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As emoções e os processos de sociabilização A relação das emoções com os processos de sociabilização, as principais estratégias de socialização das emoções no ambiente familiar e escolar, o relacionamento entre a linguagem, as emoções e os processos de aprendizagem. Prof.ª Ana Beatriz de Mota e Souza 1. Itens iniciais Propósito A compreensão da importância das emoções nos processos de sociabilização/socialização é essencial para todos os profissionais que vão lidar com o fenômeno das emoções dentro dos contextos sociais. Nessa perspectiva, é fundamental o conhecimento dos processos de socialização emocional, bem como da relação entre as emoções e os processos de aprendizagem. Objetivos Reconhecer a importância das emoções nos contextos sociais. Descrever os processos de socialização das emoções, com foco nas interações sociais ocorridas na escola. Identificar a relevância das emoções para a linguagem e os processos de aprendizagem. Introdução As emoções são essenciais para a sobrevivência de nossa espécie, destacando-se as funções preponderantes que desempenham em nossas interações sociais. Sobre esse aspecto, a emoção não é um fenômeno que possa ser analisado apenas do ponto de vista individual, pois ela se origina e se desenvolve nos contextos sociais e culturais (REEVE, 2006). Você já se deu conta de como a maneira com que nos relacionamos com as outras pessoas e nos expressamos para elas em nosso cotidiano está repleta de conteúdos emocionais? Isso é uma das evidências que apontam para nós o quanto a experiência emocional está presente, não apenas em nosso mundo interior, mas de um modo muito especial em todas as nossas interações sociais. Por meio dos processos de socialização das emoções, desde muito cedo aprendemos como compreender, expressar e lidar melhor com as nossas emoções, ou seja, como nos tornamos emocionalmente competentes. No processo de desenvolvimento humano, a competência emocional está intimamente relacionada a outros domínios, como a linguagem e os processos de aprendizagem. Uma das características que nos distingue de outras espécies é a capacidade de verbalizar as nossas emoções, o que faz com que na história da espécie humana, os nossos relacionamentos sociais, a linguagem e as emoções estejam intimamente conectados. Seja qual for o seu campo de estudo, esses são aspectos que devem ser considerados, na medida em que as nossas emoções estarão presentes em todas as relações interpessoais. • • • 1. As emoções no contexto social Funções sociais das emoções A ideia de que as emoções têm funções sociais se baseia no fato de que elas evoluíram dentro de ambientes sociais na história de nossa espécie e, por isso, eram benéficas para a sobrevivência de nossos ancestrais nos grupos sociais em que viviam. Nós, humanos, somos criaturas sociais e necessitamos de laços sociais para sermos bem-sucedidos. Nós nos relacionamos com os outros no meio familiar, no trabalho e em inúmeros outros ambientes, buscando harmonia e proximidade. A importância desses laços sociais é evidenciada nos estudos com pessoas que sofreram privação de contato social, demonstrando que esses indivíduos não apresentavam um desenvolvimento adequado, particularmente no que se referia às experiências emocionais (FISCHER; MANSTEAD, 2010). Nessa perspectiva, podemos dizer que as emoções desempenham um importante papel no contexto social, pois auxiliam o indivíduo ou o grupo a estabelecer e manter relações sociais cooperativas e harmoniosas com outros indivíduos e também com outros grupos. Fischer e Manstead (2010) denominam essa característica como função de afiliação das emoções. Função de afiliação das emoções Várias evidências demonstram que quanto mais próximos são os relacionamentos, mais os parceiros sentem, expressam e compartilham uma variedade de emoções. Trata esse aspecto sobre as funções de afiliação das emoções, pois elas aprimoram as interações sociais positivas, a confiança e a cooperação. As nossas relações sociais variam desde aquelas que estabelecemos com as pessoas mais próximas, como nos nossos relacionamentos amorosos e familiares, até aquelas que estabelecemos com pessoas com as quais não temos um convívio mais intenso, como em nossos relacionamentos de trabalho. Porém, todos os nossos relacionamentos interpessoais envolvem algum grau de emoção. A intensidade da emoção experienciada e expressa varia de acordo com a natureza da relação social, refletindo uma importante função das emoções no nível interpessoal: as emoções nos capacitam a formar e a manter relacionamentos de longo prazo, promovendo harmonia e proximidade, evitando, assim, o isolamento social (FISCHER; MANSTEAD, 2010). A experiência, a expressão e o compartilhamento de emoções são ingredientes importantes no desenvolvimento de relações sociais mais próximas. Função de contágio emocional Essa função não se refere somente ao contexto das relações mais próximas do indivíduo, mas também às interações ocorridas com pessoas com as quais temos pouca proximidade. Por exemplo, pessoas sorridentes em geral são descritas com traços positivos, como pessoas honestas, generosas, entre outras características. É um fenômeno psíquico que ocorre quando as emoções e o comportamento de uma pessoa afetam as emoções e o comportamento de outra pessoa (FISCHER; MANSTEAD, 2010). Exemplo: Você já percebeu que estar perto de uma pessoa angustiada ou estressada acaba por fazer você também se sentir assim? Procure perceber como as emoções das outras pessoas, especialmente aquelas com as quais você tem uma maior convivência, “contagiam” você. Função de distanciamento social Fischer e Manstead (2010) destacam o fato de que as emoções têm também uma função de distanciamento social, pois em algumas situações será necessário mantermos o afastamento do outro. Exemplo Imagine que você esteja com medo de alguma pessoa ou de algum grupo de pessoas; a sua reação muito provavelmente será a de se afastar desse contexto. Outra emoção que caracteriza bem essa função é o desprezo, na medida em que a expressão dessa emoção resulta, em geral, no isolamento ou na exclusão social da pessoa alvo desta emoção. Função de comunicação As emoções têm também funções de comunicação para os outros, na medida em que comunicam às pessoas com as quais convivemos nossas preocupações e as nossas avaliações sobre determinadas situações. As mesmas funções sociais que as emoções têm nos relacionamentos interpessoais aplicam-se, de igual forma, às relações entre os membros de determinado grupo social. As emoções compartilhadas no grupo podem servir como fator de coesão grupal e de cooperação entre os membros. Entre grupos sociais diversos, como, por exemplo, entre membros de uma cultura para outra, as emoções também têm funções sociais, podendo melhorar ou piorar as relações entre grupos