Buscar

historia cultural e historia da educação_diversidade_thais nivea

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

HISTÓRIA CULTURAL E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: DIVERSIDADE E 
ENTRECRUZAMENTO DE FONTES 
Thais Nivia de Lima e Fonseca/UFMG 
Análises sobre fontes para a pesquisa em História da Educação já se tornaram 
corriqueiras nos debates dos eventos científicos da área e no processo de formação de novos 
pesquisadores. Parece não haver discordâncias significativas quanto ao perfil da produção 
historiográfica contemporânea e sua relação com os pressupostos de uma história 
problematizadora, que dá atenção à diversidade de fontes de investigação, em sintonia com as 
tendências predominantes na historiografia. Ainda assim, é sempre pertinente aprofundar a 
reflexão sobre a prática do historiador e sua relação não apenas com suas referências teórico-
metodológicas, mas também com as fontes que lhe permitem atingir seu objeto. O que se 
pretende neste texto é, pois, aproximar essas duas dimensões da reflexão, discutindo a inserção 
das pesquisas em História da Educação no campo da História Cultural, na perspectiva da 
diversidade das fontes e de suas possibilidades de entrecruzamento. 
 É recorrente a afirmação de que a História Cultural tornou-se hegemônica na 
historiografia brasileira, principalmente a partir da década de 1990, o que pode ser 
evidenciado pela análise das abordagens que predominam nos trabalhos desenvolvidos nos 
mais importantes programas de pós-graduação em História do país. Na história da educação a 
declaração de vínculos com esse campo historiográfico também é usual, e merece algumas 
considerações. Já discuti em trabalhos anteriores aspectos da influência da História Cultural 
sobre a historiografia da educação brasileira, destacando que, não obstante o significativo 
avanço motivado por tal influência, observa-se também que 
a penetração dos pressupostos da História Cultural neste campo é ainda 
problemática, superpondo-se às abordagens tradicionais e sendo, muitas vezes, 
marcada por uma incorporação superficial dos seus instrumentos conceituais e 
metodológicos, quando não apenas como indicações bibliográficas. (Fonseca, 2003. 
p. 61). 
Embora o procedimento ideal seja uma análise minuciosa da recente produção na 
história da educação perspectivada na História Cultural, por ora é suficiente uma aproximação 
que permita a verificação da relação proposta para este texto, ou seja, a diversidade de fontes e 
suas possibilidades de entrecruzamento. Para isso utilizei os anais de três importantes eventos 
realizados recentemente, nos quais foi apresentado expressivo número de trabalhos em história 
da educação.1 Considerei, neste conjunto, os trabalhos que atendiam aos seguintes critérios: os 
autores declararam trabalhar no âmbito da História Cultural; os trabalhos apresentavam 
objetos e abordagens próprios deste campo, mesmo sem esta declaração explícita; os trabalhos 
apresentaram expressiva bibliografia própria deste campo, seja em quantidade, seja na 
relevância dos autores mencionados. 
Embora se possa observar uma tendência à diversificação das fontes – sobretudo 
quando se compara essa produção com a mais tradicional – há uma clara predominância das 
fontes escritas impressas e é ainda bastante significativa a utilização daquelas de natureza 
oficial. Procura-se, evidentemente, dar a elas tratamento mais crítico, além de ficar clara uma 
maior preocupação com o entrelaçamento das diversas fontes. Tal procedimento indica um 
efeito benéfico da longa discussão travada na historiografia contemporânea acerca da verdade 
na construção do conhecimento histórico e dos riscos da atribuição de uma verdade absoluta 
ao discurso presente nos documentos. 
