
ööes, externamente multiplicadas
e internamente fragmentadas,
competem entre si para cor,servar
sua função de doadoras de senti-
do.
Ou para reativar esta função.
Mas de jeito nenhum numa szz-
ples restauração de sua posição
antiga Reliöões, agora, são r,ui-
tas- Juntas, elas compõem
campo dinamico, disputando o es-
paço, em superfície das ades¿es,
em profundidade das convicções
orientzçôes valontivas. Seriz,
tão, o tao falado
vogo", em que as institUicaes
guiadoras do Øbrenatttral
da social apresentar"artT escolha i
dos consumidores produtos
prontos e acabados?
tempo que a metáfora dar
conta da nova sítuaao, Mas
damente mudança
mais radical ainda.
NÃO se trata, para o homem
demo, de escolher símptesrtteare,
livre e autonomžmeate, a
institucional que mas lhe parece
convir com St:as aspirações, sais:
ideais de vida, suas necmsidadez—
mas de operar, no meio desta
Mística, transformada, re•zežiz
das tradicionais, e-n
"marché puce-;" (mercado
pulgas) so£renaturž!, a ,
de seu prerio universo simbóiê
Operarráo de reconstruçõ
na, ao sabor dos ¿zs
leituras, das
cas ou sofridas, das cc.ï-
sio=ai'. Muitas
matório abriza¿o
rência institucional, outras
verdadeira
dece
zadcr: o
- COZJur,çäo 
lho pe•-tc da 
zc:zí
c.zrzc
se este
é cnmo
por terceira
dc :za.itc real,
giöes,
Nesta flexão contemporanea do
seti modelo, a religião parece-nos
cumprir três funções, entrelaçadas
e articuladas dos modos mais va-
fiados, e sobretudo desigualmente
presentes nos casos particulares.
riar sentido continua parecen-
do, ara o obáervador contempo-
taneo, tunçäo mais nobre da reli-
diz a natureza e o valor
das coisas, revelando, no fundo, as
Verdades perdidas pelo meios de
conhecimento e avaliação mais di-
retamente racionais. Não compe-
tindo necessariamente com eles,
mas indo além, num território só
atingido pela flechas de sentido do
simbólico, que ela se especializou
em manobrar, Um sentido que,
doravante, vale só para cada um e
para o cada momento, tendo que
passar pelo crivo mutante da sen-
sibilidade espiritual individual;
mas, em compensaçäo, um senti-
do que pretende scr, para as cons-
ciências, a epifania do mais verda-
dciro e Íntimo do ser ser.
Qtiar soluçöes parece uma fun-
utilitåna e re-
dUtrta para as religiöes. Todas, no
entanto -—ou pelo menos alguns
segmentos dê todas elas—, sub-
metem-se a esta necessidade do
homem contemporâneo. Necessi-
dade dc pobres, em países do Ter-
ceiro Mundo, que não têm mao
os meios técnicos para resolver
seus problemas existenciais? Não
só, ao que parece. 'Ilido indica, ao
contrário, que a Concepção con-
temporanea destas necessidades
do homem, concepção globalizan-
te, em que saúde, equilíbrio eco-
nôrnico, autenticidade espiritual e
felicidade se articulam holística-
mente; colocam-nas, para muitas
consciências, fora do alcance ex-
clusivo destes meios, quando me-
ramente considerados ao nível de
sua disponibilidade material e de
sua eficácia técnica. Introduz-se
então uma religião do cotidiano,
próxima å magia e que, no limite,
transforma em cliente o fiel.
Criar identidades, enfim, antiga
funçao que a religião contemporå-
nea não abandona. Em princípio,
identidades menos totalizantes e
rígidas, que proporcionam aber--
tura para o futuro, porosidade,
eventualmente trânsito, sempre
diálogo construtivo. O universo
social, não mais colado a univer-
sos simbólicos unitários, seria fei-
to doravante desta trama múltipla.
Os exemplos são mil, sobretudo
talvez em esPaços sociais popula-
res, de trocas religiosas tranquilas,
que podem até escapar das vigilân-
cias institucionais. Mas é aqui que
nosso raciocínio volta a seu ponto
de partida.
Porindividual que seja, esta pro-
curå de sentido e de soluções, para
ser ;vivenciada como "religiosa",
parece ter tendência a se referir,
nem que seja informal e só prefe-
renåalmente, senão sempre, a
urná 'instituição, pelo menos a
uma tradição, uma farnflia de espí-
ritos, um fluxo místico que atra-
vesse os tempos e os espaços. As-
sim toma consciência de sua serie-
dade e legitimidade, mesmo ge paz
ra isso tenha que procurat o seu'flabel" identificadot em ttadv
çöes exóticas e, para sua pr6pria
sociedade, novas. Ora, acontece
que este impulso identificador te-
veste-se ås vezes da mesma rigidez
que lhe conferia, outrora, a cons-
ciência de ser o único leutimo, NO
interior das mesmas sociedades
globais podemos então assistir a
ameaças de discórdias religiosas
graves. E, sobretudo, quando a
maioria dos membros de uma des-
tas sociedades globais —naçåo, et-
nia, província— tende a identifi-
car-se com e por intermédio de
uma determinada religiåo e, em
. nome desta diferença, reivindica
como exclusivo o seu espaço, eståo
próximas as violências que sempre
caracterizaram as guerras de reli-
giäo. Exemplos atuais são bem co-
nhecidos.
Isto é dizer que as mudanøs de-
tectadas nas modalidades da "re-
ligiäoy no mundo contempora-
neo não constituem someate
constatação, mas também
programa. Pois um dos problemas
fundamentais que nosso mando
deve enfrentar, o problema do ge-
renciamento, positivo, mas pac£-
pelo perfil que saberão se conferir
a si próprias "as religiões".
de
xote.

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