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Editora Appris Ltda. 1.ª Edição - Copyright© 2020 dos autores Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda. Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010. Catalogação na Fonte Elaborado por: Josefina A. S. Guedes Bibliotecária CRB 9/870 Editora e Livraria Appris Ltda. Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês Curitiba/PR – CEP: 80810-002 Tel: (41) 3156-4731 | (41) 3030-4570 http://www.editoraappris.com.br/ FICHA TÉCNICA EDITORIAL Augusto V. de A. Coelho Marli Caetano Sara C. de Andrade Coelho COMITÊ EDITORIAL Andréa Barbosa Gouveia - UFPR Edmeire C. Pereira - UFPR Iraneide da Silva - UFC Jacques de Lima Ferreira - UP Marilda Aparecida Behrens - PUCPR EDITORAÇÃO Giuliano Ferraz ASSESSORIA EDITORIAL Natalia Lotz Mendes DIAGRAMAÇÃO Andrezza Libel CAPA Eneo Lage REVISÃO Luana Íria Tucunduva GERÊNCIA DE FINANÇAS Selma Maria Fernandes do Valle COMUNICAÇÃO Carlos Eduardo Pereira Débora Nazário Karla Pipolo Olegário LIVRARIAS E EVENTOS Estevão Misael CONVERSÃO PARA E-PUB Carlos Eduardo H. Pereira COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES DIREÇÃO CIENTIFICA Dra. Doutora Márcia Gonçalves - UNITAU CONSULTORES Lilian Dias Bernardo – IFRJ Taiuani Marquine Raymundo - UFPR Janaína Doria Líbano Soares - IFRJ Rubens Reimao – USP Edson Marques – Unioeste Maria Cristina Marcucci Ribeiro – UNIAN-SP Maria Helena Zamora – PUC-Rio Aidecivaldo Fernandes de Jesus – FEPI Zaida Aurora Geraldes – FAMERP Dr. Gustavo Eu gostaria de dedicar este livro à minha família, que me apoiou por todo o tempo, principalmente aos meus pais, que não mediram esforços para que de uma origem humilde pudesse levar conhecimento a outras pessoas; aos meus colegas, que contribuíram com o livro de maneira tão dedicada; meus alunos e ex-alunos; meu companheiro Eduardo, amigo e quem me estende a mão em todos os momentos, e para a minha amiga e coeditora, cujo conhecimento, orientação e inspiração têm sido fundamentais para o meu crescimento profissional. Como Santo Agostinho nos orienta: “ama e faz o que quiseres; se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”. Dr.ª Luciane Vou tentar passar para o papel sentimentos que são difíceis de expressar, mas que estão gravados em áreas cerebrais específicas e refletem minha imensa gratidão. Dedico esta obra, primeiro, ao Nome sobre todo Nome, nosso criador, sentido e razão para tudo. Ele que criou meus pais, Maria Thereza e Osvaldo, a quem devo um amor incondicional e todo o respeito e admiração, e também recebem esta dedicatória. E quero dedicar este livro ao meu esposo, Rodrigo, companheiro, amigo e parceiro de vida, com quem pude construir uma bela família, formada também pelos meus amados filhos: Maria, Francisco e Cecília. A vocês, que são o melhor de mim, dedico o fruto deste estudo. Não posso esquecer-me do meu amigo Gustavo, que navegou comigo neste sonho, me ensinando e me alegrando muito nesta parceria. E, por fim, pensando também no futuro, quero dedicar esta obra, feita com muito carinho por pessoas capacitadas e também cheias de amor, a todos os profissionais da área da saúde e a todos os pacientes que poderão, de alguma forma, se beneficiar deste material. AGRADECIMENTOS Dr. Gustavo Agradeço à Clínica Somatus Pediasuit Sandra Volpi, em Botucatu, pela generosidade sem tamanho. Ao Professor Rodrigo Bazan, neurologista e amigo, que sempre apoiou em todas as decisões, mesmo aquelas mais difíceis, com incentivo para trilhar meu próprio caminho. Você impulsionou nosso crescimento. A todos os autores, profissionais da área da saúde que contribuíram com o livro e não mediram esforços para que o capítulo atingisse o maior nível de qualidade possível. Aos membros do Grupo de Neurociências Aplicadas à Reabilitação da UFTM, por toda capacidade de articulação para o desenvolvimento deste livro. Para todos aqueles que contribuíram na campanha de crowndfunding para que este livro fosse realidade em nossas mãos. A todos os meus professores, desde a graduação até o pós-doutorado, que fizeram me tornar o que hoje sou. Ao Eduardo, Dudu, meu eterno companheiro, que esteve presente nos caminhos mais difíceis, os tornando leves e passageiros. Dr.ª Luciane Agradeço aqui, primeiro a Deus, por me criar, me amar, me ensinar a cada dia. Aos principais protagonistas da minha história: meus pais. Sem o alicerce que me deram, todo feito de amor, carinho e ensinamentos firmes sobre a vida, eu não seria ninguém. À minha família, que, mesmo estando distante, foi e sempre será presença viva na minha caminhada. À família que formei, meu esposo e meus filhos, motivo de alegria, ânimo e vigor para cada passo a ser trilhado. Aos meus mestres, na infância, adolescência, juventude e em toda a formação acadêmica, de pós-graduação, e aos que convivem comigo no dia a dia, no meu trabalho, renovando meu aprendizado. Em especial aos professores e amigos, que me fizeram amar a fisioterapia, em especial a área da neurologia e também àqueles que me mostraram o caminho da docência. E, claro, agradecer a todos que me cercam, meus grandes amigos, aqueles da infância, que resgatam um tempo tão bom, aos amigos que também estão distantes, mas sempre pertinho, unidos aos nossos sentimentos. Aos amigos e colegas próximos, com quem divido alegrias e angústias. E não podiam faltar meus queridos alunos e ex- alunos. Muito deste estudo é fruto de cada um de vocês, de momentos de dúvidas, nas apresentações, nas piadas neurológicas do dia a dia. E este estudo é também para vocês, com o intuito apenas de lembrá-los e atualizá-los. Ao meu amigo de trabalho, risadas, cantorias e de muitos fatos neurológicos, com quem posso compartilhar a alegria de ver esta obra pronta: Gustavo. Agora, para finalizar, minha eterna gratidão a todos os pacientes que cruzaram meu caminho e deixaram traços de suas vidas unidos à minha. Suas histórias e o modo como cada um lidou com as dificuldades me enriqueceram e também ajudaram a construir o meu eu e agora poder contribuir com esta obra. Como São Francisco de Assis, devemos viver sempre alegres e propagar o bem, o amor. Que esta obra traga conhecimento, alegria e bons frutos a todos. E como ele mesmo diria... desejo a todos paz e bem! APRESENTAÇÃO As pesquisas em neurociências básica e aplicada nos ensinam que a arte de avaliar e tratar indivíduos com qualquer doença do sistema nervoso central e periférico deve ser conduzida com empenho, paciência, mas, acima de tudo, com alta capacidade crítica pra saber que a ciência é mutável e que dependemos cada vez mais de avaliações baseadas em evidências e que sejam funcionais e adaptadas ao cotidiano do indivíduo. Pensando nessas premissas, criamos este livro de avaliação neurológica funcional para demonstrar como deve ser abordado um indivíduo após qualquer distúrbio neurológico dentro de um olhar clínico, funcional e moderno. Os organizadores PREFÁCIO No início de 2012, logo após o carnaval, estava na minha sala no departamento de neurologia da Unesp em Botucatu pensando na complexidade e dificuldades que um então jovem professor recém-contratado enfrentaria para realizar a tríade assistência, ensino e pesquisa de qualidade neste país. Foi nesse contexto, então, que conheci nessa mesma época um jovem recém-formado em fisioterapia chamado Gustavo Luvizutto, interessado em iniciar o estudo na pós-graduação e extremamente focado nas questões de pesquisa, principalmente no campo da reabilitação neurológica após Acidente Vascular Cerebral (AVC). Em curto espaço de tempo, montamos uma linha de pesquisa junto ao CNPq em reabilitaçãoe AVC, captamos fomentos e passamos a agregar um grupo de pessoas entusiastas com a pesquisa nesse campo da saúde e iniciamos uma produção de trabalhos, dissertações e teses, assim como apresentações em congressos de âmbito nacional e internacional. Já esperado, poucos anos depois, esse jovem sonhador ingressa como docente numa grande universidade de Minas Gerais, a UFTM, em Uberaba. A obra Avaliação Neurológica Funcional, idealizada pelos jovens e brilhantes professores Gustavo José Luvizutto e Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza, certamente, vem preencher uma importante lacuna literária no cenário nacional no campo da Neurociência e reabilitação neurológica. Certamente, esses entusiastas colocaram toda sua capacidade técnica, didática e de coordenação na composição desta obra. Muito me orgulha e emociona o convite da escrita deste prefácio para um livro que certamente auxiliará em muito os alunos de graduação e pós-graduação da área da saúde, assim como será referência para professores e pesquisadores nesse campo do conhecimento. Para finalizar, deixo as palavras que resumem para mim a dedicação de Gustavo e Luciane, assim como de todos os autores de capítulos que colaboraram com esta obra: Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive. (PESSOA, 1946, p. 148) Professor doutor Rodrigo Bazan Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Universidade Estadual Paulista Coordenador do diretório científico de Reabilitação da Associação Brasileira de Neurologia Referência PESSOA, Fernando. Odes de Ricardo Reis. Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor. Lisboa: Ática, 1946. Sumário Capítulo 1 Introdução 17 Caroline Oliveira Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Dr. Gustavo José Luvizutto Capítulo 2 Interrogatório e avaliação visual sistemática 25 Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Cíntia Rogean de Jesus Alves Baptista Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 3 Uso de Avaliações Padronizadas em Fisioterapia aplicada às Doenças Neurológicas 41 Dr.ª Camila Torriani-Pasin Tatiana Beline de Freitas Natalia Padula Gisele Carla dos Santos Palma Capítulo 4 Avaliação dos nervos cranianos 93 Dr. Alex Eduardo da Silva Dr. Gustavo José Luvizutto Capítulo 5 Avaliação do tônus muscular 107 Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Cyntia Rogean de Jesus Alves Baptista Dr. Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 6 Importância dos Reflexos para as atividades funcionais 123 Dr. Gustavo José Luvizutto Eduardo de Moura Neto Dr.ª Cyntia Rogean de Jesus Alves Baptista Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 7 Avaliação funcional da motilidade e força muscular 133 Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 8 Avaliação do sistema sensorial 149 Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Cyntia Rogean de Jesus Alves Baptista Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 9 Avaliação do sistema perceptual 161 Taís Regina da Silva Dr. Rodrigo Bazan Dr. Gustavo José Luvizutto Capítulo 10 Avaliação da Coordenação motora global 177 Dr. Fabricio Diniz de Lima Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Dr. Marcondes Cavalcante França Junior Capítulo 11 Avaliação funcional do Equilíbrio 197 Ana Flávia Silveira Tamiris Aparecida Castro Souza Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 12 Avaliação da verticalidade 213 Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 13 Avaliação do Sistema vestibular 221 Dr. Gustavo José Luvizutto Adriana Tresso Kívia Oliveira Santos Laura Pereira Generoso Dr.ª Josie Resende Torres da Silva Capítulo 14 Avaliação cognitiva estruturada 245 Iramaia Salomão Alexandre de Assis Tamise Aguiar Caires Dr.ª Ellen Lirani-Silva Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 15 Avaliação funcional da marcha 259 Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Dr. Gustavo José Luvizutto Capítulo 16 Avaliação da linguagem em pacientes neurológicos 271 Dr.ª Magali de Lourdes Caldana Dr.ª Natalia Gutierrez Carleto Natalia Caroline Favoretto Dr.ª Cristina do Espírito Santo Bianca Gonçalves Alvarenga Leticia de Azevedo Leite Capítulo 17 Tomada de decisão em Neurologia Pediátrica 283 Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Capítulo 18 Avaliação nutricional no paciente neurológico 291 Juli Thomaz de Souza Capítulo 19 Eletrodiagnóstico como ferramenta de avaliação neurofuncional 307 Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Dr.ª Luciane Fernanda Rodrigues Martinho Fernandes Capítulo 20 Monitoramento utilizando dispositivos vestíveis na avaliação neurofuncional: aplicação na doença de Parkinson 321 Amanda Rabelo Dr. Rodrigo M. A. Almeida Dr. Adriano O. Andrade Capítulo 21 Uso da neuroimagem como ferramenta de avaliação neurofuncional 339 Dr. Gustavo José Luvizutto Dr. Pedro Tadao Hamamoto Filho SOBRE OS AUTORES 363 ÍNDICE REMISSIVO 373 Capítulo 1 Introdução Um olhar baseado na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) Caroline Oliveira Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza Dr. Gustavo José Luvizutto 1. Introdução A avaliação fisioterapêutica neurofuncional inclui a coleta de informações por meio da observação detalhada do paciente para elaborar um diagnóstico e prognóstico e, até mesmo, para intervir na decisão de qual a melhor conduta de tratamento. A avaliação é essencial para identificar o problema e o local do sistema nervoso que se encontra comprometido. Nela, interpretam-se medidas individuais relativas à estrutura e função, atividade e participação, e fatores ambientais e pessoais. O processo de avaliação deve ser parte integrante do tratamento, pois responde à pergunta: é possível alterar o quadro funcional após o processo de reabilitação? Os achados da avaliação auxiliam a resolução do problema, direcionando a terapia para o alcance de metas. A avaliação neurofuncional deve ser ampla, dinâmica e contínua, para que permita um acompanhamento da evolução clínico-funcional (STOKES, 2000; OMS, 2015). Este capítulo busca abranger todos os itens relacionados a uma avaliação neurológica de modo sucinto. No texto, os tópicos se distribuem de maneira ordenada, sendo: conceito (informações principais), forma de avaliar e apontamento de alterações, interpretação dos achados conduzindo ao diagnóstico, além de alguns registros, exemplificando uma avaliação de um paciente fictício. 2. Proposta de avaliação baseado no conceito de funcionalidade, incapacidade e saúde As principais questões que nortearão a avaliação global do paciente são (UMPHRED, 1994): 1) O que o paciente consegue fazer? Como ele executa suas atividades? Há compensações? Onde posso auxiliá-lo? 2) O que o paciente não consegue fazer? Por que ele não faz? O que falta pra ele fazer? Como posso auxiliá-lo? A partir das respostas a estas questões acima, quais as principais hipóteses para elucidar o quadro clínico-funcional? 3) Testar as principais hipóteses por meio da avaliação neurofuncional, além de algum facilitador que possa ajudá-lo na função (por exemplo, uso de estímulos sensoriais, mãos do terapeuta, modificações no ambiente). 4) Como iniciar logicamente o atendimento? Lembrando de respeitar os seguintes domínios: a) atividade e participação - Qual ou quais atividades de vida diária ele mais precisa e anseia realizar? Qual a sua participação na vida familiar e social? b) fatores ambientais – O ambiente é um facilitador uma barreira para à sua funcionalidade? c) fatores pessoais – Quais fatores pessoais (ex: motivação, doenças associadas, temperamento, sonhos, metas de vida, etc) podem interferir no quadro clínico-funcional? Quadro 1 – Raciocínio lógico da avaliação neurofuncional Fonte:o autor Uma avaliação completa e direcionada é imprescindível, não obstante, a cada exercício ou atividade proposta se faz necessário observar e se questionar a execução ou evolução. Em muitos casos, a conversa com a família ou conversa com o próprio paciente nos faz pensar ou criar novos objetivos e condutas (UMPHRED, 1994). A seguir, um exemplo do raciocínio lógico da avaliação neurofuncional: Paciente com quadro clínico de Acidente Vascular Cerebral (AVC) há 3 meses, 57 anos, cozinheiro, mora sozinho em um apartamento de três andares. Apresenta fatores de risco como hipertensão, diabetes e obesidade. Compareceu à avaliação apresentando hemiparesia à direita, relatando dificuldade na transição da postura sentado para em pé e durante a marcha em terrenos irregulares, além da manipulação de objetos à pinça com a mão direita. 1) O que o paciente consegue fazer? Como ele executa suas atividades? Há compensações? Onde posso auxiliá-lo? Deve-se ter como objetivo verificar os principais potenciais do paciente nas principais posturas contra a gravidade, além de atividades como mobilidade, transferências e alcance funcional. O paciente em questão, realiza transferências contra a gravidade e marcha, mas ao realizar a transferência de sentado para em pé aumenta o tônus flexor do membro superior direito, aumenta a garra de artelhos e o tônus extensor de tronco, transferindo a maior parte do peso corporal para o membro inferior esquerdo. Quando realiza marcha em terreno irregular aumenta o tônus extensor de joelho e maior inclinação da pelve. Ao realizar a tarefa de alcance com o membro superior, apresenta como compensação de inclinação ântero-lateral de tronco. 2) O que o paciente não consegue fazer? Por que ele não faz? O que falta pra ele fazer? Como posso auxiliá-lo? O paciente não realiza tarefas de preensão e manipulação com o membro superior direito. Quais as principais hipóteses para o quadro clínico? a) Diminuição do equilíbrio de tronco, aumentando as reações associadas do membro superior durante as tarefas contra a gravidade? b) Espasticidade de extensores de membro inferior e flexores de membro superior, principalmente de caráter dinâmico? c) Fraqueza da musculatura extensora de tronco, gerando compensações para o aumento de tônus do membro superior? d) Fraqueza da musculatura abdominal, gerando aumento de tônus flexor? e) Fraqueza de serrátil anterior, deltoide e tríceps braquial gerando compensações do tronco no momento do alcance? f) Diminuição sensorial no lado hemiparético, aumentando o tônus durante atividades funcionais? g) Tônus flexor aumentado em musculatura intrínseca da mão ou fraqueza intensa dos extensores de dedos? 3) Testar as principais hipóteses por meio de avaliação neurofuncional, além de utilizar algum facilitador que possa ajudá-lo na função. a) Testar equilíbrio de tronco utilizando testes clínicos funcionais ou escalas validadas, como a Escala de Comprometimento de Tronco (EDT); b) Testar o tônus da principal musculatura acometida utilizando a escala modificada de Ashworth e observar o comportamento do tônus durante as mudanças de decúbito e atividades funcionais; c) Teste de força muscular de tronco; d) Teste de força da musculatura abdominal; e) Testar a força da musculatura de escápula e membro superior e observar a atividade muscular durante as atividades funcionais de alcance; f) Testar a sensibilidade tátil superficial e profunda das principais articulações para verificar a influência no tônus. g) Testar tônus flexor e força extensora de dedos 4) Após a confirmação das hipóteses, deve-se diagnosticar as principais alterações funcionais e traçar objetivos a curto, médio e longo prazo, sempre verificando novos potenciais a cada terapia, respeitando os domínios de atividade e participação, fatores ambientes e pessoais. Neste caso poderemos ter as seguintes alterações: a) Atividade e participação: dificuldade moderada para subir e descer escadas e andar em terrenos irregulares ao redor de sua casa; dificuldade severa para deambular até o ponto de ônibus; É incapaz de cortar e manusear objetos e alimentos na cozinha com o membro superior direito e, no momento está afastado de suas atividades profissionais. Como mora sozinho, não tem muitos amigos e seus familiares estão distantes, não pode sair muito de casa, sendo assim suas atividades de lazer também estão restritas. b) fatores ambientais: as principais barreiras encontradas neste caso foram: escada para chegar até seu apartamento, terrenos irregulares no entorno de sua moradia e nas ruas da cidade. c) fatores pessoais: paciente encontra-se desmotivado devido à incapacidade de executar seu trabalho, além disse sua obesidade dificulta no equilíbrio e locomoção. Quadro 2 – Raciocínio lógico aplicado a um caso clínico Fonte: os autores 2.1 Como a CIF pode nos ajudar no processo de avaliação? Auxiliando nesses processos de avaliação funcional, é importante nos basearmos na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF, ICF em inglês). Esse documento de uso mundial foi elaborado em 2001 e publicado em língua portuguesa em 2003. Uma versão específica para a população de crianças e adolescentes (CIF-CJ) foi publicada em 2006 (OMS, 2015). A CIF pode ser utilizada de uma forma geral como apresentada no quadro 2 ou de modo mais específico com as codificações por domínios. Ambos ajudam a formular hipóteses num primeiro momento. A seguir, são feitos os testes específicos e se determinam os códigos individuais. Numa avaliação pontual de pacientes neurológicos com base na CIF, devemos considerar os seguintes aspectos: 1) o paciente é visto como um todo e recebe uma análise completa sobre sua condição de saúde, incluindo sua funcionalidade, incapacidade e aspectos pessoais e ambientais que podem interferir positiva ou negativamente no quadro; 2) é considerada a análise dos componentes: estruturas (código s = do termo structure) e funções corporais (código b = do termo body), atividades e participação (código d = do termo domain), fatores ambientais (código e = environment) e fatores pessoais; 3) após os códigos, em letras minúsculas, vem a numeração que obedece a ordem dos capítulos, a seguir representada apenas por XXX (www.who.int/classifications/icf/en/ – esse site dá acesso a toda a classificação que deve ser usada para consulta dos códigos); 4) por fim, é feita a pontuação, de acordo com a tabela a seguir: Tabela 1 – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Estrutura e função, atividades e participação XXX.0 Sem problema XXX.1 Problema leve XXX.2 Problema moderado XXX.3 Problema grave XXX.4 Problema completo XXX.8 Não especificado XXX.9 Não aplicável Fonte: adaptado da Organização Mundial de Saúde (2015) Um exemplo clínico distinto do anterior pode auxiliar no entendimento da aplicação da CIF: S.G., 72 anos, diagnosticado com doença de Parkinson há seis anos, apresenta o quadro clássico: bradicinesia, tremor, rigidez e alterações no controle postural. Relata dificuldades em comer e abotoar roupas e também durante caminhadas por longas distâncias. Para a formulação de hipóteses nesse caso, podemos pensar nas funções alteradas relacionadas à execução do movimento, funções de equilíbrio. Com relação à atividade e participação, focamos em algumas AVDs que estariam mais comprometidas, tendo estas, relações diretas com o quadro clínico do paciente. Agora, não está claro nessa descrição outros aspectos que o avaliador teria que investigar: variáveis emocionais, interesse pelas atividades, motivação, envolvimento de familiares e amigos, acesso aos serviços de saúde e medicamentos etc. Assim, após uma ampla entrevista e avaliação minuciosa, já respondendo às hipóteses levantadas, foram considerados os seguintes códigos/pontuações da CIF pelo avaliador. Lembramos que pode ser feita a pontuação também a partir do ponto de vista do paciente. Funções: Movimentos involuntários b765.2 Funções de Energia b130.1 Funções Emocionais b152.1 Estruturas Corporais: Cérebros1103.3 Estruturas relacionadas ao Movimento s798.3 Atividades e Participação: Uso fino das mãos d440.2 Movimentar-se pelos ambientes d450.2 Alimentação d550.2 Vestuário d540.2 Fala d330.1 Vida Comunitária d910.2 Recreação e Lazer d920.2 Emprego d850.3 Facilitadores Uso de medicamentos e110.3 Profissionais de Saúde e120.3 Cadeira de Rodas e355.3 Barreiras Atitudes da Família e Amigos e410.1 Sistemas e Políticas de Saúde e580.2 Quadro 3 – Pontuação da CIF de acordo com a visão de um paciente Fonte: o autor TAREFA DE LABORATÓRIO Agora que os conceitos e dois exemplos de aplicação foram dados, tente utilizar a CIF em pacientes, complementando os dados já coletados com a avaliação tradicional. Talvez você encontre novas hipóteses e, a seguir, também novos achados. 2.2 As escalas também podem ajudar! Inúmeras escalas podem ser utilizadas tanto para elaborar quanto para responder hipóteses. Essas escalas precisam ser validadas em nossa língua e ter alta confiabilidade. É possível optar por uma escala específica para alguma doença/disfunção, como por exemplo, escala de Fugl Meyer utilizada para avaliar o quadro clínico pós-AVC. Ou eleger uma escala de acordo com algum quesito que se queira investigar, como por exemplo, o SF-36 (Short-Form Health Survey), que avalia qualidade de vida e pode ser utilizado em inúmeras situações clínicas. No capítulo 3 deste livro, teremos a apresentação e aplicação de várias escalas, inseridas nos domínios da CIF, e isso poderá nortear a formulação de hipóteses e o desfecho da avaliação como um todo. 3. Implicações clínicas A avaliação neurofuncional é a parte mais importante do planejamento terapêutico, visto que um olhar cuidadoso, preciso e funcional adequado levará a resultados mais promissores. Quando a avaliação é desvalorizada ou não aplicada, há redução das possibilidades de tratamento, com impacto negativo na funcionalidade. 4. Referências ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo – Edusp, 2015. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Como usar a CIF: Um manual prático para o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Disponível em: http://www.fsp.usp.br/cbcd/wp- content/uploads/2015/11/Manual-Prático-da-CIF.pdf. Acesso em: 10 nov. 2018. STOKES, M. Neurologia para fisioterapeutas. 1. ed. São Paulo: Premier, 2000. UMPHRED, D. A. Fisioterapia Neurológica. 2. ed. Barueri: Manole, 1994. Capítulo 2 Interrogatório e avaliação visual sistemática Como o diálogo e observação conduzem a avaliação neurofuncional? Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Cíntia Rogean de Jesus Alves Baptista Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza 1. Anamnese A anamnese constitui-se numa das partes mais importantes da avaliação e significa a coleta do relato da doença e de sua evolução. A história clínica deve conter o máximo de informações pertinentes à doença e ao quadro clínico- funcional e, para isso, o avaliador deve saber direcionar as perguntas ao paciente. Nessa coleta de informações, é importante observar a voz, as expressões faciais do paciente, a sua capacidade de organizar as ideias, a coerência dos fatos e também a atenção e memória (ROWLAND, 1997). Na história da doença ou moléstia atual (HMA), devemos permitir que o paciente discorra livremente sobre seus sintomas, sem interrompê-lo, tendo bastante atenção, interesse, perspicácia e paciência. A síntese do relato parte da análise minuciosa dos sintomas e fatos referidos, estabelecendo-se características, relações entre os fatos e, além disso, a ordem cronológica dos acontecimentos. As questões básicas do interrogatório cruzado são sobre o que sente, como sente, qual o local, desde quando, o que foi feito, evolução do quadro, fatores de melhora e piora, qual a frequência dos sintomas, se possui independência para higiene pessoal, locomoção, alimentação, se realiza atividade física etc. Um bom relato sobre os medicamentos é também necessário. Além das perguntas clássicas, é importante saber a história pregressa (HP), ou seja, doenças que acometeram o paciente desde o nascimento até o dia da avaliação. A história familiar (HF) é outro item que se refere à existência de antecedentes familiares ou hereditários com doenças, principalmente semelhantes à do paciente. Vale lembrar que seria desnecessário em um paciente que sofreu lesões traumáticas. É importante investigar o fator que mais o incomoda, suas maiores ansiedades e angústias, o que chamamos de queixa principal (QP). Por fim, é interessante um levantamento da função diária (AVDs), conhecer aspectos sociais, emocionais, hábitos e vícios, habitação, transporte e profissão. Assim, torna-se essencial o registro de todos os dados obtidos com o discurso do paciente. É importante registrar a data da anamnese para permitir o conhecimento da doença no contexto atual e para se fazer um comparativo entre reavaliações periódicas. Exemplo: HMA: A.F.G., 61 anos, apresenta hipertensão arterial (P.A média: 150 x100 mmHg, com controle medicamentoso), realizou cirurgia de angioplastia (ponte de safena) em maio de 2018, porém, há aproximadamente seis meses, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), tendo sido admitida na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas, com sintomas como dor de cabeça, vômitos, desmaio, perda da consciência. Desde estão ficou internada por 21 dias, evoluindo com quadro motor característico de uma hemiplegia à direita e afasia motora. Sente dores no ombro direito há duas semanas. Recebeu tratamento fisioterapêutico, fonoaudiológico e fez terapia ocupacional apenas na fase hospitalar. Devido à evolução das sequelas motoras com deformidades mais incapacitantes, veio à procura de auxílio. AVDs: consegue alimentar-se, banhar-se e vestir-se independentemente, mas possui restrições de coordenação e equilíbrio em atividades complexas, como abotoar uma camisa, prender roupa no varal, caminhar em solo instável. Exercia funções de dona de casa e cozinheira. Utiliza medicamentos como antiagregante plaquetário (AAS), anti-hipertensivos (Captopril) e insulina, não apresenta vícios como tabagismo e etilismo atualmente. HF. Possui mais casos de hipertensão na família (mãe e irmão), sendo que sua mãe também teve um AVC. Aspecto psicológico: variações do humor, mas com esperanças. HP: além da hipertensão arterial, é diabética e teve quadro de pneumonia há Quadro 1 – Exemplo de anamnese realizada em um paciente neurológico Fonte: o autor 2. Inspeção O registro das anormalidades já notáveis ao exame visual deve ser feito cuidadosamente com atenção a alguns aspectos, como (CAMBIER; MASSON; DEHEN, 1999): Atitude; Estado de consciência; Postura; Fácies; Dismorfias; Movimentos involuntários; Exame das mãos e dos pés; Pele; Trofismo. Quadro 2 – Principais aspectos para a inspeção Fonte: o autor 2.1 Atitude: como o paciente se encontra, se está movimentando-se de acordo com a sua vontade, ativo; ou se ele se mantém em posições que lhe impuseram, atitude passiva (DAVIES, 1996; DAVIES, 1997) (Figura 1). A B Figura 1 – (A) Atitude passiva motora de um paciente com distrofia muscular de Duchenne em fase avançada; (B) Atitude ativa motora de um paciente com traumatismo crânio-encefálico tocando a cadeira de rodas. Fonte: o autor 2.2 Nível de Consciência: é avaliado quando o paciente está em atitude passiva, podendo ser classificado quanto a fase de instalação (CAMPBELL, 2005; POSNER; SAPER; SCHIFF; PLUM, 2007; ROWLAND, 2007). A Vigília/Vigil refere-se ao estado acordado, sem distúrbios do estado de consciência. Tabela 1 – Termos usados para descrever os distúrbios da consciência Instalação Aguda Instalação subaguda ou crônica Turvação/Sonolência Demência Delírio Hipersonia Obnubilação Abulia Torpor ou Coma Mutismo acinético Síndrome do encarceramento Estado vegetativo Morte cerebral Fonte: adaptado de POSNER et al. 2007 2.2.1 Distúrbios da consciência de instalação aguda Turvação/Sonolência:é um termo aplicado a vigília ou consciência minimamente reduzidas, que pode incluir hiperexcitabilidade e irritabilidade alternando com sonolência. Delírio: definido pela percepção equivocada de estímulos, perturbação da consciência com capacidade reduzida de foco, e de sustentar ou mudar a atenção. Ocorre mudança na cognição (como déficit de memória, desorientação, distúrbio de linguagem) ou o desenvolvimento de uma perturbação perceptiva que não é melhor explicada por uma demência preexistente. A perturbação se desenvolve por um curto período de tempo (geralmente horas/dias) e tende a flutuar durante o curso do dia. Obnubilação: estado de sonolência patológica; pacientes têm uma redução leve a moderada do estado de alerta, acompanhada de um menor interesse pelo meio ambiente. Ocorre aumento do número de horas de sono e o paciente pode ser sonolento entre os períodos de sono. Torpor: é um estado de sonolência acentuado, da qual o sujeito pode ser despertado apenas com estímulo vigoroso e contínuo. Mesmo quando despertado ao máximo, o nível da função cognitiva pode ser prejudicado. Coma: é um estado de falta de resposta em que o paciente fica de olhos fechados e não pode ser despertado para responder adequadamente aos estímulos mesmo com estimulação vigorosa. O paciente pode realizar expressões faciais em resposta a estímulos dolorosos. O paciente não realiza respostas localizadoras. À medida que o coma se aprofunda, a capacidade de resposta do paciente, mesmo com estímulos dolorosos, pode diminuir ou desaparecer. Síndrome do encarceramento: paciente apresenta déficit das respostas motoras dos 4 membros e parte inferior dos nervos cranianos, com preservação do nível consciência e sensações. Ao exame o paciente apresenta movimentos oculares verticais e por vezes horizontais. 2.2.1 Distúrbios da consciência de instalação subaguda ou crônica Demência: declínio duradouro e muitas vezes progressivo nos processos mentais. Hipersonia: apresenta sono excessivo e pode ser despertado prontamente quando chamado. Abulia: é um estado apático em que o paciente responde devagar e geralmente não inicia conversação ou atividade. Mutismo acinético: descreve uma condição de imobilidade silenciosa e de alerta que caracteriza certos estados subagudos ou crônicos de consciência alterada. Estado vegetativo: estado para designar os pacientes com ciclo sono-vigília presente, função cardiorrespiratória intacta e presença de reflexos do tronco encefálico e espinhais (sucção, mastigação, preensão etc), porém sem evidências de consciência. Se o estado vegetativo permanecer por pelo menos 30 dias pode ser denominado estado vegetativo persistente. Morte cerebral: perda irreversível de todas as funções cerebrais. O nível de consciência pode ser avaliado de maneira objetiva, utilizando-se também a escala de coma de Glasgow. A escala apresenta três domínios: abertura ocular (score de 1-4), resposta verbal (score de 1-5), resposta motora (score de 1- 6). A pontuação total varia de 3 a 15, sendo quanto maior, melhor o nível de consciência (BRAINE; COOK, 2017). Associada à escala de coma de Glasgow, pode ser utilizada a escala Rancho Los Amigos durante todo o período de reabilitação de uma lesão cerebral. A escala leva em conta o estado de consciência do paciente, bem como sua dependência de assistência para realizar funções cognitivas e físicas. A escala varia de I a X, sendo que quanto maior o nível, melhor o desempenho físico, cognitivo e emocional (LIN; WROTEN, 2018). 2.3 Postura: definida como correlação entre extremidades, tronco e as posições das articulações. Na literatura, existem algumas posturas características encontradas em pacientes neurológicos. Porém, é preciso destacar que nem sempre o paciente se enquadra nessas posturas pré- definidas. Portanto o ideal seria descrever de modo detalhado as alterações posturais encontradas para assim nortear a conduta a ser seguida. Abaixo são descritas as posturas típicas ou clássicas mais comuns: Postura hemiplégica espástica (Wernicke-Mann): caracteriza-se pela posição em pé, com o membro superior comprometido em flexão e pronação, e o membro inferior homolateral em hiperextensão com o pé em equino (flexão plantar). Exemplo: A postura hemiplégica do paciente é caracterizada pelos principais aspectos: CABEÇA: A cabeça está flexionada para o lado hemiplégico e rodada de tal modo que a face se orienta para o lado bom. MEMBRO SUPERIOR (padrão flexor): A escápula está retraída e a cintura escapular em depressão. O ombro está aduzido e rodado internamente. O cotovelo está fletido com pronação do antebraço (em alguns casos, supinação domina). O punho está flexionado com algum desvio ulnar. Os dedos estão fletidos e aduzidos. O polegar está fletido e aduzido. TRONCO: O tronco está rodado para trás no lado hemiplégico com flexão lateral do lado hemiplégico. MEMBRO INFERIOR (padrão extensor): A pelve está rodada para trás no lado hemiplégico tracionado para cima. O quadril está estendido, aduzido em rotação interna. O joelho está estendido, o pé está em flexão plantar e inversão (DAVIES, 1997). Quadro 3 – Exemplo do padrão da postura hemiplégica Fonte: o autor Postura parkinsoniana: caracteriza-se pela inclinação anterior de cabeça e tronco, membros superiores flexionados e os dedos em posição de pinça com característico tremor de repouso, assemelhando-se ao movimento de “contar dinheiro” ou “rolar pílulas”. Figura 2 – Postura Parkinsoniana típica (flexão de tronco e cabeça, deslocamento anterior do centro de gravidade) Fonte: o autor Postura de decorticação: postura flexora dos membros superiores e extensora dos membros inferiores, comum em lesões acima do núcleo rubro do mesencéfalo. Postura de descerebração: hiperextensão com tendência à pronação dos quatro membros, própria das lesões do tronco encefálico. Postura miopática: caracterizada pela acentuação da lordose lombar, hipertrofia das panturrilhas e saliência das escápulas. 2.4 Fácies: são relativas às expressões fisionômicas do paciente. A seguir, estão as mais importantes e comuns na área de neurologia (POSNER; SAPER; SCHIFF; PLUM, 2007): Fácies da paralisia facial: caracterizada pelo desvio da comissura labial para o lado da hemiface sadia e pela incapacidade de fechar o olho (logoftalmo) do lado da hemiface paralisada. Aqui, estão referidas características da paralisia facial periférica (nuclear ou infranuclear) e não a do tipo central (supranuclear), que estão comentadas com mais detalhes no capítulo 4, sobre nervos cranianos. Fácies de Hutchinson: das oftalmoplegias, em que o paciente reclina a cabeça para trás e contrai a musculatura frontal enrugando a testa, na tentativa de compensar a ptose palpebral. É vista em lesões do nervo oculomotor, doenças como a miastenia gravis. Fácies parkinsonianas: própria da doença de mesmo nome, inexpressiva, em máscara, com piscar raro, às vezes, com a boca entreaberta escorrendo saliva, ou tremor nos lábios e mandíbula. Fácies coreicas: própria das coreias, caracterizada pelos trejeitos contínuos do rosto, acometimento da face pela movimentação involuntária. Fácies miopáticas: apresenta atrofia dos músculos faciais, sem rugas, lisa e inexpressiva. Pode-se observar também calvície e catarata. Fácies tetânicas: na qual se observa o enrugamento da testa, a musculatura facial está contraída. 2.5 Dimorfismo: são as alterações na forma/formato/volume de estruturas como crânio, coluna e face (POSNER; SAPER; SCHIFF; PLUM, 2007): O crânio pode apresentar malformação, como: Macrocefalia: aumento do volume do crânio, frequentemente devido à hidrocefalia, ou seja, aumento de líquido céfalo-raquidiano nas cavidades ventriculares e meníngeas. Microcefalia: diminuição do volume do crânio. Cranioestenose: ocorre quando há o fechamento precoce de uma das suturas cranianas, associa-se à hiperextensão craniana. A coluna vertebral pode apresentar algumas deformações, como por exemplo, as escolioses em geral, gibosidades comuns do mal de Pott. A facetambém pode ter dimorfismos quando há atrofia hemifacial de Romberg. 2.6 Movimentos Involuntários: São anormalidades observadas no paciente em repouso, que se intensificam com a atividade, e desaparecem durante o sono. Também são denominados discinesias (CAMBIER, 1999; ROWLAND, 2007). Pode-se notar se há continuidade ou intermitência na manifestação desses movimentos, classificando-se em contínuos ou facilmente evocados. A seguir, estão citados alguns movimentos: Tremores são movimentos oscilatórios rítmicos, caracterizados por contrações alternadas de grupos musculares opostos ou simultâneos de músculos agonistas e antagonistas. Tremor de repouso: tremor parkinsoniano, ritmo de 5Hz, presente no repouso. Diminui com relaxamento e pode desaparecer com sono. Pode reduzir com movimento voluntário. Tremor de intenção: lesões cerebelares, grosseiro e irregular. Facilmente visto nos testes de coordenação (index-index, calcanhar-joelho). Miocloniarefere-se a movimentos oriundos de contrações súbitas de grupos musculares, semelhantes a um choque. Coreias são contrações breves e irregulares, de média amplitude, que ocorrem principalmente nas extremidades dos membros e face. Não são repetitivos ou rítmicos, sem finalidade. CASO CLÍNICO: Advogado, 45 anos, vem alterando sua personalidade. Primeiro, ficou irritado e mal-humorado, e depois impulsivo e desconfiado. Ao exame, os movimentos involuntários incluem um piscar frequente, caretas faciais intermitentes e movimentos assimétricos irregulares, breves e rápidos, de braços e pernas, de predomínio distal. O paciente foi diagnosticado com doença de Huntington, caracterizado por um distúrbio hereditário e progressivo com comportamento anormal, demência e coreia. A estrutura mais afetada nesse caso são os núcleos da base, principalmente o corpo estriado, mais o caudado que o putâmen. Em fase avançada, começa a degenerar células neuronais na região cortical. Atetose são movimentos serpenteantes, lentos, de pequena amplitude e contínuos dos membros (distais e proximais), tronco, cabeça, face ou língua. Existem movimentos de atetose que associam-se à coreia (coreoatetose). Distoniaé contração muscular prolongada, causando movimentos repetidos de torção ou posturas anormais. Miofasciculações são contrações de fibras musculares, visíveis sob a pele, não causam movimentos articulares. Tiques podem ser abalos simples ou sequencias complexas de movimentos coordenados que aparecem de maneira súbita e intermitente. Ainda dentro deste item, podemos considerar alguns padrões anormais de movimento que são encontrados com frequência em pacientes neurológicos: A persistência de sinergias primitivas em massa envolve a execução de movimentos estereotipados, não seletivos, ou seja, a intensidade da atividade muscular é a mesma para todos os esforços, independentemente da demanda (movimentos ativos). Ex. Sinergia flexora Escápula elevada e retraída, ombro abduzido, cotovelo fletido, dedos fletidos e aduzidos. Quadro 4 – Sinergias primitivas em membros superiores de pacientes neurológicos Fonte: o autor 2.7 Mãos e Pés: é importante se fazer a inspeção visual, notando-se aspectos de atrofia da musculatura e posição articular. 