diversos. As funções sociais das emoções têm grande influência na qualidade dos relacionamentos sociais que estabelecemos ao longo de nossas vidas, desde os mais próximos até os mais distantes. Competência emocional e competência social Muito provavelmente, você já ouviu falar sobre o termo inteligência emocional ou competência emocional, mas sabe o que significa? Então, vejamos as características de competência emocional e competência social: Competência emocional A competência emocional é revelada em diversas situações cotidianas vivenciadas por nós e em todas as etapas do nosso ciclo vital. No entanto, é na infância que o desenvolvimento dessa habilidade ganha destaque e exige bastante atenção, pois nessa fase estão sendo adquiridas e/ou aprimoradas capacidades diversas em diferentes domínios. Além disso, o cérebro, em rápido desenvolvimento, provê o suporte biológico indispensável para a interação da criança com o contexto social no qual está inserida. Saarni (2011) define a competência emocional como a habilidade que permite ao indivíduo responder às demandas emocionais de seu ambiente e, simultaneamente, aplicar o conhecimento acerca das emoçõese de sua expressão nos relacionamentos que estabelece com as outras pessoas. Por meio dessa definição, podemos perceber o quanto essas habilidades estão intimamente conectadas às relações sociais que estabelecemos. Essa autora destaca oito habilidades que compõem o seu constructo teórico acerca da competência emocional: Consciência de seu próprio estado emocional; Reconhecimento das emoções de outros; Uso do vocabulário emocional, comumente utilizado na cultura em que o indivíduo está imerso; Capacidade de ser empático e de se envolver na experiência emocional de outros; Percepção de que estados emocionais internos podem não corresponder às emoções expressas, isso tanto no que diz respeito às próprias emoções quanto às dos outros; Capacidade de lidar, de maneira adaptativa, com emoções aversivas ou angustiantes, utilizando estratégias de autorregulação; Consciência de que os relacionamentos interpessoais são amplamente definidos pela forma como as emoções são comunicadas e pelo grau de reciprocidade emocional com o outro; Capacidade de ser emocionalmente autoeficaz, ou seja, sentir-se da maneira como se deseja sentir, aceitando as suas experiências emocionais. Consciência de seu próprio estado emocional; Reconhecimento das emoções de outros; Uso do vocabulário emocional, comumente utilizado na cultura em que o indivíduo está imerso; Capacidade de ser empático e de se envolver na experiência emocional de outros; Inteligência emocional Goleman (1997), um nome de destaque na área das emoções, define a inteligência emocional como a capacidade de reconhecer os próprios sentimentos e os dos outros, de modo a motivar-se e a regular as suas emoções, particularmente nos relacionamentos interpessoais. Competência emocional O conceito de competência emocional (DENHAM, 2019; SAARNI, 2011) apresenta características bem próximas do conceito de inteligência emocional desenvolvido por Goleman (1997), incluindo as habilidades que são necessárias para o desenvolvimento da inteligência emocional. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 1. 2. 3. 4. Percepção de que estados emocionais internos podem não corresponder às emoções expressas, isso tanto no que diz respeito às próprias emoções quanto às dos outros; Capacidade de lidar, de maneira adaptativa, com emoções aversivas ou angustiantes, utilizando estratégias de autorregulação; Consciência de que os relacionamentos interpessoais são amplamente definidos pela forma como as emoções são comunicadas e pelo grau de reciprocidade emocional com o outro; Capacidade de ser emocionalmente autoeficaz, ou seja, sentir-se da maneira como se deseja sentir, aceitando as suas experiências emocionais. Desse modo, o conceito de competência emocional inclui componentes relacionados à expressão, compreensão e regulação das emoções. Competência social Já a competência social é um constructo amplo, que engloba, entre outros aspectos, as habilidades sociais, refletindo a capacidade do indivíduo de manter relacionamentos harmoniosos com outros indivíduos com os quais interage, ao longo do tempo e em diferentes contextos sociais (BERKOVITS; BAKER, 2014). Como destacam Zilda e Almir del Prette (2017, p. 14), a competência social refere-se à “efetividade do desempenho do indivíduo em uma interação social, ou seja, os resultados da interação para o indivíduo e para seu grupo social”. Nesse conjunto de habilidades requeridas para a competência social, destaca-se a emoção da empatia, pois por meio dela somos capazes de nos colocar no lugar do outro, demonstrar disposição para ajudar, compartilhar a alegria e a realização do outro, entre outras características. Um indivíduo socialmente competente é capaz de ser empático com os outros com os quais convive, engajando-se em suas interações sociais, podendo, até mesmo, reagir de forma mais adaptativa a situações de estresse. As experiências emocionais têm impacto na maneira como respondemos às situações sociais e em nossas relações interpessoais. Assim, a nossa competência emocional apoia a nossa competência social e vice-versa, pois são funções interdependentes (DENHAM, 2019). Agora que você já conhece os conceitos de competência emocional e de competência social, vamos pensar como essas duas habilidades tão relevantes para as nossas vidas estão relacionadas. Competência emocional: chave para o sucesso social Como mencionamos, uma das características da nossa espécie e que a distingue das demais é a necessidade, presente já no início da vida, de estabelecer laços sociais. Tendo em vista a complexidade e a diversidade dos grupos sociais nos quais estamos imersos desde o nascimento, possuímos um período de infância estendido, quando comparado a outras espécies animais. 5. 6. 7. 