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Era uma manhã chuvosa quando Mariana, engenheira de segurança do trabalho, abriu o relatório de monitoramento ambiental da planta industrial. O documento apresentava concentrações de solventes orgânicos próximas ao limite de tolerância, comentários sobre ruído acima de 85 dB(A) em uma linha de soldagem e registros de quase-acidentes relacionados a procedimentos de bloqueio e etiquetagem. Para quem olha de fora, era apenas papel; para ela, cada número acionava uma sequência técnica de análise de risco e decisão baseada em normas e boas práticas: hierarquia de controles, análise de causa raiz, e gestão de mudanças. A prática da engenharia de segurança do trabalho é, antes de tudo, tomada de decisões técnicas documentadas. Mariana iniciou pela matriz de risco: cada perigo (agente químico, físico, ergonômico, mecânico) foi avaliado por probabilidade e severidade, gerando níveis de risco que orientariam prioridades de intervenção. Aplicou técnicas como APR (Análise Preliminar de Risco), HAZOP (em trechos do processo químico) e o método de árvore de falhas quando o histórico indicou possibilidades de sequência de eventos. Em paralelo, acionou a medição de exposição ocupacional conforme normas brasileiras — NR-09 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, PPRA, quando vigente em seus requisitos), NR-07 (PCMSO) e NR-15 para classificação de insalubridade — e padrões internacionais, inclusive ISO 45001 para integrar segurança ao sistema de gestão. Do ponto de vista técnico, as medidas seguiram a hierarquia de controles: primeiro buscar a eliminação e substituição de perigos. No caso dos solventes, avaliou-se a substituição por insumos menos voláteis e a revisão do layout para reduzir fontes de emissão. Onde não foi possível eliminar, projetou controles coletivos: sistemas de exaustão localizada, fechamento de capelas e melhorias na ventilação geral avaliada por cálculos de renovação de ar. O ruído motivou estudo de transmissão vibracional, aplicação de barreiras acústicas e reengenharia das carcaças das máquinas — ações preferíveis à mera distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI). A engenharia se entrelaça com processos administrativos. Mariana estruturou um Permit to Work (PTW) para intervenções em máquinas, criou procedimentos de lockout/tagout (bloqueio e etiquetagem) e padronizou checklists para trabalho em altura conforme NR-35. Implementou treinamentos dirigidos, combinando teoria e prática, usando simulações de resgate em espaço confinado (NR-33) e cenários de falha elétrica (NR-10). Complementou com campanhas de comportamento seguro (BBS — behavioral based safety) para tratar comportamentos de risco, mas sem colocar sobre os trabalhadores a responsabilidade primária por falhas de engenharia. Investigação técnica de acidentes foi conduzida com ferramentas como 5 Porquês e diagrama de Ishikawa para identificar causas básicas e contribuintes. Quando a causa raiz foi atribuída a um procedimento de manutenção inadequado e comunicação deficiente entre turnos, as ações corretivas incluíram revisão de procedimentos, registro de troca de turno e ajustes na rotina de inspeção preditiva. Indicadores foram definidos: frequency rate (taxa de frequência), severity rate (taxa de gravidade), taxa de incidentes com afastamento e indicadores de desempenho de sistema (tempo médio de correção de não conformidades). Esses KPIs alimentavam painéis gerenciais e reuniões periódicas com a diretoria, demonstrando como investimento em segurança reduz custos — menos acidentes, menos paradas não planejadas e menor passivo trabalhista. Aspectos legais também moldam a prática: elaboração de LTCAT para fins previdenciários quando a exposição gera insalubridade ou periculosidade; emissão de laudos técnicos; cumprimento de NR-6 (fornecimento e gestão de EPIs) e NR-12 (segurança de máquinas e equipamentos). Mas a engenharia não é só conformidade; é projeto. Mariana participou do redesign de uma linha produtiva, aplicando princípios de ergonomia e layout seguro, reduzindo esforços repetitivos e riscos posturais, e otimizando fluxos para minimizar tráfico de pessoas em áreas de risco. A comunicação técnica foi decisiva. Relatórios com medições e propostas de mitigação foram traduzidos em linguagem acessível à operação, usando cronogramas e orçamentos, para viabilizar investimentos. Além disso, criou-se um plano de auditoria interna baseado em requisitos da ISO 45001 e nas NR aplicáveis, assegurando que controles implantados eram efetivos e sustentáveis. No fim do dia, ao revisar o plano de ação, Mariana sabia que engenharia de segurança do trabalho é interdisciplinar: exige domínio técnico, sensibilidade humana e poder de negociação. Seus projetos não apenas reduziam números em relatórios; transformavam rotinas, preservavam saúde e mantinham a sustentabilidade operacional. A narrativa de cada pauta — um laudo, uma medição, um treinamento — compõe o grande enredo onde técnica e cuidado humano convergem para um objetivo claro: proteger vidas e garantir produtividade com segurança. PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) Qual a prioridade ao tratar um risco identificado? Resposta: Aplicar a hierarquia de controles: eliminar ou substituir o perigo; controlar coletivamente; adotar medidas administrativas; por último, utilizar EPI. 2) Como a ISO 45001 se integra às normas brasileiras (NRs)? Resposta: ISO 45001 fornece estrutura de sistema de gestão de SST que complementa as NRs ao formalizar políticas, controles, avaliação de desempenho e melhoria contínua. 3) Quando é necessário LTCAT? Resposta: LTCAT é exigido para caracterizar exposição a agentes nocivos para fins previdenciários e eventual concessão de aposentadoria especial ou insalubridade/periculosidade. 4) Quais indicadores são essenciais em segurança do trabalho? Resposta: Taxa de frequência de acidentes, taxa de gravidade, número de quase-acidentes, tempo médio de correção de não conformidades e indicadores de conformidade de EPIs/treinamentos. 5) Como avaliar eficácia de um controle implantado? Resposta: Medir antes e depois (monitoramento ambiental e ocupacional), auditorias, análise de indicadores, feedback da operação e revisões de procedimentos para confirmar redução do risco.