2.8. Pele: ressalta-se a observância de lesões cutâneas congênitas, manchas, adenomas etc. 2.9 Trofismo: refere-se ao estado nutricional do músculo. Examinado por meio da observação visual, mensuração e palpação. É importante se notar as atrofias, que podem ser: Atrofia miopática: cujas características se voltam à ausência de distúrbios sensitivos, inicia-se pela raiz do membro. Figura 3 – Quadro de atrofia miopática Fonte: o autor Atrofia neurogênica: que tem o início pela extremidade distal do membro, distribuição conforme a inervação, possível existência de distúrbios sensitivos e reação de degeneração. Figura 4 – Quadro de atrofia neurogênica causada por polineuropatia hereditária de Charcot-Marie-Tooth Fonte: o autor Exemplo: A inspeção visual permite a observação de uma paciente hemiplégica, citada anteriormente no item anamnese, contribuindo para o seguinte registro de achados: apresenta-se em atitude ativa, pois deambula de acordo com vontade própria e auxiliada por uma bengala na mão direita; a postura hemiplégica está citada com detalhes em item de mesmo nome; não apresenta alterações de face e tampouco dismorfias, apenas revela um desvio lateral de tronco para o lado plégico, caracterizando-se em um padrão postural, gerada pelas próprias sinergias, ocorre desalinhamento do centro de gravidade e alteração do limite de estabilidade. O exame do trofismo nos revela uma hipotrofia leve da parte distal e média da coxa esquerda, comprovada pela perimetria e palpação. Nas mãos, notam-se alterações de coloração na palma da mão esquerda, edema e formigamentos. 3. Trocas posturais durante a inspeção As trocas posturais (mudanças de decúbito) devem ser avaliadas durante a inspeção do indivíduo. Devemos observar as principais posturas ou transições desde o decúbito dorsal até a posição em pé ou a postura mais elevada que o indivíduo conseguir. O que é possível observar no indivíduo durante as trocas posturais? Compensações? Sim. Um indivíduo com distrofia muscular de Duchenne, quando está sentado, pode assumir uma postura totalmente cifótica devido à fraqueza dos eretores da espinha. Durante a transição do sentado para em pé, o indivíduo escala os membros inferiores (manobra de Gowers) até assumir a posição em pé, que também é compensatória: hiperextensão de joelho, anteversão pélvica, hiperlordose lombar, retração escapular e extensão de membros superiores. Reflexos? Sim, mas somente possível observar os reflexos tônicos. Um indivíduo com paralisia cerebral há seis anos, com reflexo tônico cervical simétrico (RTCS), ao passar de prono para a postura de gato, permanece nessa posição mantendo extensão da coluna cervical, o que gera extensão de membros superiores, porém os membros inferiores ficam fletidos, o que pode levar ao desabamento da pelve. Quando solicitado a fletir a cervical, irá fletir os membros superiores, desabando a cintura escapular. Tônus? Sim. Paciente com AVC, apresenta aumento do tônus flexor de membros superiores e extensor de membros inferiores ao realizar o rolamento, ou na transição da postura sentada para em pé, pode aumentar o tônus extensor de joelho, com aumento da flexão plantar e garra dos artelhos. E sim para todos os itens da avaliação neurológica, buscando observar quais compensações, reflexos ou alterações de tônus podem estar envolvidas. 4. Marcha durante a inspeção Dentre os distúrbios da marcha, consideramos os mais importantes (UMPHRED, 1996): Marcha hemiplégica (marcha ceifante):postura típica de flexão do membro superior e extensão de membro inferior, pé em equino. Enquanto caminha o indivíduo realiza um movimento circular com membro hemiplégico, usando principalmente o músculo quadrado lombar para evitar que o pé fique arrastando no chão e para dar o passo. Marcha espástica, paraplégica(marcha em tesoura): o paciente apresenta dificuldade na flexão do quadril e um excesso de adução e rotação interna do quadril bilateral. Marcha escarvante:própria da paralisia do tibial anterior, dificultando a flexão dorsal do pé. Assim, a marcha fica com o pé caído enquanto o paciente executa uma flexão exacerbada de quadril e joelho. Marcha atáxica:desequilibrada, em que há afastamento dos membros superiores do tronco, alargamento da base de sustentação e, na presença de déficit sensorial (ataxia sensitiva), pode apresentar fixação do olhar no solo. Antigamente era denominada marcha ébria (relativa ao caminhar de uma pessoa embriagada). Porém, essa classificação não é mais utilizada pois na marcha atáxica existe intensa co-ativação muscular e assim grande gasto energético, diferente da ébria. Marcha parkinsoniana:paciente realiza caminhada conservando sua postura típica, rígida, com passos curtos, festinantes, e com os membros superiores sem movimentação automática. Marchamiopática(anserina): relaciona-se com as distrofias musculares, lembra o andar do pato, com grande movimentação de quadris, com acentuação da lordose lombar e escápulas aladas. A marcha não deve ser caracterizada em apenas uma categoria. Mesmo dentro da categoria, o padrão pode ser individualizado, portanto, deve ser vista como um conjunto de interações de sistemas baseado no controle motor normal e anormal, e na biomecânica. O detalhamento da marcha está descrito no capítulo 15. 5. Implicações clínicas A anamnese no paciente neurológico é de extrema importância, pois é o primeiro passo para criar hipóteses clínicas. O olhar crítico deve ser desenvolvido a fim de direcionar o restante da avaliação. Antes de realizar qualquer teste clínico, devemos observar tônus, posturas, atitudes, padrões atípicos de movimento, o que pode direcionar o terapeuta para a melhor hipótese. TAREFA DE LABORATÓRIO Aguçando o olhar crítico e clínico - Observe e inspecione diferentes patologias neurológicas. Tente observar pacientes com lesões centrais e periféricas e responda às perguntas a seguir: a) Como ele desenvolve as trocas posturais? Ele consegue mudar de deitado para sentado e para em pé? b) Como ele deambula? Tem dificuldades específicas na marcha? c) Apresenta movimentos involuntários? Os movimentos involuntários aparecem em alguma situação de desequilíbrio, força, estresse? d) Apresenta alguma má-formação aparente? Há alterações na fácie? 6. Referências BRAINE, M. E.; COOK, N. The Glasgow Coma Scale and evidence-informed practice: a critical review of where we are and where we need to be. J Clin Nurs, v. 26, n. 1-2, p. 280-293, 2017. CAMBIER, J.; MASSON, M.; DEHEN, H. Manual de Neurologia. 9. ed. Medsi Editora Médica e Científica, 1999. CAMPBELL, W. W. De Jong´s neurological examination. 6. ed. Lippincott: Philadelphia, 2005. DAVIES, P. Recomeçando outra vez. 1. ed. São Paulo: Manole, 1997. DAVIES, P. Passos a seguir. 1. ed. São Paulo: Manole, 1996. LIN, K.; WROTEN, M. Ranchos Los Amigos. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2018. POSNER, J. B.; SAPER, C. B.; SCHIFF, N. D.; PLUM, F. Plum and Posner´s diagnosis of stupor and coma. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2007. ROWLAND, L. P. Merritt: tratado de neurologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. UMPHRED, D. A. Fisioterapia Neurológica. 2. ed. São Paulo: Manole, 1996. Capítulo 3 Uso de Avaliações Padronizadas em Fisioterapia aplicada às Doenças Neurológicas Como ser objetivo na avaliação e padronizar os resultados? Dr.ª Camila Torriani-Pasin Tatiana Beline de Freitas Natalia Padula Gisele Carla dos Santos Palma 1. Introdução Este capítulo tem o objetivo de discutir a avaliação neurológica baseada nos componentes da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) (WHO, 2001); facilitar a escolha de instrumentos apropriados para pacientes pós-Acidente Vascular Cerebral (AVC), doença de Parkinson (DP) e lesão medular (LM); apresentar as medidas psicométricas dos instrumentos e sua aplicação, além de apresentar casos clínicos que envolvem o raciocínio clínico e a seleção de tais instrumentos, a fim de direcionar o estabelecimento dos objetivos terapêuticos. A avaliação é parte integrante da reabilitação do paciente neurológico, e o uso de instrumentos de avaliação abrangentes, padronizados (DUNCAN, 2013) e validados na literatura deve fazer, cada vez mais, parte desse processo. No entanto um instrumento de avaliação somente gera benefícios se as informações fornecidas forem passíveis de interpretação (CAPATO; DOMINGOS; ALMEIDA, 2016) e sua utilização for prática e aplicável ao dia a dia clínico e de pesquisa. Instrumentos de avaliação cuidadosamente selecionados e usados adequadamente dão suporte aos fisioterapeutas e aos pacientes de maneira estruturada, objetiva e transparente e devem apoiar a tomada de decisões clínicas. Além disso, seu uso serve para definir objetivos e metas a curto e longo prazos que atendam às necessidades do paciente (CAPATO; DOMINGOS; ALMEIDA, 2016); desenvolver um plano de tratamento apropriado voltado para os problemas identificados; gerar motivação e adesão ao tratamento; permitir monitorar as mudanças ao longo do tratamento, medindo o progresso individual (CAPATO; DOMINGOS; ALMEIDA, 2016); gerar comunicação entre si e com outros profissionais da saúde (CAPATO; DOMINGOS; ALMEIDA, 2016), além de embasar a continuidade ou descontinuidade do tratamento fisioterapêutico, apoiando a avaliação da eficácia de intervenções e serviços terapêuticos (CAPATO; DOMINGOS; ALMEIDA, 2016; DUNCAN, 2013). A seleção de instrumentos de avaliação na prática neurológica é complexa devido à variabilidade encontrada nas etiologias, heterogeneidade dos sintomas, variabilidade na gravidade e diferentes trajetórias de recuperação apresentadas pelos pacientes (BARAK; DUNCAN, 2006; DUNCAN, 2013). Apesar disso, Duncan (2013) sugere quatro fatores-chave que devem orientar a seleção de medidas de resultados para a prática clínica e a pesquisa: estrutura conceitual, propriedades psicométricas, modo de administração do instrumento e fonte de informação e a viabilidade do seu uso. A estrutura conceitual atual utilizada na reabilitação neurológica é a CIF (WHO, 2001). Nesse sentido, a avaliação deve identificar as deficiências, as limitações de atividade e restrições de participação, bem como as barreiras ambientais e pessoais (BARAK; DUNCAN, 2006; CAPATO; DOMINGOS; ALMEIDA, 2016; DUNCAN, 2013; SILVA et al., 2015). As deficiências podem incluir déficits motores, sensoriais, cognitivos, de percepção, linguagem, emocionais, entre outros. A avaliação das atividades inclui atividades da vida diária (por exemplo, mobilidade, equilíbrio, vestuário e autocuidado) ou atividades instrumentais (por exemplo, dirigir, tomar remédios, fazer compras). Já a participação inclui a avaliação do exercício de diversos papéis de vida e na sociedade, tais como o trabalho, família, lazer, desempenho religioso, cívico, entre outros. Os fatores pessoais, como autoeficácia e a motivação, por exemplo, são imprescindíveis de serem avaliados, pois podem modificar as relações entre deficiências, atividades e participação (DUNCAN, 2013; JONES; RIAZI, 2011). As propriedades psicométricas mais utilizadas de um instrumento de avaliação são a validade, a confiabilidade e responsividade do instrumento (ECHEVARRÍA-GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). Estas estão ilustradas na Figura 1. Figura 1 – Medidas Psicométricas dos Instrumentos de Avaliação. Fonte: o autor A validade refere-se à qualidade de um instrumento para medir o construto para o qual foi construído (ECHEVARRÍA-GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). A confiabilidade refere-se ao grau de consistência com que os itens do instrumento medem o atributo proposto livre de erro de medida e o grau em que o instrumento permite a reprodução e a obtenção de resultados consistentes, quando aplicados em diferentes ocasiões, exceto por erros aleatórios (ECHEVARRÍA-GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). A confiabilidade também é referida na literatura como sinônimos de: precisão, concordância, equivalência, consistência, objetividade, fidedignidade, constância, reprodutibilidade, estabilidade, confiança e homogeneidade. O estudo da confiabilidade contempla três importantes aspectos: a consistência interna, a confiabilidade propriamente dita e o erro de medida (ECHEVARRÍA- GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). Com relação à consistência interna, esta se refere à homogeneidade dos itens, ou seja, ao quanto os itens medem o mesmo atributo e produzem resultados consistentes (ECHEVARRÍA-GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). Com relação à confiabilidade propriamente dita, ela pode ser medida por meio do teste-reteste (test-retest reliability), interobservador (inter-rater reliability), intraobservador (intra-rater reliability) e formas paralelas (parallel test) ou formas equivalentes (equivalent-forms) (ECHEVARRÍA-GUANILO; GONÇALVES;ROMANOSKI, 2017). Já com relação ao erro da medida, deve ser avaliado e conhecido pelo profissional e pelo pesquisador, pois sua presença tem como principal consequência a redução da confiabilidade de um instrumento. Os erros de medida podem ocorrer de forma sistemática ou aleatória. O erro sistemático ou viés poderá afetar igualmente todas as medições, seja pela influência do entrevistado ou por mudanças de avaliadores com treinamentos distintos. O erro aleatório poderá estar presente em algumas situações, por exemplo, no registro de informações quantitativas semelhantes. Outro aspecto que poderá influenciar a confiabilidade da medida é o tempo (curto ou amplo demais) transcorrido entre as medidas. Com relação a esse aspecto, é importante que o pesquisador ou o profissional que fará uso da avaliação compreenda que a confiabilidade não se trata de uma propriedade de medida fixa de um instrumento, já que pode variar entre populações e entre situações diversas nas mesmas populações (ECHEVARRÍA-GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). A responsividade é definida como a capacidade do instrumento de detectar mudanças do estado de saúde dos pacientes ao longo do tempo (ECHEVARRÍA- GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). Outro aspecto que devemos ressaltar é a necessidade e a importância da adaptação do instrumento de avaliação para o idioma e a cultura na qual se está inserido, pois devem ser preservadas suas propriedades de validade e confiabilidade após a adaptação (ECHEVARRÍA-GUANILO; GONÇALVES; ROMANOSKI, 2017). Desse modo, a escolha de um sistema de avaliação deve contemplar a existência deste traduzido, adaptado e válido para a língua portuguesa. A partir disso, alguns conceitos podem nos ajudar a verificar se as mudanças que ocorrem entre uma avaliação e uma reavaliação são relevantes para aquela determinada população. As mais utilizadas na literatura e que devem subsidiar a escolha do instrumento são: a mínima mudança clinicamente importante (minimal clinically important difference – MCID) e a mínima mudança detectável (minimal detectable change – MDC). A MCID pode ser definida como a menor diferença no escore do instrumento de avaliação que os pacientes percebem como benéfico (JAESCHKE; SINGER; GUYATT, 1989; LIN et al., 2010), e isso ocorre porque uma mudança estatisticamente significante não é sinônimo de uma mudança clinicamente importante para o paciente (LIN et al., 2010). Já a MDC é definida como a menor mudança na pontuação que um paciente apresenta entre a avaliação e a reavaliação que deve ser considerada como mudança e não como erro da medida, ou seja, o MDC é a quantidade mínima de alteração em uma pontuação que provavelmente reflete uma mudança real em vez de uma variação na medição (LIN et al., 2010). O terceiro aspecto levantado por Duncan (2013) que deve ser levado em consideração para a escolha de um instrumento de avaliação é o modo de administração. Os modos de administração podem incluir avaliação real do desempenho, autorrelato, entrevistas administradas pelo entrevistador (presenciais ou por telefone) e métodos computadorizados. Na prática clínica, a maioria das avaliações é baseada no desempenho. No entanto a avaliação baseada no desempenho pode apenas refletir o desempenho em um único momento e refletir o ambiente clínico mais especificamente e não o “mundo real”. Já as avaliações de autorrelato são mais rápidas e refletem a perspectiva do paciente, porém podem ser limitadas pelos problemas de cognição e comunicação de pacientes neurológicos (DUNCAN, 2013). Avaliações de autorrelato são importantes, pois apresentam o ponto de vista do principal interessado na reabilitação, o paciente. Desse modo, uma abordagem centrada no paciente busca o relato deste para entender questões como: atitudes, experiências individuais, sentimentos, emoções, comportamentos e a saúde percebida (STONE et al., 2008). Entretanto o uso dos relatos dos pacientes ainda é pouco difundido e entendido na literatura (RUMSFELD et al., 2013)functional status, and health-related quality of life (HRQL; Figure, havendo poucos instrumentos que o consideram e, consequentemente, poucos delineamentos de estudos que incluem medidas mais qualitativas relacionadas às informações reportadas pelos pacientes. Captar problemas de qualidade de vida que são mais importantes para os pacientes é crucial justamente porque refletem a participação social destes após uma lesão neurológica. Desse modo, mensurar e gerar Medidas Relacionadas ao Paciente (MRP) como um componente central dos cuidados clínicos faz com que os profissionais possam usá-los para melhorar os cuidados de um indivíduo, bem como melhorar os cuidados de forma mais geral para uma determinada população neurológica (NEIL, 2016). Por fim, o quarto aspecto levantado por Duncan (2013) é a viabilidade da aplicação do instrumento de avaliação. Essa questão leva em consideração o tempo de administração, a viabilidade do espaço onde a avaliação será realizada e os materiais necessários para a realização deste. Assim, baseados nas assunções descritas anteriormente, este capítulo tem como objetivo principal listar as principais avaliações utilizadas na prática clínica em pacientes pós-Acidente Vascular Cerebral (AVC), Doença de Parkinson (DP) e Lesão Medular (LM). 2. Avaliação clínica em pacientes pós-AVC O AVC traz comprometimentos em diversos âmbitos da vida, e essas disfunções, em conjunto, repercutem na funcionalidade do indivíduo. Os comprometimentos relacionados serão dependentes do local e da extensão da lesão, do tipo de lesão e do número de lesões, haja vista que o AVC pode ser recorrente e agregar novas deficiências a um quadro já existente (GILLEN, 2015; TIPPING, 2008). A avaliação nesse contexto em que diversos domínios estão comprometidos necessita ser direcionada a fim de permitir a elaboração de uma intervenção efetiva. Avaliar o paciente baseado nos pressupostos da CIF (WHO, 2001) permite que se possa ampliar a visão sobre o paciente e direcionar objetivos de intervenção para cada componente, quando este é avaliado por meio de um instrumento adequado. A seguir, apresentaremos a interação entre os componentes da CIF (funções e estruturas corporais, atividades e participação) e alguns instrumentos de avaliação que podem ser utilizados em cada um desses componentes no paciente pós-AVC, conforme ilustra a Figura 2 a seguir. Nessa figura, os retângulos em vermelho são referentes a escalas que contemplam diferentes componentes da CIF, havendo intersecção entre dois ou mais componentes. Figura 2 – Instrumentos de avaliação de acordo com os domínios da CIF em pacientes pós-AVC Fonte: o autor Legenda: MEEM: Miniexame de Estado Mental; MoCA: Montreal Cognitive Assessment; AM: Ashworth modificada; RMS: Research Medical Council; TSL - 30 seg: teste sentar e levantar – 30 seg; TSL – 5 vezes: teste sentar e levantar – cinco vezes; TC – 6 min: Teste de caminhada de seis minutos; ORP: Escala de Prognóstico de Orpington; FuM: Fugl-Meyer; BBS: Escala de Equilíbrio de Berg; DGI: Índice Dinâmico de Marcha; TUG: teste de levantar e caminhar; AF: alcance funcional; TC – 10m: teste de marcha de 10 metros; Escala ABC: Escala de Confiança de Atividade/Específica Do Equilíbrio; RNLI: Reintegration to Normal Living Index; PSFS: Patient Specific Funcional Scale; EI - AVC: Escala de Impacto do Acidente Vascular Cerebral; SSQoL: Escala Específica Para Qualidade de Vida após Acidente Vascular Cerebral. 2.1 Estruturas e Funções corporais As Funções e Estruturas Corporais da CIF podem ser avaliadas de maneira global, relativas ao grau de comprometimento daquela função ou estrutura após o AVC. Iniciaremos exemplificando com a funções cognitivas e suas estruturas. O comprometimento cognitivo causado por essa patologia pode acontecer em diversas funções, tais quais, linguagem, funções executivas, atenção, memória, percepção e práxis (DICHGANS; LEYS, 2017; RACE et al., 2009; TEASELL; HUSSEIN, 2014). Dessa forma, a avaliação deverá, sempre que possível, acessar taisfunções de forma separada. A seguir, apresentaremos alguns instrumentos disponíveis para essa finalidade. Miniexame de Estado Mental (MEEM) O MEEM objetiva a avaliação e detecção de um declínio cognitivo dos indivíduos. O MEEM é composto por questões que contemplam sete categorias, buscando abranger o complexo e amplo domínio cognitivo: orientação no tempo (5 pontos), orientação no espaço (5 pontos), registro de três palavras (3 pontos) para avaliação da memória de trabalho, atenção e cálculo (5 pontos), lembrança das três palavras (3 pontos) para avaliação da memória de curto prazo, linguagem (8 pontos) e capacidade construtiva visual (1 ponto) para avaliação da abstração. O escore do MEEM pode variar de um mínimo de 0 até um total máximo de 30 pontos (BERTOLUCCI et al., 1994). A classificação baseada no escore do paciente direciona no sentido da ausência de comprometimento cognitivo, comprometimento leve e comprometimento severo, deste modo: Ausência: 25 – 30 pontos; Comprometimento leve: 18 – 24 pontos; Comprometimento severo: 0 – 17 pontos. A mínima mudança detectável para essa escala é de 5 pontos ou menos para um período de cinco a 10 anos (SHIRLEY RYAN ABILITYLAB – FORMERLY RIC, 2013). Além disso, os pontos de corte de alteração cognitiva relacionados à escolaridade também nos ajudam a entender qual o efeito da doença na cognição, sendo 26 para indivíduos com alta escolaridade, 18 para baixa/média escolaridade e 13 para analfabetos (BERTOLUCCI et al., 1994). Montreal Cognitive Assessment (MoCA) Tem como objetivo a avaliação dos domínios cognitivos direcionados ao comprometimento cognitivo leve. O instrumento avalia os domínios relativos a: funções visuoespaciais e executivas para avaliar a velocidade de processamento, nomeação, memória (avalia especificamente memória de trabalho e curto prazo), atenção (avaliando a seleção e o estado de vigília), linguagem (avaliação da fluência verbal), abstração, evocação tardia (memória de longo prazo) e orientação. A pontuação total é de 30 pontos e pontuações maiores ou iguais a 26 indicam desempenho normal (NASREDDINE et al., 2005), assim, escores abaixo deste indicam comprometimento cognitivo leve. Existe ainda disponível no site oficial dessa avaliação um questionário mais básico especializado para pessoas de baixa escolaridade ou analfabetos, o MoCA-B, que, apesar de ter essa versão traduzida para o português, ainda não é possível encontrar estudos de validação e adaptação cultural (JULAYANONT et al., 2015). Ashworth modificada (AM) A escala Ashworth modificada é utilizada na avaliação de hipertonia elástica ou espasticidade (CRAVEN; MORRIS, 2010). O profissional gradua o tônus muscular dos segmentos afetados pela LM em posições pré-definidas definidas para cada músculo, realizando o movimento passivo antagonista ao músculo em alta velocidade. A espasticidade é pontuada de 0 a 4 de acordo com a percepção de resistência, durante o movimento realizado, pelo profissional, sendo considerado 0 = sem aumento do tônus muscular; 1 = leve aumento do tônus muscular, manifestado por um contrair e relaxar ou por mínima resistência no final da ADM, quando a parte afetada é movida em flexão ou extensão; 1+ = leve aumento do tônus muscular, em menos da metade da ADM, manifestado por uma tensão abrupta, seguida de resistência mínima até o final da ADM; 2 = aumento do tônus muscular na maior parte da ADM, mas é possível realizar a movimentação passiva ao longo da ADM; 3 = aumento considerável do tônus muscular com movimento passivo difícil, e 4 = membros rígidos em flexão ou extensão. Research Medical Council (RMC) A força muscular é avaliada por meio do Research Medical Council – que pode incluir todos os grupos musculares bilateralmente, ou então, considerar apenas os grupos musculares de maior interesse (GREGSON et al., 2000)wrist, knee and ankle; flexors and extensors, baseados no comprometimento após o AVC. As diretrizes de aplicação estão especificadas para cada músculo e contemplam a posição inicial, solicitação de movimento e forma de oferecimento da resistência manual. Teste de Sentar e Levantar em 30 segundos (TSL) Este teste, apesar de contemplar a realização de uma atividade, permite inferir sobre a força e resistência dos membros inferiores durante a execução desta, por isso, pode ser incluído na parte de função corporal, baseada na CIF. A posição inicial para o teste é: o paciente, sentado na cadeira, deve cruzar os braços com o dedo médio em direção ao acrômio. Ao sinal do fisioterapeuta, o paciente levanta-se e fica totalmente em pé e, então, senta-se novamente. O participante deve completar quantas ações similares a esta forem possíveis em 30 segundos. O teste não pode ser repetido na mesma sessão. A pontuação ocorre por meio do número total de execuções corretas durante o tempo do teste. Caso, ao final dos 30 segundos, o paciente estiver no meio da elevação, o terapeuta deve contar esta como uma execução completa (NG et al., 2016). 2.2 Atividade As atividades são impactadas por consequência das deficiências nas estruturas e funções corporais após um AVC, e podem-se observar essas limitações nas atividades básicas e instrumentais de vida diária. Assim, uma avaliação específica das atividades mais relevantes ao paciente será fundamental para guiar o objetivo da fisioterapia e aproximar as estratégias de tratamento às dificuldades enfrentadas pelo paciente, como por exemplo, avaliações sobre o equilíbrio estático e dinâmico e alterações na velocidade da marcha. No componente da CIF relacionado às Atividades, podemos considerar as seguintes avaliações: Escala de Equilíbrio de Berg (Berg) Com o objetivo de detectar problemas de equilíbrio, essa escala é utilizada na determinação dos preditores para perda da independência e quedas em idosos. A Berg quantifica o equilíbrio funcional e avalia o desempenho do equilíbrio funcional em 14 itens relacionados à vida diária. Cada item é avaliado em uma escala ordinal de cinco alternativas que variam de 0 a 4 pontos. A pontuação máxima a ser atingida é de 56 pontos. A avaliação vai desde manter uma determinada postura, por exemplo, ortostatismo, a realizar transferências e pegar objetos no chão (SCALZO et al., 2009). Teste da Caminhada de seis Minutos (TC – 6 min) Trata-se de um teste de esforço submáximo, simples, de fácil aplicabilidade e de baixo custo. Apesar de gerar alterações na frequência cardíaca e na pressão arterial (POHL et al., 2002), não possui correlação significativa com o VO² máximo em indivíduos pós-AVC. Assim, não é o mais adequado considerá-lo uma medida de nível de condicionamento cardiorrespiratório nessa população (ENG; DAWSON; CHU, 2004). Desse modo, torna-se mais adequado utilizá-lo para mensurar a capacidade funcional de marcha, uma vez que avalia a capacidade de um indivíduo em manter uma atividade física moderada durante um período de tempo determinado (ENG et al., 2002). Apresenta moderada correlação com os aspectos motores e de locomoção da Medida de Independência Funcional (FULK et al., 2008), e levando-se em consideração comprometimentos comuns no pós-AVC (redução do equilíbrio e da força muscular, espasticidade, entre outros) que também interferem na distância total percorrida durante o teste (ENG, 2004). Mede-se um trajeto de 30m e delimita- se suas extremidades com cones; solicita-se, em seguida, que o avaliado percorra a maior distância possível em seis minutos, indo e voltando no trajeto delimitado (contornando os cones nas extremidades). Não é permitida a utilização de meios auxiliares, como bengalas e andadores e, mesmo que não se interrompa o tempo do teste, é permitido que o avaliado pare para descansar caso se sinta muito cansado. Ao fim do teste, mede-se a distância percorrida (metros) nos seis minutos e monitora-se os sinais vitais, como pressão arterial e frequência cardíaca (RIKLI; JONES, 1998). O teste possui excelente confiabilidade teste- reteste (ICC = 0,99) (ENG, 2004) e validade de critério quando correlacionado com o Testede Degrau (r = 0,88) (FLANSBJER et al., 2005). Índice Dinâmico de Marcha (Dymanic Gait Index-DGI) O objetivo deste teste é avaliar a capacidade de o paciente modificar a marcha em resposta às mudanças nas demandas de determinadas tarefas. O DGI é constituído de oito tarefas que envolvem a marcha em diferentes contextos sensoriais, que incluem superfície plana, mudanças na velocidade da marcha, movimentos horizontais e verticais da cabeça, passar por cima e contornar obstáculos, giro sobre seu próprio eixo corporal, subir e descer escadas. A pontuação é dada de 3 = Marcha normal, 2 = comprometimento leve, 1 = comprometimento moderado e 0 = comprometimento grave. A pontuação máxima é de 24 pontos (CASTRO; RODRIGUES; GANANÇA, 2006). Timed Up and Go (TUG) Avalia o equilíbrio dinâmico. O teste consiste em levantar de uma cadeira com os braços cruzados sobre o tórax, andar três metros, virar-se, voltar e sentar novamente na cadeira. O critério utilizado é o tempo para a realização do teste (PODSIADLO; RICHARDSON, 1991). A mínima mudança detectável para essa medida é de 2,9 segundos e o erro padrão da medida é de 1,14 segundos (FLANSBJER et al., 2005). Alcance Funcional (AF) É um instrumento de avaliação utilizado para identificar alterações dinâmicas relativas ao controle postural. Pede-se ao paciente que fique em pé, com o ombro não comprometido próximo a uma parede, onde está fixada uma fita métrica, realizando uma flexão anterior do braço a ٩٠º com os dedos da mão estendidos. Nessa posição, o comprimento do membro superior do paciente é registrado. Logo após, pede-se ao paciente que tente alcançar algum objeto à frente, sem dar passos, retirar o calcanhar do chão ou rodar o tronco. O resultado do teste será a média, após três tentativas, da diferença entre a medida na posição inicial e a final registrada. Deslocamentos menores que 15 cm são preditores de fragilidade e risco de quedas (KATZ-LEURER et al., 2009). No AF, o erro padrão da medida é de 2,67 cm no AVC subagudo para o lado não parético, já para o lado parético é de 1,62 cm (KATZ-LEURER et al., 2009). A mínima mudança detectável para o lado não parético é de 2,67 cm e para o lado parético é de 2,3 cm (KATZ-LEURER et al., 2009). Teste de Caminhada de 10 m (TC – 10 m) Este teste é usado para avaliar a velocidade de marcha, o paciente realiza um percurso de 20m em linha reta, dos quais os 5 m iniciais não são avaliados, pois são reservados para aceleração, por 10m o paciente anda em velocidade autosselecionada (espaço utilizado para a avaliação) e os 5m finais para desaceleração, que também não são computados para a análise da velocidade. Marcadores são colocados na posição 5 e 15 m ao longo do percurso. O paciente anda em um ritmo confortável, também denominado de autosselecionado, de um ponto a outro. O terapeuta cronometra o tempo levado para o paciente a atravessar os 10 m centrais do percurso, acionando o cronômetro assim que o membro inferior do paciente atravessa o primeiro marcador e interrompendo o cronômetro assim que o membro inferior do paciente cruza o segundo marcador (NOVAES; MIRANDA; DOURADO, 2011). 2.3 Participação Assim como o domínio da Atividade na CIF, o domínio da Participação é um aspecto importante do ponto de vista biopsicossocial para a reabilitação, justamente por aproximar a reabilitação à vida real do paciente, incluindo sua rotina, valores, trabalho, família (WHO, 2001), o que é um parâmetro ideal para verificar a efetividade da intervenção fisioterapêutica, pois se o paciente tem seu objetivo atendido parcialmente ou totalmente pela fisioterapia, esse paciente será participativo e protagonista em sua vida. Dentro desse contexto, o domínio da CIF relacionado à Participação é uma fonte de MRP e tem papel relevante e crucial para a reabilitação, na medida em que é importante saber, sob a perspectiva do paciente, como ele enxerga sua participação na sociedade e o exercício de seus papéis de vida. Tais medidas apresentam alta confiabilidade e são únicas. Podem ser usadas as seguintes escalas: Reintegration to Normal Living Index (RNLI) A escala Reintegration to Normal Living Index foi desenvolvida para avaliar, quantitativamente, o grau em que indivíduos que sofreram doenças traumáticas ou incapacitantes alcançam a reintegração em atividades sociais normais (por exemplo, recreação, movimento na comunidade e interação na família ou outras relações). A reintegração à vida normal foi definida pelos autores da escala como a “reorganização das características físicas, psicológicas e sociais de um indivíduo em um todo harmonioso para que se possa retomar uma vida bem ajustada após uma doença ou trauma incapacitante” (WOOD-DAUPHINEE et al., 1988). A administração do RNLI é rápida e simples e não requer treinamento para administrar. O índice RNLI é composto por 11 declarações que representam o funcionamento cotidiano dos domínios (mobilidade interna, comunitária e a distância; autocuidado; atividade cotidiana – trabalho e escola); atividades lúdicas e sociais; relações pessoais e percepção de si (apresentação de si para os outros, habilidades gerais de enfrentamento). Cada domínio é acompanhado por uma escala analógica visual (EVA) (0 a 10 cm). A EVA é ancorada pelas declarações “não descreve minha situação” (1 ou integração mínima) e “descreve completamente minha situação” (10 ou integração completa). As pontuações de itens individuais são somadas para fornecer uma pontuação total de 110 pontos, que é convertida proporcionalmente para criar uma pontuação de 100. A escala possui alta consistência interna (ICC=0.83) (STEINER et al., 1996). Importante salientar que, até o momento, não há tradução, adaptação transcultural e validação para a língua portuguesa. Patient Specific Functional Scale (PSFS) O Patient Specific Functional Scale (PSFS) é uma medida de resultado específico do paciente que investiga o status funcional (STRATFORD et al., 1995). Os pacientes são solicitados a selecionar até cinco atividades com as quais tenham dificuldades devido à sua condição e, então, avaliar a limitação funcional associada a essas atividades. O PSFS destina-se a complementar os resultados de medidas genéricas ou específicas de condições. Instruções para o cliente e pontuação: na avaliação inicial, os clientes são perguntados ‘Hoje, há alguma atividade que você é incapaz de fazer ou tem dificuldades com o seu problema [nomeado]?’. Os pacientes, então, classificam sua limitação funcional com cada atividade nomeada em uma escala de 0 a 10, na qual 0 = incapaz de realizar atividade e 10 = capaz de realizar atividade no mesmo nível que antes de lesão ou problema. Nas avaliações de acompanhamento, os pacientes são novamente solicitados a avaliar cada uma de suas atividades previamente nomeadas na mesma escala. Não há pontuação total calculada e o PSFS não é projetado para comparar os pacientes, apenas para acompanhamento do mesmo paciente ao longo do tempo. O PSFS leva apenas 5-10 minutos para concluir e pontuar, não requer nenhum treinamento especial para administrar (HALL et al., 2011; STERLING; BRENTNALL, 2007). Importante salientar que, até o momento, não há tradução, adaptação transcultural e validação para a língua portuguesa. Stroke Impact Scale – Escala de Impacto do AVC (EI – AVC) A SIS é utilizada para avaliar a qualidade de vida após um AVC. Essa escala possui 59 itens que contemplam oito domínios: força (quatro itens), função da mão (cinco itens), AVD / Avid (10 itens), mobilidade (nove itens), comunicação (sete itens), emoção (nove itens), memória e raciocínio (sete itens), participação social (oito itens). Cada item é avaliado em uma escala de Likert de cinco pontos, relacionados à dificuldade que o paciente tenha em completar cada item. Pontuações somatórias são geradas para cada domínio, variando de 0-100. Uma pergunta extra é realizada a fim de saber, numa escala de 0-100, o quanto o paciente sente que se recuperou desde o AVC (LIN et al., 2010). Stroke Specific Quality of Life – Escala EspecíficaPara Qualidade de Vida após AVC (SSQoL) A SSQoL também é utilizada a fim de avaliar a qualidade de vida do paciente após um AVC. É composta por 49 itens divididos em 12 domínios que buscam entender o paciente em todos os âmbitos de sua vida, incluindo o campo relacionado ao trabalho. Os escores variam de 49 a 245, sendo que as pontuações mais altas indicam melhor função (WILLIAMS et al., 1999). 2.4 Escalas que contemplam diferentes componentes da CIF O comprometimento motor provocado pelo AVC impacta estruturas como: membro superior, tronco e membro inferior, não necessariamente na mesma proporção, o que justifica um instrumento de avaliação que permita diferenciar o grau de comprometimento dessas estruturas, assim como a função músculo- esquelética relacionada a elas. Além disso, há instrumentos que avaliam componentes das estruturas e funções corporais juntamente com atividades, como os instrumentos descritos a seguir. Destacamos, também, a grande prevalência de alterações na sensibilidade, amplitude de movimento, movimentação seletiva, variações de tônus, assim como na capacidade aeróbia, resistência e força muscular. Portanto, os instrumentos a seguir visam avaliar tais aspectos do comprometimento motor, associados ao componente de atividade. Fugl-Meyer (FuM) Avalia o comprometimento motor dos pacientes após um AVC. A avaliação contempla as estruturas do membro superior: ombro, cotovelo, antebraço, punho, mão e do membro inferior: quadril, joelho e tornozelo. Avaliando o controle motor sob a atividade reflexa, sinergia flexora e extensora, coordenação e velocidade e o desempenho motor no movimento, por exemplo, flexão, extensão, pronação e supinação, preensão etc. Avalia também o equilíbrio (sentado e em ortostatismo), as reações de proteção, a sensibilidade (exteroceptiva e propriocepção) e amplitude de movimento e dor para todos os segmentos corporais. A pontuação ocorre em uma escala ordinal de três pontos (0 = nenhuma performance; 2 = performance completa) aplicada para cada item (MAKI et al., 2006). A classificação se dá nos seguintes grupos: 96 – 99 pontos: comprometimento motor leve 85 – 95 pontos: comprometimento motor moderado 50 – 84 pontos: comprometimento motor marcante < 50 pontos: comprometimento motor severo Escala de Confiança de Atividade/Específica Do Equilíbrio (Escala ABC) A escala ABC pode ser autoadministrada ou administrada por meio de entrevista pessoal ou telefônica e procura caracterizar o nível de confiança (capacidade de não perder equilíbrio ou ficar instável) no desempenho de 16 AVDs. A confiança para cada AVD é medida escolhendo um dos pontos de percentagem na escala, entre 0% (sem confiança) e 100% (confiança completa), possibilitando uma pontuação total bruta entre 0 (mínima) e 1.600 (máxima). Esse valor é posteriormente dividido por 16 para obter a avaliação final percentual de cada indivíduo (BRANCO, 2013). Escala de Prognóstico de Orpington (Orp) De maneira mais global, é utilizada com o intuito de avaliar as incapacidades ocorridas em decorrência do AVC. A Escala de Orpington também é considerada como um indicador de avaliação das atividades de vida diárias (AVDs). Essa escala avalia os déficits motores no membro superior, a propriocepção, o equilíbrio e a cognição. O escore total é considerado a partir da soma de dos domínios avaliados + 1,6. Dessa forma, a pontuação varia de 1,8 até 7. Assim, a categorização do evento divide-se em: leve, moderado e grave (LAI; DUNCAN; KEIGHLEY, 1998). 