8. Se você já viu um filhote de um animal de estimação deve ter percebido que em poucos dias ou semanas, ele já estará apto a buscar alimento, a correr e realizar todas as atividades relacionadas à sua sobrevivência. Compare, agora, com um bebê humano: durante muito tempo, ele necessitará de seus cuidadores para sobreviver. Uma das hipóteses para explicar essa peculiar característica de nossa espécie é justamente as necessidades de desenvolver inúmeras habilidades que nos capacitem a enfrentar os nossos relacionamentos sociais, na medida em que vivemos em contextos sociais significativamente mais complexos do que os de outros animais (EKMAN, 2011). Entre essas habilidades, a competência emocional surge como uma capacidade fundamental que possibilita o indivíduo a inserir-se adequadamente no ambiente social em que vive (DENHAM, 2019; SAARNI; 2011). Saarni (2011) argumenta acerca da íntima conexão entre o desenvolvimento emocional e os relacionamentos sociais presentes na vida do indivíduo. Para a autora, a experiência emocional está incorporada à experiência social, pois ela fornece ao indivíduo as ferramentas que o capacitam a lidar de maneira adequada com as demandas presentes nos relacionamentos sociais. Como falamos, o conceito de competência emocional inclui componentes relacionados à expressão, compreensão e regulação das emoções, que se constituem e se apresentam de acordo com a idade e de modo adequado à situação social envolvida, além do reconhecimento desses processos em si e nos outros (DENHAM, 2019). Todos os componentes da competência emocional contribuem para a competência social, especialmente a compreensão e a regulação emocional. A habilidade da criança em reconhecer e nomear emoções permite a ela atender a diversos aspectos das experiências sociais (DENHAM, 2019). Exemplo Imagine uma criança que ficou com raiva do amigo da escola por ele ter pegado, sem permissão, o seu brinquedo. Primeiro, é importante que ela seja capaz de identificar e nomear adequadamente essa emoção, ou seja, saber dizer “o que estou sentindo é raiva”. Essa compreensão é o primeiro passo para ser capaz de lidar com a sua raiva de uma maneira adaptativa ao seu ambiente social, solicitando, por exemplo, ajuda à professora. Nesse exemplo, podemos ver claramente como a habilidade de compreender o seu próprio estado emocional e de regulá-lo pode auxiliar essa criança a não responder de maneira agressiva à situação, o que será muito importante para que ela mantenha relacionamentos positivos com os colegas e com os professores. Ainda sobre os aspectos que discutimos acima, quando os indivíduos conhecem melhor as suas emoções têm maior probabilidade de responder de forma mais adaptativa às demandas surgidas nos contextos sociais, estando mais aptos a demonstrar empatia, o que sugere, segundo Machado et al. (2008), que o conhecimento de nossas emoções contribui e facilita a manutenção de interações sociais positivas. A emoção da empatia, como vimos, está positivamente associada ao comportamento pró-social e negativamente à agressividade e ao comportamento antissocial, ou seja, quanto mais empático for o indivíduo, mais ele terá relacionamentos sociais positivos e menor dificuldade em se relacionar nos contextos sociais.Diversas teorias procuram explicar a estreita relação existente entre a competência emocional e o desenvolvimento social. Ekman (2011) argumenta que as emoções preparam o indivíduo para responder às demandas das relações interpessoais. Exemplo Pense em uma situação na qual alguém tenha evocado em você a emoção da raiva. Ao se sentir tomado por essa emoção, em vez de reagir de forma agressiva, você decidiu usar outra estratégia de comportamento, como se afastar dessa pessoa e depois, mais calmo, conversar com ela sobre o que o deixou com raiva. Esse exemplo evidencia o fato de que ao compreendermos e regularmos melhor as nossas emoções, expressando-as de uma maneira mais adequada, seremos mais capazes de mantermos relações interpessoais mais satisfatórias. Agora esclareceremos no vídeo a seguir mais detalhes sobre esssas competências: A relação entre competência emocional e competência social Neste vídeo, a especialista reflete sobre a relação entre competência emocional e competência social, com exemplos da sua importância para a vida e o trabalho. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Vem que eu te explico! Funções sociais das emoções Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Competência emocional e competência social Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 As emoções têm um importante papel nas relações sociais, na medida em auxiliam o indivíduo a estabelecer e manter relacionamentos harmoniosos e satisfatórios com outros indivíduos e grupos. Essa função das emoções é denominada A função de afiliação das emoções. B função cognitiva das emoções. C função de socialização das emoções. D função neuropsicológica das emoções. E função neurofisiológica das emoções. A alternativa A está correta. As emoções desempenham um papel relevante nos contextos sociais nos quais o indivíduo interage, auxiliando esse a estabelecer relações sociais de cooperação. Essa característica é denominada de função de afiliação das emoções. Questão 2 A competência emocional refere-se à capacidade do indivíduo de compreender, expressar e regular as suas emoções, particularmente nos relacionamentos interpessoais. Saarni (2011), uma importante pesquisadora na área das emoções, destaca oito habilidades que compõem a habilidade de competência emocional. Uma delas refere-se à A habilidade de manter relacionamentos harmoniosos com outros. B capacidade de compreender conceitos complexos. C consciência do seu próprio estado emocional. D habilidade de manter a atenção diante de tarefas complexas. E capacidade de aprender uma a entonação emocional de uma língua estrangeira. A alternativa C está correta. Em seu constructo acerca da competência emocional, Saarni (2010) define algumas habilidades e capacidades que fazem parte desse conceito. Entre elas, destaca-se a necessidade de o indivíduo estar consciente de seu próprio estado emocional, pois por meio dessa consciência, é possível para ele identificar que tipo de emoção está experienciando, o que é essencial para que possa compreender também as emoções expressas pelo outro com o qual está interagindo. 2. Os processos de comunicação e interação social na escola Processos de comunicação e interação social Os processos de comunicação e interação social são essenciais em qualquer contexto social no qual estivermos inseridos. Como vimos, as emoções são fenômenos que necessariamente estarão presentes nesses processos, influenciando, inclusive, ativamente o sucesso deles. Dessa forma, sabemos o quanto é importante sermos emocionalmente competentes para podermos interagir e nos relacionar com as pessoas ao nosso redor. Você já deve ter percebido que a maior parte das emoções que experienciamos ocorrem nas nossas interações com as outras pessoas. Como observa Reeve (2006), as emoções são intrínsecas às relações interpessoais. Durante as nossas relações e interações sociais estamos, constantemente, expostos ao fenômeno do contágio emocional, que já explicamos. Além disso, estamos inseridos em contextos sociais nos quais, por meio dos processos de comunicação, temos a oportunidade de reviver experiências emocionais passadas, conversar sobre o que estamos sentindo no momento, participando, dessa maneira, de um processo de compartilhamento social da emoção (REEVE, 2006). Quando falamos de nossas experiências emocionais, tanto as que foram agradáveis quanto as angustiantes ou difíceis, temos a oportunidade de compartilhar as nossas emoções com o outro com o qual estamos interagindo. Essas interações possibilitam a ocorrência de momentos de empatia e apoio, que podem nos