Entre as temáticas mais recorrentes, o estudo sobre os livros escolares parece ter a 
preferência da maioria dos pesquisadores, o que demonstra a força de uma linha de pesquisa 
que pode ser considerada razoavelmente consolidada na historiografia da educação, isto é, a 
história dos livros e das práticas de leitura, ela mesma corrente importante no âmbito da 
História Cultural. Neste campo da investigação, as fontes mais utilizadas são os manuais 
didáticos, os livros de leitura, as cartilhas e os manuais pedagógicos, às vezes entrecruzadas 
com obras da literatura, com a legislação e com a documentação escolar oficial. Os periódicos 
são preferencialmente usados em estudos que, ou buscam a repercussão de debates políticos 
sobre a educação ou que estão preocupados com a análise de discursos de sujeitos envolvidos 
com ela, principalmente professores, intelectuais e governantes. Mais raros são os documentos 
de natureza privada, juntamente com as fontes iconográficas e orais. A utilização mais escassa 
dessas últimas pode indicar os limites e/ou dificuldades da historiografia da educação quanto 
aos aportes da História Cultural, mesmo quando já razoavelmente familiarizada com conceitos 
1 Os eventos são: 25a e 26a Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – 
ANPED (2002 e 2003) e o II Congresso Brasileiro de História da Educação (2002). 
como o de representação, tão característico desta. Essa situação pode ser observada, por 
exemplo, em muitos trabalhos que, embora declarem seus vínculos com a História Cultural, ao 
proporem trabalhar com a noção de representação, acabam por realizar uma análise de 
discurso sem as conexões necessárias com o universo cultural no qual se movem seus objetos 
de pesquisa. No entanto, não há como negar a preocupação dos pesquisadores, iniciantes ou 
veteranos, na construção de objetos de investigação – temáticas e problematizações – que 
permitam, ou até mesmo que exijam, uma razoável diversificação das fontes de pesquisa. Não 
se quer dizer que a diversidade seja condição sine qua non da História Cultural. Porém, dada a 
complexidade e também os grandes riscos que a cercam por procurar “captar subjetividades e 
sensibilidades” (Pesavento, 2003. p.119), tal diversidade vai se impondo e requer 
procedimentos cuidadosos. 
O estudo dos processos e das práticas educativas no cotidiano escolar nos permite 
refletir mais detidamente sobre a questão em foco neste texto e é dele que tratarei a seguir, por 
meio dos elementos de uma pesquisa em andamento. O objetivo é analisar a circulação do 
discurso da intolerância e as estratégias educativas presentes na escola primária brasileira no 
período do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), visando a construção de uma 
identidade nacional coletiva. Esta pesquisa está marcada pela utilização de razoável variedade 
de fontes (escritas, iconográficas, orais) que se entrecruzam no campo de análise da História 
Cultural e de alguns de seus conceitos-chave, principalmente os de representação e de 
imaginário2. Ao tratar da questão das apropriações, pelos sujeitos históricos, de práticas e de 
discursos, faz-se necessário ampliar o universo documental, procurando pelos vestígios e 
testemunhos produzidos por estes sujeitos. O que se pretende demonstrar é, também, a 
necessidade do aprofundamento do estudo para além da simples análise do discurso, voltando-
se a atenção do historiador para as experiências históricas efetivas dos sujeitos envolvidos no 
processo de construção daquela identidade, no contexto de um governo autoritário e 
centralizador, o que exige a busca pelas apropriações e permanências, no universo escolar, de 
concepções e de práticas culturais. 
A historiografia brasileira já produziu relevantes trabalhos sobre as ações do primeiro 
governo de Getúlio Vargas (1930-1945) concernentes à educação escolar. Os projetos, as 
reformas, os processos de intervenção, principalmente a partir da implantação do Estado 
2 Cf. Chartier (1990, 1998) e Baczko (1984). 
Novo, têm sido objeto de muitos pesquisadores, privilegiando perspectivas bastante 
diversificadas.O cotidiano das escolas brasileiras neste período, no entanto, não tem merecido 
a mesma atenção, bem como muitas práticas educativas que acabaram por constituir parte 
importante da cultura escolar contemporânea no país. Preocupado, entre outras coisas, com a 
construção de uma identidade nacional coletiva, o governo de Vargas concentrou grande parte 
de suas energias na educação, vista como instrumento ideal de difusão dos valores 
considerados essenciais para a formação do cidadão desejado para a “nova” nação. Os ensinos 
primário e secundário receberam, assim, a missão de tornar as crianças e jovens os protótipos 
desse cidadão, acabando por tornar-se, também, instrumentos de propaganda. 