2.5 Caso clínico 1 - Paciente J.C.S., sexo masculino, 39 anos de idade, administrador de empresas, sofreu um AVC na artéria cerebral média esquerda há seis meses. Chega ao setor de fisioterapia andando com o auxílio de uma bengala de quatro apoios e com um cuidador dando apoio do lado direito, ao entrar na sala para ser avaliado, apresenta um cansaço marcante devido ao esforço para percorrer os 12 metros da recepção até a sala. Apresenta-se acompanhado também da esposa, não faz uso de órtese, e durante a marcha é possível observar uma flexão plantar e uma inversão do pé direito, com risco eminente de quedas para a marcha em ambientes fechados e controlados. O paciente apresenta-se inseguro e olha para o chão grande parte do tempo enquanto caminha, lentamente, e precisa fazer duas pausas nesse percurso. Durante uma das pausas, o paciente alega cansaço e que a perna direita está “um pouco fraca”, além de referir que “não a sente direito”. Ao ser questionado sobre o que mais incomodava após o AVC, o paciente respondeu prontamente que era a dependência na locomoção, o esforço e a vontade de voltar ao trabalho. Alegou que, como era uma pessoa ativa anteriormente, sentia-se triste pela mudança na rotina. Para iniciar a avaliação, o terapeuta pede ao paciente que se levante, e o paciente precisa de ajuda para conseguir realizar essa atividade. Segundo informações compostas no caso clínico, quais avaliações poderiam ser feitas nesse paciente? Resposta: para a avaliação do componente de estruturas e funções corporais, as avaliações sugeridas poderiam ser: Escala de Prognóstico de Orpington (para a construção de um panorama sobre a gravidade do AVC, incluindo medidas de estruturas e funções e atividade); Fugl-Meyer (para avaliar as sequelas motoras com ênfase no membro inferior, porque compõe a queixa do paciente); força muscular (por meio do MRC – principalmente dos músculos dos membros inferiores). Para o domínio das atividades, pode-se indicar as avaliações: Berg (para conhecer componentes do equilíbrio estático e dinâmico desse paciente para as atividades e também pensando em diminuir a dependência para atividades); TUG (incluindo a relação entre mobilidade e equilíbrio dinâmico). E, no domínio relacionado à Participação, a avaliação sugerida a ser realizada poderia ser a SSQoL, visando saber como o paciente avalia o impacto da lesão na sua vida e, sobretudo, no trabalho, que também está dentro de sua queixa. 2 - Paciente M.A.S., sexo feminino, 68 anos de idade, cozinheira aposentada, sofreu um AVC na artéria cerebral anterior direita há 12 anos. Chega ao setor de fisioterapia deambulando de forma independente com o auxílio de uma bengala e órtese tornozelo-pé no membro inferior esquerdo. Relata ter maior dificuldade em usar o membro superior esquerdo para segurar encostados ao corpo os utensílios domésticos que usa para fazer os salgados que vende em uma loja na garagem de casa, e uma fadiga de locomover-se dentro do espaço. Segundo informações compostas no caso clínico, quais avaliações poderiam ser feitas nesse paciente? Resposta: para a avaliação do componente de estruturas e funções, as avaliações escolhidas poderiam ser: Escala de Prognóstico de Orpington (para a construção de um panorama sobre a gravidade do AVC); Fugl-Meyer (para avaliar as sequelas motoras com ênfase no membro superior que compõe a queixa do paciente); força muscular (MRC – principalmente em membros superiores); teste de sentar e levantar (para avaliar a resistência muscular, já que a paciente apresentou a fadiga como queixa); teste da caminhada de seis minutos (para avaliar a capacidade aeróbica e mobilidade dessa paciente dentro da queixa relacionada). Para o domínio das atividades, podem-se indicar as avaliações: TUG (incluindo interpretação sobre mobilidade, equilíbrio dinâmico e troca postural) e teste da caminhada de 10 m (para obter um parâmetro de velocidade de marcha dessa paciente). Já no componente relacionado à Participação, a avaliação sugerida é a SIS, visando saber como a paciente avalia o impacto da lesão na sua vida, principalmente no que diz respeito à função de mão, força e mobilidade, que também compõem sua queixa. 3. Avaliação clínica em pacientes com DP A DP é a segunda doença neurodegenerativa mais frequente em todo o mundo, ficando atrás somente da doença de Alzheimer (EVANS et al., 2011; LEE; GILBERT, 2016; PAHWA; LYONS, 2010; PEREIRA; BATISTELA; SIMIELI, 2014). Dentre as principais características da DP, destacam-se as alterações motoras e não motoras.Dentre os sintomas motores, estão: o tremor de repouso, bradicinesia, rigidez e instabilidade postural (HAMANI; LOZANO, 2003). Já entre as alterações não motoras, destacam-se: os déficits cognitivos, sendo eles déficits nas funções executivas, atencionais e visuoespaciais (AARSLAND et al., 2017; DARWEESH et al., 2017; HAMANI; LOZANO, 2003; RODRIGUEZ-OROZ, 2009). Outras manifestações clínicas, descritas com menor frequência, mas que também podem ser notadas no momento do diagnóstico, incluem alterações sensoriais (olfatórias, visuais, dor ou formigamento) (LEE; GILBERT, 2016; MAETZLER; LIEPELT; BERG, 2009; RODRIGUEZ-OROZ et al., 2009), autonômicas (LEE; GILBERT, 2016; MAETZLER; LIEPELT; BERG, 2009), alterações do sono (JANKOVIC, 2008; LEE; GILBERT, 2016; MAETZLER; LIEPELT; BERG, 2009; RODRIGUEZ-OROZ et al., 2009), depressão e ansiedade (DARWEESH et al., 2017; LEE; GILBERT, 2016; MAETZLER; LIEPELT; BERG, 2009; RODRIGUEZ-OROZ et al., 2009). Como dito anteriormente, a avaliação funcional deve ser realizada de acordo com os componentes da CIF (WHO, 2001). A escolha do instrumento, questionário ou escala de avaliação irá depender do objetivo funcional do paciente e da habilidade do fisioterapeuta em utilizá-la. Figura 3 – Instrumentos de avaliação de acordo com os domínios da CIF em pacientes com DP Fonte: o autor Legenda: MEEM: Miniexame de Estado Mental; MoCA: Montreal Cognitive Assessment; FM: força muscular; TSL - 30seg: teste sentar e levantar – 30 seg; TSL – 5 vezes: teste sentar e levantar – cinco vezes; TC – 6 min: Teste de caminhada de seis minutos; H & Y: Escala de Estadiamento de Hoehr e Yahr modificada; MDS – UPDRS: Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson; BERG: Escala de Equilíbrio de Berg; MiniBESTest: Mini-Balance Evaluation System Test; TUG: Teste levantar e caminhar; TC – 10m: teste de marcha de 10 metros; AF: alcance funcional; DGI: Índice Dinâmico de Marcha; FGA: Functional Gait Assessment; FOG – Q: Questionário de congelamento da marcha; Escala ABC: Escala de Confiança de Atividade/Específica Do Equilíbrio; PDQ - 39: Parkinson Disease Questionnaire. 3.1 Estruturas e Funções corporais Miniexame de Estado Mental (MEEM) O MEEM já foi descrito nas avaliações pós-AVC, sendo um instrumento também amplamente utilizado em pacientes com DP (ZADIKOFF et al., 2008). Desde a sua criação por Folstein e colaboradores (FOLSTEIN; FOLSTEIN; MCHUGH, 1975), ele se tornou um importante instrumento de rastreio cognitivo, na detecção de perdas cognitivas, no segmento evolutivo de diversas doenças e no monitoramento de respostas ao tratamento (BRUCKI et al., 2003). As alterações cognitivas têm sido foco de atenção atual na reabilitação de pacientes com DP, e sua detecção precoce é essencial (AARSLAND et al., 2017). Apesar de ser amplamente utilizado, o MEEM possui um efeito teto para pessoas com DP, não sendo capaz de detectar alterações cognitivas leves precocemente (GLUHM et al., 2014; ZADIKOFF et al., 2008). Montreal Cognitive Assessment (Moca) Também objetiva a avaliação de aspectos cognitivos e já foi descrito anteriormente neste capítulo. A pontuação total da escala é de 30 pontos e pontuações maiores ou iguais a 26 indicam desempenho normal (NASREDDINE et al., 2005). Zadikoff e colaboradores (ZADIKOFF et al., 2008)4.26 realizaram uma comparação da eficácia do MEEM e Moca em detectar alterações cognitivas leves em indivíduos com DP. E os autores concluíram que a Moca fornece mais informações sobre o estado cognitivo de pacientes com DP do que o MEEM. Research Medical Council (RMC) A força muscular é avaliada por meio do Research Medical Council, também já descrito anteriormente. Pode incluir todos os grupos musculares bilateralmente, ou então, considerar apenas os grupos musculares de maior interesse (GREGSON et al., 2000), baseados no comprometimento e no estadiamento da Doença de Parkinson. Não há nenhum estudo na literatura que evidencia a validade da avaliação de força muscular manual para indivíduos com DP. Já para teste de 1RM com uso de aparelho pneumático para a mensuração, foi realizado um estudo de reprodutibilidade e foi verificada excelente confiabilidade test- retest para a força muscular de extensão do joelho (ICC = 0.96) e abdução do quadril (ICC = 0.93) (PAUL et al., 2012). Teste de Sentar e Levantar – 30 segundos Esse teste mensura a força muscular de membros inferiores e já foi descrito anteriormente. Para a sua realização, são necessários uma cadeira de 47 cm de altura com encosto e um cronômetro (NG et al., 2016). Não há nenhum estudo na literatura sobre sua validade para indivíduos com DP. Teste de Sentar e Levantar – cinco vezes O teste de sentar e levantar cinco vezes é realizado em uma cadeira com encosto com altura do assento de aproximadamente 44 cm. É solicitado ao paciente sentar-se no centro da cadeira, com as costas retas, pés paralelos e separados por uma distância equivalente à largura dos ombros, e os braços cruzados sobre o peito. A partir dessa posição, é solicitado que o paciente levante e sente cinco vezes, o mais rápido possível, e é medido o tempo total (DUNCAN; LEDDY; EARHART, 2011). Esse teste possui confiabilidade interobservador excelente (ICC = 0.99) (DUNCAN; LEDDY; EARHART, 2011), confiabilidade test-retest excelente (ICC = 0.76) (DUNCAN; LEDDY; EARHART, 2011) (ICC = 0.91) (PAUL et al., 2012), sendo que possui uma correlação excelente com o Mini-Balance Evaluation System Test (MiniBESTest) (r = 0.71 (p < 0.001)) (DUNCAN; LEDDY; EARHART, 2011). Como é necessário que não se utilizem os membros superiores como apoio para levantar da cadeira, sugere-se que seja feito com pacientes leves a moderados. Teste de Caminhada de seis Minutos Tem como objetivo avaliar a resistência aeróbia, como também já foi descrito anteriormente. Para indivíduos com DP, o teste de caminhada de seis minutos tem excelente índice de test-retest (ICC = 0.95 - 0.96) e MDC de 82 metros (269 passos) para paciente com HY 2 (STEFFEN; SENEY, 2008). 3.2 Atividade No componente da CIF relacionado às Atividades, podemos considerar as seguintes avaliações: Escala de Equilíbrio de Berg (Berg) A instabilidade postural é uma das limitações mais prevalentes e incapacitantes em pacientes com DP (KING et al., 2012; RODRIGUEZ-OROZ, 2009), nesse sentido, uma avaliação detalhada torna-se crucial. A escala de equilíbrio de Berg possui MDC de cinco pontos para pacientes com DP (STEFFEN; SENEY, 2008), tem excelente confiabilidade test-retest (ICC = 0.94) (STEFFEN; SENEY, 2008), excelente confiabilidade interobservador (ICC = 0.95) (LEDDY; CROWNER; GAMMON, 2011), excelente consistência interna (Cronbrach’s alpha = 0.92) (SCALZO et al., 2009) e é mais correlacionada com a gravidade da DP, medido com a escala MDS-UPDRS (KING et al., 2012), No entanto tem como limitação o efeito teto, o que limita a detecção de déficits de equilíbrio em pacientes leves (KING et al., 2012), além de indivíduos com HY 5 não serem capazes de realizar o teste (LEDDY; CROWNER; GAMMON, 2011). Mini-Balance Evaluation System Test (MiniBESTest) O BESTest foi elaborado para avaliar seis sistemas envolvidos no controle postural: (1) restrições biomecânicas; (2) limites de estabilidade e verticalidade; (3) ajustes posturais antecipatórios; (4) respostas posturais; (5) orientação sensorial e (6) estabilidade na marcha (HORAK; WRISLEY; FRANK, 2009). Já o MiniBESTest, forma mais concisa do BESTest, não contempla os sistemas (1) e (2) no BESTest (MAIA et al., 2013), porém pode ser utilizado sem nenhum prejuízo por possuir alta correlação com o BESTest (r = 0.955) (LEDDY; CROWNER; EARHART, 2011). O teste consiste em 14 tarefas pontuadas de 0 a 2 de acordo com o desempenho do participante, avalia entre outros itens a base de suporte, o alinhamento do centro de pressão, força e amplitude de movimento do tornozelo, sentar e levantar, alcance funcional, equilíbrio em apoio unipodal, marcha e o desempenho no teste de levantar e andar em tarefa simples e dupla (HORAK; WRISLEY; FRANK, 2009; KING etal., 2012). O MiniBESTest foi traduzido e validado para a língua portuguesa por Maia e colaboradores (2013). Sabe-se que o MiniBESTest apresenta excelente confiabilidade test-retest (ICC = 0.92) (LEDDY; CROWNER; EARHART, 2011), o que assegura seu uso como instrumento para avaliação do controle postural para pacientes com DP. Além disso, a MDC para esse teste em indivíduos com DP é de 17,1% ou 5.52 pontos (LEDDY; CROWNER; EARHART, 2011) e a MCID para indivíduos com alterações no controle postural é de quatro pontos (GODI et al., 2013). O corte para risco de quedas é de 20 dos 28 pontos, sendo que essa escala tem uma adequada capacidade de identificar indivíduos caidores (sensibilidade = 0.88, especificidade = 0.78) (LEDDY; CROWNER; EARHART, 2011), além de predizer o risco de quedas após seis meses da realização do teste em pacientes que pontuam 16 dos 28 pontos, além de ser superior a escalas que avaliam a marcha para predizer quedas (DUNCAN et al., 2013). King e colaboradores (KING et al., 2012) compararam a escala de equilíbrio de Berg e o MiniBESTest na avaliação do controle postural de pacientes com DP leves, moderados e graves (HY de 1 a 4), os autores identificaram que o MiniBESTest tem uma correlação com o Berg, porém não tem o mesmo efeito teto, ou seja, o MiniBESTest é capaz de detectar alterações de controle postural em pacientes mais leves. Além disso, tanto o Berg quanto o MiniBESTest se correlacionaram com a severidade da DP, mas o MiniBESTest é capaz de predizer a gravidade da doença. Por fim, o MiniBESTest apresentou melhor sensibilidade / especificidade que o Berg para identificar pessoas com respostas posturais anormais. Além disso, o MiniBESTest é um bom preditor de mobilidade e velocidade da marcha de indivíduos com DP, explicando 54,1% da variabilidade da mobilidade e 45,6% da velocidade de marcha (CHRISTOFOLETTI et al., 2016). Teste levantar e caminhar (TUG) O teste já foi descrito anteriormente no capítulo, sendo responsável pela avaliação do equilíbrio, mobilidade, capacidade de marcha e importante preditor do risco de quedas (PODSIADLO; RICHARDSON, 1991). O teste é válido e sensível para pessoas com DP (MAK; PANG, 2009), possui adequada confiabilidade test-retest (ICC = 0.85) (STEFFEN; SENEY, 2008), excelente confiabilidade intra (ICC = 0.98) e interexaminadores (ICC = 0.99) (BENNIE et al., 2003), o MDC para esse teste em pacientes com DP é de 11 segundos (STEFFEN; SENEY, 2008). Além disso, o teste é um importante preditor de quedas, sendo que em indivíduos que realizam o teste acima de 16 segundos, o aumento do tempo de execução do teste tem correlação significativa com o aumento do risco de quedas (MAK; PANG, 2009). Este teste também pode ser realizado em condição de dupla tarefa (DT). E quando realizado nessa condição, pode-se realizar o cálculo do custo da adição da tarefa secundária. O custo da dupla tarefa (CDT) é calculado da seguinte forma (MCDOWD, 1986): CDT (%) = [(tempo de execução em DT – tempo de execução em tarefa simples) / tempo de execução em tarefa simples] x 100%. Teste de Caminhada de 10m Usado para avaliar a velocidade de marcha (NOVAES; MIRANDA; DOURADO, 2011), como já descrito anteriormente neste capítulo. Para indivíduos com DP, o teste tem excelente confiabilidade test-retest para marcha confortável (ICC = 0.96) e rápida (ICC = 0.97) (STEFFEN; SENEY, 2008), o MDC para esse teste é de 0.18 m/s quando testado em marcha confortável e de 0.25 m/s quando testado na máxima velocidade possível (STEFFEN; SENEY, 2008). Alcance Funcional Este teste possui uma forte correlação com o risco de quedas e foi descrito anteriormente para AVC. Para pacientes com DP, o teste possui excelente confiabilidade test-retest (ICC = 0.84) (SCHENKMAN et al., 1997), adequada confiabilidade interobservador (ICC = 0.64) e intraobservador (ICC = 0.74) (SCHENKMAN et al., 1997), adequada validade (0.80) (DIBBLE; LANGE, 2006) e o MDC é de 9 cm (LIM et al., 2005). A medida de pacientes com DP caidores é significativamente menor do que a de não caidores, sendo que medidas abaixo de 32,75 cm indicam risco de quedas (sensibilidade de 0.80 e especificidade de 0.52) (DIBBLE; LANGE, 2006). Este teste pode ser realizado na posição sentada para pacientes mais graves. Índice Dinâmico de Marcha (Dymanic Gait Index – DGI) O teste já foi descrito anteriormente neste capítulo, sendo que o objetivo deste teste é de avaliar a capacidade de o paciente modificar a marcha em resposta às mudanças nas demandas de determinadas tarefas. A pontuação máxima é de 24 pontos (CASTRO; RODRIGUES; GANANÇA, 2006) e um escore de 19 pontos ou menos prediz risco para quedas para indivíduos com DP (HUANG et al., 2011). O teste possui excelente confiabilidade test-retest (ICC = 0.84) e o MDC para pacientes com DP é de 2.9 (HUANG et al., 2011). Functional Gait Assessment (FGA) Functional Gait Assessment (FGA) é uma versão modificada da DGI, desenvolvida com o objetivo de melhorar a confiabilidade desta. A FGA avalia a estabilidade postural durante a marcha e a marcha, durante a execução de diferentes tarefas. É constituída por sete dos oito itens que pertencem à DGI, e três novos itens (“marcha com base de sustentação estreita”, “marcha para trás”, “marcha com os olhos fechados”). A pontuação total do teste é de 30 pontos (LEDDY; CROWNER; GAMMON, 2011). Para indivíduos com DP, o MDC para esse teste é de quatro pontos (PETERSEN et al., 2017), tem excelente confiabilidade test-retest (ICC = 0.91) (LEDDY; CROWNER; GAMMON, 2011), excelente confiabilidade intraobservador (ICC = 0.99) e interexaminador (ICC = 0.99) (YANG et al., 2016), excelente consistência interna (YANG et al., 2016). Além disso, o teste é preditor de quedas para escores abaixo de 15 pontos (DUNCAN et al., 2012). Questionário de congelamento da marcha O questionário de congelamento da marcha (FOG-Q) possui seis questões e o escore total varia de 0 a 24, as pontuações mais altas correspondem ao congelamento mais grave. É uma ferramenta útil para a obtenção de dados clínicos que sugerem a presença de congelamento, sendo que o item 3 da escala avalia diretamente a presença de congelamento (BAGGIO et al., 2012). Essa escala mostrou-se confiável para avaliar e medir a gravidade do congelamento em pacientes com DP e também para avaliar intervenções de tratamento. A principal limitação dessa abordagem é que ela não inclui a identificação definitiva do congelamento, assim, a presença de freezers falsos positivos e negativos não pode ser totalmente excluída (BAGGIO et al., 2012). O teste tem excelente confiabilidade teste-reteste e excelente consistência interna (GILADI et al., 2009) 3.3 Participação No componente da CIF relacionado à Participação, sugerimos essa avaliação de qualidade de vida específica para pessoas com DP. Parkinson Disease Questionary (PDQ-39) Contém 39 questões avaliando oito domínios: mobilidade (10 itens), atividades de vida diária (seis itens), estado emocional (seis itens), estigma (quatro itens), suporte social (três itens), cognição (quatro itens), comunicação (três itens) e desconforto corporal (três itens). As questões se referem à frequência em que os pacientes têm sofrido dificuldades devido à doença de Parkinson durante o mês precedente. Cada item é pontuado numa escala de 0 (nunca) a 4 (sempre). O escore para cada dimensão é calculado pela soma dos escores de cada item expresso como porcentagem do máximo escore possível (LANA et al., 2007). 3.4 Escalas que contemplam diferentes componentes da CIF Escala de Estadiamento de Hoehr e Yahr modificada A Escala de Estadiamento de Hoehr e Yahr modificada (HY) é uma escala muito utilizada, ela avalia a gravidade da doença a partir de ‘teste do empurrão’ e se a doença é uni ou bilateral, classificando os indivíduos a partir de escores que variam de: 0 (nenhum sinal da doença) a 5 (confinado à cama ou à cadeira de rodas, a menos que ajudado) (GOETZ et al., 2004). A Escala de Hoehr e Yahr foi originalmente criada com cinco estadiamentos (HOEHN; YAHR,1967), e projetada para ser uma escala de estadiamento descritiva simples que fornece uma estimativa geral da função clínica na DP, combinando déficits funcionais e sinais objetivos (comprometimento) (GOETZ et al., 2004). Nos anos 90, ela foi modificada, com a inclusão de dois estadiamentos, o 1.5 (envolvimento unilateral e axial) e o 2,5 (doença bilateral leve, com recuperação no “teste do empurrão”) (GOETZ et al., 2004). Apesar de ser uma escala amplamente utilizada, algumas críticas vêm sendo levantadas com relação a ela, a primeira delas é com relação a MCID e MDC, por ser uma escala que estadia em categorias, não há como fazer essas medidas; e por abordar apenas dois aspectos da doença, doença unilateral versus bilateral e presença ou ausência da reação postural (GOETZ et al., 2004), e não incluir aspectos não motores (CAPATO; DOMINGOS; ALMEIDA, 2016). Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson (Parte III – Exame Motor) – Unified Parkinson’s Disease Rating Scale (MDS – UPDRS) A MDS-UPDRS é composta de quatro partes, sendo elas, I: Experiências não motoras da vida diária; II: Experiências Motoras da Vida Diária; III: Exame Motor; IV: Complicações Motoras (GOETZ et al., 2008). A parte III é uma escala confiável e válida, sua consistência interna é considerada excelente (0,93). Possui 18 itens, sendo que a pontuação de cada item pode variar de 0 (normal) a 4 (maior comprometimento pela doença). E são avaliadas questões como a fala, tremor de repouso, bradicinesia, rigidez, postura e marcha (GOETZ et al., 2008). Escala de Confiança de Atividade/Específica Do Equilíbrio (Escala ABC) Para indivíduos com DP, a Escala ABC possui excelente confiabilidade test- retest (ICC = 0.94) (STEFFEN; SENEY, 2008), excelente consistência interna (Cronbach’s alpha = 0.95) (STEFFEN; SENEY, 2008), o MDC para essa escala foi identificado como 13 pontos (STEFFEN; SENEY, 2008), o ponto de corte para risco de quedas é de 69% (MAK; PANG; MOK, 2012), possui excelente correlação com força de extensão do joelho (r = −0.661, P < 0.001) (MAK; PANG; MOK, 2012) e fraca correlação com teste de alcance funcional (r = 0.1884, P= 0.184) (LOHNES; EARHART, 2011) e MDS-UPDRS III (r = -0.221, P < 0.05) (LOHNES; EARHART, 2011). Por fim, a escala ABC não é um bom preditor de mobilidade e velocidade da marcha de indivíduos com DP, explicando de 2% a 8,2% da variabilidade (CHRISTOFOLETTI et al., 2016). Porém o índice da escala é significativamente menor em pacientes com DP caidores do que os não caidores (MAK; PANG, 2009). 3.5 Caso Clínico 1 - D.A.H. tem 65 anos e diagnóstico de DP há sete anos, apresenta pontuação de 1,5 de acordo com a Escala de Estadiamento de Hoehn & Yahr. O paciente é casado, tem uma filha e dois netos (2 anos e 4 anos); mora em um sobrado em uma rua asfaltada; é aposentado e trabalhou como contador por mais de 20 anos. Seus principais hobbies são brincar com os netos e utilizar o computador. Atualmente, ele realiza reposição dopaminérgica conforme orientação médica da seguinte forma: um comprimido três vezes ao dia (7h, 15h e às 20h). Relata que permanece três horas sob o efeito da medicação. Suas principais queixas são o travamento das pernas, que faz com que ele ande muito lentamente e o equilíbrio para ficar em pé. Sofreu duas quedas no último mês. Resposta: Inicialmente, para avaliarmos a gravidade da doença e quais os principais sintomas motores, será necessário realizar a MDS-UPDRS, e como as principais queixas do paciente são relacionadas ao equilíbrio e à marcha, poderíamos fazer o MiniBESTest e o DGI. Além disso, para verificar a velocidade de marcha, poderíamos realizar o teste de marcha de 10 metros. Adicionalmente, para verificar sua percepção sobre o equilíbrio, faria a escala ABC. 2 - T.B.N. tem 73 anos e diagnóstico de DP há 15 anos, apresenta pontuação de 4 de acordo com a Escala de Estadiamento de Hoehn & Yahr. O paciente é casado, e mora com a esposa em uma casa térrea; é aposentado e trabalhou como trabalhador rural por mais de 30 anos. Seus principais hobbies são ler o jornal e ouvir as notícias no rádio. Atualmente, ele realiza reposição dopaminérgica conforme orientação médica da seguinte forma: um comprimido e meio quatro vezes ao dia (7h, 10h, 15h e às 20h). Relata que a medicação não tem mostrado muito efeito, apresenta sincinesia como efeito colateral de remédio. Anda com auxílio de um andador triangular dentro de casa, fora de casa utiliza cadeira de rodas. Suas principais queixas são levantar da cama e de sofá de forma independente. A esposa nota que ele está um pouco confuso e esquecido. Resposta: Inicialmente, para avaliarmos a gravidade da doença e quais os principais sintomas motores, será necessário realizar a MDS-UPDRS, tanto no período ON quanto no período OFF para verificar os efeitos colaterais da medicação. Para verificar o equilíbrio sentado e a capacidade de deslocar o centro de massa à frente para levantar da cadeira, sugere-se o teste de alcance funcional sentado. E, para confirmar as alterações cognitivas descritas pela esposa, poderíamos utilizar a MoCA e o TUG em simples e dupla-tarefa, com o auxílio do andador. Além disso, aplicar o PDQ-39 permitiria avaliar a qualidade de vida do paciente e acompanhar o impacto da evolução da doença nesse componente. 4. Avaliação clínica em pacientes com Lesão Medular A lesão medular (LM) é definida como uma redução ou perda da função motora e/ou sensorial, devido às lesões dos elementos neurais dentro do canal medular, nas regiões cervical, torácica, lombar ou sacral, comprometendo a função da medula espinal em graus variados de extensão (MAYNARD et al., 1997). Resulta em disfunções sensoriais, motoras e autonômicas, afetando o indivíduo de forma sistêmica e complexa (GITTLER et al., 2002; MARINO et al., 2003). Pode ser considerada uma epidemia global, acometendo cerca de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com a National Spinal Cord Injury Statistical Center (2011), a estimativa de incidência global varia entre 10,4 a 83 casos por milhão de habitantes. Em função do aumento da sobrevida após uma lesão medular traumática, a prevalência de pessoas com LM aumentou consideravelmente nos últimas décadas, com prevalência que varia entre 236 e 1,009 por milhão de habitantes (SINGH et al., 2014). O número de casos de LM no Brasil é desconhecido, uma vez que os dados são escassos e pouco precisos a respeito da sua incidência e prevalência, considerando que a ocorrência dessa lesão não é sujeita à notificação (CAMPOS et al., 2008). É uma lesão neurológica considerada grave, que afeta a funcionalidade do indivíduo e pode reduzir drasticamente a independência, o nível de atividade e a qualidade de vida dos indivíduos, uma vez que afeta direta ou indiretamente o bem-estar físico, psicológico e social dos indivíduos que sofrem dessa lesão (SINGH et al., 2014). Considerando o momento pós-lesão, a escolha de intervenções de reabilitação apropriadas e o início precoce são fatores essenciais e que podem ser determinantes na recuperação funcional e na reinserção do indivíduo na sociedade (SUMIDA et al., 2001). Para que ocorra uma reinserção bem-sucedida do indivíduo com LM às atividades da comunidade, devemos considerar não apenas o funcionamento físico, mas também aspectos facilitadores e barreiras inter-relacionados com o ambiente social e físico. Nesse sentido, é importante que os profissionais integrantes da equipe de reabilitação tenham ferramentas adequadas para avaliar todos esses aspectos, como por exemplo, compreensão da lesão, nível de atividade diário, mobilidade e transporte, acessibilidade no ambiente domiciliar e comunitário, suporte familiar, possibilidade de retorno a atividades profissionais e recreativas, entre outras (CIEZA et al., 2010). Na fase crônica da LM, grande parte da população apresenta comorbidades que podem afetar diretamente o nível de atividade diária, estudos mostram que a prevalência da ocorrência de úlcera por pressão, disreflexia autonômica, ossificação heterotópicae necessidade de ajuda com atividades de vida diária aumenta a cada ano após a lesão (LIEM, 2004). Portanto, o cuidado de longo prazo das pessoas com LM requer compreensão profunda da ampla gama e interação desses problemas funcionais que as pessoas podem experimentar (CIEZA et al., 2010). Tendo em vista esse cenário e tomando como base a CIF, o profissional integrante da equipe de reabilitação pode lançar mão de uma ampla gama de instrumentos que são validados para a população com LM, usados em pesquisas e na rotina terapêutica para avaliar aspectos da saúde, funcionamento psicológico e social, bem-estar e satisfação com a vida (BIERING-SORENSEN et al., 2006; MEYERS; ANDRESEN; HAGGLUND, 2000). Figura 4 – Instrumentos de avaliação de acordo com os domínios da CIF em pacientes com LM Fonte: o autor Legenda: American Spinal Injury Association (Asia) Impairment Scale; Ashworth modificada (AM); Escala numérica de avaliação da dor (EN-DOR); Questionário de dor de McGil (McGIL); Escala de Alcance Funcional Adaptado (AF); Escala de Controle Tóraco-Lombar (ECTL); Teste da Caminhada de seis Minutos (TC – 6min); Índice de Barthel Modificado (MBI); Medida de Independência Funcional (MIF); Medida de Independência da Medula Espinal III (SCIM); Índice de Função Quadriplegia (QIF); Escala de Equilíbrio de Berg; Índice de Marcha para a Lesão Medular III (WISCI III); Inventário de deambulação Funcional na Lesão Medular (SCI-FAI); Teste de Habilidades em Cadeira de Rodas (WST); Short Form 36 (SF-36); WHOQOL/bref; Craig Handicap Assessment & Reporting Technique (Chart). 4.1 Estruturas e Funções No que diz respeito às funções do corpo e estruturas do corpo, a LM pode afetar e envolver diferentes estruturas corporais que, por sua vez, podem resultar em déficits em funções abaixo do nível da lesão neurológica, como movimento, sensibilidade, tônus muscular, dor, funções autonômicas e comorbidades associadas. American Spinal Injury Association (Asia) Impairment Scale A escala de deficiência da Associação Americana de Lesão Medular (International Standards for Neurological Classification Of Spinal Cord Injury ‒ American Spinal Injury Association (Asia) Impairment Scale) foi criada em 1982 e revisada em 2011 (KIRSHBLUM et al., 2011). É uma escala internacionalmente utilizada, específica à população em questão, com a finalidade de classificar o nível funcional neurológico e a gravidade da lesão quanto aos aspectos motores e sensoriais. Na escala, são graduadas a força muscular e a sensibilidade. A força muscular é pontuada de 0 a 5 (0 = paralisia total, 1 = contração palpável ou visível, 2 = movimento ativo, amplitude total de movimento (ADM) em posição com força gravidade eliminada, 3 = movimento ativo, ADM completa contra gravidade, 4 = movimento ativo, ADM completa contra gravidade e resistência moderada em um músculo em posição específica, e 5 = movimento ativo (normal), ADM completa contra gravidade e resistência total em posição muscular funcional esperada), em 10 miótomos (músculos-chave de membros superiores com inervação de C5 a T1 e membros inferiores com inervação de L2 a S1) e a sensibilidade tátil superficial e discriminativa, que varia de 0 a 2 (0 = ausente, 1 = presente, mas alterada e 2 = normal) nos dermátomos C2 a S5. Ao identificar os segmentos preservados, o nível neurológico será definido como segmento mais caudal da medula com preservação das funções sensitiva e motora, bilateralmente. Além disso, a lesão pode ser ainda clinicamente classificada de acordo com a deficiência como incompleta ou completa. A lesão é considerada completa, grau de deficiência A, quando não há função motora ou sensitiva preservada nos segmentos sacrais 4 e 5 (S4-S5), considerada incompleta quando ocorre preservação parcial da função sensitiva e/ou motora caudal ao nível neurológico, incluindo os segmentos S4-S5, sendo classificada como B quando há função sensorial, porém não motora preservada abaixo do nível neurológico, estendendo-se até os segmentos S4-S5, como C quando há função sensorial e motora preservadas abaixo do nível neurológico com os miótomos pontuados com grau de força inferior a 3 e como D quando há função sensorial e motora preservadas abaixo do nível neurológico, sendo os miótomos pontuados com grau de força maior ou igual a 3, e como E quando as funções sensitivas e motoras não apresentam alterações. As LMs classificadas como incompletas também podem ser subdivididas em cinco síndromes: síndrome do cordão central, que está associada à maior perda da função superior versus inferior; síndrome de Brown-Sequard, associada a uma lesão de hemissecção da medula espinal; síndrome do cordão anterior, quando ocorre lesão no trato espinal anterior; síndrome do cone medular, quando ocorre lesão na região terminal da medula denominada como cone medular, e síndrome de cauda equina, quando ocorre lesão das raízes espinais. Quando a LM é classificada como completa (ASIA A), é importante considerar possíveis zonas de preservação parcial (ZPPs), tanto motoras como sensoriais. A ZPP refere-se à área da medula espinhal, localizada abaixo do nível neurológico e acima do nível S5, que mantém alguma função motora ou sensorial. Adicionada às avaliações e classificações citadas anteriormente, a escala de deficiência da Associação Americana de Lesão Medular é composta por um apêndice nomeado como Formulário de Avaliação de Padrões Autonômicos, que avalia a função autonômica geral do indivíduo com lesão medular. O formulário é dividido em duas partes, na primeira, o controle autonômico da frequência cardíaca, da pressão arterial, da transpiração, o controle da temperatura corporal e o controle autonômico e somático do sistema broncopulmonar são classificados em normal, anormal, desconhecido ou incapaz de ser avaliado. Na segunda parte, as funções do trato urinário (consciência da necessidade de esvaziar a bexiga, capacidade de evitar vazamentos – continência –, método de esvaziamento da bexiga), trato intestinal (sensação de necessidade de evacuação, capacidade de prevenir o vazamento de fezes – continência – e contração voluntária do esfíncter) e sexuais (excitação genital – ereção ou lubrificação –, orgasmo, ejaculação – somente masculino – e sensação de menstruação – somente feminina) são pontuadas de 0 a 2 (0 = ausência de controle, 1 = função reduzida ou alterada neurologicamente, 2 = função normal ou NT= incapaz de testar devido a problemas preexistentes ou concomitantes). Ashworth modificada (AM) A escala Ashworth modificada é utilizada na avaliação de hipertonia elástica ou espasticidade (CRAVEN; MORRIS, 2010). Esse instrumento é considerado um instrumento qualitativo para avaliação específica da espasticidade, validado para população com lesão medular. A descrição completa da escala encontra-se no tópico de avaliação das estruturas e funções corporais no AVC. Escala numérica de avaliação da dor (EN-DOR) A dor é uma queixa comum nessa população e pode ser classificada como neuropática quando localizada no nível ou abaixo do nível neurológico da LM, ou nociceptiva quando acima do nível da lesão. Para avaliação da dor, o profissional pode utilizar algumas escalas que são validadas para a população. A Escala numérica de avaliação da dor (BOLDT et al., 2014), considerada uma escala geral, para ambos os tipos de dor. Na aplicação do instrumento, o paciente indica em uma escala numérica que vai de 0 a 10 pontos (0 = ausência de nenhuma dor e 10 = pior dor imaginável) as intensidades da atual, menor e maior dor experimentada nas últimas 24 horas. Questionário de dor de McGil (McGIL) O Questionário de dor de McGil (CELIK; ERHAN; LAKSE, 2012) é uma medida de autorrelato que avalia, além da intensidade, a qualidade da dor relatada. O questionário é composto por 78 palavras, das quais o entrevistado escolhe aquelas que melhor descrevem sua experiência de dor. As 78 palavras estão organizadas em quatro domínios: descritores da dor, componentes afetivos da dor, avaliação subjetiva da dor e misto. Os escoresassociados a cada palavra escolhida são somados e a pontuação varia de 0 (sem dor) a 78 (dor grave). Assim como o teste de sentar e levantar, abordado previamente neste capítulo na população com AVC, as escalas seguintes, apesar de contemplarem a realização de uma atividade, permitem inferir sobre aspectos relacionados às funções corporais, como força e resistência e capacidade aeróbica durante a execução das atividades, por isso, podem ser incluídas no componente de função corporal, baseada na CIF. Escala de Alcance Funcional Adaptado (AF) Nas lesões cervicais e torácicas, o controle de tronco é um aspecto importante a ser avaliado e pode influenciar o nível de independência nas atividades de vida diária. A Escala de Alcance Funcional Adaptado avalia o indivíduo na posição sentada, na qual é solicitado que este incline o máximo possível nas direções anterior e laterais direita e esquerda, sem rodar o tronco, apoiar-se ou encostar-se à parede. A distância alcançada é mensurada em cada deslocamento, em três tentativas para cada direção. Ao final, a média é calculada para cada direção (LYNCH; LEAHY; BARKER, 1998). Escala de Controle Tóraco-Lombar (ECTL) Na Escala de Controle Tóraco-Lombar, a habilidade do sujeito para realizar 10 tarefas com o mínimo de esforço é mensurada e pontuada de 0 a 5, sendo que os escores diminuem com o aumento do uso de estratégias compensatórias, para cada tarefa. As tarefas avaliadas são: extensão de tronco em prono, elevação da pelve, flexão de tronco em supino, rotação de tronco, sentado para supino, supino para sentado, postura sentada, extensão de tronco em sedestação, equilíbrio sentado e equilíbrio em pé (PASTRE et al., 2011). Teste da Caminhada de seis Minutos (TC – 6min) Avalia a capacidade aeróbia e a resistência do paciente de forma simples, rápida e bem efetiva na avaliação do grau de limitação funcional (descrição completa da escala na avaliação de estruturas e funções corporais no AVC). 4.2 Atividade e Participação Pessoas com LM relatam limitações relacionadas às atividades de vida diária e à participação e reintegração na comunidade. Estudos mostram que essas restrições estão relacionadas às questões de mobilidade, como por exemplo, realizar transferências e a locomoção, atividades diárias de autocuidado, como alimentação, higiene pessoal, banho, vestuário e uso do banheiro, as possibilidades de retorno à atividade profissional e a reinserção no mercado de trabalho, bem como as relações sociais e o lazer (FRANÇA et al., 2011; VALL; BRAGA; ALMEIDA, 2006). Tais restrições podem estar relacionadas não apenas ao nível de funcionalidade, mas à percepção e ao impacto da lesão para esses indivíduos, à participação de familiares e pessoas próximas e fatores ambientais. 