ajudar a compreender melhor a experiência emocional que estamos comunicando e a nos capacitar para encontrar formas mais adaptativas de enfrentarmos os desafios emocionais que temos que lidar no nosso cotidiano. Procure se lembrar de uma situação na qual você estava se sentindo angustiado ou com medo. Provavelmente, você deve ter compartilhado essa emoção com um amigo ou com um familiar, e deve ter percebido como isso auxiliou você a lidar melhor com essa emoção. Os momentos de compartilhamento social de nossas emoções são relevantes, pois, entre outros aspectos, é por meio deles que estabelecemos e mantemos os relacionamentos mais importantes de nossas vidas, como, por exemplo, os nossos relacionamentos amorosos (REEVE, 2006). Antes de falarmos sobre o processo de socialização das emoções, é importante que você compreenda o que significa o termo “socialização”. Conforme observa Mendes (2018), uma definição possível para esse termo é dada por uma autora reconhecida por contribuições no campo da Psicologia do Desenvolvimento e da Sociologia, Eleanor Maccoby. Processos através dos quais, a indivíduos inexperientes, são ensinadas capacidades, padrões de comportamento, valores e motivações necessárias para um funcionamento competente na cultura em que a criança está crescendo. Os mais importantes entre eles são as capacidades sociais, compreensão social, e a maturidade emocional necessárias para a interação com outros indivíduos, se encaixando no funcionamento de díades sociais e grandes grupos. (MACCOBY, 2015, p. 3) Maccoby (2015) ressalta ainda que a criança tem um papel ativo no processo de socialização. Esse aspecto é bastante importante, pois, muitas vezes, no senso comum, e até mesmo no meio acadêmico, tem-se a ideia de que a socialização é meramente a imposição de modelos adultos às crianças, e não um processo no qual a criança influencia e é influenciada pelos seus agentes socializadores. No tocante ao termo “socialização das emoções”, embora seja um termo usual na literatura internacional sobre as emoções, na literatura nacional, mesmo dentro do campo de estudos da Psicologia, não é um termo muito conhecido. No entanto, muitas pesquisas nacionais têm buscado conhecer melhor esse processo e as suas implicações no desenvolvimento infantil (SOUZA; MENDES; KAPPLER, 2021). Os relacionamentos sociais, especialmente com os seus cuidadores primários, são elementos cruciais para a socialização das emoções, que pode ser definida como o processo no qual as crianças aprendem o significado da emoção para elas mesmas, para os outros com os quais se relaciona e para o meio cultural em que vivem, assim como passam a entender os comportamentos apropriados para expressar determinadas emoções (SAARNI, 2011). Para exemplificar o que falamos acima, pense em uma criança bem pequena que observa os seus pais reagindo de maneira acolhedora às expressões de tristeza de seus irmãos maiores ao perderem seu animalzinho de estimação. Essa criança tenderá a compreender que a tristeza é uma emoção que poderá ser expressa em situações de perda. Dentro dessa visão, o contexto social é uma característica inerente do desenvolvimento emocional. Estratégias de socialização das emoções Há várias estratégias de socialização de emoções, ou seja, práticas ou comportamentos dos quaisos agentes socializadores podem se utilizar para ensinar às crianças aspectos relacionados à compreensão, expressão e regulação de suas emoções. Entre elas, Denham et al. (2015) destacam a(s): Reações dos pais às emoções das crianças Conversas dos pais sobre as emoções Expressão parental da emoção É importante salientar que, embora estejamos nos referindo aos pais, essas estratégias podem ser estendidas também a outros agentes socializadores, como os pares e professores. Vamos falar brevemente sobre cada uma delas. Reações dos pais às emoções das crianças Referem-se ao modo como os pais reagem às emoções de seus filhos e essas reações podem encorajar (reações apoiadoras) ou desencorajar (reações não apoiadoras) certos padrões de expressão emocional na criança (DENHAM et al., 2015). Reações apoiadoras Para exemplificar, pense em uma situação na qual uma criança esteja se sentindo amedrontada ao ver um filme, e, diante da sua expressão de medo, seus pais reajam acolhendo essa criança, colocando-a no colo. Esse tipo de reação tende a encorajar essa criança a expressar as suas emoções em outros momentos. Denham et al. (2015) argumentam que as reações apoiadoras incluem as respostas focadas no problema, respostas focadas na emoção e o encorajamento da expressão emocional. As respostas focadas no problema traduzem-se no apoio dado à criança na resolução do problema que a está afligindo. As respostas focadas na emoção referem-se às reações dos pais, confortando a criança ou procurando distraí-la do evento causador da angústia. O encorajamento emocional relaciona-se às reações parentais que buscam validar as emoções expressas pelas crianças, sem desqualificá-las, estimulando-as a encontrar maneiras adaptativas de manejar as suas emoções, como no exemplo da criança que, ao sentir medo, foi acolhida pelos pais. As respostas focadas no problema traduzem-se no apoio dado à criança na resolução do problema que a está afligindo. As respostas focadas na emoção referem-se às reações dos pais, confortando a criança ou procurando distraí-la do evento causador da angústia. O encorajamento emocional relaciona-se às reações parentais que buscam validar as emoções expressas pelas crianças, sem desqualificá-las, estimulando-as a encontrar maneiras adaptativas de manejar as suas emoções, como no exemplo da criança que, ao sentir medo, foi acolhida pelos pais. Reações não apoiadoras Essas reações relacionam-se, predominantemente, à punição, minimização ou desqualificação da experiência e/ou da expressão de emoções, nas situações cotidianas vivenciadas pelas crianças. Nesse tipo de estratégia, as emoções expressas pela criança são desvalorizadas, seja pela reprovação ou pela indiferença. Denham et al. (2015) observam que tais reações, se frequentes, podem levar a danos no desenvolvimento da competência emocional da criança e nos seus relacionamentos interpessoais. Conversas dos pais sobre as emoções Segundo Denham et al. (2015), os pais discutem sobre as emoções em uma variedade de contextos, incluindo aqueles relacionados à forma como reagem às emoções das crianças. Essa estratégia diz respeito ao “ensinar sobre as emoções”, levando ao desenvolvimento de uma linguagem emocional, aspecto sobre o qual falaremos mais adiante. Expressão parental da emoção Também chamada de modelagem, é o terceiro mecanismo de socialização das emoções descrito por Denham et al. (2015) e diz respeito à observação que a criança faz, seja de maneira intencional ou não, das emoções que os pais expressam. Por meio dos padrões de expressão emocional dos