 A pesquisa acerca deste problema tem demonstrado como se construiu uma sintonia 
bastante fina entre as formulações governamentais para a educação brasileira, e o elenco de 
materiais e de procedimentos pedagógicos elaborados para as escolas primária e secundária. 
Estudos sobre esta temática utilizam-se tanto dos documentos oficiais, quanto de propostas 
pedagógicas elaboradas por intelectuais e educadores da época, que acabaram por ser 
incorporadas parcialmente nas proposições oficiais do Estado. O espectro de fontes geralmente 
se completa com o material didático-pedagógico produzido e utilizado nas escolas do período, 
cuja análise, combinada com a das fontes já mencionadas, ajuda a demonstrar as direções 
tomadas pelos objetivos definidos pelo Estado para a educação brasileira. 
 No entanto, o estudo das práticas ocorridas no universo escolar e que têm relação com 
as políticas definidas pelo governo de Getúlio Vargas naquele momento implica na busca por 
outras modalidades de fontes, que permitam uma aproximação maior com as ações, as 
expectativas, as concordâncias e dissonâncias dos sujeitos imersos naquele universo, 
principalmente os professores e os estudantes. Sendo assim, documentos por eles produzidos, 
nos quais puderam de alguma maneira expressar suas formas de apropriação daquelas políticas 
e por meio dos quais podemos captar indícios do movimento de circulação das idéias, valores 
e atitudes, acabam sendo incorporados à pesquisa, acrescentados, quando possível, de 
depoimentos desses sujeitos, fontes que podem nos aproximar um pouco mais deste objeto de 
estudo. 
 Um dos aspectos que marcou a educação nacionalista durante as décadas de 30 e 40 do 
século XX foi o discurso da intolerância, que visava desqualificar elementos indesejados para 
a formação da identidade nacional coletiva, ao mesmo tempo em que procurava exaltar os 
valores e formas de comportamento que se desejava conformar na construção do novo tipo de 
cidadão. Muitas vezes esse movimento de desqualificação/valorização incidia sobre aspectos 
bastante precisos e definidos – como o comunismo, por exemplo – e outras vezes aparecia 
mais sutilmente, diluído em ensinamentos de natureza moral e comportamental. As conhecidas 
associações presentes na construção do imaginário anticomunista no Brasil – utilizando com 
muita freqüência referências do imaginário cristão e elementos de uma concepção orgânica da 
realidade social – circularam pela escola durante nas décadas de 1930 e 1940, alimentadas 
pelas referências culturais presentes no cotidiano da população, o que inclui, obviamente, a 
comunidade escolar. 
Muitos depoimentos realizados no desenvolvimento do estudo têm demonstrado a 
recorrência das referências ao medo que se tinha do comunismo, e como as crianças 
assimilavam o discurso circulante. Muitos entrevistados lembram-se de ouvir falar da 
“doença”, da “lepra” que era o comunismo, e de associá-lo às posições anti-cristãs, o que era 
reforçado pelas aulas de religião que muitos assistiam nas escolas e pelo testemunho de ações 
do movimento integralista. Além disso, a mensagem também se difundia por meio do material 
de propaganda produzido pelo Estado e distribuído nas escolas, como o Álbum A Juventude 
no Estado Novo. Concebido como um instrumento ao mesmo tempo pedagógico e 
propagandístico, trazia em suas pranchas imagens de crianças em situações variadas, das quais 
eram extraídos temas para a formação moral e patriótica, conectados com trechos de discursos 
de Getúlio Vargas. Numa dessas pranchas, Vargas aparece discursando para uma pequena 
multidão de crianças uniformizadas que seguram bandeirinhas do Brasil, tendo ao lado a 
transcrição de um dos discursos do ditador: “Precisamos reagir em tempo contra a indiferença 
pelos princípios morais, contra os hábitos do intelectualismo ocioso e parasitário, contra as 
tendências desagregadoras infiltradas pelas mais variadas formas nas inteligências moças, 
responsáveis pelo futuro da Nação.” No entanto, não se pode considerar a escola como 
portadora exclusiva desse discurso, nem sua única difusora, uma vez que as referências 
culturais que sustentavam a propaganda anticomunista no Brasil estavam marcadas pela 
formação cristã, principalmente católica, da população. 