4.2.1 Atividade Algumas escalas podem ser utilizadas para avaliar esse aspecto, entre elas Índice de Barthel Modificado (MBI), Medida de Independência Funcional (MIF), Índice de Função Quadriplegia (QIF) e Medida de Independência da Medula Espinal III (SCIM). A MIF e a SCIM III foram considerados escalas confiáveis e válidas, enquanto a validade do MBI e do QIF não foi suficientemente investigada. Ao contrário do MBI e do FIM, o SCIM e o QIF foram projetados especificamente para a população de LM, enquanto o SCIM avalia de forma abrangente a recuperação funcional. Já o QIF é focado em pessoas com tetraplegia (ANDERSON et al., 2008). Índice de Barthel Modificado (MBI) No MBI, são avaliados 10 itens que consistem em: banho, higiene, alimentação, vestir, uso do toalete, subir / descer escadas, manejo intestinal, gerenciamento da bexiga, transferência de cadeira de rodas e mobilidade em superfície nivelada. A pontuação é realizada em cinco etapas. As pontuações dos itens são somadas para dar uma pontuação total que varia de 0 a 100 (0 = dependente e 100 = totalmente independente) (ANDERSON et al., 2008). Medida de Independência Funcional (MIF) Na MIF, o indivíduo é pontuado de 1 a 7 quanto ao tipo e à quantidade de assistência de que necessita (1 = dependência completa e 7 = independência completa), para realizar 18 tarefas motoras e cognitivas da vida diária, as quais compreendem seis domínios: autocuidado, controle de esfíncteres, transferências, locomoção, comunicação e cognição social. Os escores totais da MIF variam de 18 (totalmente dependentes) a 126 (totalmente independentes) (PADULA et al., 2015). A MIF e a MBI, apesar de validadas para população, não são específicas e, por esse motivo, apresentam algumas limitações e podem não refletir especificamente a recuperação funcional após a LM (ANDERSON et al., 2008). Medida de Independência da Medula Espinal III (SCIM) Na SCIM III, o indivíduo com LM é pontuado quanto aos níveis de independência para realizar 19 atividades, distribuídas em três domínios: autocuidados, respiração e manejo de esfíncteres e mobilidade. A pontuação total da SCIM III varia de 0 a 100, sendo que quanto maior o escore, maior o nível de independência (RIBERTO et al., 2014). Índice de Função Quadriplegia (QIF) O QIF consiste em duas partes. A primeira parte avalia atividades específicas agrupadas em nove categorias: transferências, cuidados pessoais, banho, alimentação, vestuário, mobilidade na cadeira de rodas, atividades no leito, programa intestinal e vesical. A segunda parte consiste de um questionário suplementar que avalia a compreensão do paciente quanto aos cuidados pessoais. Cada tarefa motora é pontuada de 0 (dependente) a 4 (independente). Os programas de bexiga e intestino possuem um critério de pontuação diferente. A pontuação final varia de 0 a 100, sendo que os domínios, por apresentarem diferentes pesos, contribuem com uma porcentagem diferente para o escore total. Indivíduos com LM classificadas como incompletas ou com níveis neurológicos lombares e sacrais, o ortostatismo e/ou a marcha terapêutica, domiciliar ou comunitária, associadas ou não ao uso de órteses e/ou auxiliares de marcha, podem estar entre os possíveis prognósticos de recuperação. Nesses casos, é importante escolher escalas específicas que avaliam a marcha realizada. Algumas escalas são quantitativas, como por exemplo, o teste de Caminhada de 10 metros e o TUG, já descritos anteriormente neste capítulo. Escala de Equilíbrio de Berg A escala, já descrita neste capítulo, também pode ser utilizada para pacientes com LM. No entanto, se quisermos considerar as escalas específicas para avaliação da marcha para a população com LM, podemos citar duas escalas a seguir: Índice de Marcha para a Lesão Medular III (Wisci III) Wisci III é um índice de capacidade funcional elaborado para medir evolução na deambulação. A escala classifica a marcha do indivíduo em níveis que variam de 0 (deficiência mais grave) a 20 (mais leve). Para classificação da marcha, é considerada a distância de 10 metros, assistência física de terceiros (duas pessoas, uma pessoa ou sem assistência física), dispositivos (barras paralelas, andador, muletas axilares ou canadenses, bengala ou nenhum dispositivo) e/ou órteses (dois membros inferiores, um membro inferior, longa(s), curta(s) ou nenhuma órtese) (MARINO et al., 2010). Inventário de deambulação Funcional na Lesão Medular (SCI-FAI) O SCI-FAI é uma medida de deambulação específica com foco em anormalidades da marcha. São consideradas três categorias que podem ser avaliadas durante a marcha, ou após, quando o avaliador grava a realização da tarefa: parâmetros de marcha (transferência de peso, largura, comprimento, altura e ritmo do passo e contato com o pé), uso de dispositivos de assistência (grau e tipo de assistência, como bengala, muleta, andador, barras paralelas) e mobilidade (distância percorrida, velocidade e frequência de caminhada) (FIELD-FOTE et al., 2001). Teste de Habilidades em Cadeira de Rodas (WST) Os indivíduos com LM que não apresentam prognóstico de marcha e utilizam a cadeira de rodas para deslocamento e locomoção necessitam ser avaliados nesse quesito e, para isso, são necessárias escalas que avaliem a habilidade eindependência nessa tarefa. O WST é usado para avaliar objetivamente as habilidades e a segurança durante uso e propulsão de cadeira de rodas manual. O indivíduo é pontuado pelo seu desempenho e pela segurança para realizar 32 tarefas com diferentes níveis de dificuldade, sendo 26 tarefas de mobilidade, duas de alcance, duas de transferência. São permitidas duas tentativas, com um descanso, para completar cada tarefa (HOSSEINI et al., 2012). 4.2.2 Participação Considerando as escalas de qualidade de vida como forma de melhor compreender a participação do indivíduo na sociedade, bem como sua percepção de saúde e do impacto das questões de saúde de deficiências apresentadas nesse contexto, podemos citar as escalas Short Form 36 (SF/36) e World Health Organization Quality of Life-Bref. Ambas são validadas para o português e para a população com LM, ainda que não específicas. Ambas contemplam a percepção pessoal de aspectos que envolvem saúde e qualidade de vida. Como diferencial importante, a escala WHOQOL/Bref também considera fatores pessoais e ambientais (LIN et al., 2007). Short Form 36 (SF-36) A SF-36 é uma medida de desfecho genérica relatada pelo paciente, projetado para ser aplicado a todas as condições de saúde. Tem como objetivo quantificar o estado de saúde e medir a qualidade de vida relacionada à saúde. É composta por 36 itens e dividida em oito subescalas (funcionamento físico, limitações de papel devido a problemas de saúde física, dor corporal, saúde geral, vitalidade, funcionamento social, limitações de papéis devido a problemas emocionais e saúde mental). Os entrevistados são solicitados a responder aos 36 itens com base nas últimas quatro semanas. Para pontuação final, é utilizado um algoritmo de pontuação para transformar as pontuações dos itens em um sistema de pontuação de 0 (pior) a 100 (melhor). WHOQOL/Bref A escala avalia a qualidade de vida dentro do contexto da cultura de um indivíduo, sistemas de valores, objetivos pessoais, padrões e preocupações. É um questionário de autorrelato que avalia 26 itens divididos em quatro domínios de qualidade de vida (QV): saúde física, saúde psicológica, relações sociais e meio ambiente. Além disso, existem dois itens que medem a qualidade de vida geral e a saúde geral. Os participantes expressam o quanto eles experimentaram os itens nas duas semanas anteriores em uma escala Likert de cinco pontos variando de 1 (nada) a 5 (completamente). Dois métodos podem ser aplicados para calcular o escore do WHOQOL/Bref, que pode variar de 4 a 20 ou de 0 a 100, sendo que quanto maior a pontuação, melhor a qualidade de vida (JANG et al., 2004). Craig Handicap Assessment & Reporting Technique (Chart) A escala Chart foi elaborada com objetivo de avaliar como as pessoas com deficiência funcionam como membros ativos de suas comunidades. A versão completa é composta por 32 itens divididos em seis domínios (independência física, independência cognitiva, mobilidade, ocupação, integração social e autossuficiência econômica). O formato abreviado consiste em 19 divididos nos mesmos seis domínios da versão original. As pontuações em cada domínio variam de 0 a 100, com uma pontuação total no escore de 0 a 600. Escores mais altos indicam menor grau de incapacidade ou maior grau de participação social e comunitária. 4.3 Caso clínico 1 - M.B., sexo masculino, com 36 anos de idade, sofreu um acidente automobilístico em janeiro de 2017. Foi socorrido pelo serviço de urgência e encaminhado ao hospital. Após realizados exames clínico, neurológico e de imagem, o cirurgião ortopedista diagnosticou uma fratura em L1, sem outras complicações clínicas ou fraturas. No dia seguinte, o paciente passou por procedimento cirúrgico para fixação da coluna lombar, com haste posicionada de T12 a L2. Após cirurgia, o paciente permaneceu internado por cerca de cinco dias para estabilização do quadro e orientações. Em avaliação com o neurologista, classificou-se como nível neurológico L1 e grau de deficiência A (completa), sem zona de preservação abaixo do nível da lesão. Paciente recebeu alta e foi encaminhado para acompanhamento em serviço de reabilitação de sua cidade. Após seis meses de lesão, paciente entrou no serviço de reabilitação. Em reavaliação, o médico fisiatra classificou a LM como nível neurológico L2, grau de deficiência A (completa), com zona de preservação parcial em L3. O paciente não apresentou complicações clínicas, apenas encurtamento muscular em músculos tríceps sural bilateralmente, queixa de dor neuropática e sobrepeso. Foi encaminhado para fisioterapia e condicionamento físico, em que foi acompanhado por oito meses. Em abril de 2018, paciente procurou serviço particular de fisioterapia. Na consulta inicial, o fisioterapeuta realizou uma nova avaliação criteriosa e completa, para entender o cenário atual do paciente em fase crônica da lesão, após reabilitação física inicial. Segundo informações compostas no caso clínico, quais avaliações poderiam ser feitas nesse paciente? Resposta: para a avaliação do componente de estruturas e funções, as avaliações sugeridas poderiam ser: a avaliação motora e sensorial do Asia para checar possíveis mudanças, em especial da zona de preservação parcial, uma vez que o paciente foi classificado como A (lesão completa), o Questionário de dor de McGil para avaliação da dor neuropática (uma vez que essa queixa pode ter um impacto negativo no desempenho do paciente nos exercícios e nas atividades de vida diária). No componente de atividade e participação, avaliações sugeridas poderiam ser: escala de Alcance Funcional Adaptada para melhor avaliar as possíveis demandas de controle de tronco que precisam ser trabalhadas para facilitar na rotina do paciente, o Índice de Marcha para a Lesão Medular II (Wisci II) para avaliar prognóstico de marcha ainda que terapêutica ou domiciliar com dispositivos e auxiliares, aplicação da escala SCIM III que vai abordar as atividades de vida diária, manejo de esfíncteres e mobilidade e para finalizar a escala Chart para melhor compreender o impacto da LM na reintegração desse paciente na vida comunitária. 2 - F.H.C., homem, 25 anos, em janeiro de 2018 durante um churrasco com amigos, sofreu uma lesão medular cervical ao mergulhar em uma piscina. Foi levado de ambulância para hospital mais próximo e transferido ao hospital de referência no mesmo dia. Após exame clínico, neurológico e de imagem, médico neurologista diagnosticou uma compressão medular nível C4, sem fratura ou escorregamento de vértebra, possivelmente por mecanismo de hiperextensão da cervical. O paciente permaneceu internado, com colar cervical para estabilização da coluna, recebendo orientações e acompanhamento. No primeiro mês, apresentava sintomas de choque medular (ausência de resposta motora, sensorial e reflexa abaixo do nível da lesão). Com um mês e dois dias, começou a esboçar movimentos nos pés e pernas, sensibilidade parcial em membros inferiores o retorno de alguns reflexos e início da percepção da vontade de urinar. Após três meses de lesão, em consulta com neurologista, o exame Asia foi realizado e o paciente foi classificado com uma LM nível neurológico C4, Asia D (incompleta), síndrome medular central (Central Cord – caracterizada por maior comprometimento neuromotor em membros superiores do que tronco e membros inferiores). Foi encaminhado para avaliação em serviço de fisioterapia especializado. Segundo informações compostas no caso clínico, quais avaliações poderiam ser feitas nesse paciente? Resposta: na avaliação inicial, o profissional deve considerar que o paciente em questão apresenta uma lesão medular fase aguda, ou seja, possivelmente, vai apresentar mudanças importantes em sua recuperação e prognóstico nos próximos meses. Para a avaliação do componente de estruturas e funções, as avaliações sugeridas poderiam ser: o Asia (repeti-lo novamente ao longo dos meses para acompanhar as possíveis evoluções e mudanças do quadro sensorial e motor) e o Formulário de Avaliação de Padrões Autonômicos, apêndicedo Asia, para melhor compreensão da função autonômica, considerando o nível da lesão que pode resultar em disfunções que vão influenciar as respostas do paciente durante a realização dos exercícios. Para avaliação do componente atividade: a escala de tronco Controle Tóraco-Lombar (apresenta alternativas de posicionamento para membros superiores que podem ser necessárias nesse caso), a Escala de Berg (indicada para análise do equilíbrio em ortostatismo), o Teste de Caminhada de 10 metros, como uma variável quantitativa de marcha, e o Inventário de deambulação Funcional na Lesão Medular (SCI-FAI), como uma alternativa qualitativa para avaliar detalhes importantes da marcha a serem melhorados em curto e médio prazo. Adicionalmente, a SCIM III para avaliar o nível de independência nas atividades de vida diária e/ou a escala QIF, que pode trazer informações importantes sobre o impacto das dificuldades funcionais dos membros superiores nessas atividades e na independência do paciente. Para o componente de participação, a escala WHOQOL-Bref (compreender aspectos da qualidade de vida e percepção da própria condição de saúde e participação na sociedade) a escala Chart (compreender o impacto da LM na reintegração desse paciente na vida comunitária), conforme citado no caso clínico anterior. 5. Implicações clínicas O uso de escalas na avaliação neurofuncional pode complementar de maneira objetiva os dados clínicos e funcionais. Quando utilizarmos escalas, devemos levar em consideração quais domínios da CIF ela abrange, se é uma escala genérica ou específica. Em muitas publicações na área de neurociência, podemos encontrar o uso das escalas de maneira isolada, mas na clínica devemos utilizá- las associadas com outras ferramentas investigativas. TAREFA DE LABORATÓRIO Aplicando escalas - Escolha uma escala para cada domínio da CIF (deficiência, limitação na atividade e restrição na participação) em um paciente com AVC, Parkinson e Lesão Medular e aplique no ambiente hospitalar, ambulatorial e domiciliar. Identifique as dificuldades na aplicação, os dados fornecidos, o tempo em cada uma e, sobretudo, as informações primordiais para identificar as alterações neurológicas. 6. Referências AARSLAND, D. et al. Cognitive decline in Parkinson disease. Nature Reviews Neurology, p. 1-15, 2017. ANDERSON, K. et al. Functional Recovery Outcome Measures Work Group. Functional recovery measures for spinal cord injury: an evidence-based review for clinical practice and research. J Spinal Cord Med, v. 31, n. 2, p. 133-44, 2008. BAGGIO, J. A. O. et al. Validity of the Brazilian version of the freezing of gait questionnaire. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 70, n. 8, p. 599-603, 2012. BARAK, S.; DUNCAN, P. W. 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De acordo com a nomenclatura anatômica atualmente válida, cada nervo craniano tem duas designações: tanto a partir de um número ordinal quanto por seu nome histórico descritivo (SPECIALI, 1996; SIMON; MAREČKOVÁ-ŠTOLCOVÁ; PÁČ, 2011). Em número de 12 pares, suas funções são variadas, englobando as sensitivas, as motoras, e as autonômicas. A Tabela 1 apresenta uma visão geral desses nervos. Tabela 1 – Nervos cranianos Números e Nome Tipos de Fibras I Nervo olfativo(fascículo olfativo) viscerais aferentes especiais II Nervo óptico (fascículo óptico) somáticas aferentes especiais III Nervo oculomotor (a) Somáticas eferentes (b) viscerais eferentes (parassimpáticas) (c) somáticas aferentes IV Nervo troclear (a) somáticas eferentes (b) somáticas aferentes V Nervo trigêmeo (1º arco branquial) (a) somáticas aferentes (b) branquiais eferentes (c)somáticas aferentes VI Nervo abducente somáticas eferentes VII Nervo facial 2º arco branquial Nervo intermédio(a) branquiais eferentes (b) viscerais eferentes (c) viscerais aferentes especiais (d) somáticas aferentes VIII Nervo vestíbulo-coclear somáticas aferentes especiais IX Nervo glossofaríngeo 3º arco branquial (a) branquiais eferentes (b) viscerais eferentes (parassimpáticas) (c) viscerais aferentes especiais (d) viscerais aferentes (e) somáticas aferentes X Nervo vago 4º arco branquial (a) branquiais eferentes (b) viscerais eferentes (parassimpáticas) (c) viscerais aferentes (d) viscerais aferentes especiais (e) somáticas aferentes XI Nervo acessório (a) branquiais eferentes (b) somáticas eferentes XII Nervo hipoglosso somáticas eferentes Fonte: adaptado de Baher e Frotscher (2005) As características de cada nervo abaixo, suas funções e alterações foram adaptadas de Carvalho (1994) e Patten (2000). I Par – Nervo Olfatório: É o responsável pela percepção olfativa, que é a única modalidade sensitiva não processada no tálamo. São utilizadas substâncias com odor agradável, de fácil identificação, não irritativas e não voláteis (como canela, cravo, café), devendo o paciente informar inicialmente se consegue perceber um cheiro e, a seguir, qual substância é apresentada, a uma narina de cada vez, estando o paciente com os olhos fechados. Examinar primeiro o lado supostamente normal. Os achados podem ser os seguintes: Anosmia: abolição do olfato. Hiposmia: diminuição do olfato. Hiperosmia: aumento do olfato. Cacosmia: percepção de odor como desagradável. Presbiosmia: redução do olfato pelo envelhecimento. Os déficits olfatórios podem ser divididos em condutivos (substância não chega ao epitélio olfatório, que são os mais comumente encontrados) e neurossensoriais (alterações dos receptores ou conexões centrais). Exemplos: Situações como infecções de vias aéreas superiores, rinites, tabagismo, uso de medicamentos e drogas ilícitas, doenças sistêmicas, tumores da região orbitofrontal e traumatismos crânio-encefálicos podem determinar distúrbios do olfato. A anosmia/hiposmia pode preceder em vários anos o surgimento de doenças neurodegenerativas (como a Doença de Parkinson, a atrofia de múltiplos sistemas e a demência por corpúsculos de Lewi). A hiperosmia pode ocorrer em transtornos funcionais ou raramente após traumatismos cranioencefálicos. Cacosmia pode ocorrer em pacientes com crises epiléticas secundárias a lesões da região temporal mesial. II Par – Nervo Óptico: É considerado um prolongamento do cérebro anterior. O estímulo visual é captado na retina até os nervos ópticos. No quiasma óptico (diencéfalo), as fibras provenientes das metades nasais da retina se cruzam. Assim, cada nervo óptico contém fibras das metades homônimas das duas retinas. A seguir, o impulso que está sendo carreado por cada trato óptico atinge os corpos geniculados laterais, a partir de onde as radiações ópticas se dirigem para a área visual primária, localizada no córtex occipital, adjacente à fissura calcarina. As fibras aferentes que participam da integração do reflexo fotomotor terminam na região pré-tectal. O exame da visão costuma ser dividido em três partes: (1) medida da acuidade visual, (2) avaliação dos campos visuais e (3) fundos oculares (fundoscopia). As duas primeiras podem ser facilmente realizadas sem necessidade de aparelhagem específica. A acuidade visual é examinada com a Tabela de Snellen; podem-se ainda descrever quadros, ler textos de revistas com letras de tamanhos variados, contar dedos etc., interrogando-se o paciente quanto ao uso de óculos e sobre a existência de defeitos de refração. O campo visual é o espaço dentro do qual um objeto pode ser visto enquanto o olho é fixado em determinado ponto. Os objetos situados na metade externa do campo visual têm a sua imagem projetada na metade interna da retina. Amaurose é a perda completa de um ou de ambos os campos visuais. Defeitos parciais são mais comuns e compreendem: escotomas, hemianopsias e quadrantopsias (Figura 1). Para avaliá-lo, o examinador deve ficar em frente ao paciente, separado deste a curta distância (extensão do braço, por exemplo), com os olhos à mesma altura, se possível. Pede-se ao paciente que oclua um dos olhos (o examinador deve ocluir seu olho contralateral) e olhe fixamente para o olho aberto do examinador, que deve aproximar objetos do campo visual, a partir da periferia, nos quatro quadrantes, anotando o momento em que o paciente percebe o objeto, o que deve ser confrontado com o seu próprio campo visual. A B Figura 1 – Exemplos de alterações nos campos visuais. (A) Quadrantanopsia; (B) Hemianopsia Fonte: o autor NOTA: Os escotomas são pequenas lacunas no campo visual, em geral referidas como áreas escuras, nas quais o paciente não consegue ver os objetos. As hemianopsias são cegueiras nas metades homólogas ou heterólogas dos campos visuais de ambos os olhos. As quadrantopsias são defeitos em um quadrante do campo visual. Em geral são determinadas por lesões nas radiações ópticas. III Par – Nervo Oculomotor; IV Par – Nervo Troclear e VI Par – Nervo Abducente São responsáveis pela inervação extrínseca (III, IV e VI) e intrínseca (III) dos músculos do olho, promovendo movimentação do globo ocular e controle do diâmetro da pupila. O nervo oculomotor inerva os músculos reto superior, reto medial, reto inferior, oblíquo inferior e elevador da pálpebra superior. Por meio de seu componente autonômico parassimpático, inerva o músculo constritor da pupila (determinando miose – contração pupilar). O nervo troclear inerva o músculo oblíquo superior, sendo responsável pelo abaixamento do globo ocular quando este se encontra aduzido. Paralisias isoladas desse nervo são raras. O nervo abducente inerva o músculo reto lateral, responsável pela abdução do globo ocular. Para examinar esses três nervos, o examinador pesquisa, em um olho de cada vez, os movimentos correspondentes aos músculos inervados. A paralisia de qualquer desses músculos resultará um desvio ocular (estrabismo) que determinará diplopia (visão dupla). Examina-se a pupila, seu diâmetro e forma, comparando-a com a do lado oposto em busca de anisocoria (pupilas com tamanhos diferentes), midríase (pupilas dilatadas) e miose (pupilas contraídas). O reflexo fotomotor é caracterizado pela contração pupilar quando fazemos incidir sobre ela um feixe de luz. O reflexo fotomotor tem como trajeto a via óptica e o nervo oculomotor. Divide-se em direto (quando observada a resposta no olho em que se incide o feixe luminoso) e consensual (quando observado no olho oposto ao que se incide o feixe luminoso). CASO CLÍNICO 1: Paciente masculino com 62 anos, diabético, queixa de que há três dias vem apresentando visão dupla associada a dor de cabeça, mais na região temporal. Ao exame: a pálpebra esquerda se encontra caída (não consegue elevá-la), apresenta desvio do globo ocular esquerdo para fora, consegue realizar abdução do olho esquerdo, mas não consegue realizar adução nem olhar para baixo ou para cima. As pupilas têm o mesmo tamanho e respondem a luz. Realizada investigação que mostrou se tratar de paralisia de III e IV nervos cranianos em decorrência do diabetes mellitus. CASO CLÍNICO 2: Paciente feminina com 45 anos, tabagista, hipertensa, queixa de que há dois dias, após discussão familiar, teve cefaleia súbita, de forte intensidade e desmaio. Desde então, persiste dor de cabeça e há um dia vem apresentando visão dupla. Ao exame: a pálpebra esquerda se encontra caída (não consegue elevá-la), apresenta desvio do globo ocular esquerdo para fora, conseguerealizar abdução do olho esquerdo, mas não consegue realizar adução nem olhar para baixo ou para cima. A pupila do lado esquerdo se encontra dilatada e o reflexo fotomotor direto e consensual se encontram reduzido deste lado. Realizada investigação que mostrou tratar-se de paralisia de III nervo craniano em decorrência de rotura de aneurisma de artéria comunicante posterior esquerda. Nesse caso, tem-se uma paralisia dita completa do nervo oculomotor, visto que se encontra alteração tanto da função somática (movimentação ocular) quanto autonômica (pupila). V Par – Nervo Trigêmeo Tem natureza mista, sensitiva e motora. Possui três ramos: oftálmico, maxilar superior e mandibular. É responsável pela sensibilidade da face (maior parte) e do crânio e pela motricidade dos músculos relacionados à mastigação. Avalia-se sua função motora apalpando-se o relevo muscular (masseter e temporal). Também se examinam os movimentos mastigatórios, por meio da contração dos masseteres e dos temporais. Também devem ser examinados os músculos pterigoides solicitando ao paciente que movimente lateralmente a mandíbula. A sensibilidade da face é avaliada a partir de estímulos (algodão, ponta de alfinete, estímulo térmico) aplicados a cada lado da face, nas regiões correspondentes a cada ramo. Examina-se ainda a sensibilidade da córnea com pequeno algodão, bem como da fossa nasal do véu do palato e dos 2/3 anteriores da língua. A paralisia desse nervo se manifesta por alterações sensitivas da face e do couro cabeludo e paralisia dos músculos da mastigação. O quadro clínico peculiar é nevralgia (dores espontâneas de início em episódios geralmente com local desencadeante). A dor na maioria das vezes é de forte intensidade, podendo acometer a distribuição de um ou mais ramos do nervo. CASO CLÍNICO 3: Paciente com 36 anos, com diagnóstico de esclerose múltipla há 20 anos, em tratamento há 15 anos. Apresenta importante paraparesia. Há uma semana evoluindo com dor intensa em face, tipo choque, lancinante, em região de distribuição de ramo oftálmico no nervo trigêmeo à esquerda. Ao exame, a dor era desencadeada por toque nessa região (alodinia). Motricidade preservada. Realizada ressonância magnética que demonstrou surgimento de nova lesão inflamatória na ponte. VII Par – Nervo Facial É um nervo misto que se origina na ponte. É o responsável pela sensibilidade gustativa dos dois terços anteriores da língua, conduzida por um de seus ramos, a corda do tímpano, por intermédio de uma anastomose com o ramo lingual do nervo mandibular. Também é responsável pela sensibilidade de parte do pavilhão auditivo, conduto auditivo externo e tímpano. Inerva ainda a musculatura da face relacionada à mímica facial. A função sensorial (gustativa) pode ser examinada por meio do reconhecimento de sabores doce, amargo, salgado e azedo, aplicados com um cotonete sobre a língua. A função motora é examinada pesquisando-se a mímica facial. Para tanto, solicita-se ao paciente que realize os seguintes movimentos: enrugar a testa (2A), aproximar os supercílios (2B), fechar os olhos (2C), repuxar a comissura labial (sorriso leve) (2D), mostrar os dentes (2E), repuxar a pele do pescoço com eversão do lábio (2F) (Figura 2). A B C D E F Figura 2 – Funções motora do nervo facial Fonte: o autor Na paralisia do nervo facial, esses movimentos ficam abolidos do lado paralisado e sobressai a incapacidade de fechar o olho e o desvio da boca para o lado oposto ocasionado pela musculatura sadia que não encontra oposição da musculatura acometida. É dita central quando acomete os 2/3 inferiores da face contralateral e periférica quando acomete a musculatura de toda a hemiface ipsilateral. CASO CLÍNICO 4: Paciente com 70 anos apresentou a duas horas da admissão no pronto socorro perda súbita de força em hemicorpo à direita e dificuldade para falar. Está consciente e consegue compreender comandos. Ao exame, apresenta déficit motor moderado em membro inferior direito (vence a gravidade) e grave em membro superior direito (não apresenta contração). Apresenta desvio da comissura bucal para o lado esquerdo, que se acentua quando solicitado ao paciente que sorria. Tem fraqueza para o fechamento do olho do lado direito e consegue enrugar a testa com o mesmo lado. Assim, o paciente apresenta uma paralisia facial central, no contexto de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) agudo. CASO CLÍNICO 5: Mulher de 22 anos, estudante, há dois dias iniciou sensação de discreto formigamento na face, à direita, e parecia que a comida estava sem tempero. Há um dia, notou que os sons pareciam mais altos no ouvido direito, embora tivesse a sensação de que esse ouvido estava entupido. Hoje pela manhã, ao escovar os dentes, notou que a boca estava repuxada para o lado esquerdo e que não conseguia piscar o olho do lado direito. Ao exame, tem apagamento do sulco nasogeniano à direita e desvio da rima labial para a esquerda. Quando solicitado, não consegue enrugar a testa à direita. Ao tentar fechar os olhos, do lado direito não consegue ocluir e é possível observar desvio do globo ocular para cima com exposição da esclera (Sinal de Bell). Ao tentar sorrir, acentua-se o desvio da comissura labial para a esquerda, configurando, assim, uma paralisia facial periférica. VIII Par – Nervo Vestíbulo-Coclear É um nervo sensitivo composto por dois contingentes de fibras: a coclear, relacionada com a audição propriamente dita, e a vestibular, responsável pela regulação do equilíbrio. Os núcleos se distribuem pelo bulbo e ponte. Para o exame da audição, pode-se lançar mão da percepção de palavras sussurradas, do “tic-tac” do relógio, do ruído do atrito de dedos próximo ao pavilhão auricular de cada lado, separadamente. A ausência de audição é chamada anacusia, sua diminuição é conhecida como hipoacusia, e o aumento, hiperacusia. Pode-se usar um diapasão para comparar a condução aérea (colocado próximo ao conduto auditivo externo) e a condução óssea (colocado sobre a mastoide ou sobre o vértice do crânio). Nos casos de hipoacusia/anacusia por defeitos de transmissão das vibrações aos órgãos receptores, tem-se a surdez de condução (com desvio da percepção óssea da vibração do diapasão para o lado lesado), e nas lesões nervosas, tem-se a surdez de percepção (com lateralização da percepção óssea da vibração do diapasão para o lado bom). A condução aérea é melhor que a óssea em casos normais. A hiperacusia pode ocorrer na paralisia facial periférica, em lesões no trajeto intrapetroso do nervo. Zumbidos ou tinidos são manifestações de natureza irritativa que podem preceder ou acompanhar os déficits auditivos. O nervo vestibular é o responsável pela condução de estímulos labirínticos determinados pelas variações da posição da cabeça e pelos deslocamentos do corpo no espaço. Suas lesões se manifestam por sensação de tonturas não- rotatórias ou vertigem (tontura rotatória). Ao exame, pode ser observado nistagmo (movimento rítmico dos globos oculares). O nistagmo pode ser fisiológico (de adaptação, na mirada lateral) ou patológico. A direção pode ser horizontal (fisiológico ou patológico), rotatório, vertical e multidirecional (sendo os três últimos sempre patológicos). Pode-se originar de lesões periféricas (pode ser suprimido por fixação do olhar e não muda de direção) ou centrais (não se modifica por fixação do olhar e pode mudar de direção). NOTA: Durante a marcha em linha reta, o paciente com disfunção vestibular tende a se desviar para o lado do sistema vestibular lesionado. Ao ficar em pé, na posição de sentido, há tendência a queda para o lado lesionado, que é acentuada pela oclusão dos olhos (sinal de Romberg) IX Par – Nervo Glossofaríngeo É um nervo misto, constituído por fibras parassimpáticas (que inervam as glândulas parótidas), fibras motoras (que inervam os músculos da faringe), fibras sensoriais (sensibilidade gustativa do terço posterior da língua, sensibilidade geral da parte posterior do véu palatino, faringe, amígdala e terço posterior da língua) e fibras para osquimiorreceptores no corpo carotídeo e barorreceptores no seio carotídeo. Suas fibras emergem a partir do bulbo. Para examiná-lo, pesquisamos o reflexo faríngeo observando a resposta de contração da musculatura faringeana com ânsia de vômito, quando se estimula a parede posterior da faringe com um toque. Em lesões do glossofaríngeo, ocorre diminuição do reflexo por lesão da via aferente. Pesquisamos em seguida a percepção de gosto no terço posterior da língua. Para isso, usam-se quatro soluções: doce, salgada, ácida e amarga. A abolição da percepção de gosto é chamada ageusia, sua diminuição hipogeusia e a perversão do gosto é a parageusia. Disfagia é a dificuldade de se engolir. X Par – Nervo Vago É um nervo misto. O núcleo se encontra no bulbo. As fibras motoras inervam os músculos do palato mole, faringe e laringe, em conjunto com o glossofaríngeo, relacionando-se com a eferência para a tosse e o vômito. As fibras autonômicas são responsáveis pela inervação parassimpática da árvore traqueobrônquica, miocárdio e maior parte do trato digestivo. As fibras sensoriais relacionam-se à sensibilidade geral da região retroauricular e conduto auditivo externo, mucosa da laringe e porção inferior da faringe, além da sensibilidade gustativa da epiglote. Por fim, fibras inervam os quimiorreceptores no corpo carotídeo e barorreceptores no seio carotídeo, monitorando concentração de oxigênio e pressão arterial. O exame do nervo consiste na observação em repouso e durante a movimentação do véu palatino, que pesquisamos solicitando ao paciente que, com a boca aberta, diga “aaahh”. Se houver paralisia de um dos lados, o véu se desviará, desviando a auréola para o lado oposto à lesão durante a fonação. Há desvio para o lado comprometido na inspeção estática. NOTA: A paralisia da corda vocal de um dos lados, que pode ser vista pelo laringoscópio, determina disfonia. Lesões bilaterais podem determinar disfagia, especialmente para líquido. XI Par – Nervo Acessório Formado por uma raiz bulbar (núcleo ambíguo) e uma raiz espinhal (a partir de filamentos radiculares dos cinco ou seis primeiros segmentos na medula cervical). As fibras que se originam da porção cervical inervam os músculos trapézio e esternocleidomastoideo. Os músculos da laringe são inervados pelas fibras que se originam da raiz bulbar, a partir do nervo laríngeo recorrente, considerado parte do nervo vago (X par). Semiologia: examinar as funções desses músculos. Observar se há atrofias, alterações do tônus, fasciculações. Nas lesões da porção espinhal do nervo, ocorre dificuldade da elevação do ombro (trapézio) e da rotação da cabeça para o lado oposto ao lesado (esternocleidomastoideo). NOTA: Lesões da raiz bulbar ocasionam alterações da fonação e da respiração (rouquidão, voz bitonal, sussurrada, com dispneia e respiração estridulosa). Aumento do tônus com desvio forçado da cabeça pode ser observado em síndromes extrapiramidais (torcicolo espasmódico e distonia de torção). No acidente vascular cerebral (AVC), pode ocorrer discreto déficit de força muscular. XII Par – Nervo Hipoglosso É responsável pela motricidade da língua. As fibras desse nervo se originam do núcleo do hipoglosso, localizado no bulbo. Inicialmente, observa-se a língua em repouso no interior da boca. Verificar se há atrofias (globais ou localizadas), fasciculações (tremor) e desvios. Posteriormente, é solicitado ao paciente que realize movimentos com a língua (protrusão, lateralidade, verticalidade). Pode-se palpar a língua por meio da mucosa bucal para se verificar sua força e tônus. NOTA: Nos pacientes com lesão unilateral do hipoglosso, ocorre atrofia da hemilíngua do lado da lesão e desvio da língua para o lado da lesão quando o paciente a protrui. Fasciculações podem ser observadas em pacientes com doença do neurônio motor (como na esclerose lateral amiotrófica). 2. Implicações clínicas A avaliação dos nervos cranianos é importante para diagnosticar de forma correta, identificar a topografia da lesão, bem como entender o processo de recuperação funcional em diversas patologias neurológicas. Devemos lembrar que são apenas 12 pares de nervos cranianos, mas as suas funções são mais complexas que seu número sugere. TAREFA DE LABORATÓRIO Identifique e diferencie uma Paralisia Facial Central e Periférica Tente observar o padrão de atividade muscular na face de um paciente com Paralisia facial central, decorrente de um AVC, tumor ou trauma, e de um paciente com Paralisia Facial Periférica (Paralisia de Bell). a) Há mudança na simetria facial? Os músculos acometidos são os mesmos nas diferentes situações? b) O paladar está normal em ambas as situações? 3. Referências SIMON, F.; MAREČKOVÁ-ŠTOLCOVÁ, E.; PÁČ, L. On the terminology of cranial nerves. Ann Anat., v. 193, n. 5, p. 447-52, 2011. SPECIALI, J. G. Semiotécnica neurológica. Medicina (Ribeirão Preto. Online), v. 29, n. 1, p. 19-31, 1996. SIMIS, M.; SANVITO, W. L. Nervos cranianos. In: SANVITO, W. L. Propedeutica neurológica básica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. p. 183-222. MACHADO, A. B. M. Nervos cranianos. In: MACHADO, A. B.M. Neuroanatomia funcional. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1993. p. 119-128. BAHER, M.; FROTSCHER, M. Cranial nerves. 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Atualmente, a classificação mais adequada para englobar todas as alterações do tônus muscular está na figura a seguir (Figura 1). Figura 1 – Continuum do tônus muscular Fonte: o autor A hipotonia é a diminuição da resistência muscular ao alongamento passivo, podendo ter origem em lesões do sistema nervoso periférico, área pré-motora, distúrbio cerebelares, fase aguda da maioria das lesões encefálicas e, de origem muscular, nos casos de miopatias (STOKES, 2000). A atonia pode ser definida como ausência de tônus muscular, nos casos de evolução clínica das miopatias e neuropatias, e pode ser encontrada na doença de Oppenheim (atonia muscular congênita). A hipertonia pode ser subdividida em: espasticidade (hipertonia elástica), rigidez muscular (hipertonia plástica) e paratonia (Gegenhalten). 1.1 Espasticidade A espasticidade é um dos distúrbios que acomete doenças do sistema nervoso central, tais como acidente vascular cerebral, paralisia cerebral, esclerose múltipla, lesão medular, entre outros (DIETZ; SINKJAER, 2007). Clinicamente, pode ser definida como a resistência, dependente da velocidade, ao estiramento passivo de um músculo, com reflexos tendíneos exagerados (LANCE, 1990). Os reflexos tendíneos apresentam-se aumentados, afetando predominantemente os músculos antigravitacionais (flexores dos membros superiores e extensores dos membros inferiores), além de ser um componente da síndrome do neurônio motor superior (NMS). A espasticidade deve ser entendida como uma síndrome com diversos sinais/sintomas: além do aumento de tônus muscular podem ocorrer clônus, hiperreflexia (aumento dos reflexos tendíneos) e o sinal de Babinski. A síndrome do NMS refere-se a um conjunto de sinais e sintomas que ocorrem após lesões no córtex, tronco encefálico e/ou de seus axônios descendentes para fazer conexão com os neurônios motoresinferiores e/ou interneurônios no tronco encefálico e/ou medula espinhal (LUNDY-EKMAN, 2007). Essa síndrome caracteriza-se inicialmente por déficits clínicos negativos, relacionados à perda do controle motor voluntário, e posteriormente positivos, relacionados ao aumento da atividade motora involuntária (SHEEN; MCGUIRE, 2009). Quanto maior a rapidez com que o examinador movimenta o membro de um paciente com espasticidade, maior o aumento do tônus muscular, porque o estiramento do músculo com espasticidade resulta em contração reflexa muito vigorosa. Essa maior responsividade ao estiramento muscular é resultado de um aumento do ganho do reflexo miotático e de redução em seu limiar, dependendo da velocidade do estiramento (THILMANN; FELLOWS; GARMS, 1991; DIETZ, 1992). Tabela 1 – Síndrome do neurônio motor superior: sinais positivos e negativos Sinais positivos Sinais negativos Espasticidade Fraqueza muscular (paresias e/ou plegias) Clônus* Diminuição da destreza Hiperreflexia Reações associadas** Espamos flexores e extensores Sinergimos*** Co-contração agonistas e antagonistas Reflexo cutâneo patológico (sinal de Babinski) Fonte: Sheean e Mcguire (2009) *Particularmente, o clônus é definido como contração rítmica mantida quando o músculo é rapidamente estirado e a tensão é mantida, cuja frequência usual é de 5 a 7 Hz (STOKES, 2000). Porém nem sempre o clônus pode ser visto ou sentido, por exemplo, em situações nas quais não há mobilidade articular (rigidez articular). ** A reação associada é um movimento não intencional caracterizado pela atividade involuntária do lado comprometido induzido pelo movimento voluntário do lado menos afetado ou qualquer esforço demasiado (WALSHE, 1923; ADA & O’DWYER, 2001; HWANG et al., 2005). Segundo Bobath (1990), essas reações são as principais responsáveis pelo desenvolvimento de contraturas e deformidades em pacientes neurológicos. Na Figura 2 vemos uma reação associada com aumento do tônus no hemicorpo comprometido durante a execução de um movimento voluntário que exigiu esforço. Neste caso não há compensações, que poderiam ser observadas na ausência da ativação de um músculo específico (por exemplo – ao tentar pegar um copo com membro afetado, devido a pequena ativação de deltóide anterior, o paciente pode ativar excessivamente o trapézio superior). *** Sinergismos: referem-se a padrões de movimentos anormais ou patológicos ou primitivos. Normalmente, ao tentar realizar um movimento uniarticular puro, como uma extensão de punho para iniciar uma preensão, o paciente realiza um movimento em massa, ou seja, estende além do punho, o cotovelo, o ombro e realiza rotação interna de ombro. Existem definidas sinergias flexoras e extensoras de membros superiores e inferiores. Uma das ferramentas para avaliar sinergismos é a escala Fugl-Meyer (FuM), descrita no capítulo 3. Figura 2 – Reação associada em hemicorpo esquerdo Fonte: o autor NOTA: É importante destacar a diferença entre reação associada e movimento associado. Este último pode acontecer na ausência de qualquer doença neurológica. Pessoas saudáveis durante a execução de tarefa mais elaboras e que exige habilidade podem apresentar movimentos associadas, como por exemplo, abrir a boca ao passar rímel ou fazer caretas enquanto desenha. CASO CLÍNICO: Paciente com diagnóstico de AVC, hemiplégico à esquerda com padrão de MS: adução e rotação interna de úmero, flexão do cotovelo, pronação de antebraço com flexão de dedos. Para MI: pelve inclinada anteriormente e para baixo do lado esquerdo, quadril e joelhos semifletidos, tornozelo em flexão plantar. Avaliação: MS Esquerdo: presença de espasticidade em padrão flexor, reflexos tendíneos aumentados. MI Esquerdo: presença de espasticidade extensora leve, reflexos tendíneos aumentados. Obs.: Para se testar o tônus, foram realizados: movimentos passivos rápidos e ativos em MMSS e MMII, paciente apresentou sinergia flexora em membro superior e extensora em membro inferior e um movimento não harmonioso em hemicorpo esquerdo. 