pais às mais variadas situações, as crianças aprendem quais emoções específicas são mais apropriadas em determinados eventos e circunstâncias. • • • • • • Exemplo Imagine uma situação em que a mãe esteja com a criança e um cão se aproxime. A forma como a mãe lidará com a presença do cão, a emoção expressa por ela, indicará à criança se essa é uma situação perigosa ou não, e com isso a criança poderá experienciar esse evento como ameaçador, sentindo-se, portanto, amedrontada, ou, dependendo de como a mãe reage à presença do cão, como uma situação que não suscita maior preocupação ou medo. As interações humanas são repletas de componentes emocionais. Assim, a socialização das emoções é um processo que pode estar presente em todas as situações de vida diária nas quais as crianças se relacionam com outras pessoas (DENHAM et al., 2015). Dessa maneira, as interações sociais que ocorrem no contexto escolar, em particular com os professores, serão relevantes na compreensão de como a criança aprende sobre as emoções. Socialização emocional e interações sociais na escola Podemos dizer que a escola é um ambiente de fundamental relevância para o desenvolvimento da criança. É um grupo social experimentado por crianças na maioria das culturas. Em contextos urbanos de países industrializados, como o Brasil, a entrada na escola tem ocorrido cada vez mais cedo. Isso é devido, entre outros fatores, à participação cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho. Assim, para a compreensão dos processos de socialização não podemos deixar de incluir os professores como importantes agentes socializadores da criança, e também os seus pares, ou seja, as outras crianças com as quais interage. Denham et al. (2015) mencionam que os professores e os pares têm um valor reconhecido nos processos de socialização da criança. As reações que os professores demonstram em sala de aula às exibições emocionais da criança podem afetar a forma como as crianças lidam com as emoções. Conversar abertamente sobre as emoções, a partir das situações que ocorrem em sala de aula, fornece mensagens, implícitas ou explícitas, acerca do mundo das emoções e se constitui em importante ferramenta no incremento da competência emocional da criança, como argumenta Mendes (2018). A sala de aula é um ambiente no qual as crianças vivenciam uma infinidade de situações envolvendo as emoções, e os educadores são agentes importantes, com o papel de mediar e ensinar à criança aspectos de sua vida emocional. Observe esse ponto por meio das três estratégias de socialização das emoções sobre as quais falamos anteriormente: Reações dos pais às emoções das crianças Em relação às reações frente às emoções expressas pela criança, os professores podem reagir de forma apoiadora ou não apoiadora a essas emoções. Como por exemplo: Imagine que uma criança fique com muita raiva de um colega que pegou o seu brinquedo e o jogou na parede. A professora interveio nessa situação, acolhendo a raiva dessa criança, ouvindo-a, ao invés de desconsiderar ou recriminar a criança pela experiência dessa emoção. Nesse caso, temos um exemplo de uma reação apoiadora, pois a educadora não desqualificou a emoção expressa pela criança, encorajando-a a falar sobre essa emoção e a buscar formas mais adaptativas de lidar com a sua raiva, como, por exemplo, falar com o colega que o que ele fez não foi legal e que ela ficou muito zangada por isso. Conversas dos pais sobre as emoções No que se refere às conversas sobre as emoções, Denham et al. (2015) argumentam sobre a relevância dos agentes socializadores, incluindo os educadores, em falar com as crianças acerca das experiências emocionais que elas vivenciam dentro do ambiente escolar. Essas conversas auxiliam a criança no desenvolvimento de suas habilidades de regulação emocional, capacitando-as a conseguir, frente a emoções como a raiva, por exemplo, a agir de maneira menos impulsiva. No exemplo anterior, podemos ver como a professora pôde, ao dar oportunidade à criança de falar sobre a sua raiva, conversar com ela sobre essa emoção e, nesse processo de conversação emocional, capacitar a criança a encontrar maneiras adaptativas ao contexto, para lidar não apenas com essa emoção, mas com as outras que, inevitavelmente, surgirão nas interações sociais na escola. Expressão parental da emoção A terceira estratégia, a modelagem, diz respeito à observação que a criança faz da forma comoo agente socializador expressa as suas emoções. No senso comum, poderíamos dizer que essa estratégia se assemelha à noção de “exemplo” ou “modelo”. Vários estudos mostram (DENHAM et al., 2015) que professores com maiores habilidades em regular e lidar com as suas próprias emoções influenciam positivamente a competência emocional das crianças com as quais interagem. Por meio desse modelo, as crianças aprendem pela observação, de maneira intencional ou não, quais são as emoções mais apropriadas dentro do contexto escolar e, de igual forma, como elas podem manejá-las melhor. Diante do que falamos, você deve ter percebido o quanto as interações sociais que se desenrolam no contexto escolar, especialmente com os professores, são oportunidades profícuas para o desenvolvimento emocional da criança. Como salienta Mendes (2018), o ensino e a conversa intencional que os educadores têm com as crianças sobre as experiências emocionais vivenciadas nas interações sociais ocorridas na escola favorecem, sobremaneira, o desenvolvimento das habilidades de competência emocional da criança, fazendo do educador um relevante agente na socialização da emoção. Desenvolvimento global da criança Neste vídeo, a especialista reflete sobre como os processos de comunicação e interação social na escola colaboram para o desenvolvimento global da criança. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Vem que eu te explico! Processos de comunicação e interação social Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Estratégias de socialização das emoções Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 Os agentes socializadores, pais e professores, por exemplo, desempenham um importante papel no desenvolvimento da competência emocional da criança. Por meio das estratégias e práticas que utilizam, podem ensinar à criança aspectos relevantes sobre as emoções. Entre as estratégias de socialização das emoções, destacamos A exercícios constantes sobre as emoções. B treinos sobre como as crianças devem se comportar em ambientes sociais. C recriminações à criança quando ela expressar uma emoção de forma inadequada. D conversas sobre as emoções. E assistir com as crianças filmes com conteúdo emocional. A alternativa D está correta. Conversar sobre as emoções é uma importante estratégia de socialização das emoções. Por meio dessa prática, os agentes socializadores podem falar sobre as emoções que a criança experiencia, nominando-as e estabelecendo com ela uma linguagem emocional, que será relevante para o desenvolvimento da competência emocional da criança. Questão 2 Os pais podem, por meio de seus próprios padrões de expressão da emoção, socializar a criança em muitos aspectos de sua vida emocional. Essa estratégia de socialização das emoções é denominada A reação apoiadora. B reação não apoiadora. C expressão parental da emoção. D conversação emocional. E reações frente às emoções. A alternativa C está correta. Por meio da expressão e regulação de suas próprias emoções, os pais, assim como os professores, podem ensinar à criança quais emoções são mais apropriadas em determinados contextos, quais são as formas mais adequadas de expressar determinadas emoções, entre outros aspectos. Dessa maneira, a expressão parental da emoção, ou modelagem é uma importante estratégia de socialização das emoções. 