 Embora contivesse elementos inspirados no nazi-fascismo europeu, o regime de 
Getúlio Vargas não adotou explicitamente pontos mais polêmicos, como o discurso claramente 
racista, problemático num país profundamente mestiço como o Brasil. Isso não significa, no 
entanto, que esse discurso não estivesse presente, marcado, inclusive, por preconceitos 
históricos, como os relacionados à herança da escravidão. A percepção desse discurso da 
intolerância, oculto nos documentos oficiais, fica mais claro quando se privilegia outras 
fontes, como o material didático presente nas escolas primária e secundária do período. 
Cartazes, cartilhas e livros de leitura se revelam surpreendentes e mostram um fundo de 
elementos de longa duração da nossa formação cultural, como o preconceito em relação ao 
trabalho manual ou as utopias de um país que para ser civilizado deveria ser também branco. 
No já mencionado Álbum A Juventude no Estado Novo, de todas as crianças 
representadas nas pranchas, não há uma única que seja negra, mestiça ou oriental. São todas 
crianças brancas, não obstante a predominância dos cabelos escuros. A idéia de uma nação 
moderna e civilizada continuava a ser fundamentada nos princípios herdados do século XIX, 
das propostas de branqueamento da população e da identificação da civilização com o modelo 
de sociedade e de povo europeus. A evidência também pode ser encontrada nas relações 
presentes em muitos textos de livros de leitura da época, nos quais essas concepções, presença 
marcante na formação cultural brasileira, apareciam diluídas em singelas historinhas para 
crianças. Num livro de leitura, em sua terceira edição, publicada em 1942, o autor procurava 
colocar o pequeno leitor em contato com a cultura indígena por meio de um diálogo entre duas 
crianças. O título do texto já indica seus fundamentos preconceituosos e intolerantes: “Feio”. 
E inicia-se o diálogo: 
- Mas que homem feio, disse Judite ao ver a estampa dum índio, numa revista 
que estava folheando. 
- Não fale assim que pode ser o retrato de seu tataravô, replicou, brincando, seu 
irmão mais velho. Você não sabe que nós descendemos de índios? 
- Sei sim, e papai tem muito orgulho disso. Diz sempre que eles eram vigorosos, 
de boa estatura, pele e cabelos escuros, os olhos negros e rasgados, valentes e 
bem dispostos. Mas esse é muito feio. Não é parente, não. Tem o nariz 
achatado, os cabelos raspados, os lábios, as orelhas e o nariz furados com 
berloques e os dentes separados em ponta, como os de rato. (Costa, 1942. p. 
62). 