1.2 Rigidez muscular É um a resistência a movimentos passivos lentos ou rápidos, em todo o arco do movimento. Os reflexos tendíneos são normais. São características das perturbações funcionais dos núcleos da base, como por exemplo, a doença de Parkinson (STOKES, 2000). Espasticidade Padrão de Compro-metimento Muscular mais comum Flexores dos membros superiores, extensores dos MMII. Natureza do Tônus Aumento do tônus dependente da velocidade. Reflexos Tendíneos Aumentados. Fisiopatologia Perda ou diminuição da inibição central. Sinal do NMS (trato córtico-espinhal unilateral). Quadro 1 – Comparação Entre Espasticidade e Rigidez Fonte: os autores ¹ A rigidez de decorticação (postura flexora) acontece em lesões bilaterais do trato córtico-espinhal acima do núcleo rubro do mesencéfalo, em que o paciente apresentará postura flexora de membros superiores e extensora de membros inferiores devido à alteração funcional das vias involuntárias. ² A rigidez de descerebração (postura extensora) acontece em lesões bilaterais do trato córtico-espinhal abaixo do núcleo rubro do mesencéfalo, em que o paciente apresentará postura de extensão de membros superiores e inferiores devido à alteração funcional das vias involuntárias. CASO CLÍNICO: Paciente com diagnóstico de doença de Parkinson apresentando tremor rítmico de mão e punho. Descreve sua dificuldade como rigidez e não fraqueza. Há resistência aos movimentos passivos dos membros superiores, inferiores, cabeça e tronco, mais acentuada à direita. A rigidez persiste durante toda amplitude de movimento, independentemente da velocidade avaliada. Essa rigidez dificulta as atividades do dia a dia, como rolar na cama, transição do sentado para em pé, e gera marcha em bloco, com passos curtos. 1.3 Paratonia (Gegenhalten) Alguns pacientes idosos acham difícil “relaxar” os membros durante o exame. Ao tentar examinar o tônus, os pacientes parecem resistir ao movimento voluntariamente, mas são incapazes de evitá-lo e, portanto, não se caracteriza uma resistência voluntária (ADAMS; VICTOR, 1989). A paratonia pode ser avaliada elevando os membros superiores do paciente à 90 graus com o examinador segurando nas duas mãos. Em seguida, pede-se para o paciente relaxar e o examinador solta bruscamente o apoio das mãos. Em casos de paratonia os membros superiores ficarão suspensos, e em caso negativo cairão devido ao relaxamento. Pode ser causada por lesão nos lobos frontais, AVC ou doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer, podendo vir acompanhada de déficit cognitivo e reflexos primitivos (STOKES, 2000). 2. Como avaliar o tônus muscular? Na prática, avalia-se o tônus muscular das seguintes maneiras: Segura-se um membro relaxado do paciente e tenta-se movê- lopassivamente, observando-se a quantidade de esforços necessários para superar a resistência – o tônus muscular. O terapeuta pode observar como um membro responde a uma agitação ou a ser solto subitamente: quanto maior a resistência ao movimento, maior o tônus muscular. Observa-se o movimento ativo do paciente: pode estar difícil de realizar, com compensações (hipertonia associada à presença de movimentos compensatórios); pode realizar um movimento estereotipado (sinergia); pode ainda acontecer um movimento “exagerado, solto, sem controle” nos pacientes hipotônicos. NOTA: Numerosos fatores não-neurais também podem influenciar no tônus muscular, tais como: idade, estado emocional, prática de atividade física, fatores biomecânicos, estado nutricional e hormonal, e fatores ambientais diversos. 2.1 Medidas objetivas para avaliação do tônus muscular por meio de escalas Escala de Ashworth modificada A escala de Ashworth foi originalmente desenvolvida para avaliação de membros inferiores e consiste em cinco pontos para a graduação da resistência encontrada durante o alongamento passivo, com 0 correspondendo a um tônus normal e 4 a um severo aumento do tônus, mostrando que a articulação se encontra rígida. Paraavaliar a articulação do cotovelo em pacientes hemiplégicos e objetivando tornar a escala mais sensível a mudanças, houve modificação da escala, acrescentando o grau 1+ (BOHANON; SMITH, 1987) (Tabela 2). Tabela 2 – Escala de Ashworth modificada Classificação Descrição 0 Tônus Muscular normal 1 Discreto aumento do tônus muscular, manifestado por contração e relaxamento ou por resistência mínima no final do arco de movimento. 1+ Discreto aumento do tônus muscular, manifestado por contração associado a uma resistência mínima durante o restante da ADM (menos da metade). 2 Aumento mais acentuado do tônus muscular durante a maior parte da ADM, porém o segmento é movido facilmente. 3 Aumento considerável do tônus muscular, o movimento passivo é realizado com dificuldade. 4 O segmento afetado está rígido em flexão ou extensão. Fonte: Bohannon e Smith (1987) A escala deve ser avaliada com o examinador movendo passivamente o membro do paciente e estimar a resistência encontrada de acordo com os números ou graus estabelecidos. É uma escala rápida, simples e não requer equipamentos específicos. Entretanto possui limitações, tais como falta de padronização e experiência do examinador, pois a velocidade de estiramento nem sempre é a mesma, e não mensura a resposta reflexa velocidade dependente, mas a resistência ao alongamento passivo. Escala de Tardieu A escala de Tardieu mede o aumento dependente da velocidade do tônus muscular, e compara a intensidade do tônus em três diferentes velocidades de movimento. A intensidade do tônus muscular é pontuada em uma escala de cinco pontos, em que clônus está definido como sendo o mais alto nível de espasticidade (ANSARI et al., 2008). Tabela 3 – Escala de Tardieu: intensidade do tônus muscular Classificação Descrição 0 Nenhuma resistência no decorrer do movimento passivo 1 Uma ligeira resistência ao longo do curso do movimento passivo, sem precisão do ângulo específico. 2 Clara rigidez em um ângulo específico, interrompendo o estiramento, seguido por relaxamento. 3 Clônus fatigável que dura menos de 10 segundos, e que aparece em um ângulo específico, enquanto o avaliador está mantendo a pressão. 4 Clônus não fatigável que dura mais de ١٠ segundos, e que aparece em um ângulo específico enquanto o avaliador está mantendo a pressão. 5 A articulação está imóvel Fonte: Ansari et al. (2008) Escala de espasmos musculares Escalas de avaliação de automatismos medulares que mede a frequência dos espasmos dos membros inferiores, de acordo com sua frequência por hora (Escala de Penn) ou por comprometimento funcional (Escala de Lyon Université). Tabela 4 – Escala de espasmos musculares (Escala de Penn) Classificação Descrição 0 Sem espasmos 1 Espasmos induzidos por estímulos vigorosos 2 Espasmos espontâneos: <1/hora 3 Espasmos espontâneos: 1-10/hora 4 Espasmos espontâneos: >10/hora Fonte: Penn et al. (1989) Tabela 4 – Escala de espasmos musculares (Escala de Lyon Université) Classificação Descrição 0 ausência de automatismos; 1 automatismos infrequentes ou mínima intensidade desencadeados por movimentos, não alteram postura nem função; 2 automatismos frequentes ou moderada intensidade, espontâneos, ou frente a movimentos, não prejudicam postura, nem função; 3 automatismos muito frequentes ou grande intensidade que prejudicam postura e despertam à noite; 4 automatismos constante que impossibilitam a postura correta. Fonte: Millet (1981, p. 76-85) 2.2 Medidas neurofisiológicas de avaliação do tônus muscular Os métodos neurofisiológicos basicamente envolvem medidas de excitabilidade dos motoneurônios alfa e incluem o reflexo H, e as ondas F. O reflexo H é captado por meio da estimulação elétrica das fibras Ia de um nervo periférico e a resposta reflexa em um músculo inervado pelo mesmo. O reflexo H é facilmente mensurado no músculo sóleo por meio da estimulação do nervo tibial e registro da contração muscular pela eletromiografia (KANDE et al., 2000) As ondas F são geradas pela despolarização antidrômica dos motoneurônios por estímulos supramáximos, sendo o ponto de estímulo o nervo mais distal (DUMITRU, 1995; PINTO, 1996; KIMURA, 2001). A região da cabeça da fíbula é o local de estímulos para obtenções bilaterais das ondas F (pelo menos duas séries de ١٦ estímulos cada), determinando-se a persistência (ocorrências de ondas F em um total de ١٦ estímulos, transformando-se em %) e latências dos estímulos aplicados. Estudos normativos prévios definiram persistência de F aumentada quando os valores forem maiores ou iguais a 90%, indicando hiperexcitabilidade do neurônio motor alfa; Persistências de F diminuídas quando os valores forem menores ou iguais a 50%, indicando hipoexcitabilidade. (A) (B) Figura 1 – (A) Exemplo de ondas F diminuídas (Pode-se observar que dos 16 estímulos aplicados, em 2 deles as ondas F estão presentes, indicando uma persistência de 18,7%). (B) Exemplos de persistências de ondas F aumentadas na espasticidade (Pode-se observar que dos 16 estímulos aplicados, em 14 deles as ondas F estão presentes, indicando uma persistência de 87) Fonte: o autor Diversos autores relataram alterações das ondas F em doenças do sistema nervoso central e concluíram, após revisão de literatura, que as ondas F podem desaparecer na fase aguda, e persistir na fase crônica com o aparecimento da espasticidade, sendo que essas anormalidades são correlacionadas com a gravidade da lesão e o prognóstico motor (MESRATI; VECCHIERINI, 2004). Também há associação entre condição clínica e alterações das ondas F na fase aguda do Acidente Vascular Cerebral, e observou-se que a persistência das ondas F é significativamente reduzida no lado parético (LUVIZUTTO et al., 2016). Na fase aguda do AVC, as ondas F podem estar ausentes devido à hiperpolarização de neurônios motores espinhais; no entanto, na fase tardia, muitos autores relatam que as ondas F são aumentadas (100%) devido ao aumento da excitabilidade do sistema nervoso central e desinibição das vias descendentes supraespinhais. 2.3 Medidas biomecânicas de avaliação do tônus muscular Modelos biomecânicos são utilizados para mensurar os fatores não neurais que influenciam o tônus muscular, tais como rigidez articular, viscoelasticidade do músculo, ou a resistência ao estiramento passivo, expressando-a como força ou torque enquanto um dispositivo mecânico desloca o membro. Existem alguns equipamentos para sua mensuração, entre eles, os dinamômetros isocinéticos (SCHMIT; DEWALD; RYMER, 1999) e motores de acionamento (PISANO et al. 2000). A vantagem desses equipamentos é a padronização da velocidade e amplitude aplicada para evocar o reflexo de estiramento. Uma maneira alternativa para avaliar quantitativamente a espasticidade, em concordância com a definição de Lance (1990), e considerando prioritariamente os aspectos neurais de sua fisiopatologia, é utilizar o limiar do reflexo de estiramento tônico (LRET). A medida do LRET é realizada indiretamente por meio da execução de vários reflexos de estiramentos em diferentes velocidades, os quais são expressos em coordenadas de ângulo e velocidade, representando o ângulo articular em que os motoneurônios e os respectivos músculos da articulação estão sendo recrutados em uma dada velocidade. O ponto em que a atividade muscular reflexa se inicia para uma dada velocidade de estiramento e seu respectivo ângulo caracteriza o limiar do reflexo de estiramento dinâmico (LRED), que é expresso em termos de coordenadas do ângulo e da velocidade (MARQUES et al., 2017). Figura 3 – Medida do LRET do músculo bíceps braquial Fonte: MARQUES, I. A.; SILVA, M. B.; SILVA, A. N.; LUIZ, L. M. D.; SOARES, A. B.; NAVES, E. L. M. Measurement of post-stroke spasticity based on tonic stretch reflex threshold: implications of stretch velocity for clinical practice. Disabil Rehabil., 2, p. 1-7, 2017 3. Implicações clínicas O tônus normal é necessário para que o indivíduo tenha um controle motor normal e adequado nas situações do cotidiano. Em situações emque há aumento ou diminuição do tônus, este pode interferir positivamente ou negativamente na função. Portanto, quando este interfere na função, deve ser avaliado de maneira cuidadosa e objetiva para que o profissional possa indicar a melhor conduta. TAREFA DE LABORATÓRIO Chame um colega seu e avalie seu tônus, primeiro observando seus movimentos ativos. Qual sua hipótese? Agora, faça movimentação passiva em seus MMSS e MMII. Qual sua hipótese? Peça para ele esticar o braço à frente e depois manter a perna elevada. Você acha que mudou algo? Agora, fugindo do tônus normal, procure pacientes com espasticidade, rigidez muscular e hipotonia. Faça os mesmos testes e registre suas observações. 4. Referências ADA, L.; O’DWYER, N. Do associated reactions in the upper limb after stroke contribute to contracture formation? Clinical Rehabilitation., v. 15, n. 2, p. 186– 194, 2001. ANSARI, N. N.; NAGHDI, S.; HASSON, S.; AZARSA, M. H.; AZARNIA, S. The Modified Tardieu Scale for the measurement of elbow flexor spasticity in adult patients with hemiplegia. Brain Inj., v. 22, n. 13-14, p. 1007-1012, 2008. BOHANNON, R. W.; SMITH, M. B. Interrater reliability of a modified Ashworth scale of muscle spasticity. Phys Ther, v. 67, n. 2, p. 206-207, 1987. BRUST, J. C. M. A prática da neurociência. 1. ed. Rio de Janeiro: Reichman e Affonso, 2000. p. 300. DIETZ, V.; SINKJAER, T. Spastic movement disorder: impaired reflex function and altered muscle mechanics. Lancet Neurol., v. 6, n. 8, p. 725-33, 2007. DIETZ, V. Human neuronal control of automatic functional movements: interaction between central programs and afferent input. 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A substância cinzenta da medula é a área de integração para os reflexos espinhais e outras funções motoras. Segundo Kandel (2000) e Lent (2002), os sinais sensoriais entram na medula quase exclusivamente pelas raízes sensoriais (posteriores). Após a entrada na medula, todos os sinais sensoriais seguem dois caminhos distintos: 1) um ramo do nervo sensorial termina na substância cinzenta da medula, originando reflexos segmentares locais e outros efeitos; 2) outro ramo transmite sinais para níveis mais elevados do sistema nervoso central, níveis estes localizados na própria medula, no tronco cerebral ou mesmo no córtex cerebral. 1.1 Reflexo miotático Apenas para exemplificar a neurofisiologia dos arcos reflexos, exemplificaremos a ação do reflexo miotático (fuso muscular), lembrando que este raciocínio pode ser empregado aos demais reflexos. De acordo com Kandel (2000), o reflexo miotático é monossináptico. O receptor do reflexo monossináptico é formado pela terminação primária do fuso neuromuscular, sensível ao estiramento. Assim, o reflexo de estiramento é produzido por um circuito de dois neurônios, consistindo em um mesmo conjunto de conexões sinápticas entre o aferente Ia e os neurônios motores alfa. As fibras aferentes do grupo Ia do fuso muscular entram na medula espinhal pelas raízes dorsais e após excitam os neurônios motores que inervam o músculo homônimo e também aqueles que inervam músculos sinérgicos (músculos que atuam sobre a mesma articulação com ação mecânica semelhante). O funcionamento do receptor fusal é submetido a uma regulação: uma fibra muscular, presente dentro de um fuso, aumenta a excitabilidade deste por sua contração, diminuindo-a por seu relaxamento. Tal fibra muscular intrafusal está inervada por neurônios gama, situados na vizinhança dos neurônios alfa do corno anterior da medula (Figura 1). A alça gama exerce uma influência preponderante sobre o nível de excitabilidade dos neurônios alfa (KANDEL, 2000; LENT, 2002). O reflexo miotático e a alça de regulação gama constituem a base da atividade permanente das unidades motoras responsáveis pelo tônus muscular. Figura 1 – Coativação alfa-gama. Os motoneurônios medulares são modulados por: Interneurônios, vias descendentes (tronco encefálico e do córtex motor) e Vias aferentes periféricas (somestésicas). Fonte: o autor NOTA: Todo reflexo tem uma ação no seu músculo antagonista. O reflexo miotático (fuso muscular) gera contração do agonista e relaxamentodo antagonista. “... o reflexo miotático reverso (órgão tendinoso de golgi) gera relaxamento do agonista e facilita a contração do antagonista. Isto ocorre devido a inervação/ inibição reciproca. 2. Semiologia dos Reflexos O exame dos reflexos não é somente uma exploração dos elementos aferentes e eferentes do arco reflexo, mas também um teste que avalia em um determinado momento a reatividade do sistema nervoso no seu conjunto. Devem ser testados bilateralmente. 2.1 Reflexos Profundos (Tendinosos) De acordo com Henriques (1986), os reflexos profundos são examinados por meio de percussão sobre os tendões dos músculos que se quer examinar. A resposta é avaliada pela contração do músculo com ou sem deslocamento articular. O reflexo é facilitado por um relaxamento suficiente do músculo explorado, que se obtém distraindo-se a atenção do paciente ou por meio da Manobra de Jendrassik, solicitando ao paciente realizar uma contração vigorosa com os dedos das mãos entrelaçados. Os reflexos profundos podem ser classificados em um continuum (Figura 2): Figura 2 – Continuum do reflexo profundo Fonte: os autores * Dentro do espectro de normorreflexia é importante lembrar da variabilidade individual. O indivíduo pode estar próximo da hiporreflexia ou da hiperreflexia, sendo este último conhecido como reflexo vivo (maior amplitude de resposta). NOTA 1: A arreflexia/hiporreflexia pode resultar de um acometimento dos neurônios efetores na coluna anterior da medula espinhal (exemplo, poliomielite), lesão na raiz anterior (exemplo, lesão de plexo braquial) e/ou lesão de nervo periférico (exemplo, polineuropatia diabética). Os reflexos podem estar reduzidos em fase aguda de lesão medular ou casos de lesão acima da medula, tais como, lesões cerebelares ou fase aguda de lesões corticais (CAMBIER, 1999). NOTA 2: A exacerbação dos reflexos tendinosos (hiperreflexia) manifesta-se por sua vivacidade, forma súbita (velocidade dependente) e/ou amplitude excessiva da resposta (CAMBIER, 1999). A hiperreflexia sempre está relacionada a lesões do sistema nervoso central (lesões medulares acima do nível L2, lesões da via córtico-espinhal e outras áreas motoras). De acordo com Campbell (2005), os principais reflexos profundos que devemos examinar são os seguintes: •Reflexo masseterino Manobra: percussão sobre o queixo ou sobre o polegar apoiado no queixo do paciente, que mantém a boca entreaberta. Resposta: fechamento da boca por contração dos masseteres. Nível: ponte. •Reflexo bicipital Manobra: percussão sobre o polegar apoiado no tendão do bíceps na prega do cotovelo, estando o antebraço em semiflexão sobre o braço e a mão em supinação. Resposta: flexão do antebraço. Nível: C5 e C6. •Reflexo estilo-radial Manobra: percussão sobre apófise estiloide do rádio, com o antebraço semifletido e a mão em semipronação. Resposta: contração do braquioradial e flexão do antebraço. Nível: C6. •Reflexo tricipital Manobra: percussão sobre o tendão do tríceps com o antebraço em flexão. Resposta: extensão do antebraço. Nível: C7. •Reflexo cúbito-pronador Manobra: percussão sobre a apófise estiloide do cúbito, com o antebraço em semiflexão e semipronação. Resposta: pronação da mão. Nível: C8. •Reflexo dos flexores dos dedos da mão Manobra: percussão dos tendões dos flexores sobre o canal da carpo, estando o antebraço e os dedos semifletidos, ou percussão sobre os dedos indicador e médio (do examinador) apoiados na superfície palmar das últimas falanges dos dedos (do paciente) colocados em semiflexão (Wartenberg). Resposta: flexão dos dedos. Nível C8. •Reflexo patelar Manobra: percussão do tendão patelar com a perna em semiflexão. Resposta: extensão da perna. Nível: L2, L3 e L4. •Reflexo aquileu Manobra: percussão do tendão de Aquiles com o pé em ligeira flexão dorsal. Resposta: flexão plantar. Nível: L5, S1 e S2. Quadro 1 – Principais reflexos profundos Fonte: adaptado de Campbell (2005) 2.2 Reflexos Superficiais (Cutâneos) Os reflexos superficiais ou cutâneos são nociceptivos, polissinápticos, e são examinados estimulando a pele de certas regiões para se obter contrações musculares reflexas (DÉJERINE, 1914; SANVITO, 1997). Os principais reflexos superficiais são: Cutâneos abdominais, obtidos com o estímulo sobre a pele do abdome. Em resposta, temos a contração dos retos abdominais, com desvio da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Em número de três (superior, médio e inferior), têm como níveis, respectivamente, T7 e T8, T9 e T10, T11 e T12. Cremastérico, obtido aplicando-se o estímulo de baixo para cima e de dentro para fora, na parte interna do terço superior da coxa. Em resposta, temos a contração do cremaster e a consequente retração do testículo homolateral, para cima. Nível: L1. Cutâneo plantar, obtido aplicando-se o estímulo na planta do pé, pela sua borda externa, de trás para diante, lentamente, e exercendo pressão moderada. Observa-se em resposta a flexão plantar dos dedos do pé. Níveis: S1 e S2. A inversão da resposta do reflexo plantar, ou seja, a hiperextensão do hálux com abertura dos demais artelhos em leque, constitui o sinal de Babinski. Esse sinal é patológico e indica lesão da via córtico-espinhal, assim como a abolição dos reflexos cutâneos abdominais e cremastéricos. Vale ressaltar que o termo Babinski só deve ser utilizado a partir de 1 ano de idade. Antes dessa idade a resposta é visualmente igual ao Babinski, mas é denominada cutâneo-plantar em extensão devido a não mielinização completa do trato córtico-espinhal. NOTA: Os reflexos de defesa são observados nas lesões severas que alteram o controle exercido por essas vias: consistem na tríplice flexão do membro inferior estimulado (reflexo de retirada), com extensão dos membros inferiores contralaterais (extensão cruzada). Numerosos estímulos, não necessariamente nociceptivos, podem ser eficazes para se observar a resposta. Exemplo: Em alguns casos, quando o paciente está na posição supina, e realiza a ‘ponte’ (extensão dos quadris com joelhos fletidos), pode perder o controle e desabar o quadril na maca, pois ao flexionar a perna sadia, a afetada entra em extensão total devido ao reflexo extensor cruzado. 2.3 Reflexos Tônicos O neuroeixo se organiza em vários níveis de integração reflexa, sendo eles: o nível espinhal, onde se encontram os reflexos medulares, o nível tronco encefálico (Ponte–Bulbo), onde estão os circuitos dos reflexos tônicos (RTCA, RTL, RTCS etc.), o nível mesencefálico, onde se integram as reações de retificação ou endireitamento (SHERRINGTON, 1906; 1909; 1915; WARNER; OLMSTED, 1923). Esses reflexos tendem a se integrar dentro do primeiro ano de desenvolvimento. O atraso nesta integração, a não integração, ou ainda o reaparecimento desses reflexos após uma lesão central pode influenciar no comportamento motor (BOBATH, 1990). A seguir, estão relacionados os principais reflexos tônicos: Reflexo Tônico Cervical Assimétrico (esgrimista/RTCA): é uma resposta proprioceptiva obtida dos músculos e articulações do pescoço. Ao rodar a cabeça para um lado, haverá aumento da hipertonia extensora no lado para qual a cabeça foi girada (o lado facial) e da hipertonia flexora no lado oposto (lado occipital) (O’NEILL, 1946). Exemplo: Para facilitar a extensão do braço, o paciente roda a cabeça para o lado afetado. Se a influência do reflexo for muito intensa, e o paciente tiver um repertório de movimento voluntário pequeno, sem o uso deste reflexo, ele pode não conseguir realizar o movimento. Reflexo Tônico Cervical Simétrico (RTCS): também é uma resposta evocada pelos proprioceptores dos músculos do pescoço por um movimento ativo ou passivo de extensão ou flexão da cabeça. A extensão da cabeça produz aumento da hipertonia extensora nos membros superiores e hipertonia flexora nos membros inferiores. A flexão da cabeça produz efeito oposto. Para facilitar o entendimento, lembre-se de um gato bebendo leite (flexão dos membros anteriores e extensão dos posteriores) e um gato olhando a lua (extensão dos membrosanteriores e flexão dos posteriores). Exemplo: Quando um paciente hemiplégico realiza marcha, ele pode manter seu pescoço fletido com os olhos fixos no chão. Com isso, terá aumento do tônus extensor do membro inferior, por ação do RTCS; o joelho hiperestende, o pé realiza flexão plantar e o quadril vai para trás durante a fase de apoio, tendo dificuldade de iniciar a fase de balanço (impulsão). Reflexo Tônico Labiríntico (RTL): é um reflexo anormal evocado por mudanças na posição da cabeça no espaço, que estimulam os órgãos otolíticos do sistema vestibular. Na posição supina o paciente apresenta hipertonia extensora máxima e em prono, hipertonia flexora. Na maioria dos pacientes quadriplégicos/tetraplégicos, tanto os espásticos como atetoides, possuem grandes dificuldades em iniciar qualquer movimento contra a gravidade, em supino ou prono, devido a este reflexo (SHERRINGTON, 1915). Exemplo: Paciente na cadeira de rodas, ao estender o pescoço ocorre extensão de todo corpo e pode escorregar da mesma. Reflexo Positivo de Suporte: é uma reação após um estímulo exteroceptivo da pele dos artelhos e do antepé, muitas vezes provocado quando estes tocam o chão. Segue-se um estímulo proprioceptivo, devido ao estiramento dos músculos interósseos do pé causado pela pressão sobre o antepé. O tônus extensor em todo o membro é aumentado, transformando-o em um rígido pilar de co-contração para sustentação do peso. Esse reflexo é precursor para ficar em pé e andar. Exemplo: Na fase de apoio da marcha, o antepé do paciente hemiplégico espástico pode entrar em contato com o chão primeiro, aumentando o tônus extensor em todo o membro, o que dificulta a manutenção sobre o calcanhar na fase de sustentação do peso. 2.4 Reações de endireitamento As reações de endireitamento (ou retificação) se desenvolvem para auxiliar o indivíduo a se orientar a partir de informações visuais, vestibulares e proprioceptivas. A partir do momento em que os reflexos tônicos começam a ser inibidos, as reações de endireitamento vão surgindo, permitindo que o indivíduo assuma posturas mais avançadas. A partir de então, os movimentos voluntários mais habilidosos vão sendo possíveis. O detalhamento das reações está descrito no capítulo 13. De modo geral, pode-se assumir a seguinte sequência para o aparecimento dos reflexos/reações no decorrer do desenvolvimento normal ou frente a uma lesão quando adulto: DESENVOLVIMENTO TÍPICO: Reflexos tônicos = experiência → integrados (quando aparecem movimentos menos estereotipados) → aparecem as reações → as reações se aperfeiçoam → surge o movimento voluntário habilidoso com as reações nele embutidas. INDIVÍDUO ADULTO SAUDÁVEL → LESÃO → reaparecem reflexos tônicos (podem ou não interferir com o movimento), há hipofunção das reações de endireitamento. DESENVOLVIMENTO ATÍPICO (Ex.: Paralisia Cerebral) → reflexos tônicos não são integrados, reações de endireitamento não se desenvolvem adequadamente → movimento voluntário impreciso. 3. Implicações clínicas No indivíduo saudável, espera-se que os reflexos profundos e superficiais estejam normais, com ausência dos reflexos tônicos. Quando há lesão neurológica, há exacerbação ou redução dos reflexos profundos, alterações dos reflexos superficiais e reaparecimento dos reflexos tônicos. TAREFA DE LABORATÓRIO Testando seus reflexos Para essa tarefa, você vai precisar de: uma maca ou cama, um objeto e três indivíduos. Modo de preparo: - No primeiro indivíduo, que seria uma criança de até 2 anos de idade, teste se ele tem RTCA. Quando deitado, chame a atenção dele com algum brinquedo e observe a posição da cabeça e sua relação com os MMSS e MMII. Depois, faça os testes das reações de endireitamento (capítulo 13). - No segundo indivíduo, que pode ser um jovem saudável, averigue se tem RTCA, testando o tônus passivamente quando sua cabeça está em posição neutra, depois quando olha para o lado D e para o E. Teste nele as reações de endireitamento, apenas observando seu rolar e sua simetria. Aproveite e teste os reflexos superficiais e profundos. - No terceiro indivíduo, com alguma lesão ou doença cerebral (que deixe como sequela a hemiparesia), faça os mesmos testes, como citado para o segundo indivíduo. Teste os reflexos profundos e superficiais, comparando os hemicorpos. Duração da tarefa: depende da sua experiência. Rendimento: três avaliações bem-sucedidas. 4. Referências BOBATH, B. Hemiplegia no Adulto: avaliação e tratamento. 1. ed. São Paulo: Manole, 1990. BROCK, S.; WECHSLER, I. S. Loss of the Righting Reflex in Man. Arch. Neurol. & Psychiat., v. 17, n. 12, 1927. CAMPBELL, W. W. De Jongás neurological examination. 6. ed. Philadelphia: Lippincott, 2005. DÉJERINE, J. J. Sémiologie des affections du système nerveux. 1. ed. Paris: Masson, 1914. p. 167-183. KANDEL, E.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Fundamentos da Neurociência e do comportamento. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. LENT, R. Cem Bilhões De Neurônios. São Paulo: Atheneu, 2002. O’NEILL, H. 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Introdução Motilidade ativa refere-se à avaliação da movimentação voluntária, ao estudo da força, à investigação das paralisias. No início do exame, solicita-se ao paciente que realize os diversos movimentos de todas as articulações, globalmente, e em seguida os movimentos mais finos, das extremidades. Depois, avalia-se a força (deve ser comparado sempre com região simétrica); o examinador somente resiste aos movimentos que o paciente realiza (O’ SULLIVAN; SCHMITZ, 2010). Os músculos precisam de atividade suficiente para gerar força para a ação. É importante ter o comprimento adequado e estar em conformidade tanto do músculo como dos tecidos moles, para que haja amplitude articular para alcançar os componentes do movimento funcional requisitado. Para otimizar o comprimento do músculo, é necessário incorporar a complexa relação dos componentes de estabilidade e mobilidade para a função (MAYSTON, 2001). O Quadro 1 auxilia na visão geral da avaliação de força muscular em pacientes neurológicos. Áreas de disfunção Exame motor - Regiões corticais e subcorticais Exame motor por segmentos comparativos a) Distal, Intermédio e Proximal* b) Grupos musculares* (flexores, extensores, abdutores, etc) c) Funções específicas - Medula espinhal Avaliação por miótomos (C5 a T1 de membro superior; L2 a S1 de membro inferior) Respostas (Kendall et al. 2007): Grau 0 = ausência de contração muscular; Grau - Nervos periféricos Músculos inervados pelo nervo periférico Respostas: seguir classificação de Kendall (2007). Quadro 1 – Exame motor nos diferentes distúrbios do sistema nervoso Fonte: o autor * Devemos ter cuidado ao pontuar a força muscular com a escala de Kendall (2007) em lesões corticais ou subcorticais devido a influência do tônus ou reflexos tônicos no movimento voluntário, principalmente em posturas anti- gravitacionais. NOTA: Objetivamente, a força muscular pode também ser mensurada por meio do Teste do Esfigmomanômetro Modificado (TEM). Para a realização do TEM, o esfigmomanômetro aneroide deve ser insufladoa 100 mmHg e logo após ser reduzida até 20 mmHg, mantendo a válvula fechada. Em seguida, deve-se aferir a força muscular isométrica durante 5 segundos com constante estímulo verbal. O valor da força muscular será determinado pela leitura em mmHg no manômetro. O posicionamento do indivíduo, do segmento, do esfigmomanômetro e estabilização para cada grupo muscular está descrito na dissertação de BENFICA (2017) e FARIA et al. (2018). 2. Visão funcional do exame de força muscular Para determinar se há algum movimento anormal, compensações ou fraqueza muscular, devemos observar o paciente realizar uma determinada tarefa, em um ambiente controlado inicialmente com contensão dos graus de liberdade, e evoluir gradativamente. Devemos orientar a avaliação em tarefas funcionais dentro de um contexto relevante, por exemplo: uma senhora, 71 anos, com diagnóstico de Parkinson, apresenta dificuldade para manusear objetos e estender a roupa. Após criar hipóteses, o profissional deve investigar se as hipóteses estão corretas com uso de atividades funcionais para o membro superior e, durante as atividades, observar potenciais problemas na execução (AKERMAN, 2008; CARR; SHEPHERD, 2008). Em todo movimento funcional existe um ponto de estabilidade e outro de movimento, sendo que em cada avaliação funcional de tronco e membros devemos nos preocupar com essas questões. NOTA 1: Ao realizarmos a “ponte”, devemos observar que os movimentos executados pelo paciente estão no quadril e tornozelo (extensão de quadril e dorsiflexão), sendo que eles ocorrem em pontos de apoio importantes: os pés (base de suporte) e o tronco superior. Se o paciente apresentar quaisquer problemas na base de suporte (pés equinos) ou instabilidade de tronco superior, irá afetar diretamente a extensão do quadril para execução da ponte. A seguir, apresentaremos as principais tarefas para avaliação da motilidade e força muscular funcional, divididos em atividades de alcance, preensão e soltura, trocas posturais, funcionalidade do tronco, transição sentado para em pé e marcha. As deficiências comuns nas doenças do SNC e SNP incluem: paresia, perda de movimento fracionado, tônus muscular anormal, incoordenação motora e/ou alterações somatossensoriais, perceptuais ou cognitivas. No conceito de motilidade e força muscular, devemos avaliar de maneira qualitativa em situações funcionais. A seguir, vamos descrever as principais funções e quais os requisitos de avaliação (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010): Atividades de alcance Ao realizar alcance em um objeto específico, devemos observar o membro superior em direção a um alvo numa distância menor que o comprimento total do membro e questionar: Quais pontos de estabilidade? O tronco e a escápula estão oferecendo todo suporte para movimentação do membro superior? Os movimentos ocorreram de maneira simétrica, sem fracionamentos e com força suficiente para movimentar o membro em direção ao alvo? Os componentes neurais para o alcance normal possuem importantes processos a serem destacados (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010): (a) controle do movimento de antecipação por meio de mecanismos de feedback (reconhecer erros por meio de informações sensoriais) e feedfoward (planejar ou replanejar a ação); (b) localização do alvo por meio da coordenação olho-cabeça-tronco; (c) sustentação postural (durante toda a atividade do membro superior, o tronco, pelve e cabeça devem permanecer estáveis dinamicamente, a fim de fornecer o substrato biomecânico adequado para ação do membro superior); (d) fase de transporte do membro (aceleração e desaceleração até chegar ao alvo); (e) fase de preensão. Aspectos motores do alcance incluem tônus e força muscular e coordenação apropriados. Mais especificamente, isso envolve a ativação apropriada dos músculos para estabilizar a escápula, a caixa torácica e cabeça do úmero durante os movimentos de alcance do membro superior e a ativação dos músculos da articulação do ombro, do cotovelo e do punho para transportar o braço (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010). Quando o indivíduo movimenta o membro superior em direção a um alvo, observamos que o agonista principal da ação é o músculo deltoide anterior, seguida pela ativação do tríceps braquial (compensada pela atividade antagonista do bíceps braquial), até a abertura das mãos e dedos e flexão e extensão de punho para direcionar o membro de maneira simétrica ao alvo. A maioria dos estudos relacionados ao controle motor relata que esse tipo de movimento é caracterizado por um padrão trifásico na eletromiografia, que consiste em um burst de atividade do músculo agonista, seguido por um burst antagonista e por fim por um segundo burst agonista. O primeiro burst agonista é responsável pelo início e aceleração do movimento até o alvo, em contraposição, o burst antagonista aparece para desacelerar o movimento sobre a posição desejada. A função do segundo burst é estabilizar o movimento, dissipando o excesso de energia do sistema após atingir o alvo (HALLETT; SHAHANI; YOUNG, 1975; LESTIENNE, 1979; LESTIENNE; POLIT; BIZZI, 1981). Funcionalmente, o alcance é responsável pela maioria das atividades de vida diária. Abaixo podemos observar algumas compensações por fraqueza muscular durante o alcance em pacientes neurológicos (Figura 1): Figura 1 – (A) Alcance de membro superior normal; (B) Alcance do membro superior com compensação de flexão de tronco; (C) Alcance do membro superior com compensação de trapézio superior. Fonte: o autor NOTA: O alcance de membro superior pode ser avaliado objetivamente por meio da Reaching Performance Task (RPS). Esta escala está validada no Brasil com o nome de Escala de Desempenho do Alcance (VIANNA DE ANDRADE et al., 2019) e tem como objetivo identificar e quantificar estratégias compensatórias do movimento de alcance para preensão de objetos em indivíduos com hemiparesia. Para o teste o indivíduo deve sentar-se em uma cadeira com altura de assento de 42 cm, com encosto (sem apoiar-se), sem apoio de braços (os membros superiores devem estar ao lado do tronco) e com os pés apoiados no chão. A cadeira deve estar de frente para uma mesa, com altura de 72 cm, a uma distância na qual o indivíduo, ao estender totalmente o braço, permaneça com o punho posicionado a 4 cm da borda frontal da mesa. Tarefa: Alcançar e pegar um cone de papelão com superfície áspera (7 cm de base, 17,5 cm de altura) posicionado na linha média do indivíduo a 1 cm (alvo perto) ou 30 cm (alvo longe) da borda frontal da mesa. Pontuação: Cada componente (deslocamento do tronco, suavidade do movimento, movimentos do ombro, movimentos do cotovelo, preensão e pontuação global) é pontuado de 0 a 3 pontos, totalizando 18 pontos para cada alvo (perto e longe) e 36 pontos para o total da escala, sendo que pontuações mais altas representam melhor desempenho. Atividades de preensão palmar Nas atividades de alcance, o pico de velocidade ocorre por volta de 50% do movimento, sendo que a abertura da mão começa no início do transporte, até que ocorra a máxima abertura na fase de menor velocidade (precisão) (NAPIER, 1956; MATHIOWETZ et al., 1984). Podemos executar dois tipos de preensão: Preensão de força Preensão de precisão Os dedos e o polegar orientam-se na direção da palma As forças são orientadas entre polegar e os dedos O polegar pode ou não participar O polegar participa Não permite manipulação Permite manipulação Favorece uso total da força se necessário Necessário arco oblíquo da mão Quadro 1 – Diferenças nas atividades de preensão de força e precisão Fonte: adaptado de Napier (1956). Abaixo representamos alguns exemplos de compensações durante preensões encontradas de pacientes neurológicos (Figura 2). Figura 2 – Atitudes de preensão palmar. (A) preensão palmar em padrão funcional; (B) preensão palmar utilizando compensação de tenodese (extensão de punho e flexão de dedos), comum em lesões medulares (nível C6); (C) preensão palmar com padrão flexor de punho e dedos, comum em lesões da via córtico-espinhal. Fonte: o autorNOTA: A preensão palmar e a pinça (polpa-polpa, tripé e lateral) podem ser mensurada por meio de dinamômetro hidráulico com o paciente na posição sentada com o cotovelo fletido à 90 graus a partir de 3 mensurações de força isométrica máxima (5 segundos) com intervalo de 15 a 20 segundos entre elas (AGUIAR et al., 2016). Análise funcional das trocas posturais A capacidade de assumir a posição ortostática a partir da posição supina é um marco importante nas habilidades de mobilidade. Os componentes essenciais da estratégia incluem empurrar com os braços ou agarrar ao lado da cama, fletir a cabeça e o tronco, se empurrando para uma posição sentada parcial, e por meio da rotação de tronco com apoio dos membros superiores atingir o ortostatismo. Outra estratégia comum é o padrão se de impulsionar com os braços, rolando para o lado e assumindo uma posição sentada simétrica antes de ficar em pé (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2010). O rolamento é uma parte importante das habilidades de mobilidade no leito. Em adultos normais é comum a dissociação entre cinturas escapular e pélvica durante o rolamento, o que se perde em pacientes neurológicos (BOBATH, 1990). Análise funcional do tronco A atividade de cada músculo depende de muitos fatores. Um desses fatores é a importância dos músculos que oferecem estabilidade dinâmica para músculos distais em movimento. A influência não é apenas direta, mas pode também ser vista como parte de uma reação em cadeia de todos os outros estabilizadores dinâmicos de cada músculo em funcionamento (MOHR, 1990). Exemplo: paciente com quadro clínico de paraplegia total em nível T12 está em prono, ele apresentará dificuldade em levantar os braços acima da cabeça, apesar dos seus ombros, costas e músculos abdominais serem muito fortes. Essa dificuldade decorre da paralisia dos músculos da coxa, que promovem estabilidade dinâmica ao tronco, que, por sua vez, promove estabilidade dinâmica às escápulas quando os braços estão levantados. Seguindo essa revisão geral sobre a interligação de todas as partes do corpo em movimento, a avaliação funcional do tronco torna-se importante para concluir os aspectos da função (MOHR, 1990; BOHMAN, 2003; RUNYON, 2003). Atividades na posição sentada (adaptado de AKERMAN, 2008): 1 – Tronco inferior para trás (abdominal concêntrico) Função: deitar na cama - direção da extensão do quadril - retroversão da pelve - abdução da escápula - flexão de tronco e cabeça - rotação interna do ombro Figura 3 – Movimento de tronco inferior para trás e tronco superior para frente Fonte: o autor 3 – Tronco inferior para frente (extensores concêntricos) Função: para levantar, pegar algo no alto - aumento da flexão do quadril - anteroversão da pelve - aumento da extensão da cabeça e pescoço - adução da escápula - rotação externa do ombro Figura 4 – Movimento de tronco inferior para frente e tronco superior para trás Fonte: o autor 5 – Tronco inferior para esquerda (abdominal e extensores concêntricos à esquerda) Função: Higiene íntima - peso para direita - alongamento do tronco direito - depressão da pelve direita e elevação da esquerda - elevação da escápula direita e depressão da esquerda - rotação superior da escápula direita e inferior da esquerda - rotação externa do quadril direito e interna do esquerdo Figura 5 – Movimento de tronco inferior e superior para esquerda Fonte: o autor 7 – Rotação para direita Função: alcance, olhar para o lado, pegar objeto em locais distantes. - adução da escápula direita - abdução da escápula esquerda - rotação da coluna torácica, principalmente, e lombar em 5 graus - extensão do membro superior direito - flexão com adução do membro superior esquerdo - peso no eixo mediano, quadris alinhados, pelve proporciona estabilidade Figura 6 – Movimento de tronco em rotação para direita Fonte: o autor Transição do sentado para em pé Uma das atividades funcionais observadas no exame clínico neurológico é a capacidade do indivíduo em sair da posição sentada para em pé. Esse quesito é importante para que o indivíduo desempenhe suas atividades funcionais com melhor qualidade. Podemos observar essa transição em duas fases (CARR; SHEPHERD, 2008): Fase 1 (fase de pré-extensão): Para iniciar a transição do sentado para em pé, o paciente deve realizar flexão de tronco, a fim de ultrapassar o centro de gravidade da linha de suporte representada pelos pés em contato com o solo. Nesse momento, a ação do iliopsoas é importante, além disso, deve haver movimento de dorsiflexão de tornozelo e flexão de joelho em cadeia cinética fechada, para facilitar a posterior fase de impulsão. Após o tronco iniciar a flexão e o centro de gravidade ultrapassar a base de suporte, ocorre ação excêntrica da musculatura extensora de tronco e do quadril para que o indivíduo não vá subitamente para frente. Exemplo: Paciente com quadro clínico de polineuropatia periférica, apresentando fraqueza na musculatura do tornozelo. Em período crônico, pode desenvolver contraturas em flexão plantar, dificultando a mobilidade de tornozelo em dorsiflexão, e prejudicando a transição da postura de sentado para em pé. Fase 2 (fase de extensão): Após a fase inicial, o indivíduo deverá iniciar a extensão de tronco, seguido de extensão de quadril e joelho. Deverá apresentar nessa fase controle concêntrico de extensores de tronco, quadril e joelho, alongando a musculatura flexora, principalmente o músculo psoas e isquiotibiais. Exemplo: Paciente com quadro clínico de Doença de Parkinson, apresenta encurtamento de musculatura flexora. Ao realizar a transição da postura de sentado para em pé, perderá em eficiência mecânica e menor torque será gerado pela musculatura extensora, prejudicando o fim da transição da postura de sentado para em pé, e mantendo a postura flexionada em tronco para compensar o encurtamento de membros inferiores. Marcha A avaliação da marcha está detalhada no capítulo 15. NOTA: A mobilidade geral, incluindo atividades que envolvam membro superior, tronco e marcha, pode ser objetivamente pontuada por meio da Motor Assessment Scale (MAS). A escala apresenta oito tarefas motoras: 1) Supino para decúbito lateral sobre o lado nao par ético; 2) Supino para sentado na lateral do leito; 3) Equilíbrio sentado; 4) Sentado para de pé; 5) Marcha; 6) Função do membro superior; 7) Movimentos da mão; 8) Atividades elaboradas da mão. Cada item apresenta pontuação de 1 a 6, sendo quanto maior, melhor o desempenho (LIMA et al., 2019). 