3. Linguagem, emoções e processos de aprendizagem Prosódia emocional Como vimos até aqui, as emoções são essenciais nos contextos sociais, nos quais a competência emocional desempenhará um papel relevante no desenvolvimento de nossa competência social. Destacamos as interações sociais ocorridas no ambiente escolar, particularmente com os educadores, como um importante contexto na socialização das emoções da criança. Nesse processo, podemos destacar a linguagem como uma importante aquisição que será influenciada pelo desenvolvimento emocional e também influirá nele. E ambos terão uma relevante atuação nos processos de aprendizagem. Dessa maneira, para que você compreenda melhor todas essas relações, traremos algumas noções introdutórias acerca da relação entre a linguagem e as emoções. Para Foolen (2012) , a linguagem se relaciona com as emoções, pois, por meio dela, as emoções podem ser nomeadas, conceituadas e expressas. Esse autor argumenta que a forma de conceitualizar as emoções, assim como de expressá-las verbalmente, é uma função da linguagem. Pesquisas na área de neurolinguística demonstraram que o processamento cerebral das palavras com significado emocional é diferente do processamento de palavras consideradas “neutras”. As palavras com teor emocional ativam o sistema límbico, uma das áreas do nosso cérebro responsável pelo processamento emocional. Alguns experimentos realizados evidenciaram que quando ouvimos palavras com conotação emocional, como, por exemplo, amor, medo, dor, ódio, choro, entre outras, elas são processadas em nosso cérebro, ou seja, são reconhecidas mais rapidamente do que quando comparadas a palavras neutras ou não carregadas de emoção, como, por exemplo, mesa, meia, pilha, duplo, entre outras. Nesses experimentos, observou-se que as estruturas responsáveis pelo processamento das emoções aceleram o reconhecimento das palavras com teor emocional (FOOLEN, 2012). Foolen (2012) analisa a questão da relação entre a linguagem e as emoções, destacando algumas situações em que essa relação pode ser considerada como facilitadora. Ele exemplifica algumas situações, como no ensino de uma língua estrangeira. Se aprendemos mais facilmente palavras com conotação emocional, no ensino de línguas estrangeiras esse aspecto deve ser levado em conta. O professor pode, por exemplo, ensinar os aspectos gramaticais dessa nova língua, incluindo palavras com teor emocional, permitindo o envolvimento emocional do aluno e, com isso, facilitar o aprendizado da língua estrangeira. A maneira como a linguagem se articula com as emoções pode ser vista também na forma como as diferentes línguas conceitualizam as emoções. Você já deve ter ouvido falar que a palavra “saudade”, que tem forte conotação emocional, não tem uma correspondência em outras línguas. Outro aspecto diz respeito à prosódia, que se relaciona, entre outros aspectos, como a forma como entoamos e acentuamos as palavras (FOOLEN, 2012). A prosódia emocional nos possibilita, entre outros pontos, captar o teor emocional de frases e palavras. Exemplo Podemos falar: “Nossa, como estou alegre hoje!” ou “Nossa, como estou alegre hoje.”. Você percebe como o ponto de exclamação utilizado na primeira frase enfatiza o nosso sentimento de estar alegre? Esse é um pequeno exemplo de como a maneira como entoamos a nossa fala ou como percebemos a entonação da fala do outro com quem estamos interagindo permite a ênfase e a intensificação da conotação emocional da linguagem. Os estudos sobre as emoções ganharam destaque em neurociências a partir dos anos 1990 e influenciaram diversos outros campos de estudo, como a Linguística. Sobre esse aspecto, Foolen (2012) salienta que os estudos em Linguística não podem mais negligenciar as investigações sobre as emoções e vice-versa. Para esse autor, um panorama mais aprofundado da relação entre as emoções e a linguagem necessitará de um diálogo constante entre esses dois campos de estudo, especialmente por meio de pesquisas interdisciplinares. Podemos dizer que uma das possibilidades de intercessão entre essas áreas ocorre quando analisamos os processos de socialização das emoções. Como mencionamos, as conversas sobre as emoções constituem uma das importantes estratégias que os agentes socializadores podem implementar para auxiliar o desenvolvimento emocional das crianças. Conversas sobre as emoções: linguagem emocional As conversas dos pais sobre as emoções, conforme falamos, é uma das estratégias de socialização que podem ser utilizadas por pais e professores e que auxiliarão a criança a desenvolvera sua competência emocional nas diversas interações sociais ao longo de sua vida. Os pais discutem sobre as emoções em uma variedade de contextos, incluindo aqueles relacionados às suas reações às emoções das crianças. Denham et al. (2015) observam que pais que conversam com os filhos sobre as emoções, tanto as experienciadas por eles quanto pelos filhos, fomentam essa habilidade em suas crianças, capacitando-as, entre outras coisas, à regulação de suas emoções. Para esses autores, a “linguagem emocional” tem a função de permitir à criança comunicar como se sente e dá aos pais a possibilidade de mostrar formas diversas de lidar com as experiências emocionais, incluindo as já vivenciadas. O modo como os pais utilizam a linguagem da emoção proporciona às crianças distinções importantes sobre o significado e a maneira mais apropriada, dentro do meio cultural em que vivem, de expressar determinada emoção. Como parte das conversas diárias, os pais podem enfatizar certas emoções frente a outras, esclarecer causas e consequências das emoções e, assim, auxiliar a criança a compreender e regular as suas emoções. Essa linguagem emocional que os agentes socializadores estabelecem permite que as crianças cresçam em um ambiente no qual possam falar mais abertamente sobre as suas emoções, tornando-se, em geral, mais hábeis em regular as suas emoções, principalmente aquelas surgidas em eventos angustiantes (DENHAM