A descrição do índio do qual se pode ter orgulho corresponde, basicamente, à sua 
idealização romântica, típica do século XIX, e que parece continuar a alimentar o discurso de 
valorização das origens da nação.O índio feio do diálogo não pode, como disse a menina, ser 
parente, devendo estar fora do processo de constituição da nação. Em outro livro do mesmo 
autor, um texto cria uma situação análoga, agora incluindo o negro e o branco: 
Uma história: “Três garotos se reuniram em baixo duma árvore. Um era 
avermelhado, outro branco, outro preto. O primeiro achava que era dono da planta 
porque chegara na frente dos outros. Não comera ainda nenhum fruto da árvore 
porque não tivera disposição de subir. O branco não se importava que o 
avermelhado fosse dono da planta: o que ele queria eram os frutos, mas sem 
esforço. O pretinho não se importava de subir e tirar os frutos, mas ignorava a sua 
utilidade. De fato nenhum se aproveitava dos frutos. Foi então que apareceu um 
mestiço, de olhos vivos, muito ágil, e perguntou aos três o que faziam ali. Quando 
soube, ele propôs: - Você , “seu” bronzeado, toma conta da estrada. O preto ajuda o 
branco a subir. Eu recolho as frutas neste cesto e iremos lavá-las no rio. Depois 
vamos levar para mamãe, que sabe fazer um doce muito gostoso. Vocês não gostam 
de doce? Ora se não gostavam... Colheram os frutos, fizeram o doce e os quatro 
comeram na melhor harmonia.”(Costa, 1941. p. 90-91) 
A escola foi, dessa maneira, um espaço de circulação de elementos que integravam as 
concepções do Estado acerca da cultura brasileira, de seu passado e do que poderia vir a ser o 
seu futuro. Assim, o discurso favorável à mestiçagem do povo brasileiro, presente no primeiro 
governo de Getúlio Vargas, não correspondeu, de fato, às práticas desse regime, ao menos no 
que concerne à educação. Além das práticas de leitura, o ensino de História foi também 
elemento importante na difusão e na apropriação das representações predominantes sobre a 
cultura e o povo brasileiros. Ao privilegiar uma história exaltadora, ancorada no estudo dos 
feitos dos grandes vultos do passado, este ensino desprezou a diversidade étnica e cultural 
presente no processo histórico do Brasil, o que estava, evidentemente, em sintonia com a 
produção historiográfica hegemônica na época. Esse desprezo acabava por se expressar no 
cotidiano escolar ou a ele ligado, quando se tratava de lidar com os dados dessa realidade 
diversa. Uma célebre pintura de Aurélio de Figueiredo, realizada em 1893 – Martírio de 
Tiradentes – tem sido bastante difundida em livros didáticos de História desde as primeiras 
décadas do século XX. Nela, Tiradentes é mostrado no cadafalso momentos antes da 
execução, tendo de um lado um sacerdote e do outro, o carrasco, um negro. Em desenhos 
feitos por crianças de escolas primárias mineiras na década de 1940, nos quais reproduziram 
esta pintura ou nela se inspiraram, o carrasco negro desapareceu curiosamente em muitos 
deles, e em outros aparecia milagrosamente branco. O ocultamento do personagem, e mais 
ainda, de sua cor, muito sugere sobre as relações sociais e culturais estabelecidas no interior da 
sociedade brasileira daquela época. 
Outros casos, como o dos judeus, por exemplo, aflorava de outras formas, às vezes de 
compreensão mais difícil. Um livrinho de leitura em circulação no final da década de 1930 
instiga desde o título: Totó Judeu. Conta a história de um menino que nascera muito feio e 
que, perdendo a mãe ainda bebê, fora criado por uma mulher mal vista na comunidade, uma 
espécie de cigana. Totó cresceu ouvindo os gracejos do povo em relação à sua feiúra, até que 
um dia resolveu reagir, tornando-se um jovem violento e perigoso. A partir daí passou a ser 
chamado de Totó Judeu. Numa das entrevistas realizadas para esta pesquisa, o entrevistado, 
perguntado se havia filhos de imigrantes na escola onde estudara entre o final dos anos 30 e 
início dos anos 40, no interior de Minas Gerais, e se ele se lembrava de alguma atitude hostil 
ou preconceituosa em relação a eles, respondeu que não, que eram todos amigos, e que havia 
muitas crianças filhas de imigrantes: “havia libaneses, italianos, franceses... tinha até um 
judeu!”3 Se isso não chegava a se caracterizar como uma reação de intolerância, indica um 
claro estranhamento em relação a este “outro”, o que nos sugere um interessante caminho de 
reflexão no âmbito do estudo que uso como exemplo neste texto. 