3. Caso clínico Exemplo de paciente: Paciente, 35 anos, com diagnóstico clínico de Acidente Vascular Cerebral com hemiplegia à esquerda, apresenta padrão de adução e rotação interna de ombro, flexão do cotovelo, pronação de antebraço, com flexão de punhos e dedos. Em membro inferior: pelve inclinada anteriormente e inferiormente do lado comprometido e tornozelo em flexão plantar. Paciente permanece sentado com pouca transferência de peso para o quadril esquerdo. Ao levantar, transfere o peso para a direita e utiliza tônus extensor de tronco para ficar em pé com reações associadas de membro superior. Em pé, apresenta garra de artelhos, e na marcha, hiperextensão de joelho na fase de apoio e pouca flexão de quadril e joelho no balanço, com grande elevação da pelve. Hipótese 1. A postura típica pode ser influenciada por fraqueza da musculatura antagonista de membro superior e inferior. Hipótese 2. A postura sentada com pouca transferência de peso pode indicar fraqueza da musculatura do quadril e tronco do lado hemiplégico. Hipótese 3. A postura de sentada para em pé pode indicar fraqueza de extensores de joelho e quadril com pouco controle excêntrico de extensores tronco. Hipótese 4. A marcha em hiperextensão de joelho pode indicar fraqueza de vastos e falta de controle excêntrico na fase de resposta à carga na marcha. Avaliação: Avaliar todas as hipóteses por meio de testes funcionais de força muscular para identificar o principal problema a ser tratado. No caso descrito acima podemos confirmar as hipóteses1, 3 e 4 após análise da força muscular do paciente hipotético. Observamos redução da força muscular da musculatura antagonista ao padrão espástico, bem como fraqueza de extensores de tronco e quadríceps, principalmente de vasto medial após exame motor por segmentos comparativos. 4. Implicações clínicas A pergunta inicial deste capítulo chamou sua atenção? A motilidade deve ser testada com goniometria medindo amplitude de movimento ativo ou passivo em um paciente neurológico? Devemos testar a força muscular com a escala tradicional de força? Acreditamos que, ao ler este capítulo, você pode observar que a visão da avaliação de motilidade e força muscular é pensada de maneira funcional. Portanto, diferente daquele formato de avaliações neurológicas tradicionais. A avaliação tradicional de força muscular ou amplitude de movimento pode esbarrar em problemas como posturas anormais, reflexos exacerbados, e tônus muscular inadequado, o que pode prejudicar a interpretação dos achados. TAREFA DE LABORATÓRIO 1 Transição do sentado para em pé Realize a transição do sentado para em pé e descreva o movimento que você faz com o tronco, membros superiores e inferiores. Agora, faça a mesma transição com os dois pés bem à frente e depois com os dois pés bem para trás e relate o que mudou. Alguma delas foi mais difícil? A posição dos pés influenciou na transição do sentado para em pé? TAREFA DE LABORATÓRIO 2 Controle de tronco Verifique a postura do tronco do paciente sentado nos planos sagital, frontal e transverso. Procure por alterações biomecânicas e de alinhamento postural. Peça para um amigo ficar sentado em uma maca e realizar o seguinte teste: sentado, inclinar para trás como se fosse deitar, mas sem cair. Observe quais movimentos compensatórios poderão surgir, quais estratégias este irá utilizar para se manter na postura e qual a atividade muscular que está ocorrendo no tronco. 5. Referências AGUIAR, L.T.; MARTINS, J.C.; LARA, E.M.; ALBUQUERQUE, J.A.; TEIXEIRA-SALMELA, L.F.; FARIA, C.D. Dynamometry for the measurement of grip, pinch, and trunk muscles strength in subjects with subacute stroke: reliability and different number of trials. Braz J Phys Ther, v. 20, n. 5, p. 395- 404, 2016. AKERMAN, A. Apostila do Conceito Bobath adulto. São Paulo, SP, 2008. BENFICA, P.A. Valores de referência do teste do esfigmomanômetro modificado para avaliação clínica da força muscular de membros superiores, membros inferiores e tronco. Dissertação (Mestrado em Ciências da Reabilitação) – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. BOBATH, B. Adult hemiplegia: evaluation and treatment. 3rd ed. London: Heinemann, 1990. BOHMAN, I. Handling skills used in the management of adult hemiplegia: A lab manual. 2. ed. Albuquerque, NM: Clinician’s View, 2003. CARR, J.; SHEPHERD, R. Reabilitação Neurológica Otimizando o Desempenho Motor. 1. ed. São Paulo: Manole, 2008. FARIA, C.D.C.M.; AGUIAR, L.T.; BRITO, S.A.F. Guia prático para mensuração da força muscular com o TEM. Belo Horizonte: autoras, 2018. 39p. HALLETT, M.; SHAHANI, B. T.; YOUNG, R. R. EMG analysis of stereotyped voluntary movements in man. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, v. 38, p. 1154-1162, 1975. KENDALL, H.O.; KENDALL, F.P. & WADSWORTH, G.E. Músculos: provas e funções. 5 ed. Manole, 2007. LESTIENNE, F. Effects of intertial loading and velocity on the braking process of voluntary limb movements. Exp Brain Res., v. 35, p. 407-418, 1979. LESTIENNE, F.; POLIT, A.; BIZZI, E. Functional organization of the motor process underlying the transition from movement to posture. Brain Res, v. 230, p. 121-131, 1981. LIMA, E.; TEIXEIRA-SALMELA, L.F.; MAGALHÃES, L.C.; LAURENTINO, G.E.; SIMÕES, L.C.; MORETTI, E.; GUERRA, A.C.; LEMOS, A. Measurement properties of the Brazilian version of the Motor Assessment Scale, based on Rasch analysis. Disabil Rehabil, v. 41, n. 9, p. 1095-1100, 2019. MATHIOWETZ, V.; WEBER, K.; VOLLAND, G.; KASHMAN, N. Reliability and validity of grip and pinch strength evaluations. J Hand Surg Am, v. 9, p. 222-226, 1984. MAYSTON, M. J. The Bobath Concept today. Synapse, v. 1, p. 32-35, 2001. MOHR, J. D. Management of the trunk in adult hemiplegia: the Bobath concept. In: HERDMAN, S. J. Topics in neurology. Alexandria, VA: Apta, 1990. p. 1-12. NAPIER, J. The prehensile movements of human hand. J Bone Joint Surge, v. 38, p. 902-913, 1956. O’ SULLIVAN, S. B; SCHMITZ, T. J. Fisioterapia Avaliação e Tratamento. 5. ed. São Paulo: Manole, 2010. RUNYON, C. The NDT (Bobath) approach, principles of management. Recovering Function, v. 1, p. 1-12, 2003. SHUMWAY-COOK, A.; WOOLLACOTT, M. Controle Motor: Teoria e Aplicações Práticas. 3. ed. São Paulo: Manole, 2010. VIANNA DE ANDRADE, F.P.P.; PADULA, R.S.; BINDA, A.C.; DA SILVA, M.L.; ALOUCHE, S.R. Measurement properties of the Reaching Performance Scale for Stroke. Disabil Rehabil, p.1-5, 2019. Capítulo 8 Avaliação do sistema sensorial Transformando o abstrato em concreto Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Cyntia Rogean de Jesus Alves Baptista Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza 1. Introdução A sensibilidade tem a função de defesa e conservação do indivíduo e da espécie, e depende de um sistema complexo e aperfeiçoado, que possibilita ao organismo conhecer e sentir as características do meio externo e suas variações, bem como as do próprio meio interno (BICKERSTAFF, 1975; PORTO, 2013). Para sobrevivência, há necessidade de sentir o meio externo ou ambiental e reagir sobre este, principalmente quando nele se processam variações prejudiciais. Em relação ao meio interno, isto é, ao conjunto de condições intrinsecamente relacionadas com os fenômenos vitais, de ordem química (metabolismo) ou física (motricidade interna), utiliza-se de duas modalidades de informações que constituem os elementos para sua atividade própria e para manutenção do equilíbrio somático ideal (CAMPBELL, 2005; PORTO, 2013). Alguns chegam à consciência de maneira automática, outros alertam o organismo sobre alterações indesejáveis, permitindo a programação e a execução das reações corretivas (SANVITO, 2002; PORTO, 2013). Classificação Sensibilidade: Inconsciente: Profunda. Consciente: Especial ou Sensorial: Olfação. Visão. Audição. Gustação. Geral ou Somatestésica: Protetora/Exteroceptiva/Superficial: Dolorosa. Térmica. Tátil. Discriminativa/Profunda: Tato-pressão. Cinestésica. Proprioceptiva. Esterognósica. Barognésica. Discriminação de Dois Pontos. Grafestésica. Reconhecimento de Textura. Enteroceptiva (visceroceptiva). Existem duas modalidades na sensibilidade: especial e geral. Sensibilidade especial Depende dos órgãos e sistemas específicos. São as sensibilidades visual, olfatória, auditiva e gustativa. Sensibilidade geral Seus receptores estão espalhados, não estando em órgãos nitidamente localizados. São sensibilidades protetoras: dor, temperatura, pressão superficial (tátil). E sensibilidade discriminativa: tato, pressão, cinestesia, propriocepção, esterognosia, barognosia, discriminativa de dois pontos, grafestesia e reconhecimento de textura. É um dos exames mais difíceis e demorados, exigindo paciência, experiência e elevado grau de colaboração e atenção, tanto do paciente como do examinador. Não raro será necessário repetir várias vezes o exame da sensibilidade, pois o próprio paciente precisa aprender a registrar, avaliar e comparar os estímulos, percepções e sensações. 1.1 Explorando o exame sensorial Deve ser realizado por etapas, evitando cansar o paciente, explicando os testes que serão realizados. Sensibilidade dolorosa Estímulo para o teste: um objeto pontiagudo (não perfurante e não cortante) e objeto de ponta plana ou arredondada, assim, o indivíduo pode diferenciar a presença ou ausência de dor e o toque leve. Sensibilidade térmica Estímulo para o teste: dois tubos de ensaio, um com água quente (temperatura entre 40 e 45ºC), e outro com água fria.Observação: Testar um estímulo de cada vez. Sensibilidade tátil A sensibilidade tátil é considerada protetora quando relacionada ao reflexo de retirada, mas sua função mais importante é de discriminação tátil. Estímulo do teste: mão do terapeuta, algodão, qualquer outro objeto. Observações: o paciente deve sentir o contato e identificar o local. NOTA: A sensibilidade tátil pode ser avaliada objetivamente por meio de estesiômetro, que contém seis filamentos maleáveis de cores: verde, azul, violeta, vermelho escuro, laranja e vermelho claro. Cada um desses filamentos apresenta uma espessura, sendo a verde a mais fina e a vermelha a mais espessa. Os filamentos representam a sensação de 0,05 g a 300 g. Os filamentos para avaliação sensorial devem ser aplicados de modo perpendicular à superfície testada, sendo pressionados levemente até atingir a força suficiente para curvar o filamento; retirando-o suavemente em seguida. Alguns autores consideram até 0,2 g: sensibilidade presente, e acima de 2 g: alteração sensorial. Em estudo realizado com 12 pacientes, apresentando hemiplegia ou hemiparesia por AVC, na clínica de Fisioterapia da Uni FMU, os autores realizaram teste de sensibilidade em região glútea com estesiômetro e, em seguida, avaliaram a transferência de peso na postura sentada por meio do Biofeedback de pressão “Stabilizer”. Os resultados encontrados foram que na correlação entre alteração sensorial e diferença de transferência de peso na posição sentada, sugere-se que os pacientes que apresentam alteração sensorial em região glútea tendem a transferir o peso para o lado não plégico, ao passo que os pacientes sem alteração sensorial tendem a transferir o peso para o lado plégico (TORRIANI et al. 2005). 1.2 Sensibilidades Discriminativas São desenvolvidas por meio da aprendizagem, do conhecimento e do amadurecimento do esquema corporal. Elas têm a função de orientar a utilização adequada do corpo (CAREY; MATYAS; OKE, 2002; PORTO, 2013). Cinestésica É a capacidade de o indivíduo sentir seus movimentos no espaço. Estímulo do teste: movimentos, por exemplo, circundução, mão na cabeça; o terapeuta realiza passivamente o movimento com um dos lados, pergunta ao paciente o que foi realizado, em seguida, estimula a realização com outro membro ou com o mesmo membro, ativamente. Proprioceptiva É a capacidade de o indivíduo sentir sua articulação no espaço. De reconhecer os ângulos da articulação. Estímulo do teste: realizar movimentos articulares, e após parar em um determinado ângulo, questionar o paciente sobre a posição. CASO CLÍNICO: Paciente do sexo masculino, aos 30 anos recebeu diagnóstico de diabetes Mellitus, controlou a glicemia com dieta e medicamentos até os 48 anos de idade. Após essa idade iniciou uso de insulina. Aos 49 anos, sente parestesias e queimação contínua e desconfortável nos pés, que pioram nos anos seguintes. Aos 53 anos, as sensações para dor, toque leve e frio estão diminuídas nos pés. E uma picada de alfinete produz uma sensação anormal de dormência nas plantas. A propriocepção é normal. Nos anos seguintes, há progressão da perda sensitiva nas pernas e agora a ponta dos dedos da mão começam a apresentar dormência. Aos 62 anos, há ausência da sensibilidade tátil nos dedos das mãos, tornozelos e joelhos. Também reduziu a sensação de dor e temperatura nos dedos das mãos. Esfregar os pés não produz mais desconforto. A propriocepção está reduzida nos dedos dos pés, mas normal nos dedos das mãos. O paciente apresenta polineuropatia axonal (axonopatia), provocada pela diabetes mellitus, que ocasiona perda sensitiva distal em forma de “bota” e “luva”, provavelmente associada à perda do transporte axonal. Dentro das sensibilidades discriminativas, destacamos a seguir as sensibilidades combinadas (SANVITO, 2002; PORTO, 2013): Esterognosia É o reconhecimento de formas variadas, desde objetos rotineiros, como garfo, caneta, até objetos mais sofisticados. Barognósia É a capacidade de diferenciar pesos. Leve, pesado, mais leve, mais pesado etc. Por exemplo, bolinha de isopor e bolinha de chumbo. Observação: é o único teste que se realiza ao mesmo tempo com os dois pesos. Discriminação de dois pontos É a menor distância em que o indivíduo consegue discriminar dois pontos. Essa distância equivale à distância entre dois receptores. É realizado com um compasso. Para se medir, começa-se com uma abertura de aproximadamente 10 cm e se vai diminuindo. É feito simetricamente. Grafestésia É a capacidade de sentir sobre a pele desenhos com números, formas e grafismos em geral. Reconhecimento de textura Trata-se de reconhecer vários tipos de texturas passadas sobre o segmento. Por exemplo, madeira, metal, lixa, seda, vidro, brim etc. Cuidados Gerais Nunca usar objetos que lesem o paciente. Explicar o teste ao paciente e não dizer quais materiais serão utilizados. Não induzir a resposta do paciente (perguntar apenas o quê?, onde?, como você sente?). Objetos devem ser higienizados. Aplicação da técnica Vedar os olhos do paciente. Aplicar o estímulo. Perguntar o que o paciente sente, onde... Registrar as suas respostas. Objetivos dos testes da sensibilidade: Demonstrar clara e solidamente os limites de quaisquer áreas de sensibilidade anormal. Determinar que modalidades de sensibilidade se acham envolvidas dentro desses limites. Comparar os achados com padrões conhecidos de anormalidade sensitiva. 2. Dermátomos sensitivos: Imagem sensitiva do suprimento segmentar medular de cada área que se estimula. Figura 1 – Dermatomos Fonte: http://www.wikiwand.com/pt/Derm%C3%A1tomo. Acesso em: 4 fev. 2019 CASO CLÍNICO: Homem com 37 anos, apresenta dor médio torácica no dorso há vários meses, febre baixa, calafrios, sudorese noturna e perda ponderal. Ele foi viciado em heroína intravenosa. Durante as duas ultimas semanas, apresentou fraqueza progressiva das pernas, maior à esquerda e urgência urinária. Apresenta diminuição acentuada das sensações de dor e temperatura abaixo de T10 à direita. Os dermátomos sacros estão incluídos na perda sensorial. A propriocepção está reduzida nos dedos dos pés e tornozelo esquerdo, mas é normal à direita. Foi diagnosticado com síndrome de Brown-Séquard e tumor nas regiões de T8 e T9. 3. Representação das Partes do Corpo da Área Sensorial Somática I Algumas partes do corpo são representadas por grandes áreas no córtex somático, os lábios sendo a maior de todas, seguida pela face e o polegar, enquanto todo o tronco e a parte mais inferior do corpo são representados por áreas relativamente pequenas. Os tamanhos são diretamente proporcionais ao número de receptores sensoriais especializados em cada área periférica respectiva do corpo (LUNDY-EKMAN, 2007). CASO CLÍNICO: Paciente do sexo masculino, 40 anos, hemiparético à direita com hipertonia em membro superior direito, acentuado na parte distal (punho e dedos). Avaliação: o paciente sente o toque, mas não localiza o local, interpretando a pressão como um toque leve, não conseguindo distinguir a variação de temperatura, no hemicorpo direito. A sensibilidade tátil e proprioceptiva estão ausentes no hemicorpo direito. A representação do hemicorpo direito na área somática está alterada, gerando compensações como aumento do tônus no membro em questão (Figura 2A). Quando realizada estratégia de compressão com faixa elástica no membro superior direito, o tônus compensatório diminui (Figura 2B). Figura 2 – (A) Paciente com aumento do tônus na mão direita; (B) Paciente com diminuição do tônus na mão direita após estratégia sensorial de compressão do membro. Fonte: o autor O exame sensorial deve ser estabelecido para testar hipóteses e propor terapêuticas adequadas dentro de cada disfunção neurológica. A seguir, um quadro esquemático mostrará o exame sensorial específico para cada disfunção neurológica central ou periférica: Áreas de disfunção Exame sensorial - Regiões corticais e subcorticais Exame sensorial por segmentos comparativos (sensibilidade geral) a) Distalb) Intermédio c) Proximal - Medula espinhal Avaliação por dermátomos (C2 – S5) a) Tátil b) Dolorosa Respostas: 0 = ausente, 1 = presente, mas alterada e 2 = normal - Nervos periféricos Zona de inervação do nervo periférico Quadro 1 – Exame sensorial nos diferentes distúrbios do sistema nervoso Fonte: o autor 4. Existe avaliação objetiva para o sistema somatossensorial? O exame sensorial pode ser detectado por meio da Avaliação sensorial de Nottingham (ASN). A escala foi validada com objetivo de identificar os déficits sensoriais após Acidente Vascular Cerebral e monitorar sua recuperação. A escala avalia modalidades sensoriais protopáticas (sensações mais grosseiras, por exemplo, dor difusa e temperatura) e epicríticas (sensações mais finas e precisas, por exemplo, dor pontual, toque leve e propriocepção) e testa todos os segmentos corporais e não exige materiais de alto custo. A ASN possui quatro subescalas e 20 itens. As subescalas são sensação tátil, propriocepção, estereognosia e discriminação entre dois pontos. A ASN identifica os déficits sensoriais na face, tronco, ombro, cotovelo, punho, mão, joelho, tornozelo e pé. Cada item da subescala sensação tátil (toque leve, pressão, picada, temperatura, localização tátil nos dois hemicorpos e toque bilateral simultâneo) pode ser pontuado de 0 a 2, que representam anestesia tátil e sensação tátil normal, respectivamente. A pontuação total para o hemicorpo não afetado varia de 0 a 90 e para o afetado de 0 a 108 (LIMA et al., 2010). 5. Alterações funcionais de acordo com a área do sistema nervoso central A seguir, estão representadas as alterações funcionais de acordo com as áreas primárias lesionada: Alteração funcional Área cortical Perda da localização tátil e da propriocepção consciente Somatossensorial primária Perda da localização dos sons Auditiva primária Hemianopsia homônima Visual primária Alteração do conhecimento da posição e dos movimentos da cabeça Vestibular primária Quadro 2 – Alterações funcionais e área cortical lesionada Fonte: Lundy-Ekman (2007) Observação: As áreas primárias são responsáveis pela noção “bruta” da sensação. Já as áreas associativas (secundárias) se responsabilizam pela percepção da informação sensorial. Exemplo: ao olhar uma cadeira a sua frente, antes de pensar na ideia da cadeira, você pode descrever que está vendo um objeto de tal cor, de tal forma, a mais ou menos tal distância. O responsável por essa informação foi a área visual primária. Já, a interpretação do que é este objeto ocorre na área visual associativa, que está relacionada com experiências anteriores. O presente capítulo se baseou na avaliação de receptores, vias e áreas sensoriais primárias. As áreas sensoriais associativas serão abordadas no capítulo 9. 6. Implicações clínicas A avaliação do sistema somatossensorial pode trazer informações valiosas do comprometimento neurológico, bem como trazer informações sobre prognóstico funcional em algumas situações clínicas (HENDRICKS; HAGEMAN; VAN LIMBEEK, 1997). Indivíduos com alterações neurológicas e que cursem com alterações sensoriais apresentam recuperação funcional menos otimista. TAREFA DE LABORATÓRIO Testando sua propriocepção. Com seus olhos fechados, peça para alguém colocar seu MS numa posição qualquer no espaço e, a seguir, tente imitar essa posição com o outro MS. Depois, abra os olhos e verifique o resultado. Repita várias vezes, com diversas posições, e analise seu senso proprioceptivo. Avalie um paciente com lesão nervosa periférica (trajeto do nervo periférico), um com lesão medular (ASIA) e outro com AVC ou TCE. Use a sugestão do capítulo para esses testes. 7. Referências BICKERSTAFF, E. R. Exame neurológico na prática médica. 1. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1975. CAMPBELL, W. W. De Jongás neurological examination. 6. ed. Philadelphia: Lippincott, 2005. CAREY, L. M.; MATYAS, T. A.; OKE, L. E. Evaluation of impaired fingertip texture discrimination and wrist position sense in patients affected by stroke: comparison of clinical and new quantitative. J Hand Ther., v. 15, p. 71-82, 2002. HENDRICKS, H. T.; HAGEMAN, G.; VAN LIMBEEK, J. Prediction of recovery from upper extremity paralysis after stroke by measuring evoked potentials. Scand J Rehabil Med., v. 29, p. 155-159, 1997. LIMA, D. H.; QUEIROZ, A. P.; DE SALVO, G.; YONEYAMA, S. M.; OBERG, T. D.; LIMA, N. M. Brazilian version of the Nottingham Sensory Assessment: validity, agreement and reliability. Rev Bras Fisioter., v. 14, n. 2, p. 166-74, 2010. LUNDY-EKMAN, L. Neurociência - Fundamentos para a Reabilitação. 3. ed. São Paulo: Elsevier, 2007. PORTO, C. C. Semiologia médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. TORRIANI, C.; QUEIROZ, S.S.; CYRILLO, F.N.; MONTEIRO, C.B.M.; FERNANDES, S.; PADOAN, B.B., et al. Correlação entre transferência de peso sentado e alteração sensorial em região glútea em pacientes hemiplégicos/paréticos. Rev Neurocienc., v. 13, p.117-21, 2005. SANVITO, W. L. Propedêutica neurológica básica. São Paulo: Manole, 2002. p. 77-82. Capítulo 9 Avaliação do sistema perceptual Como avaliar os problemas que não podemos ver? Taís Regina da Silva Dr. Rodrigo Bazan Dr. Gustavo José Luvizutto 1. Introdução A percepção é o processo no qual as informações sensoriais tornam-se conscientes, ou seja, como as informações sensoriais são interpretadas pelos centros superiores. Alterações perceptuais podem estar relacionadas à alteração do esquema corporal, dificuldade em diferenciar esquerda e direita, alteração da noção de linha média, desorientação topográfica e agnosias (ALLEGRI, 2000). Agnosia é a incapacidade do indivíduo de reconhecer e interpretar algum estímulo sensorial, visual, tátil, olfativo, gustativo ou auditivo, anteriormente considerado conhecido. As agnosias podem ser classificadas em: Negligência Espacial Unilateral (NEU): o indivíduo não reconhece um lado do corpo e/ou do espaço. Anosognosia: o indivíduo não tem reconhecimento da doença e dos déficits causados por esta. Astereognosia: o indivíduo não reconhece objetos pelo tato, embora a sensibilidade tátil esteja preservada. Agnosia visual: incapacidade de reconhecer e distinguir objetos pela visão. Por exemplo, ter visão normal e não ter capacidade de reconhecer objetos cotidianos, pessoas familiares ou mesmo sua própria imagem no espelho. Agnosia auditiva: incapacidade de reconhecer e distinguir sons na ausência de déficits auditivos. Por exemplo, poderia descrever o som de um motor que começa como algo que se parece com o rugido de um leão, mas não é capaz de associar aquele som com “carro” ou “motor”. Prosopagnosia: Não reconhecimento de faces familiares. A percepção de um estímulo causado pelo meio não deve ser descrita como um registro real, ela é uma interpretação individual e pessoal do estímulo, e para esta utilizam-se vários fatores cognitivos que diferem entre as pessoas. Utilizam-se fatores relacionados à memória, consciência, atenção, comportamento, entre outros. Um mesmo estímulo pode ser reconhecido e interpretado de maneira diferente entre duas ou mais pessoas (LI; MALHOTRA, 2015). Para elaboração e interpretação dos estímulos sensoriais do ambiente, contamos com uma área específica do sistema nervoso central, o lobo parietal, localizado na região posterior ao sulco central do cérebro, pode ser dividido em zona anterior e posterior. A zona anterior do lobo parietal é responsável por receber informações sensoriais vindas do ambiente e a posterior é responsável por analisar, interpretar e integrar essas informações. Dessa forma, o lobo parietal forma uma entidade anátomo-funcional relativamente bem individualizada, constituída por neocórtex receptivo e associativo que integra informações somestésicas, com conexão para regiões anteriores do sistema nervoso central responsáveis pela motricidade, ou posteriores, responsáveis pela recepção visual ou linguagem. Sua organização funcional é importante para entender a integração somestésica e o reconhecimento e a interpretação das informaçõessensoriais (KIM et al. 1999). Diversos pacientes com déficits neurológicos apresentam alteração da percepção corporal, que deve ser avaliada criteriosamente, para assim garantir ao paciente tratamento específico para devidas alterações. Existem duas síndromes específicas muito características de pacientes com alterações perceptuais, às quais será dada ênfase neste capítulo: Negligência Espacial Unilateral (NEU) e a Síndrome de Pusher. 1.1 Avaliação da negligência espacial unilateral Lesões na região do córtex de associação parietal posterior podem apresentar comportamentos de extinção tátil, bem como modificações súbitas na identificação de estímulo visuais, auditivos ou até de parte do corpo. O não reconhecimento do espaço, geralmente de um lado do corpo, ou qualquer estímulo a este aplicado, pode ser denominado como síndrome de heminegligência ou negligência espacial unilateral (NEU). A NEU é caracterizada pela incapacidade de relatar ou responder a pessoas ou objetos apresentados contralateralmente ao lado lesionado do cérebro, um sintoma que não pode ser explicado por déficits motores ou sensoriais (PLUMMER; MORRIS; DUNAI, 2003). Cerca de 30% dos pacientes que sobrevivem ao AVC do hemisfério direito apresentarão negligência espacial unilateral. A NEU ocorre em aproximadamente 50% dos sobreviventes de AVC no hemisfério direito e até 75% dos pacientes podem persistir com alguns sintomas na fase crônica (após 6 meses de lesão). A NEU também pode ocorrer após a lesão do hemisfério esquerdo, mas é menos comum e persistente quando comparada à lesões do hemisfério direito (SWAN, 2001). A NEU tem implicações clínicas importantes, pois leva a períodos prolongados de internação e recuperação funcional prejudicada em pacientes neurológicos (LUVIZUTTO et al. 2018a). A NEU provoca uma tendência de exploração e orientação acentuada em favor do lado ipsilesional dos pacientes e negligência de itens localizados em seu lado contralesional (PLUMMER; MORRIS; DUNAI, 2003; TANAKA et al. 2010). A NEU é definida clinicamente quando o indivíduo não responde a qualquer estímulo tátil, visual ou auditivo em um dos lados do corpo ou espaço, não podendo ser atribuído a déficit sensorial ou motor primário. Essa alteração gera dificuldade para o paciente reportar, responder, orientar ou interpretar qualquer estímulo recebido do lado comprometido. Frequentemente, a NEU está associada à lesão no hemisfério direito, particularmente na região posterior do lobo parietal direito, e está associada a pior prognóstico e longos períodos de internação (VANIER et al. 1990; PLUMMER; MORRIS; DUNAI, 2003). A NEU pode ser dividida em sensorial, motora e representacional, sendo que essas diferentes formas têm sido associadas com lesões em regiões cerebrais distintas. NEU sensorial: déficit ao reagir a estímulos visuais, auditivos ou táteis do lado comprometido, também sendo classificada como negligência de entrada ou perceptual; NEU motora: incapacidade para gerar um movimento a um estímulo, mesmo que a pessoa esteja consciente dele, não podendo ser explicado por um déficit motor primário, também conhecida como negligência de saída ou intencional; NEU representacional: na ausência de negligência sensorial ou motora, o indivíduo vem a imaginar cenas espaciais, tais como, deslocamento de uma parte do corpo para outra, ou quando, ao imaginar um determinado cenário, não consegue identificar todos os componentes existentes em um hemiespaço. Na prática, pacientes com NEU mostram uma variedade de comportamentos que são geralmente visíveis no dia a dia ou durante a própria terapia. É comum que o paciente tenha tendência a esquecer-se de posicionar o membro superior afetado na cadeira de rodas, apresente dificuldade em direcionar o olhar para o lado afetado, o som vindo do lado afetado também pode ser negligenciado. Durante os exercícios, podemos observar que o paciente apresenta dificuldade em identificar objetos situados no lado afetado; na marcha, observamos que muitas vezes os pacientes esbarram o lado afetado na hora de passar por portas ou locais estreitos; também podemos observar dificuldade em se virar para o lado afetado, tanto deitado, sentado quanto durante a marcha. A avaliação da NEU é de extrema importância para identificar o paciente com esse tipo de alteração perceptual e auxiliar o terapeuta a direcionar o tratamento para obter maior êxito. A alteração perceptual atrasa a recuperação sensório- motora se não tratada com especificidade. Existem alguns sinais e testes descritos na literatura que nos auxiliam na identificação do paciente com NEU. Sinal das pernas cruzadas: é um teste clínico no qual o paciente é observado nas primeiras 48 horas após Acidente Vascular Cerebral e é avaliada a tendência do paciente em manter a perna direita cruzada sobre a esquerda na tentativa de suprir a falta de informação sensorial do lado esquerdo. Não é considerado teste diagnóstico, mas preditivo para o desenvolvimento da NEU (BAZAN et al., 2014; LUVIZUTTO et al., 2018b). Sinal do desvio espontâneo dos olhos e da cabeça: esse é um sinal de observação clínica que pode ser utilizado para auxiliar no diagnóstico da NEU. É identificado um desvio horizontal dos olhos e da cabeça para o lado não-afetado. Esta condição é mais comum na fase aguda das doenças que cursam com NEU (BECKER; KARNATH, 2010). Face-Hand Test (FHT): consiste em um teste simples para identificação de extinção sensorial. O avaliador realiza estímulo tátil simultaneamente em duas regiões semelhantes no corpo do paciente (face e mão). São aplicados ١٠ estímulos na mão, ١٠ estímulos na face e ١٠ estímulos na face e na mão simultaneamente por meio de algodão. É questionado ao paciente a quantidade de toques e o local da aplicação. Quando o paciente identifica apenas um dos lados, pode ser considerada a hipótese de NEU. É importante que seja avaliada a integridade da sensibilidade tátil antes de aplicar o teste de extinção sensorial. Esse é um teste simples que não realiza o diagnóstico da NEU, mas faz inferência sobre a extinção sensorial presente em alguns casos (REEVES; BULLEN, 1994; LUVIZUTTO et al., 2016). Behavioral Inattention Test (BIT): considerado padrão ouro na avaliação da NEU, esse teste é composto por tarefas de cancelamento de linhas, letras, estrelas, bissecção de linhas, e cópia de desenhos. A BIT apresenta nove subtestes comportamentais e seis subtestes convencionais. É padronizado o uso dos seis subtestes convencionais, os quais são medidas básicas de NEU. A administração do teste deve ocorrer em uma sala silenciosa, com o indivíduo sentado em uma mesa e o examinador em frente ao paciente. A pontuação máxima no teste é 146 pontos, e a nota de corte para ser considerada NEU são pontuações abaixo de 129 (CERMAK; HAUSSER, 1989). Não é dado limite de tempo para a finalização do teste. Abaixo são apresentados os testes do BIT convencional: Tarefa de cancelamento de linhas: o indivíduo é apresentado a uma única folha de papel com 40 linhas desenhadas, em diferentes orientações, 18 linhas em cada lado (direito e esquerdo) e quatro na linha média. É solicitado que o indivíduo cruze/risque todas as linhas da folha. Quando o indivíduo terminar o teste, o examinador deverá perguntar: “Todas as linhas foram cruzadas?” Se o indivíduo confirmar, o teste estará encerrado. O grau de NEU é avaliado pela proporção de linhas omitidas em relação ao número total de linhas. Não são consideradas as quatro linhas do centro. A pontuação máxima do teste é 36. Figura 1 – Tarefa de cancelamento de linhas Fonte: CERMAK; HAUSSER, 1989 Tarefa de cancelamento de letras: o indivíduo é apresentado a uma folha de papel com fileiras de letras maiúsculas e solicitado a marcar todas as letras R e E. O teste tem 20 letras a serem riscadas à direita e 20 à esquerda. A pontuação máxima do teste é 40. Figura 2 – Tarefa Cancelamento de Letras Fonte: CERMAK; HAUSSER, 1989 Tarefa de cancelamento de estrelas: o indivíduo é apresentado a uma folha de papel composta por estrelasgrandes, letras e palavras intercaladas aleatoriamente com estrelas menores. É solicitado a localizar e riscar (cancelar) somente as estrelas menores. Existem 27 estrelas menores à direita e 27 à esquerda e, portanto, o total de estrelas a serem riscadas e a pontuação máxima do teste será de 54. Figura 3 – Tarefa de cancelamento de estrelas Fonte: CERMAK; HAUSSER, 1989 Tarefa de bissecção de linhas: o indivíduo é apresentado a uma folha de papel com três linhas horizontais desenhadas. É solicitado que o indivíduo risque cada linha ao meio. Após finalizado o teste, será determinado o valor em milímetro da porção riscada em relação ao meio. Para cada linha riscada ao meio, o paciente pontuará três pontos, se riscar ¾ para esquerda ou direita, dois pontos, e se riscar além dos ¾, um ponto. A pontuação total do teste é 9. Figura 4 – Tarefa Bissecção de Linhas Fonte: CERMAK; HAUSSER, 1989 Tarefa de copiar figuras e formas: o teste é composto por duas partes. Na parte A, é apresentada ao indivíduo uma folha com desenho de uma estrela, um cubo e um pirulito arranjados verticalmente do lado esquerdo da folha. É solicitado para que o indivíduo copie cada desenho do lado direito da folha. É pontuado um ponto para cada figura copiada e não é pontuado quando faltar algum componente importante da figura. Pontuação máxima do teste: 3 pontos. Figura 5 – Parte A da Tarefa de Copiar Figuras e Formas Fonte: CERMAK; HAUSSER, 1989 Na parte B, é apresentada ao indivíduo uma folha com um grupo de simples formas geométricas e é solicitado que as copie para uma folha separada. É pontuado um ponto somente se o indivíduo copiar todas as formas completas. Pontuação total do teste: 1 ponto. Figura 6 – Parte B do Teste de copiar Figuras e Formas Fonte: CERMAK; HAUSSER, 1989 Representação da Figura: é entregue ao indivíduo uma folha em branco e solicitado a desenhar um relógio, um homem ou mulher e uma borboleta. É pontuado um ponto para cada desenho completo e a pontuação máxima do teste é três. Escala de Catherine Bergego: tem como objetivo mensurar o quanto a NEU interfere nas tarefas do cotidiano. A escala é dividida em 10 atividades com pontuação de 0 a 3 cada. A pontuação máxima da escala é 30 e indica grau severo de impacto da NEU sobre a funcionalidade. Recentemente, foi validada para o Brasil com boa confiabilidade inter-examinador (AZOUVI et al., 2003; CHEN et al., 2012; MARQUES et al., 2019). Atividade 1 Esquecer de lavar o rosto ou se barbear do lado esquerdo 2 Dificuldade em ajustar o lado esquerdo da manga da camisa ou barra da calça; 3 Esquecer alimentos localizados na parte esquerda do prato 4 Esquecer a limpeza do lado esquerdo da boca após a refeição 5 Dificuldade em direcionar espontaneamente o olhar para a esquerda; 6 Esquecer de utilizar a parte esquerda do corpo (por exemplo, membro superior não é colocado sobre o apoio de braço da cadeira de rodas; ou pé não é colocado sobre o apoio de pés da cadeira de rodas; ou se esqueça de usar o braço esquerdo quando precisar. 