et al., 2015). Mendes (2018) observa que falar sobre as emoções se refere, entre outros aspectos, à explicação verbal do que é determinada emoção e da relação entre essa e uma situação que causou ou poderia causar uma reação emocional. Esse “ensino sobre as emoções” vai ajudar a criança a identificar as suas próprias emoções, assim como as das outras pessoas com as quais interage e, com isso, ela poderá manejar melhor as suas respostas às situações que evocaram as suas emoções. Muitos estudos (SOUZA; MENDES; KAPPLER, 2021) demonstram a correlação positiva existente entre as conversas sobre as emoções que os agentes socializadores estabelecem com as crianças e o comportamento pró-social delas, favorecendo a empatia e a cooperação. Os estudos apontaram que isso ocorria principalmente quando os pais ou professores ajudavam as crianças a refletir e entender as causas das emoções das pessoas com as quais elas interagiam. Em contrapartida, adultos que não valorizam a linguagem emocional, ou mesmo aqueles que tratam as emoções da criança com indiferença ou reprimendas, podem levá-la a uma percepção de que é perigoso ou danoso sentir e expressar as emoções (MENDES, 2018). Exemplo Imagine que um menino esteja muito triste, pois o seu brinquedo favorito quebrou. Ao chegar na escola, conte ao seu melhor amigo o que aconteceu e acabe chorando. Nesse momento, ao vê-lo chorar, a professora diz: “Pare de chorar, vamos nos concentrar nas tarefas, isso não é motivo para chorar!”. Agora, reflita, depois do que falamos, como essa conduta, se repetida muitas vezes e por outros agentes socializadores, poderá contribuir para que essa criança cresça com a ideia de que não pode expressar ou falar sobre a sua tristeza, pois isso representará um sinal de fraqueza. Uma atitude mais profícua dessa professora seria conversar com a criança sobre o que a fez chorar, sobre o porquê de sua tristeza e, com isso, fazê-la pensar sobre como lidar melhor com essa emoção. Outro ponto muito relevante salientado por Mendes (2018) diz respeito ao fato de que a qualidade, e não tanto a quantidade, das conversas sobre as emoções que os agentes socializadores têm com a criança é o aspecto mais importante a ser observado. A atitude de incentivar a criança a falar sobre as suas emoções e a nomeá-las, mais do que a produção verbal dos agentes socializadores, auxiliará a criança no desenvolvimento de sua linguagem emocional e de sua habilidade em lidar com as emoções. O diálogo sobre as emoções parece também auxiliar o desenvolvimento das conexões entre a emoção e a cognição, por meio dos processos envolvidos na associação entre as palavras e os sentimentos, aspectos que serão relevantes nos processos de aprendizagem. Emoções e processos de aprendizagem Os processos de aprendizagem, em particular os que ocorrem no contexto escolar, são imbuídos de aspectos emocionais, pois os processos emocionais e cognitivos, embora distintos, guardam estreita relação entre si. No senso comum, já existe a noção de que aprendemos mais facilmente quando estamos mais felizes do que quando estamos tristes, por exemplo. Dessa forma, a escolarização é um processo carregado de significados emocionais, tanto para as crianças quanto para os pais e professores. As emoções estão envolvidas em uma grande parte do processo de ensino-aprendizagem, podendo funcionar como um poderoso veículo para fomentar ou inibir a aprendizagem (FRIED, 2011). Diversos estudos têm demonstrado o quanto as emoções podem exercer uma grande influência sobre os processos cognitivos, em especial por sua relação com os processos motivacionais. Você já percebeu que aprende com muito mais facilidade um conteúdo do qual você gosta e com o qual se sente motivado e, ao contrário, tem muito mais dificuldade em memorizar ou aprender conteúdos dos quais não gosta ou pelos quais não tem interesse? Os estudos realizados com essa temática têm evidenciado o quanto a preponderância de vivências de emoções, como o interesse e a alegria, tanto para os alunos quanto para os professores, permitem a ampliação do repertório de estratégias mais eficazes no processo de ensino-aprendizagem (FRIED, 2011). As emoções podem afetar a função psíquica da atenção, na medida em que tendemos a direcionar o nosso foco atencional para os eventos que nos despertam interesse e prazer e, em contrapartida, a nos distrair de situações ou conteúdos que nos causam desinteresse. Isso ocorre, entre outros aspectos, pelo fato de que os processos emocionais afetam fortemente a motivação intrínseca, ou seja, interna, do indivíduo. Outro aspecto ressaltado também por Fried (2011), refere-se à forma como o nosso cérebro funciona. Por exemplo, quando um aluno está sob estresse, experimentando o medo, a maior parte de seu funcionamento cerebral será dirigida a solucionar a situação que está evocando essa emoção, o que tornará muito mais difícil o aprendizado de um conteúdo escolar. Dica O conhecimento básico de como o nosso cérebro opera permite que os educadores fiquem mais atentos a situações como essa exemplificada. Além disso, eles podem vincular as experiências de aprendizado do aluno a vivências de emoções prazerosas, como a alegria e o interesse. Assim, os professores, e a escola de modo geral, devem estar atentos aos aspectos mencionados, buscando fazer do ambiente escolar um local de pertencimento para o aluno, no qual as emoções possam ser compartilhadas e conversadas, de forma a sempre permitir o aprendizado de novas maneiras de lidar como elas. A partir do conhecimento da relação entre as emoções e os processos de aprendizagem, os educadores estarão mais aptos a criar uma atmosfera no contexto escolar, na qual as salas de aula possam ser ambientes colaborativos, solidários, favorecendo o aprendizado, por parte dos alunos, de conteúdos acadêmicos e de formas mais adaptativas de lidar com as emoções. Tudo isso, certamente, contribuirá para a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem. Correlação positiva entre as conversas sobre as emoções e o comportamento pró-social Neste vídeo, a especialista reflete sobre a correlação positiva entre as conversas sobre as emoções que os agentes socializadores estabelecem com as crianças e o comportamento pró-social. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Vem que eu te explico! Prosódia emocional Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Emoções e processos de aprendizagem Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 Conforme observa Foolen(2012), alguns estudos na área de neurolinguística apontam que palavras com teor emocional são reconhecidas mais rapidamente do que palavras consideradas neutras. Isso se deve primordialmente ao fato de que A as palavras com teor emocional despertam um maior interesse no indivíduo do que palavras neutras. B as palavras com teor emocional são mais facilmente aprendidas do que palavras neutras. C as palavras com teor emocional suscitam no indivíduo uma série de alterações fisiológicas. D o processamento cerebral das palavras com teor emocional é mais rápido do que o de palavras neutras. E as palavras com teor emocional têm uma musicalidade mais agradável do que as palavras neutras. A alternativa D está correta. Alguns estudos em neurolinguística demonstram que, em geral, as palavras como conotação emocional, como amor, ódio, dor, entre outras, têm um processamento cerebral mais rápido do que as palavras consideradas neutras, sendo, por isso, reconhecidas mais rapidamente pelo indivíduo. Questão 2 Os processos emocionais têm uma estreita relação com os processos de aprendizagem. Acerca desse aspecto, é correto afirmar que: I – As emoções desempenham um importante papel no processo de ensino-aprendizagem, particularmente por sua relação com os processos motivacionais. II – As emoções não têm relação com a função psíquica da atenção. III – A escolarização é um processo repleto de componentes emocionais. A Somente a afirmativa III está correta. B Todas as afirmativas estão corretas. C Somente a afirmativa I está correta. D As afirmativas I e II estão corretas. E As afirmativas I e III estão corretas. A alternativa E está correta. As emoções possuem um relevante papel nos processos de aprendizagem, especialmente por sua estreita relação com os processos motivacionais, na medida em que aprendemos com mais facilidade os conteúdos para os quais nos sentimos mais motivados. Além desse aspecto, Fried (2011) observa que o processo de ensino-aprendizagem, que é parte da escolarização, é carregado de significados emocionais. 4. Conclusão Considerações finais As emoções são fenômenos relevantes para a experiência individual, porém, é no contexto das interações sociais que o indivíduo estabelece, desde o nascimento, que elas irão desempenhar as suas funções mais importantes. As funções sociais das emoções são decorrentes da necessidade que nós, seres humanos, temos de estabelecer laços sociais. A competência emocional, desenvolvida por nós ao longo da vida, é uma capacidade essencial para o desenvolvimento de nossa competência social, ou seja, para a nossa capacidade de mantermos relacionamentos sociais harmoniosos, nos diferentes contextos nos quais interagimos. A nossa competência emocional, assim como todas as outras habilidades que desenvolvemos, depende, entre outros aspectos, dos processos de socialização a que somos sujeitos desde cedo, sendo um processo no qual temos um papel ativo. Entre as estratégias de socialização das emoções, destacamos as conversas sobre as emoções que os agentes socializadores têm com a criança sobre as experiências emocionais vivenciadas por elas. As conversas sobre as emoções favorecem o desenvolvimento da linguagem emocional, permitindo a criança a comunicação de seus estados emocionais. Como relevantes agentes socializadores, além dos pais, salientamos o papel do professor/educador, pois é nas interações sociais ocorridas na escola que a criança vivencia grande parte de suas experiências emocionais. É também no ambiente escolar que as relações entre as emoções e os processos de aprendizagem se tornam mais evidentes, com a estreita relação delas com os processos motivacionais. Com isso, acreditamos que você tenha compreendido o quanto as emoções são importantes nas interações sociais que estabelecemos desde a nossa infância. São elas, e mais particularmente a forma com que lidamos com elas, que fazem com que os nossos relacionamentos interpessoais sejam bem-sucedidos ou não. Podcast Neste podcast, a especialista reflete sobre as emoções e os processos de sociabilização, diferencia socialização de sociabilização, bem como evidencia a relevância dos processos emocionais para a aprendizagem. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para ouvir o áudio. Explore + Caso você tenha interesse em se aprofundar um pouco mais sobre como as emoções são expressas, especialmente nos contextos sociais, uma boa dica é o livro de Paul Ekman, A linguagem das emoções, de 2011, da editora Lua de Papel. Ekman é um psicólogo norte-americano, famoso pelo estudo das emoções humanas. Referências BERKOVITS, L.; BAKER, B. Emotion dysregulation and social competence: stability, change and predictive power. Journal of Intellectual Disability Research, California, p. 765-776, 2014. DEL PRETTE, Z.; DEL PRETTE, A. Habilidades sociais e competência social para uma vida melhor. São Carlos, SP: EdUFSCar, 2017. DENHAM, S. Emotional competence during childhood and adolescence. In: LOBUE, V.; PERÉZ-EDGAR, K.; BUSS, K. (eds.). Handbook of Emotional Development. New York: Springer, 2019. p. 493-541. DENHAM, S.; BASSETT, H.; WYATT, T. The Socialization of Emotional Competence. In: GRUSEC, J.; HASTINGS, P. (eds.). Handbook of Socialization: Theory and Research. 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Itens iniciais Propósito Objetivos Introdução 1. As emoções no contexto social Funções sociais das emoções Função de afiliação das emoções Função de contágio emocional Função de distanciamento social Exemplo Função de comunicação Competência emocional e competência social Competência emocional Competência social Competência emocional: chave para o sucesso social Exemplo Exemplo A relação entre competência emocional e competência social Conteúdo interativo Vem que eu te explico! Funções sociais das emoções Conteúdo interativo Competência emocional e competência social Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 2. Os processos de comunicação e interação social na escola Processos de comunicação e interaçãosocial Estratégias de socialização das emoções Reações dos pais às emoções das crianças Conversas dos pais sobre as emoções Expressão parental da emoção Reações dos pais às emoções das crianças Reações apoiadoras Reações não apoiadoras Conversas dos pais sobre as emoções Expressão parental da emoção Exemplo Socialização emocional e interações sociais na escola Reações dos pais às emoções das crianças Conversas dos pais sobre as emoções Expressão parental da emoção Desenvolvimento global da criança Conteúdo interativo Vem que eu te explico! Processos de comunicação e interação social Conteúdo interativo Estratégias de socialização das emoções Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 3. Linguagem, emoções e processos de aprendizagem Prosódia emocional Exemplo Conversas sobre as emoções: linguagem emocional Exemplo Emoções e processos de aprendizagem Dica Correlação positiva entre as conversas sobre as emoções e o comportamento pró-social Conteúdo interativo Vem que eu te explico! Prosódia emocional Conteúdo interativo Emoções e processos de aprendizagem Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 4. Conclusão Considerações finais Podcast Conteúdo interativo Explore + Referências