Além da reprodução de uma hierarquização racial, que pode ser entendida no quadro 
das heranças culturais do escravismo, fica associado também o preconceito em relação ao 
trabalho manual, presente em lições de muitos outros livros de leitura utilizados na época, 
principalmente quando a relação estabelecida nas historinhas é entre o exercício do trabalho 
manual e a pobreza. Não deixa de ser instigante, uma vez que o ideário estadonovista fundava-
se fortemente na valorização do trabalho, mas não, certamente, fora dos quadros 
predominantes da formação histórica e cultural brasileira. 
A ligeira reflexão desenvolvida neste texto foi motivada pela preocupação com o 
movimento da história da educação no campo da História Cultural e da utilização de alguns de 
seus instrumentos conceituais. O manejo de uma maior diversidade de fontes é prática 
dominante na historiografia contemporânea, e exige o cuidado com as interligações com o 
3 Depoimento de Sebastião Danilo de Oliveira. Maio de 2004. 
arcabouço conceitual. Mover-se no campo da História Cultural significa considerar que as 
experiências culturais – que são evidentemente históricas – de grupos e de indivíduos atuam 
de maneira significativa em suas práticas e são fundamentais para o processo de análise das 
fontes. O estudo da história da educação escolar, tradicionalmente associado à sua dimensão 
oficial e legal – na qual são depositados interesses e diretrizes geralmente emanados do Estado 
– pode também ser orientado para o movimento de circulação que promove intensas trocas e 
apropriações segundo códigos distintos; para a análise de manifestações presentes na cultura 
escolar e que têm suas origens fora da própria escola, carregando em si fortes tradições 
culturais, às vezes de longa existência no tempo; para a consideração das relações entre a 
educação, a política e a cultura, na construção e na circulação de práticas e de concepções. 
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
ANDRADE, Thales de. Totó judeu. 3 ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos de S. Paulo, 
s/d. (c.1936). 
BACZKO, Bronislaw. Les imaginaires sociaux: mémoires et espoirs collectives. Paris: Payot, 
1984. 
CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 2002. Anais. Natal: Editora 
Núcleo de Arte e Cultura da UFRN, 2002. 
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e 
no 
peronismo. Campinas,SP: Papirus, 1998. 
CARDOSO, Crio Flamarion & MALERBA, Jurandir (orgs). Representações: contribuições a 
um debate transdisciplinar. Campinas, SP: Papirus, 2000. 
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. 
______. Au bord de la falaise: l’histoire entre certitudes et inquiétude. Paris: Albin Michel, 
1998. 
COSTA, Nelson. Primeiro livro de leituras brasileiras para uso das crianças. 22 ed. São 
Paulo: Livraria Francisco Alves, 1941. 
______. Terceiro livro de leituras brasileiras: para uso das crianças. 3 ed. São Paulo: Livraria 
Francisco Alves, 1942. 
DUTRA, Eliana Regina de Freitas. O ardil totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 
30. 
Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997. 
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. O processo de escolarização em Minas Gerais: questões 
teórico-metodológicas e perspectivas de análise. In: FONSECA, Thais Nivia de Lima e; 
VEIGA, Cynthia Greive (orgs). História e historiografia da educação no Brasil. Belo 
Horizonte: Autêntica, 2003. 
FONSECA,Thais Niviade Lima e. História da educação e História Cultural. In: FONSECA, 
Thais Nivia de Lima e; VEIGA, Cynthia Greive (orgs). História e historiografia da educação 
no 
Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 
______. Da infâmia ao altar da pátria: memória e representações da Inconfidência Mineira e 
de Tiradentes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001 (Tese de Doutorado). 
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da 
Educação. Campinas, SP: SBHE/Autores Associados, n. 1, jan/jun.2001. p.9-43. 
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 
25a REUNIÃO ANUAL, 2002. Anais. Educação: manifestos, lutas e utopias. Rio de Janeiro: 
ANPED, 2002. 
26a REUNIÃO ANUAL, 2003. Anais. Novo governo, novas políticas? Rio de Janeiro: 
ANPED, 
2003.

Outros materiais