7 Dificuldade em prestar atenção a ruídos ou às pessoas que se dirigem ao paciente pelo lado esquerdo; 8 Colisões com objetos ou pessoas situadas à esquerda, como portas ou móveis (mesmo enquanto andando ou em uma cadeira de rodas); 9 Dificuldade de orientar-se para a esquerda em locais com os quais está familiarizado ou dentro do serviço de reabilitação; 10 Dificuldade em encontrar objetos pessoais situados à esquerda no quarto ou no banheiro. Quadro 1 – Escala de Catherine Bergego Fonte: Marques et al. (2019) 0 = Corresponde à ausência de negligência espacial unilateral para a tarefa considerada; 1 = Negligência espacial unilateral discreta, caracterizada por ligeira assimetria na exploração espacial, o paciente começa a tarefa pelo lado direito e vai lentamente para a esquerda, em etapas progressivas e com hesitação; o distúrbio é inconstante, ocasional, podendo aparecer somente em casos de fadiga ou emocionais; 2 = Negligência espacial unilateral moderada. O déficit de exploração espacial é nítido e constante, com omissões evidentes e regulares dos estímulos do lado esquerdo; 3 = Negligência espacial unilateral severa. O paciente praticamente nunca ultrapassa a linha média, ou a faz de modo ineficaz. Na prática, os pacientes com NEU apresentam dificuldades específicas que desafiam o terapeuta a cada sessão. A compreensão do comando e a resposta a esse comando de forma adequada se mostram prejudicadas, já que a percepção do próprio corpo está alterada. O terapeuta precisa incluir e priorizar a modulação da percepção corporal para então poder esperar uma resposta motora mais adequada do paciente. Esse é um processo intenso e requer um olhar cauteloso para que seja obtido sucesso terapêutico. CASO CLÍNICO. Mulher, 45 anos, apresentou quadro súbito de hemiplegia à esquerda. Na tomografia computadorizada de encéfalo foi observada isquemia na região parietal posterior direita. Ao exame clínico, apresentava-se com perda de força muscular no hemicorpo esquerdo, extinção sensorial na mão durante a dupla estimulação sensorial ao teste face-mão, importante desvio óculo-cefálico à direita e desatenção à maioria dos estímulos sensoriais no hemicampo esquerdo. Ao teste de cancelamento de linhas e cancelamento de estrelas, foi observado o padrão a seguir, sendo confirmada com quadro de negligência espacial unilateral. Figura 7 – (A) Teste de cancelamento de linhas em um paciente com NEU; (B) Teste de cancelamento de estrelas em um paciente com NEU. Fonte: o autor 2. Síndrome de Pusher Pacientes com Síndrome de Pusher, que também pode ser conhecida como Síndrome do Empurrador, apresentam alterações de percepções de verticalidade que afetam o controle postural. Geralmente, essa síndrome está associada à NEU e anosognosia após o AVC (DAVIES, 1996). Ainda não estão claros quais são os mecanismos subjacentes dessa síndrome, mas lesões na região póstero-lateral do tálamo têm sido associadas com a síndrome (PONTELLI et al., 2011). Dentre as dificuldades apresentadas pelos pacientes com Síndrome de Pusher estão o déficit no controle de tronco, controle postural e equilíbrio em situações estáticas e dinâmicas, devido à alteração do alinhamento corporal (DAVIES, 1996). Os pacientes apresentam desvio do alinhamento corporal para o lado hemiparético e quando existe tentativa de alinhamento corporal pelo terapeuta ou por uma terceira pessoa, o paciente se empurra, utilizando o membro não afetado, contra o terapeuta, tentando se manter desviado para o lado hemiparético. Frequentemente, os pacientes com síndrome de Pusher relatam insegurança e medo de cair para o lado não afetado. Em situação estática, tanto sentados quanto em posição ortostática, apresentam uma inclinação lateral de tronco para o lado hemiparético, o que leva a um desalinhamento da verticalidade corporal e dificuldade em se manter sentado ou em ortostatismo sem apoio (BACCINI et al. 2006). Na marcha, apresentam tendência à queda lateral para o lado hemiparético e adução do membro inferior afetado, resultando em déficit de equilíbrio significante. Na tentativa de correção do alinhamento pelo terapeuta, o paciente se empurra para o lado afetado e relata frequentemente medo de cair para o lado não afetado (DAVIES, 1996). O paciente desloca sua base de suporte para o lado não afetado e, na tentativa de manter os dois pés dentro da base de suporte, aduz o membro inferior afetado, compensação que causa inclinação do corpo para o lado afetado (DAVIES, 1996). Apesar de estar frequentemente associada a outras alterações visuoespaciais e a lesões de hemisfério direito, a Síndrome de Pusher pode ocorrer também em lesões de hemisfério esquerdo e em pacientes sem outras alterações perceptuais e cognitivas (PONTELLI et al., 2005). 2.1 Avaliação da Síndrome de Pusher A Scale for Contraversive Pushing (SCP) é uma escala validada que tem como objetivo avaliar a simetria da postura espontânea na posição sentada e ortostática; extensão dos membrossuperiores e/ou inferiores com a superfície de contato (sentado e em posição ortostática); e resistência à correção passiva da postura (sentado e em posição ortostática). A escala é dividida em três itens, cada item recebe pontuação para postura sentada e ortostática e, no total, cada item pontua de 0 a 2. A pontuação máxima da escala é 6. Para receber diagnóstico de Síndrome de Pusher, o paciente deve pontuar pelo menos um ponto em cada item (BACCINI; PACI; RINALDI, 2006) Item A: Postura (Simetria da postura espontânea) 1: Severa inclinação do tronco com queda para o lado contralesional 0.75: Severa inclinação do tronco sem queda 0.25: Moderada inclinação do tronco sem queda 0: Não há alteração na orientação/posição corporal Item B: Extensão (uso do braço/perna com a superfície de contato) 1: Realiza em repouso 0.5: Realiza somente durante a mudança de postura 0: Não há extensão Item C: Resistência à correção passiva da postura 1: Resistência moderada 0: Não há resistência Quadro 2 – Scale for Contraversive Pushing (SCP) Fonte: adaptado de Baccini, Paci e Rinaldi (2006) CASO CLÍNICO. Homem, 74 anos, com diagnóstico de AVC em região posterior do tálamo, apresentando comportamento frequente de se empurrar para a esquerda em todas as posições e resiste a qualquer tentativa de correção passiva da postura. Ao exame físico, apresenta hemiplegia à esquerda, negligência espacial unilateral e anosognosia. Quando na postura de supino, apresenta alongamento do lado hemiplégico, e segura com frequência as barras da maca com a sua mão direita. Quando sentado, assume padrão de rigidez de cabeça, descarga de peso para a esquerda, com o tronco alongado acentuadamente à esquerda e encurtado à direita. Quando colocado o paciente em pé, este apresenta padrão de membro inferior esquerdo em adução e suporte inadequado de peso para o lado hemiplégico. Quando aplicada a escala SCP, o paciente apresentou pontuação 4, sendo diagnosticado clinicamente como síndrome de Pusher. 3. Implicações clínicas Assim como a NEU, a Síndrome de Pusher demanda do terapeuta uma visão específica e um treino direcionado para essa alteração. As respostas dos pacientes aos comandos simples se mostram inadequadas e, ao corrigir verbalmente ou manualmente, não é obtido sucesso. É necessário um treinamento específico para que a alteração perceptual seja modulada para então podermos esperar uma resposta sensório-motora mais adequada. A reabilitação bem-sucedida de um paciente com alteração perceptual é um desafio para o terapeuta e requer a compreensão dos mecanismos neuropsicológicos subjacentes às suas manifestações comportamentais. Contrastar o comportamento de um sujeito entre tarefas com diferentes demandas permite a dissociação de uma variedade de processos funcionais envolvidos na atenção espacial, percepção e suas funções motoras relacionadas. TAREFA DE LABORATÓRIO Você tem alteração perceptual? Imprima em uma folha A3 os testes de cancelamento de linhas e cancelamento de estrelas. Aplique em diversas pessoas de sua família, das diferentes idades, desde criança até idoso. Observe e anote os padrões de resposta. Verifique se há omissões das linhas e estrelas nas diferentes faixas etárias, entre os gêneros, e se há diferença entre os testes em relação às linhas ou estrelas omitidas. 4. Referências ALLEGRI, R. F. Attention and neglect: neurological basis, assessment and disorders. Rev Neurol., v. 30, n. 5, p. 491-494, 2000. AZOUVI, P.; OLIVIER, S.; DE MONTETY, G.; SAMUEL, C.; LOUIS- DREYFUS, A.; TESIO, L. Behavioral assessment of unilateral neglect: study of the psychometric properties of the Catherine Bergego Scale. Arch Phys Med Rehabil., v. 84, n. 1, p. 51-57, 2003. BACCINI, M.; PACI, M.; RINALDI, L. A. The Scale for Contraversive Pushing: A Reliability and Validity Study. Neurorehabil Neural Repair., v. 20, n. 4, p. 468-72, 2006. BAZAN, R.; FERNANDES, T.; BRAGA, G.; LUVIZUTTO, G.; RESENDE L. A new clinical sign probably associated to left hemiplegia with left hemineglect syndrome: the crossed legs. Arq. Neuro-Psiquiatr., v. 72, n. 6, p. 418-421, 2014. BECKER, E.; KARNATH, H. O. 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O cerebelo é considerado o seu centro regulador, por integrar uma complexa via neural, que envolve tanto informações motoras provenientes do córtex, regiões subcorticais, tronco-encefálico e medula espinhal quanto proprioceptivas (que conferem a noção de posição segmentar) provenientes da medula espinhal, visão e sistema vestibular (CAMPBEL, 2012; BRAZIS; MASDEU; BILLER, 2016). Essas vias aferentes ao cerebelo o tornam responsável por outras funções que atuam em conjunto com a coordenação: o equilíbrio e a postura. Por meio dessa interação, é possível a modulação e balanço da força de contração dos músculos envolvidos em um movimento, assim como o controle da sua velocidade, direção, seu alcance e o tônus muscular, tornando-o preciso, com a postura adequada e eficaz para a atividade planejada. Os pacientes com prejuízo na coordenação motora geralmente buscam assistência médica com queixas de dificuldade de destreza manual (como escrever e manusear objetos), de manter um membro ou a cabeça em determinada postura (por tremor, redução da propriocepção, hipotonia e fatigabilidade), de alcançar um alvo (como tocar um alvo com precisão ou pinçar um objeto), de realizar movimentos alternados (como bater palmas), de falar (com mudança na maneira de pronunciar as palavras), e podem também ter alteração visual (como diplopia e dificuldade na fixação da visão) (MARTINS et al., 2016; PEDROSO; FERRAZ, 2017). O conjunto desses sinais e sintomas associados à alteração do equilíbrio designam as síndromes atáxicas (do grego a: ausência, e taxia: ordem), que podem afetar indivíduos de todas as idades e ter diversas etiologias, cursos clínicos e graus de acometimento, necessitando de um atendimento multidisciplinar e de uma refinada avaliação funcional, que envolve testes e pesquisas semiológicas para verificar a funcionalidade do cerebelo e de suas vias (BARBOI, 2000; PEDROSO; FERRAZ, 2017). 2. Avaliação aplicada às manifestações clínicas Incoordenação agonista-antagonista A capacidade normal de realizar contração muscular sucessiva do tipo agonista- antagonista-agonista é chamada de diadococinesia e proporciona que o indivíduo realize um movimento, depois interrompa e logo em seguida reinicie novamente (Figura 1A). O prejuízo na habilidade de realizar movimentos alternados opostos de maneira rápida e sequencial, que ocorre pelo descontrole entre o tempo de contração do músculo agonista em relação ao do antagonista, podendo ser demasiadamente prolongado ou rápido, é denominado dismetria, quando o movimento for unidirecional ou disdiadococinesia, quando for movimento alternado (Figura ١B). Figura 1 – (A) Linha preta (final): Burst trifásico (agonista-antagonista-agonista) do movimento em um indivíduo normal; (B) Linha cinza (grossa): burst do movimento em um indivíduo com incoordenação agonista-antagonista-agonista. Notamos o grande burst agonista pela imprecisão na dosagem na ativação muscular, e o grande burst antagonista na tentativa de freio do movimento, bem como o segundo burst agonista fragmentado na tentativa de alcançar o alvo. Fonte: o autor A seguir, são detalhadas as manifestações clínicas advindas desse padrão alterado de ativação muscular: 2.1 Dismetria É caracterizada por uma falha no controle da velocidade, força e direção do movimento em relação a uma distância previamente visualizada e calculada pelo paciente, quando este tenta alcançar um alvo. Assim, este pode ultrapassar o alvo (hipermetria) ou não atingi-lo (hipometria). Pode também ser pesquisado com a solicitação ao paciente para pegar uma caneta ou outro objeto na mão do examinador. Alvos menores e distâncias maiores entre o examinador e o paciente sensibilizam o teste e tornam a dismetria mais evidente. Todavia os principais testes para realizar essa avaliação são: Teste dedo-nariz (índex-nariz) Solicita-se ao paciente que estenda completamente o membro superior e depois toque a ponta do seu dedo indicador na ponta do seu próprio nariz, em velocidade lenta e depois rápida, primeiramente com os olhos abertos e depois fechados, enquanto o membro contralateral permanece completamente estendido. A mesma avaliação deve ser realizada no membro contralateral (Figura ١). Os pacientes com ataxia frequentemente alentecem bastante o movimento na tentativa de completá-lo com precisão, erram o alvo e às vezes acertam outras partes do seu rosto. Assim como os próximos testes de dismetria, podem ser utilizados para a avaliação do tremor. Figura 1 – Teste dedo-nariz Fonte: o autor Teste dedo-dedo (índex-índex) Solicita-se ao paciente para abduzir os braços, estender completamente os membros superiores e, fletindo os cotovelos, levar as pontas dos dedos indicadores em direção à linha média e tentar tocá-los. A manobra é feita em velocidade lenta e em seguida rápida; e primeiramente com os olhos abertos e depois fechados (Figura 2). Em doenças unilaterais, o lado comprometido pode não alcançar a linha média e o lado saudável tem que cruzá-la para encontrar o contralateral. No plano horizontal, o braço pode manter-se acima ou abaixo do nível do braço saudável. Figura 2 – Teste dedo-dedo Fonte: o autor Teste dedo-dedo do examinador (índex-índex do examinador) Solicita-se ao paciente para tocar a ponta do seu dedo indicador na ponta do dedo do examinador, que ficará a uma distância de ٩٠٪ do alcance máximo do paciente e, em cada uma das cinco tentativas, o examinador deve mudar a posição do seu dedo em pelo menos 30 cm em relação à posição anterior. A mesma avaliação deve ser realizada no membro contralateral (Figura 3). Figura 3 – Teste dedo-dedo do examinador Fonte: o autor Teste calcanhar-joelho Solicita-se ao paciente para que toque a ponta do calcanhar no joelho contralateral, deslize-o em linha reta ao longo da crista da tíbia até o hálux e o traga de volta até o joelho. Pode ser realizado com olhos abertos e depois com os olhos fechados. A mesma avaliação deve ser realizada no membro contralateral (Figura 4). Esse teste é o correspondente dos membros inferiores em relação aos anteriormente citados. Os pacientes com ataxia apresentam dificuldade em acertar o calcanhar no joelho, em mantê-lo em contato com a crista da tíbia e em deslizar em linha reta, ocorrendo desvios. Figura 4 – Teste calcanhar-joelho Fonte: o autor Teste artelho-dedo Solicita-se ao paciente para flexionar o joelho e tocar a ponta do seu hálux na ponta do dedo do examinador. Os achados são semelhantes aos do teste dedo- nariz. A mesma avaliação deve ser realizada no membro contralateral. Teste de escrita Solicita-se ao paciente para escrever uma frase e desenhar um espiral. A mesma avaliação deve ser realizada no membro contralateral (Figura 5). Os pacientes com ataxia apresentam hipermetria, que torna a letra grande e assimétrica (macrografia), e tortuosidades no desenho do espiral. Figura 5 – Teste de escrita. À esquerda, o examinador exemplifica o teste, e à direita, o paciente executa. Fonte: o autor 2.2 Decomposição do movimento É também conhecida como dissinergia e definida como a fragmentação da sequência integrada do movimento. O movimento é decomposto em componentes individuais, apresentando pequenas pausas e tornando-se lento, irregular e desajeitado. A avaliação apendicular pode ser realizada a partir dos testes descritos para dismetria, enquanto que a avaliação axial se dá por meio da seguinte prova: Prova de Babinski Solicita-se ao paciente para assumir um decúbito dorsal horizontal, com os braços cruzados sobre o tórax, e em seguida para que este mude para a posição sentada sem o auxílio dos membros superiores (Figura ٦). Os pacientes com ataxia apresentam dificuldade para sentar e elevam os membros inferiores, que deveriam estar em contato persistente com a maca ou leito, enquanto os indivíduos normais sentam com facilidade. Figura 6 – Prova de Babinski Fonte: o autor Testes de movimentos rápidos e alternados Avaliam a disdiadococinesiae os mais utilizados compreendem solicitar ao paciente para bater a palma e em seguida o dorso da mão na coxa de forma rápida e alternada, primeiramente de um lado e depois do outro (Figura 7A); bater palmas (Figura 7B); bater alternadamente o calcanhar no solo; bater alternadamente o pé e o antepé no solo; bater alternadamente o dedo indicador e depois o médio contra o polegar e bater palmas. Os pacientes com ataxia apresentarão movimentos irregulares, sem ritmo e falhos. Figura 7 – Teste dos movimentos rápidos e alternados Fonte: o autor Teste do rechaço Neste teste, também chamado de Stewart-Holmes, a avaliação do comprometimento da parada é realizada solicitando-se ao paciente para manter o antebraço em flexão e supinação, com o punho cerrado, contra a resistência do examinador, que de modo súbito remove toda a tração ao antebraço do paciente (Figura ٨). Naqueles com ataxia, o fenômeno do rebote está reduzido ou perdido, tornando-os incapazes de frear e interromper o movimento do antebraço, que ocasiona um golpe em si mesmos com o punho. Figura 8 – Teste do rechaço Fonte: o autor 2.5 Disartria É um distúrbio na articulação, no ritmo e na prosódia (capacidade de variar a tonalidade) da fala, devido à decomposição do movimento dos músculos responsáveis pela fonação. A fala dos pacientes pode se tornar lenta, arrastada, espasmódica ou explosiva (fenômeno do staccato), com pausas, falhas na pronúncia das palavras e necessidade de repetição para a melhor compreensão. Solicitar ao paciente para pronunciar palavras e frases com excesso de consoantes pode sensibilizar a avaliação. Outra boa estratégia é pedir ao paciente que repita expressões onomatopeicas como “ta-ta-ta” ou “pa-ta-ka”. 2.6 Distúrbios oculomotores Os distúrbios da motricidade ocular extrínseca são frequentemente encontrados nos pacientes com lesões cerebelar, vestibulares e suas interconexões. As lesões nessas regiões podem cursar com dismetria, alentecimento e irregularidade da movimentação ocular, dificuldade para manter a fixação do olhar, para realizar os movimentos de perseguição e sacádico, desvio do alinhamento dos olhos, fenômeno de rebote e nistagmo, podendo causar diplopia, desequilíbrio, instabilidade postural e vertigem (sensação de que o ambiente está girando em torno do paciente ou de que o paciente está girando em torno do ambiente). O vérmis e os núcleos fastigiais estão predominantemente envolvidos na iniciação das sácades e dos movimentos de perseguição, enquanto o flóculo, paraflóculo, nódulo e úvula na manutenção dos movimentos de perseguição, fixação do olhar e respostas vestibulo-oculares. Os órgãos vestibulares normalmente impulsionam os olhos para o lado oposto (KENNARD; LEIGH, ٢٠١١; PANDOLFO; MANTO, ٢٠١٣). Inspeção do alinhamento ocular Solicita-se ao paciente para manter a cabeça parada e alinhada na linha média, com o olhar na posição neutra e fixo na ponta do dedo do examinador, o qual irá traçar uma linha imaginária entre as pupilas do paciente. Os indivíduos com cerebelopatia podem ter um desalinhamento (skew deviation), de modo que a linha assuma algum grau de inclinação em relação ao plano horizontal. Teste das sácades Solicita-se ao paciente para manter a cabeça parada e fixar o olhar rapidamente no dedo indicador do examinador quando estendido. Para tanto, o examinador deverá manter uma mão fechada em cada uma das extremidades do campo visual e rapidamente estender o indicador de uma delas, de forma alternada, primeiramente avaliando o plano horizontal (uma mão em cada lateral do campo visual) e depois o plano vertical (uma mão na região superior e a outra na inferior do campo visual), para que o paciente realize o movimento sacádico (Figura 9). Figura 9 – Teste das sácades Fonte: o autor Os pacientes podem apresentar sácades dismétricas ao ultrapassar o alvo (sácade hipermétrica) ou não o atingir (sácade hipométrica), devido a lesões no vérmis cerebelar e nos núcleos fastigiais. Quando ocorrem, as sácades dismétricas são seguidas de sácades corretivas no sentido contrário, na tentativa de que o paciente consiga olhar para o alvo desejado. Outro achado que deve ser pesquisado é o alentecimento das sácades, que pode também ser observado nas lesões cerebelares de vérmis e núcleos fastigiais (PANDOLFO; MANTO, 2013). Teste de perseguição ou rastreio Solicita-se ao paciente para seguir um alvo a 0,5-1 m de distância, que pode ser a ponta do dedo indicador do examinador, de uma caneta ou do martelo de reflexo, esperando que ele consiga manter o segmento conjugado em todas as posições cardinais. Realizar o teste com a perseguição lenta pode sensibilizar os achados, haja vista a necessidade de uma coordenação mais refinada para o controle do movimento a uma menor velocidade (CAMPBEL, 2012; MARTINS et al., 2016). Durante a perseguição, podem ocorrer: ١) irregularidades do olhar, pela decomposição em várias sácades, especialmente quando há comprometimento do lóbulo flóculo-nodular; 2) a presença de intrusões sacádicas, que são sácades involuntárias, espasmódicas (bruscas) e que rapidamente são seguidas por uma sácade corretiva, reposicionando os olhos na posição apropriada, comuns na ataxia de Friedreich e na paralisia supranuclear progressiva, e 3) a presença de espasmos de onda quadrática (square-wave jerks), que são um movimento sacádico involuntário que ocorre no sentido contrário ao movimento (CAMPBEL, 2012; PEDROSO; FERRAZ, 2017). O teste de perseguição também é útil para a pesquisa do nistagmo, que é uma oscilação rápida e repetitiva na posição dos olhos, composta por um movimento rápido em um sentido (fase rápida) e um movimento lento no sentido oposto (fase lenta), sendo o seu sentido definido convencionalmente pela fase rápida. Em casos excepcionais, os movimentos apresentam a mesma velocidade em ambos os sentidos, sendo denominado nistagmo pendular (KENNARD; LEIGH, 2011). O nistagmo pode ter o movimento nos planos vertical (nos sentidos para cima e para baixo), horizontal (nos sentidos para a direita e para a esquerda) ou horizonto-rotatório (nos sentidos de torção interna e externa). Pode ser fisiológico (nistagmo induzido à mirada horizontal extrema, seja para a direita ou para a esquerda, com a fase rápida para o lado da mirada, esgotável após poucas batidas e sem gerar sintomas) ou patológico (por lesões vestibulares, cerebelares ou de suas vias de integração, gerando sintomas). O nistagmo vestibular tem a sua fase rápida no sentido contrário ao da lesão, pois obedece à Lei de Alexander, em que o olhar é desviado tonicamente para o lado da lesão (fase lenta) e uma rápida sácade corretiva no sentido contrário tenta compensar o movimento (fase rápida). Esse tipo de nistagmo se torna mais intenso conforme os olhos se distanciam do vestíbulo lesionado (sendo máximo na mirada extrema contralateral), menos intenso conforme os olhos se aproximam do vestíbulo afetado (sendo mínimo ou nulo na mirada extrema ipsilateral), e pode ser nos planos horizontal e horizonto-rotatório, mas nunca no vertical (KERBER; BALOH, 2011; FIFE, 2017). Por outro lado, o nistagmo cerebelar não obedece à lei de Alexander, tendo a sua fase rápida no sentido do movimento do olhar e se inverte de sentido quando os olhos retornam à posição primária, mecanismo chamado de fenômeno de rebote. Nas cerebelopatias, o nistagmo pode ser nos planos vertical (nesse caso, geralmente tem a fase rápida para baixo), horizontal ou horizonto-rotatório, e também pode ser notado o nistagmo pendular (MARTINS et al., 2016). Teste da fixação do olhar Solicita-se ao paciente para manter o olhar fixo em um ponto pré-determinado pelo examinador (Figura ١٠), que pode ser nas posições laterais, superior, inferior, oblíquas superiores e inferiores ou primária (neutra). O ponto pode ser a ponta do dedo indicador do examinador, de uma caneta, de um martelo de reflexo, um ponto ou objeto dentro do ambiente de exame ou a luz de um oftalmoscópio, para a observação da movimentação da retina, a fim de facilitar a detecçãode nistagmos finos que não são percebidos à inspeção simples. Permite observar o nistagmo fisiológico e avaliar a presença de movimentos oculares involuntários (nistagmo patológico, flutter e opsoclonia) e a amplitude do movimento ocular (CAMPBEL, 2012; MARTINS et al., 2016). Figura 10 – Teste da fixação do olhar Fonte: o autor Quando há presença de nistagmo de origem vestibular, a sua fase rápida é para o lado contrário ao da lesão vestibular, como explicado anteriormente pela lei de Alexander, e o movimento é inibido (instantaneamente ou não) à fixação do olhar. Todavia, quando o nistagmo é cerebelar, não é inibido à fixação. O examinador pode observar a presença de flutter, caracterizado por surtos de múltiplas intrusões sacádicas horizontais, rápidas e sem intervalo entre elas, e de opsoclonia, que é similar ao flutter, mas ocorre tanto no plano horizontal quanto vertical, assumindo um aspecto caótico. Ambos os movimentos são originados por lesões do tronco encefálico e do cerebelo, especialmente encefalites e síndromes paraneoplásicas (MARTINS et al., 2016; PEDROSO; FERRAZ, 2017). Prova oculocefálica Solicita-se ao paciente para manter a cabeça parada na linha média e fixar o olhar no rosto do examinador, o qual irá segurar a cabeça do paciente com as duas mãos e provocar a sua rotação para um lado. A mesma avaliação deve ser realizada contralateralmente. Os indivíduos normais conseguem manter o olhar fixo no rosto do examinador. Contudo, naqueles com lesão cerebelar ou vestibular, os olhos seguem o movimento da cabeça, perdendo a fixação e necessitando de uma sácade corretiva no sentido oposto ao do movimento, para o olhar retornar ao alvo. É importante lembrar que especialmente no contexto de uma vertigem aguda, uma resposta alterada sugere uma lesão vestibular, enquanto uma resposta normal sugere uma lesão cerebelar (KERBER; BALOH, 2011). 3. Teste de coordenação em situações do cotidiano A coordenação motora também pode ser avaliada em situações do cotidiano, tais como observar os padrões de movimento durante tarefas simples ou complexas. Com base na interação entre indivíduo, tarefa e ambiente, podemos modular o contexto para avaliar de maneiras diferentes a coordenação, por exemplo: Solicitar ao individuo que abotoe e desabotoe sua camisa ou uma roupa externa; Solicitar ao indivíduo que utilize prendedores para pregar roupas em um varal; Solicitar que empilhe moedas, cubos ou objetos de diferentes tamanhos; Esses são exemplos de tarefas que podem ser variadas dentro do contexto funcional do indivíduo e podem ser utilizadas como parâmetros para a evolução do desempenho funcional ao longo to tempo. 4. Ferramentas biomecânicas para avaliação da coordenação Uma ferramenta lúdica para avaliação da coordenação baseada em princípios do controle motor (Lei de Fitts) é o labirinto elétrico (LE). A lei de Fitts diz que existe uma relação inversa entre a velocidade e a acurácia de um movimento, sendo assim, quanto maior a velocidade de execução da atividade, maior será o número de erros e, portanto, menor a acurácia do movimento. O LE exige coordenação para orientar uma argola de arame no decorrer de um labirinto feito de metal, sem tocar a argola no labirinto. De forma que, se o contato ocorrer, um zumbido é acionado (READ et al., 2013). O instrumento permite a coleta do tempo de realização da atividade e do número de erros (toques da argola no labirinto). Figura 11 – Tarefa de coordenação motora no labirinto elétrico Fonte: o autor Além de desafiador, o labirinto é considerado um instrumento de fácil reprodução, tornando-se assim uma ótima opção como instrumento avaliativo para coordenação de membros superiores, tendo como foco a avaliação da acurácia e velocidade ao realizar a atividade proposta (READ et al., 2013). 5. Principais escalas para avaliação da coordenação motora A utilização de escalas para avaliação quantitativa da ataxia é bastante difundida, e duas dessas escalas são grandemente utilizadas, a International Cooperative Ataxia Rating Scale (ICARS) e a Scale for the Assessment and Rating of Ataxia (SARA). A Icars é dividida em quatro partes: postura e distúrbio da marcha, funções cinéticas do tronco, alterações na fala e alterações oculomotoras, variando de 0 a 100, sendo que quanto maior a pontuação, pior o desempenho do indivíduo (SCHOSCH et al., 2007). A Sara é dividida em oito partes: marcha, postura, sentar, alterações na fala, teste índex-índex, teste índex-nariz, movimentos alternados, e teste calcanhar joelho, variando de 0 a 40, sendo que quanto maior a pontuação, pior o desempenho (SCHMITZ-HUBSCH, 2006). CASO CLÍNICO. Um homem de 34 anos, com diagnóstico de Ataxia de Friedreich desde os 12 anos, começou a apresentar os primeiros sinais de dificuldades da marcha, alteração da coordenação motora de membros inferiores, quedas frequentes e disartria. Após oito anos do início da doença, os pés começaram a ficar cavos, dismetrias e disdiadococinesias eram claras, e a marcha só era possível com auxílio. O quadro evolui para acinesia e é necessário uso de cadeira de rodas. Alguns anos depois, o paciente não tinha nenhum controle da postura em pé e a coordenação motora dos membros superiores também foi afetada. Destaca-se neste caso a característica progressiva da doença com manifestações iniciais por meio de alterações na marcha. Após quatro ou cinco anos da doença, o paciente evolui para incoordenação de membros inferiores e cansaço ao final do dia, e em seguida acometendo a voz (disartria) e membros superiores, sem melhora do estado clínico. 6. Implicações clínicas A avaliação da coordenação traduz toda capacidade que o indivíduo tem de realizar movimentos harmônicos, seja de maneira simples ou complexa, representando a capacidade de adequar padrões de movimentos em atividades diversas do cotidiano, sob a demanda de tarefas variadas no contexto funcional. TAREFA DE LABORATÓRIO Que tal uma tarefa mais lúdica, porém interessante para avaliação e até mesmo terapêutica? Mãos à obra! Você vai contruir um aparelho para testar coordenação. Pode ser similar ao modelo do labirinto elétrico, em que é possível avaliar o tempo da tarefa, o número de erros, e quando esses erros aconteceram. É simples, basta um circuito elétrico, um ferro posicionado da forma como acharem interessante para o teste/treino de coordenação, uma madeira de apoio, argolas e vamos coordenar! Com ele, explore a coordenação em indivíduos com diferentes idades e doenças do SNC e SNP. 7. Referências BARBOI, A. C. Cerebellar ataxia. Arch Neurol., v. 57, n. 10, p. 1525-1527, 2000. BRAZIS, P. W.; MASDEU, J. C.; BILLER, J. Localization in clinical neurology. 7. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2016. CAMPBEL, W. W. Dejong’s the neurologic examination. 7. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2012. FIFE, T. D. Dizziness in the outpatient care setting. Continuum, v. 23, n. 2, p. 359-395, 2017. KENNARD, C.; LEIGH, R. J. Handbook of Clinical Neurology. 3. ed. Amsterdam: Elsevier, 2011. KERBER, K. A.; BALOH, R. W. The evaluation of a patient with dizziness. Neurol Cain Pract., v. 1, p. 24-33, 2011. MARTINS, C. R.; FRANÇA, J. R.; MARTINEZ, A. R. M.; FABER, I.; NUCCI A. Semiologia Neurológica. 1. ed. São Paulo: Revinter, 2016. PANDOLFO, M.; MANTO, M. Cerebellar and afferent ataxias. Continuum, v. 19, n. 5, p. 1312-1343, 2013. PEDROSO, J. L.; FERRAZ, H. B. Transtornos do movimento, ataxia e outros transtornos motores neurodegenerativos. 1. ed. São Paulo: Atheneu, 2017. SCHMITZ-HÜBSCH, T.; DU MONTCEL, S. T.; BALIKO, L.: BERCIANO, J.; BOESCH, S.; DEPONDT, C.; GIUNTI, P.; GLOBAS, C.: INFANTE, J.: KANG, J. S.; KREMER, B.; MARIOTTI, C.; MELEGH, B.; PANDOLFO, M.; RAKOWICZ, M.; RIBAI, P.; ROLA, R.; SCHÖLS, L.; SZYMANSKI, S.; VAN DE WARRENBURG, B. P.; DÜRR, A.; KLOCKGETHER, T.; FANCELLU, R. Scale for the assessment and rating of ataxia. Neurology, v. 66, p. 1717-1720, 2006. SCHOCH, B.; REGEL, J. P.; FRINGS, M.; GERWIG, M.; MASCHKE, M.; NEUHÄUSER, M.; TIMMANN,D. Reliability and Validity of ICARS in focal cerebellar lesions. Mov Disord., v. 22, p. 2162-2169, 2007. READ, J. C. A.; BEGUM, S. F.; MCDONALD, A.; TROWBRIDGE, J. The binocular advantage in visuomotor tasks involving tools. i-Perception, v. 4, n. 2, p. 101, 2013. TEIXEIRA, C. L. Equilíbrio e controle postural. Brazilian Journal of Biomechanics, v. 11, n. 20, p. 30-40, 2010. Capítulo 11 Avaliação funcional do Equilíbrio No centro ou oscilando ao redor dele? Ana Flávia Silveira Tamiris Aparecida Castro Souza Dr. Gustavo José Luvizutto Dr.ª Luciane Aparecida Pascucci Sande de Souza 1. Introdução O controle postural pode ser considerado uma habilidade motora complexa derivada de uma interação de múltiplos processos sensório-motores, tendo dois principais objetivos funcionais, a orientação e o equilíbrio postural (HORAK; HENRY; SHUMWAY-COOK, 1997). A orientação postural envolve todo o controle ativo do alinhamento do tônus corporal em relação à gravidade, superfície de suporte, ambiente visual e referências internas. A habilidade de manter, atingir e restaurar o equilíbrio deve ocorrer em qualquer postura adotada. No entanto não ocorre somente para manter a postura, mas também para a mobilidade, a realização de atividades diárias de forma segura e em reações frente à perturbação externa (MANCINI; HORAK, 2010; HORAK; NASHNER; DIENER, 1989). De modo mais amplo, podemos usar o termo controle postural, indicando um controle da posição corporal com objetivo de estabilidade e orientação. E pode também ser considerado como a capacidade de manter o centro de massa (CDM) dentro de sua base de apoio. O controle do equilíbrio está relacionado a aspectos neurofisiológicos como o processamento sensorial das informações visuais, vestibulares e somatossensoriais, o planejamento e programação motores e aspectos biomecânicos, ou seja, as respostas motoras que exigem força e endurance musculares (GONTIJO, 1997). Qualquer alteração em algum desses aspectos pode comprometer o equilíbrio. O processo dinâmico do equilíbrio se dá a partir das forças de estabilização e desestabilização. O equilíbrio é dependente da interação entre o indivíduo, tarefa e o ambiente, e é desencadeado pela precisão dos impulsos sensoriais específicos e integridade dos processos motores (SCHMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003). Considerando os sistemas sensoriais essenciais para o equilíbrio, temos: a visão, que possibilita a orientação dos olhos e da cabeça em relação aos objetos externos (POZZO; LEVIK; BERTHOZ, 1995), o sistema somatossensorial, que provê informações sobre a orientação das partes do corpo entre si e em relação à superfície de suporte (HORAK; NASHNER; DIENER, 1989), e o sistema vestibular, que provê referência interna inercial-gravitacional e determina a orientação da cabeça no espaço. 2. Biomecânica do equilíbrio Para melhor compreensão das respostas posturais, é necessário também uma descrição das propriedades biomecânicas do equilíbrio, que incluem: Limite de estabilidade (LE): é uma variável bidimensional, definida como o ângulo máximo a partir da vertical que pode ser tolerado sem perda do equilíbrio. No adulto normal, o limite de estabilidade é de aproximadamente 12º na direção ântero-posterior (8º anterior e 4º posterior) e 16º, em média, na direção látero-lateral (8º para cada lado) (Figura 1). Envoltório de oscilação e alinhamento do centro de gravidade (CG):é uma área contida nos limites de estabilidade, na qual o indivíduo oscila nos sentidos ântero-posterior e látero-lateral, tentando manter o alinhamento do CG. O alinhamento do CG (projeção vertical do CG sobre a base de suporte) corresponde ao ponto médio desse envoltório. (Figura 1) Figura 1 – Propriedades biomecânicas do equilíbrio: Limite de estabilidade (triângulo invertido, envolvendo apenas um plano), envoltório de oscilação (cone invertido, incluindo os planos frontal e sagital) e alinhamento do CG (cone menor dentro do envoltório de oscilação) Fonte: o autor As respostas posturais utilizadas para corrigir os desequilíbrios corporais podem ser estudadas em relação ao plano frontal (flexão lateral) e ao plano sagital (flexão e extensão). (SCHMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003). No plano sagital, essas respostas são limitadas primariamente a três estratégias – a estratégia do tornozelo, a do quadril e a do passo. Há ainda outras estratégias, como as da cabeça e a do tronco, que não interferem muito no posicionamento do CG no plano sagital. No plano frontal, os movimentos da cabeça, do tronco ou da unidade cabeça- tronco são utilizados como referência importante para o controle postural em atividades de equilíbrio. Plano sagital Em situações em que o CG permanece dentro do LE, duas estratégias – do tornozelo e do quadril – ou combinações entre elas podem ser utilizadas para mover o CG (Figura 2). Em situações em que a perturbação desloca o CG além do LE, um passo é a única estratégia efetiva para prevenir uma queda. Estratégia do tornozelo: desloca o CG no sentido ântero-posterior, enquanto mantém a posição do pé sobre a superfície de apoio, movendo o corpo como uma massa relativamente rígida sobre as articulações do tornozelo, de modo que um torque é exercido sobre a superfície de suporte. Isso é conseguido pela contração da musculatura das coxas e da parte inferior do tronco. Essas musculaturas são requisitadas para resistir à desestabilização das articulações proximais, por efeito indireto da musculatura do tornozelo (Figura 2A). Estratégia do quadril: os movimentos são centrados nesta articulação, com pequenas rotações no sentido contrário na articulação do tornozelo. O CG move-se na direção oposta à do quadril devido à inércia do tronco (que se move em uma direção), gerando uma força de reação horizontal e em sentido oposto na superfície de suporte. A resistência à desestabilização da articulação dos joelhos é feita pela coordenação das ações musculares nos tornozelos, joelhos e quadris (Figura 2B). Estratégia do passo: quando o CG é deslocado além dos limites de estabilidade, é necessário um passo para a manutenção do equilíbrio. No caso desta estratégia, menores limitações biomecânicas podem comprometer seu uso, tornando-a ineficiente ou até mesmo inapropriada (Figura 2C). Figura 2 – Estratégias posturais no plano sagital. A: tornozelo, B: quadril, C: passo Fonte: o autor NOTA: A estratégia do passo é considerada uma reação de proteção, pelo fato de sair da base de suporte original na tentativa de aumentar o apoio. Outras reações de proteção também podem ser observadas em situações que ultrapassam o limite de estabilidade em todas as posturas. Por exemplo: na posição sentada quando somos empurrados no sentido ântero-posterior ou látero-lateral podemos utilizar reações de proteção por meio da movimentação do membro superior nas instabilidades maiores. Plano frontal A mobilidade articular no plano frontal é menor do que no plano sagital. Como no plano sagital, aqui também existem estratégias para auxiliar o equilíbrio, sendo elas as Estratégias da cabeça e do tronco. A “referência do tronco” é constituída com base nas informações táteis e proprioceptivas sobre a interação das forças entre os pés e a base de suporte, quando o corpo permanece próximo da vertical. A estabilização da cabeça na vertical (retificação da cabeça) pode aumentar o controle postural, pois isso facilita a interação entre as informações visuais (sobre posição e movimento) e vestibulares (sobre as forças da gravidade e de inércia), além de potencializar as informações cinestésicas. Durante pequenas oscilações corporais, o tronco permanece tão estável quanto a cabeça. Entretanto tarefas complexas de equilíbrio requerem uma minimização dos deslocamentos do CG e, portanto, os movimentos do tronco devem ser limitados, em sua maioria, à rotação em torno do CG. Já em tarefas complexas, é utilizada a estratégia de estabilização da cabeça, pois é usada preferencialmente para contrair oscilações corporais maiores e mais rápidas. O pescoço, a pelve e ospés podem ser considerados pontos-chaves para a manutenção do equilíbrio. É importante, durante a avaliação, que se esteja atento a todos os fatores capazes de influenciar a manutenção postural dos pacientes e, assim, perceber se estes utilizam “estratégias anormais” como resultado direto de uma alteração neurológica ou como efeito indireto de limitações músculo-esqueléticas (GONTIJO, 1997). 3. Doenças que alteram o equilíbrio De modo didático, podemos separar as alterações de equilíbrio de acordo com a doença/lesão: motora ou sensorial. No primeiro grupo, incluem-se, por exemplo, algumas doenças como as disfunções cerebelares que podem causar instabilidades posturais estáticas e dinâmicas, além de déficits na antecipação. Nesse caso, as percepções visual, proprioceptiva e vestibular estariam normais. Já no caso de disfunções vestibulares, que são constituídas por sensações anormais a partir dos receptores labirínticos, o equilíbrio pode estar alterado. Assim, surgem desequilíbrios de origem sensorial. Associado a essa divisão, é importante saber o local da lesão para a melhor compreensão do quadro clínico e assim também entender se o equilíbrio seria um problema primário (impairment) ou se seria mais um problema secundário, como consequência (disability). Porém, em ambas as situações, esse déficit de equilíbrio poderá comprometer as atividades e participação na vida desses pacientes. O quadro a seguir pode auxiliar nesse raciocínio. 1) AVC em artéria cerebral média esquerda, comprometimento sensório-motor Problema primário: fraqueza, redução proprioceptiva em hemicorpo direito. Problema secundário: equilíbrio bipodal e unipodal alterados devido ao deslocamento do CG. Atividades: dificuldade em caminhar longos trajetos. Participação: atividades de lazer que envolvam caminhadas prolongadas. 2) AVC em artéria cerebelar superior, comprometimento de equilíbrio Problema primário: déficit de equilíbrio em todas as posturas. Problema secundário: fraqueza por desuso em vários segmentos, pois paciente evita posturas desafiadoras por déficit de equilíbrio. Atividades: dificuldade em caminhar longos trajetos. Participação: atividades de lazer que envolvam caminhadas prolongadas. Quadro 1 – Problemas primários e secundários relacionados ao déficit de equilíbrio Fonte: o autor Caso clínico 1: J.P.S, sexo masculino, 40 anos, pintor. Paciente relata que aos 35 anos começou a sofrer falta de equilíbrio e teve alguns episódios de quedas. Com o passar de cinco anos, foi diagnosticado com degeneração espinocerebelar. Segundo o paciente, seus dois irmãos têm essa doença, e todos têm evoluído com piora do quadro. Dentre os sinais/sintomas, destacamos aqui a alteração do equilíbrio, proporcionando um alargamento da base e redução das reações na postura em pé. Nessa doença, o comprometimento da região funcional chamada de espinocerebelo promove uma redução do controle postural de eixo, o que se explica com essa postura alterada em pé. Com a evolução da doença, o paciente também apresentará dificuldade de equilíbrio na postura sentada, o que se agrava ainda mais pela presença de espasticidade, especialmente em membros inferiores. Em testes funcionais, o desequilíbrio pode ser manifestado, além da dificuldade na postura em pé e sentado, em posturas menos avançadas, como decúbito lateral, e nas transições entre elas. Caso clínico 2: K.E, sexo feminino, 27 anos, estudante. Paciente queixou-se de tonturas e desequilíbrio durante algumas transições posturais. Ao exame, foi encontrado desvio unilateral no equilíbrio estático (Romberg labiríntico) e rotação à direita durante a marcha. Durante testes sensoriais, utilizando espuma e venda, foi observada manutenção do equilíbrio em cima da espuma sem a venda e queda ispsilateral quando colocada a venda. Isso indica um quadro de hipofunção vestibular unilateral. NOTA: Toda a atividade é dependente de reações adequadas de equilíbrio. Essas reações são automáticas, mas podemos controlá-las voluntariamente para uso funcional. Pensando nisso, os distúrbios decorrentes da falta de equilíbrio causam impactos na vida dos indivíduos, levando à redução da sua autonomia e desempenho nas atividades de vida diária (AVDs) (DAVIES, 1996). 3. Avaliações do equilíbrio Durante a avaliação de equilíbrio, numa perspectiva mais funcional, é importante observar sua capacidade de: 1) ir até a postura de teste; 2) permanecer nessa postura; 3) movimentar-se na mesma; 4) sair da postura. Essas quatro etapas já investigam iniciativa motora, parte estática e dinâmica durante a permanência postural e controle para a transição postural. É importante destacar que o equilíbrio deve ser avaliado em todas as posturas possíveis para cada indivíduo, principalmente nas transições de supino até ortostatismo, como mencionado no capítulo 7. Um teste clássico, muito utilizado na prática clínica, é o sinal de Romberg. O paciente permanece em posição ortostática de pés juntos em pé e solicitando-lhe que feche os olhos. Se o paciente cair para qualquer lado, indica a positividade, lesão da via proprioceptiva, que conduz à sensibilidade profunda. Quando o paciente oscila ou cai segundos depois de fechar os olhos, sempre para o mesmo lado, esse é o sinal falso de “Romberg” ou “Romberg labiríntico”. Porém esse teste se restringe à postura em pé e também não é sensível a alterações de equilíbrio por comprometimento em outras regiões, como por exemplo, cerebelo. Além disso, o equilíbrio deve ser avaliado em todas as posturas, para auxiliar no entendimento do caso e na tomada de decisão terapêutica. A seguir, apresentamos um exemplo de avaliação funcional do equilíbrio. Casco clínico 3: Enquanto deitado em prono, apoiando sobre os cotovelos, a paciente é capaz de transferir peso para qualquer lado. Enquanto sentada, ela é capaz de mudar o peso para qualquer dos lados com o apoio de seu membro superior esquerdo quando desloca o peso para a esquerda. Para a direita, não necessita apoiar o membro superior direito e levanta o membro inferior oposto para movimento. Enquanto em pé, a paciente não move o seu peso totalmente para o membro inferior esquerdo, tendo dificuldade, por isso, de mover o membro inferior contralateral. Sendo assim, o limite de estabilidade foi ultrapassado, pois apresenta um desvio da lateralidade do corpo para a direita deslocando o centro de gravidade (CG) para fora do seu alinhamento (fora do envoltório de oscilação). Portanto, com o CG além dos LE, as estratégias do tornozelo e quadril não são suficientes para manter o equilíbrio, sendo o passo a única estratégia para evitar uma queda. O restabelecimento do equilíbrio em várias direções é feito com pequenos passos lentamente. O equilíbrio está bastante prejudicado nesse caso de uma hemiparesia à esquerda. 3.1 Avaliação do equilíbrio por escalas: Várias escalas têm sido desenvolvidas para avaliar o equilíbrio. Incluímos aqui algumas destas, mais comuns e amplamente utilizadas na prática clínica: escalas de equilíbrio de Berg, teste Timed Up and Go, BESTest e escala de Tinetti. A escala de equilíbrio de Berg (EEB) avalia o desempenho do equilíbrio funcional com base em 14 itens comuns à vida diária. Cada item possui uma escala ordinal de cinco alternativas que variam de zero a quatro pontos, sendo a pontuação máxima, portanto, 56. Quanto menor a pontuação atingida pelo indivíduo, maior será o risco de queda. A escala é utilizada para avaliar idosos frágeis e pacientes com déficits de equilíbrio encaminhados para reabilitação, independentemente da idade (MIYAMOTO et al., 2004). O teste Timed Up and Go (TUG) tem como objetivo avaliar a mobilidade e o equilíbrio funcional. O teste quantifica em segundos a mobilidade funcional por meio do tempo em que o indivíduo realiza a tarefa de levantar de uma cadeira, caminhar três metros, virar, voltar à cadeira e sentar novamente (PODSIADLO; RICHARDSON, 1991) O BESTest avalia seis sistemas envolvidos no controle postural: (1) restrições biomecânicas; (2) limites de estabilidade e verticalidade;(3) ajustes posturais antecipatórios; (4) respostas posturais; (5) orientação sensorial e (6) estabilidade na marcha. O teste consiste em 14 tarefas pontuadas de 0 a 2 de acordo com o desempenho do participante, avalia, entre outros itens, a base de suporte, o alinhamento do centro de pressão, força e amplitude de movimento do tornozelo, sentar e levantar, alcance funcional, equilíbrio em apoio unipodal, marcha e o desempenho no teste de levantar e andar em tarefa simples e dupla. A validade concorrente foi avaliada pela correlação entre o BESTest e a Activities-specific Balance Confidence em indivíduos com condições neurológicas diversas e indivíduos sem alterações neurológicas, com coeficiente de correlação de Spearman de 0,641 (HORAK; WRISLEY; FRANK, 2009). O BESTest e sua versão resumida, chamada de MiniBESTest, foram traduzidos e adaptados transculturalmente para o português-Brasil em um estudo com idosos e indivíduos com doença de Parkinson, apresentando evidência de adequada validade de construto e estabilidade das respostas nessas populações (MAIA et al., 2013). Escala de Tinetti (Performance Oriented Mobility Assessment – Poma). Esse teste é dividido em duas partes, uma avalia o equilíbrio, e a outra, a marcha. A Escala de Tinetti consiste em uma escala de 22 tarefas, sendo que 13 delas fazem parte da escala de equilíbrio, e as outras nove, da parte de avaliação da marcha. A escala de Equilíbrio de Tinetti consiste em diversas tarefas representativas das atividades de vida diária. A Avaliação do Equilíbrio Orientada pelo Desempenho pode ser classificada em três categorias: normal, adaptativa e anormal, sendo as pontuações correspondentes a 3, 2 e 1, respectivamente. A Avaliação da Marcha Orientada pelo Desempenho pode ser classificada em duas categorias: normal e anormal, correspondendo a pontuações 2 e 1, respectivamente (GOMES, 2003). 3.2 Avaliação instrumental do equilíbrio O padrão ouro utilizado para mensurar as variáveis da oscilação postural é a posturografia dinâmica (PD) e a variável associada a essa oscilação é o centro de pressão (COP). A plataforma de força é o equipamento mais utilizado para avaliar o COP, sendo o modelo portátil (AMTI) considerado confiável para o teste de equilíbrio (CASTAGNO, 1994b). Esse instrumento pode ser utilizado para avaliação do equilíbrio corporal e suas relações com o sistema visual, proprioceptivo e vestibular. Para tanto, a PD expõe o indivíduo ao Teste de Organização Sensorial (TOS), o qual é realizado na posição ortostática, para que as aferências sensoriais vão sendo anuladas para análise e comparação entre os distintos TOS (CASTAGNO, 1994a). Para a avaliação, são realizados seis TOS, os quais serão descritos a seguir: TOS I – neste teste, são avaliados o sistema visual, o proprioceptivo e o vestibular. A visão deve estar normal, ou seja, com os olhos abertos fixos na horizontal. A plataforma de apoio sob os pés deverá ser fixa, sem a utilização da almofada. A cabine visual deve permanecer fixa durante 20 segundos. TOS II – teste com a visão ausente, em que o indivíduo realiza o teste com os olhos fechados; consequentemente, a cabine visual não apresenta movimento. A plataforma de apoio também deve estar fixa sem a utilização de almofada entre os pés e o solo. Este teste avalia os sistemas proprioceptivo e vestibular. TOS III – neste teste, a visão deve estar normal e a referência (cabine visual) oscilante, sendo 10 segundos, inclinada manualmente para a frente e 10 segundos para retornar à posição inicial. A plataforma de apoio ainda estará fixa. Este teste avalia o sistema proprioceptivo, vestibular e, sobretudo, o visual. TOS IV – teste que engloba a visão normal fixa no horizontal e a cabine visual mais uma vez fixa durante 20 segundos. O suporte de apoio deve existir por meio da almofada de 10 cm de densidade entre os pés do indivíduo e o solo. O TOS IV avalia principalmente o sistema proprioceptivo. TOS V – teste com a visão ausente, o sujeito com os olhos fechados e a plataforma de apoio oscilante. Este teste avalia os sistemas proprioceptivo e vestibular, em condições de sobrecarga, devido à eliminação da aferência visual e à movimentação da plataforma. TOS VI – teste que requer a visão normal com referência (cabine visual) e suporte de apoio oscilante. A avaliação é referente aos sistemas proprioceptivo, visual e vestibular. Objetivamente, também podemos testar o equilíbrio utilizando-se das estratégias sensoriais por meio do Teste Clínico de Integração Sensorial no Equilíbrio (TCISE), utilizando espuma de média densidade e vendas. O TCISE é baseado nos conceitos de Nashner (1982) e exige que o indivíduo se mantenha na postura vertical por 30 segundos sob seis condições sensoriais. São utilizadas as três posturas clássicas do teste de equilíbrio: Romberg, Tandem e apoio unipodal. É quantificado por meio de cronômetro o tempo que o indivíduo permanece em cada postura, bem como o nível de inclinação postural. Deve-se iniciar com todas as posturas sem a espuma e de olhos abertos, evoluindo para as posturas sob a espuma e vendado (Figura 3) (SHUMWAY-COOK; HORAK, 1986; SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003). Figura 3 – (A) Postura de Romberg com os olhos abertos sob espuma; (B) Postura de Romberg com os olhos vendados sob espuma; (C) Postura de Tandem com os olhos abertos sob espuma; (D) Postura de Tandem com os olhos vendados sob espuma; (E) Postura unipodal com os olhos abertos sob espuma; (F) Postura unipodal com os olhos vendados sob espuma. Fonte: o autor Outra possibilidade é a baropodometria, que mede a pressão plantar e pode auxiliar na interpretação da postura e do movimento. É uma avaliação simples, rápida e de baixo custo. Ela permite avaliações semiestáticas e dinâmicas (ALVES, 2018). Além dessas avaliações mais utilizadas e difundidas, também existe a opção de avaliação do equilíbrio por meio do balancim elétrico (Registro pela Anvisa, n.º 80079190016), o qual tem como objetivo avaliar a oscilação da posição ortostática por meio de um acelerômetro acoplado a um Balancim, sendo este último um recurso utilizado para treino de equilíbrio (Figura 4). O acelerômetro, ligado a um software MotionPro, calcula a área de formato elíptico referente às oscilações realizadas pelo indivíduo (Figura 5). Na ausência do balancim elétrico pode se optar pelo uso de aplicativos de celulares acoplados ao balancim convencional que mensuram a aceleração no eixo x-y. A interpretação dos resultados será: quanto maior a área da elipse, maior o grau de oscilação e pior o equilíbrio. Figura 4 – (A) Posição de Romberg com os olhos abertos no balancim; (B) Posição de Romberg com os olhos fechados no balancim; (C) Posição unipodal com os olhos abertos no balancim; (D) Posição unipodal com os olhos fechados no balancim. Fonte: o autor Figura 5 – Área de formato elíptico referente às oscilações captadas pelo acelerômetro no balancim Fonte: Dados de iniciação científica do grupo de Neurociências aplicada à Reabilitação da UFTM 4. Implicações clínicas Avaliar o equilíbrio significa ver a capacidade do indivíduo de se manter estável, porém com liberdade de movimento. Muitos testes simples podem ser utilizados, e é possível até mesmo complementar com o uso de escalas e equipamentos mais precisos. O equilíbrio em várias posturas é a base para a realização de transferências e movimentos funcionais. TAREFA DE LABORATÓRIO Vamos testar seu equilíbrio? Permaneça sentado sem apoio de pés e braços sobre as coxas. Movimente seu tronco o mais distante que conseguir, para os lados, para frente e para trás, depois oscilando em círculo. Consegue estimar seu limite de estabilidade nos dois planos? E seu envoltório de oscilação? Agora, faça o mesmo com um paciente hemiparético e também com um paciente com doença de Parkinson. Observe suas respostas. O que mudou? Como se comportam? O que os achados indicam? 5. Referências ALVES, R; BOREL, W. P.; ROSSI, B. P.; VICENTE, E. J. D.; CHAGAS, P. S. C.; FELÍCIO, D. C. Test-retest reliabilityof baropodometry in young asyntomatic individuals during semi static and dynamic analysis. Fisioter Mov., v. 31, e003114, 2018. CASTAGNO, L. A. A new method for sensory organization tests: the foam-laser dynamic posturography. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 60, n. 4, p. 287-96, 1994a. CASTAGNO, L. A. Distúrbio do equilíbrio: um protocolo de investigação nacional. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 60, n. 8, p. 124-36, 1994b. DAVIES, P. Passos a seguir: um manual para o tratamento da hemiplegia no adulto. 1. ed. São Paulo: Manole, 1996. GOMES, G. S. Tradução, adaptação transcultural e exame das propriedades de medida da escala “Performance-Orientes Mobility Assessment” (POMA) para uma amostra de idosos brasileiros institucionalizados. Dissertação (Mestrado em Gerontologia) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas (SP), 2003. GONTIJO, A. P. B.; ARAÚJO, A. R.; CHAVES, F. S.; PEDROSA, F. M. Aspectos neurológicos e biomecânicos do equilíbrio para fundamentar a prática clinica: revisão bibliográfica. Temas sobre desenvolvimento, v. 6, n. 33, p. 3-11, 1997. HORAK, F. B.; HENRY, S. M.; SHUMWAY-COOK, A. Postural perturbations: new insights for treatment of balance disorders. Phys Ther., v. 77, n. 5, p. 517- 533, 1997. HORAK, F. B.; NASHNER, L. M.; DIENER, H. C. Influence of central set on human postural responses. J. Neurophysiology, v. 62, p. 841-53, 1989. HORAK, F. B.; WRISLEY, D. M.; FRANK, J. 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Para entendermos o processo normal de verticalidade, precisamos entender como o desenvolvimento do controle postural normal ocorre, desde reflexos até reações de equilíbrio, para podermos aprofundar nos conceitos de verticalidade. O controle postural é um processo complexo, com novos comportamentos e novas habilidades surgindo da interação do indivíduo, a tarefa e o ambiente para que consigamos atingir o controle postural adequado e a percepção normal de verticalidade. Alguns reflexos/reações podem auxiliar no surgimento e evolução do controle postural e da verticalidade (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2008): Os reflexos de atitude produzem alterações na postura do corpo a partir de mudanças na posição cefálica. Eles incluem: reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA), reflexo tônico cervical simétrico (RTCS) e reflexo tônico labiríntico (RTL). Esses reflexos tendem a surgir e desaparecer durante o primeiro ano de vida em situações normais. NOTA: (A) Reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA) que, ao rodar a cabeça, produz flexão no membro superior e inferior do lado occipital e extensão do membro superior e inferior do lado facial; (B) reflexo tônico cervical simétrico (RTCS) em que, ao fletir a cabeça, ocorre flexão do membro superior e extensão do membro inferior, e ao estender a cabeça, ocorre extensão do membro superior e flexão do membro inferior; (C) reflexo tônico labiríntico (RTL), em que ocorre extensão de todos os membros em decúbito dorsal horizontal. A seguir, durante o desenvolvimento, surgem as reações de endireitamento/retificação ou verticalização. Essas reações produzem a orientação da cabeça no espaço e do corpo em relação à cabeça e ao solo. Muitas delas permanecem a vida toda com o intuito de garantir uma posição vertical normal e estabilidade durante as trocas posicionais. São elas: reação de endireitamento óptico (baseia-se nas informações visuais), reação de endireitamento labiríntico (a partir dos sinais vestibulares), reação de endireitamento corpo sobre cabeça (orienta a cabeça a partir de informações proprioceptivas e táteis do corpo em contato com uma superfície de apoio), reação de endireitamento cervical (orienta o corpo em reposta aos aferentes cervicais), reação de endireitamento corpo sobre corpo (mantém o corpo orientado em relação ao solo). Já as reações de equilíbrio e proteção envolvem a capacidade de se manter estável, porém de modo dinâmico, em diferentes posições. Elas são mais exploradas no capítulo 11. Elas começam a se desenvolver a partir dos 6 meses e duram a vida toda. 1.2 Conceitos de verticalidade A capacidade de julgar se os objetos estão na posição vertical é chamada de verticalidade. A orientação do corpo em relação à gravidade baseia-se na integração de sinais visuais, vestibulares e somatossensoriais, desempenhando papel importante na percepção da verticalidade do indivíduo em relação ao meio ambiente (BRONSTEIN, 1999; SHARPE, 2003; LOPEZ et al., 2011). As áreas envolvidas na percepção da verticalidade que foram identificadas até agora são: as áreas vestibulares multimodais, região temporo-occipital, parieto-temporal, parieto-occipital e insular, giro supramarginal, giro temporal médio, temporal inferior e tálamo póstero-lateral. A orientação espacial em relação ao eixo gravitacional por meio de uma integração multissensorial dos sistemas visual, vestibular e somatossensorial é significativamente importante para a manutenção do controle postural (BARCELLOS; IMBIRIBA, 2002; BARBIERI et al., 2008; BARRA et al., 2010). Além disso, a informação fornecida por um único sensor é muitas vezes ambígua e pode ser resolvida apenas combinando pistas de múltiplas fontes sensoriais (BARRA; PÉRENNOU, 2013; PÉRENNOU et al., 2014). Portanto, são avaliados três tipos de verticalidade: subjetiva vertical visual (subjective visual vertical – SVV), subjetiva vertical proprioceptiva (subjective haptic vertical – SVPr) e subjetiva vertical postural (subjective postural vertical – SVP) (BAIER et al., 2012). 2. Teste da subjetiva vertical visual A subjetiva vertical visual (SVV) pode ser avaliada por meio do teste do balde (ZWERGAL et al., 2009). Trata-se de um teste simples, prático, com baixo custo e alta efetividade na sua aplicação. O paciente é posicionado sentado ou em pé, rosto inserido no balde de modo que não enxergue fora dos limites deste, e o examinador, após girar o balde entre 15-80o no sentido horário e anti-horário, solicita ao paciente para que ajuste à posição na qual estima que a linha no fundo esteja na vertical verdadeira (SAEYS et al., 2010). O examinador afere os graus do eventual desvio em uma escala justaposta no exterior do balde. Um total de 10 repetições deve ser realizado (Figura 1). Segundo Perennou et al. (2008) considera valores de normalidade na SVV variaçõesde -2.5° até +2.5°. Figura 1 – Teste do balde para determinar a VVS. (A) o paciente senta-se ereto com a face no interior do balde opaco, de modo que não consiga visualizar o ambiente externo (sem dicas de orientação de verticalidade); (B) Linha reta fluorescente na parte inferior interna do balde; (C) Inclinômetro ou transferidor de papel com pêndulo na parte externa do balde para medir o ângulo. Fonte: Luvizutto et al. (2019). Altered Visual and Proprioceptive Spatial Perception in Individuals with Parkinson’s Disease. Perceptual and Motor Skills. v. 127, n.1, p.98-112, 2020 3. Teste da Subjetiva Vertical Proprioceptiva A Subjetiva Vertical Proprioceptiva (SVPr) é determinada pela manipulação de uma barra de madeira ou metal na posição vertical em relação à terra com os olhos fechados. A SVP é reflete a percepção háptica originada da estimulação de mecanorreceptores na pele, músculos, tendões e articulações, além de informações oriundas de graviceptores do tronco e cabeça e pescoço (KARNATH; FERBER; DICHGANS, 2000; LOPEZ et al., 2011). Para realização do teste, o participante senta-se em uma cadeira com os olhos vendados e pés apoiados. É solicitado ao indivíduo manipular uma barra de alumínio no centro de um transferidor. A barra é posicionada inicialmente entre 15-45o em relação ao solo e o indivíduo deve retornar a barra para a posição vertical percebida em 10 tentativas (5 vezes para o sentido horário e 5 para o anti-horário). Segundo Perennou et al. (2008) são considerado valores de normalidade para SVPr entre -2.5° e + 2.5°. No estudo de Baggio et al. (2016) a inclinação da barra variou de -5.86° a +3.84°. Figura 2 – Subjetiva vertical proprioceptiva Fonte: Luvizutto et al. (2019). Altered Visual and Proprioceptive Spatial Perception in Individuals with Parkinson’s Disease. Perceptual and Motor Skills. v. 127, n.1, p.98-112, 2020 4. Teste da Subjetiva Vertical Postural A Subjetiva Vertical Postural (SVP) avalia a capacidade do indivíduo de posicionar o corpo na vertical com os olhos fechados quando sentado em uma cadeira inclinável no plano sagital ou coronal. Para medições da SVP, o sujeito deve ser inclinado aleatoriamente para qualquer lado da vertical verdadeira entre 15º e 45º, por meio da cadeira inclinável (velocidade de 1,5o/s), até que o paciente relate que alcança a posição ereta. Geralmente, são realizadas dez inclinações em sequência aleatória, cinco para esquerda e cinco para a direita, no plano coronal, e dez inclinações, cinco para frente e cinco para trás, no plano sagital (BERGMANN et al., 2015). Na tabela abaixo, estão representados alguns valores encontrados por nosso grupo de pesquisa em indivíduos saudáveis, doença de Parkinson e Acidente Vascular Cerebral (AVC) (Tabela 2). Tabela 2 – Valores da SVV e SVP em indivíduos saudáveis, Parkinson e AVC do grupo de pesquisa de Neurociências em Reabilitação da UFTM SVV SVP Saudável 1,78° ± 2,41 1,46° ± 1,99 Parkinson 2,72° ± 7,03 3,91° ± 5,05 AVC Pré: 10° *Pós: 4° Pré: -10° *Pós: 2° * Após tratamento de cinco dias de um AVC na fase aguda Fonte: o autor 5. Implicações clínicas A avaliação da verticalidade pode nos fornecer informações preciosas de como ocorre a integração do sistema somatossensorial com os demais sistemas do nosso corpo para manutenção da postura vertical antigravitacional. Esses dados são importantes para entendermos as alterações posturais, do equilíbrio e da percepção nas diferentes patologias neurológicas. TAREFA DE LABORATÓRIO Construindo um balde para avaliação da verticalidade - Faça o uso de um balde opaco, no fundo dele, coloque uma fita fluorescente. Procure um desenho na internet de um transferidor, imprima, copie e cole atrás do balde. No centro dele, cole uma fita com um peso leve (como se fosse um pêndulo). Primeiro, teste em você. Insira seu rosto dentro do balde e peça pra outra pessoa girar o balde no sentido horário e depois anti-horário, e você, por meio da visão da fita fluorescente, vai corrigindo até ele ficar em linha reta. Agora, faça essa mesma atividade em três situações: 1 – em crianças de 6 anos; 1 – em adultos; 3 – em idosos. Verifique se a angulação será a mesma em todas essas situações. 6. Referências BAIER, B.; SUCHAN, J.; KARNATH, H. O.; DIETERICH, M. Neural correlates of disturbed perception of verticality. Neurology, v. 78. n. 10, p. 728- 35, 2012. BARBIERI, G.; GISSOT, A. S.; FOUQUE, F.; CASILLAS, J. M.; POZZO, T.; PÉRENNOU, D. Does proprioception contribute to the sense of verticality? Exp Brain Res., v. 185, n. 4, p. 545-52, 2008. BARCELLOS, C.; IMBIRIBA, L. A. Variações Posturais e Equilibrares Corporais na Primeira Posição na Ponta do Balé Clássico. Revista Paulista de Educação Física, v. 16, n. 1, p. 43-52, 2002. BARRA, J.; MARQUER, A.; JOASSIN, R.; REYMOND, C.; METGE, L.; CHAUVINEAU, V.; PÉRENNOU, D. Humans use internal models to construct and update a sense of verticality. Brain, v. 133, n. 12, p. 3552-3563, 2010. BARRA, J.; PÉRENNOU, D. Is the sense of verticality vestibular? 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Essa organização envolve o sistema vestibular periférico, sistema oculomotor, sistema postural, tronco encefálico, cerebelo e córtex(KHAN; CHANG, 2013). As estruturas vestibulares, constantemente, geram potenciais de ação para o sistema nervoso central com objetivo de fixar a imagem na retina durante movimentos da cabeça por meio do reflexo vestíbulo-ocular (RVO), ou para corrigir a postura durante as demandas das acelerações do corpo no espaço por meio do reflexo vestíbulo-espinhal (RVE). Cada lado (direito ou esquerdo) do sistema vestibular funciona independentemente do outro e fica enviando sinais ininterruptamente. (BENTO; MARONE; MINITI, 1998). Há dois sensores do movimento, como pode ser observado no Quadro 1. 1. Canais semicirculares: esses canais são definidos em ângulos retos, e eles estão posicionados ortogonalmente. A posição de cada canal permite detectar rotações angulares em torno de um plano normal em relação a outros canais. Função: detectam aceleração angular * no plano sagital e frontal: canal semicircular anterior e posterior * no plano horizontal: canal semicircular horizontal 2. Órgãos otolíticos: apresentam duas estruturas vesiculares, sáculo e utrículo. Função: detectam aceleração linear * aceleração linear vertical: sáculo * aceleração linear horizontal: utrículo Quadro 1 – Sensores de Movimento Fonte: Asadi et al. (2017) Reflexo vestíbulo-ocular (RVO): por meio de sinais do sistema vestibular, o núcleo oculomotor movimenta os olhos para compensar, e reter, o último campo visual (movimento oposto ao da cabeça), como um mecanismo de fixação da imagem na retina (ROSENBERG; GIZZI, 2000). A velocidade do movimento ocular deve ser a mesma do movimento da cabeça, ou seja, se rodarmos a cabeça a 10o/s, os olhos devem se movimentar na direção oposta também a 10o/s, resultando em uma relação velocidade dos olhos/velocidade da cabeça = 1,0 (ganho do RVO – resposta fisiológica normal). Reflexo vestíbulo-espinhal (RVE): por meio de sinais do sistema vestibular, as células do corno anterior da medula espinal ajustam os músculos do tronco e membros, e o cerebelo ajusta o tônus muscular para a função de equilíbrio durante acelerações e mudanças de direção (ROSENBERG; GIZZI, 2000). 1.1 Conexões vestibulares O sistema vestibular está envolvido com as seguintes conexões: Conexões oculomotoras (vias vestíbulo-oculomotoras) Essa conexão coordena os olhos com a posição da cabeça e do corpo. O estímulo é transmitido aos núcleos oculomotores contralaterais. As fibras que saem dos núcleos vestibulares cruzam a linha média antes de alcançar o núcleo do nervo craniano oculomotor (III) e do nervo abducente (VI), criando o nistagmo. Após um movimento conjugado lento dos olhos em uma direção, há um retorno, rápido, para o lado oposto, a fim de promover a fixação do olhar. Esse movimento rápido denomina-se sácades. Então, quando ocorrem movimentos lentos e movimentos sacádicos, alternados e rítmicos, tem-se o nistagmo (HERDMAN; CLENDANIEL, 2014). No Quadro 2 estão representadas as associações entre os canais semicirculares, núcleos dos nervos cranianos e os movimentos oculares: Canal Semicircular Nervo craniano Movimento ocular Posterior III (oculomotor) Olhos para baixo Anterior III (oculomotor) Olhos para cima Horizontal VI (abducente) Olhos para horizontal Quadro 2 – Associações entre os canais semicirculares, núcleos dos nervos cranianos e os movimentos oculares Fonte: HERDMAN; CLENDANIEL, 2014 Conexões medulares (vias vestíbulo-espinais) As fibras do núcleo vestibular lateral descendentes fazem sinapse com os neurônios primários da medula. Essas fibras (tanto diretas como cruzadas) integram o fascículo longitudinal medial, formando o trato vestíbulo-espinal lateral. O núcleo vestibular lateral também recebe fibras do cerebelo. Dessa forma, essas estruturas podem regular o tônus muscular do pescoço, troncos e extremidades de ambos os lados para controlar a postura do tronco em resposta aos movimentos da cabeça. Assim, a estimulação do canal horizontal de um lado estimula os núcleos dos nervos espinais, aumentando o tônus da musculatura extensora ipsilateral e diminuindo o tônus da musculatura flexora, por meio de um interneurônio. A lesão vestibular de um lado diminuirá o tônus da musculatura extensora ipsilateral, provocando desvios na postura e na marcha para o lado lesado (HERDMAN; CLENDANIEL, 2014). Conexões cerebelares O cerebelo está envolvido na modulação central e na regulação da função vestibular. Ele recebe estímulos tanto do primeiro neurônio como dos núcleos vestibulares. Esses impulsos associam-se aos impulsos proprioceptivos da sensibilidade profunda e estímulos extero e interoceptivos. Por essa via, o cerebelo mantém o tônus muscular adequado para manter o equilíbrio e permitir os movimentos (HERDMAN; CLENDANIEL, 2014). Conexões neurovegetativas As vias vestíbulo-autonômicas estão conectadas ao sistema nervoso autônomo. As conexões neurovegetativas se fazem com o núcleo vegetativo hipotalâmico, a substância reticular bulbar e mesencefálica, e com o núcleo do vago (pneumogástrico). São responsáveis pelas manifestações neurovegetativas, como náuseas, vômitos e sudorese das crises labirínticas. A formação reticular parece ser o centro da componente rápida do nistagmo e atua de forma relevante na manutenção tônica muscular, explicando o efeito alarmante do desequilíbrio (HERDMAN; CLENDANIEL, 2014). 2. Avaliação estruturada do sistema vestibular Vários sistemas do organismo podem produzir tontura – o sistema cardiovascular, o sistema cardiopulmonar, o sistema metabólico, o sistema oculomotor, o sistema hormonal, entre outros. Dessa forma, o primeiro passo no diagnóstico é procurar distinguir entre tontura não vestibular (geralmente não- rotatória) e tontura vestibular (geralmente rotatória). A tontura rotatória, também denominada vertigem, é uma sensação de locomoção no espaço e de que tudo gira ao redor, quando não há rotação real da cabeça. Abaixo serão listadas as principais etapas do exame do sistema vestibular para um diagnóstico preciso e acurado para podermos determinar o tratamento mais adequado. 2.1 Anamnese Os distúrbios vestibulares são sintomas comuns vivenciados por diversos profissionais de saúde. A história e o exame físico ajudam a diagnosticar os distúrbios vestibulares (WELGAMPOLA; BRADSHAW; HALMAGYI, 2019). Algumas perguntas devem ser direcionadas ao paciente, segundo Halmagyi (1996), tais como: Como descreve seu sintoma? A vertigem é uma das principais queixas em consultórios, principalmente em idosos. A vertigem pode ser rotatória ou não rotatória. O ambiente está girando ou você está instável? A tontura do tipo rotatória (vertigem) pode ser comum de doenças relacionadas à mudança de posição, doenças unilaterais do sistema vestibular, dentre outros; a tontura não rotatória pode ser comum em quadros de hipofunção vestibular bilateral ou alterações orgânicas. Quanto tempo duram os sintomas? Sintomas agudos e que duram segundos ou minutos podem ser comuns em vertigem posicional paroxística benigna, já sintomas que duram horas ou dias podem indicar fístulas perilinfáticas, tumores, ototoxicidade medicamentosa, dentre outras. Tem alterações auditivas? Podem indicar alterações na cóclea e alterações no sistema vestibular. Teve algum trauma? Traumas na região temporal podem deslocar ou modificar os cristais de carbonato de cálcio. Medicamentos? Existem medicamentos que podem modificar a atividade do sistema vestibular, tais como, anti-hipertensivos, antidepressivos, antibiótico, dentre outros. Os sintomas pioram quando a cabeça muda de posição? Tempo que duram os sintomas: diversas patologias cursam com tempos diferentes de manifestações clínicas dos sintomas, por exemplo, na vertigem posicional paroxística benigna, os sintomas duram segundos a minutos, na fístula perilinfática, podem durar minutos a horas, em quadros tumorais ou vasculares, os sintomas podem durar horas, dias ou meses. 2.2 Queixas Subjetivas Alguns componentes da história e do exame são úteis no desenvolvimento de metas de tratamento. Um dos métodos é quantificar a intensidade dos sintomasespecíficos, por exemplo, usando uma Escala Visual Analógica (VAS). Um exemplo seria o movimento da cabeça VAS mostrado na Figura 1. Consiste em uma linha de 10 cm ancorada com palavras em ambas as extremidades. A pessoa classifica o sintoma intensidade enquanto está sentado em repouso e, em seguida, enquanto na verdade realizando uma tarefa. Os resultados são expressos como a diferença entre a medida de referência e a medida após a execução da tarefa. Figura 1 – Escala visual analógica para tontura. O paciente é solicitado a marcar o local na linha correspondente sobre o quanto de tontura ele sente em repouso e durante a realização de uma atividade Fonte: adaptado de Herdman e Clendaniel (2014) 2.3 Impacto nas Atividades Funcionais O efeito da tontura nas atividades funcionais do paciente pode ser determinado a partir da classificação internacional de incapacidade, funcionalidade e saúde (CIF), com objetivo de estabelecer as avaliações e comprometimentos com base na estrutura e função, o impacto na atividade e participação e o quanto o ambiente pode ser restritivo ou facilitador em seu cotidiano. 2.4 Exame oculomotor A integridade do sistema oculomotor deve ser avaliada para verificar e excluir alterações oculomotoras, ou quadros que exacerbem a tontura. Este exame isolado não possui sensibilidade para se obter diagnóstico de disfunções vestibulares. Amplitude do movimento ocular: os movimentos da musculatura extrínseca do globo ocular devem ser avaliados. Vide capítulo 4 – Nervos cranianos. Teste de convergência ocular: com o paciente sentado, o indicador do fisioterapeuta fica a cinco metros da região perinasal e vai aproximando da face. É solicitado para o paciente acompanhar o dedo do terapeuta e deve-se observar o movimento ocular na direção convergente bilateral. Nistagmo espontâneo: a presença do nistagmo espontâneo pode indicar desequilíbrio entre os labirintos, ocasionado, por exemplo, por uma lesão vestibular aguda. As características que ajudam a distinguirmos entre um nistagmo periférico de central incluem os efeitos da fixação visual, a configuração da componente lenta e a direção da rotação ocular, resumidos no Quadro 3 (BALOH, 1996; GOEBEL, 2000) O nistagmo espontâneo deve ser pesquisado com o paciente sentado e imóvel, com os olhos centralizados e a cabeça reta, utilizando-se as Lentes de Frenzel. Sua presença sempre é patológica. Deve observar a direção do nistagmo, suas alterações com a mudança do olhar ou da posição da cabeça, dissociação entre o nistagmo em cada olho, e então executar manobras provocativas como hiperventilação e manobra de valsava e, finalmente, executar as manobras posicionais. Nistagmo horizontal com a velocidade e direção constante, inibidos com a fixação do olhar, são típicos de distúrbios vestibulares. Nistagmo vertical ou em múltiplas direções, com velocidade variável e não inibido com a fixação do olhar é sugestivo de patologias centrais. Nistagmo vertical-torsional pode estar relacionado à vertigem posicional paroxística benigna (VPPB). Características Nistagmo de origem periférica Efeitos da fixação Nistagmo diminui Direção do olhar Usualmente em todos os planos (horizontal e torsional) Efeito do olhar O nistagmo aumenta com o olhar para direção da fase rápida Quadro 3 – Características que distinguem nistagmo de origem periférica e central Fonte: adaptado de Herdman e Clendaniel (2014) Skew deviation: o skew deviation é um desalinhamento vertical dos olhos que resulta de um desequilíbrio direita-esquerda do tônus vestibular, particularmente das entradas otolíticas, no sistema oculomotor. Cada otólito inerva quatro músculos oculares por meio de um arco de três neurônios. As conexões centrais do utrículo de um lado são projetadas para o núcleo vestibular e projetadas para o trato vestíbulo espinhal medial e lateral, além disso, projetam-se para o núcleo do nervo troclear e oculomotor via fascículo longitudinal medial, projetando para o músculo oblíquo superior, reto superior, reto inferior e oblíquo inferior. A projeção para os núcleos motores oculares causa o desvio vertical do olho e a torção durante a inclinação da cabeça. A inclinação ocular geralmente é detectada por teste de coabertura alternada dos olhos com ou sem uma correção prismática quantificável. Embora relatado em pacientes com doenças do sistema vestibular periférico, o skew deviation tem sido identificado principalmente como um sinal central nas patologias da fossa posterior. É mais comumente observado em pacientes com AVC e manifestação da oclusão da artéria basilar. Sacádico: ver Figura 9 do capítulo 10. Perseguição (smooth-pursuit): ver Figura 10 do capítulo 10. Nistagmo optocinético: é o nistagmo induzido por estímulos contínuos e com velocidade constante. O mecanismo utilizado envolve as vias oculomotoras de forma involuntária e sob controle voluntário. Utiliza-se o tambor de Bárany (cilindro pintado com faixas verticais claras e escuras alternadamente), que ocupa todo o campo visual do paciente, evitando a influência de outros estímulos ópticos. Esse tambor possui dispositivos que variam a velocidade e direção do movimento (WALKER; ZEE, 2000). Nistagmo Optocinético Involuntário: o paciente é orientado a olhar um ponto fixo do tambor que se movimenta. São desencadeados movimentos de perseguição involuntários com correção do olhar para o ponto de fixação. Nistagmo Optocinético Voluntário: o paciente deve acompanhar o dedo do examinador, o qual é colocado sobre uma faixa de tambor em movimento, até que ela desapareça. A seguir, o dedo é colocado sobre outra faixa, e assim sucessivamente. São desencadeados movimentos sacádicos e de perseguição, alternadamente. Considera-se como resposta normal a simetria entre os lados, isto é, com velocidades angulares, amplitudes e frequências iguais ou semelhantes em ambos os lados. É patológico quando observamos: Assimetria: diminuição ou ausência de respostas em um lado (lesões no hemisfério cerebelar ou tronco encefálico). Pode haver interferência na resposta pelo nistagmo espontâneo. Em casos duvidosos, pode-se aumentar a velocidade do tambor, acentuando a assimetria, se ela existir. Diminuição ou Abolição Bilateral: podem aparecer ondas quadráticas (lesões da face dorsal do tronco encefálico, uso de barbitúricos e anticonvulsivante). Inversão da resposta: a associação de nistagmo vertical leva à resposta em sentido oblíquo (lesão em tronco encefálico). Microescritura: respostas de alta frequência e baixa amplitude (insuficiência vértebro basilar e outras lesões de SNC). Nistagmo provocado: o nistagmo também pode ser avaliado após pressão positiva e negativa direcionada para o canal auditivo externo (sinal de Hennebert), manobra de Valsalva ou ruído intenso (fenômeno de Tullio). Uma resposta positiva é encontrada em pacientes com fístula perilinfática, estribo hipermóvel e, ocasionalmente, doença de Ménière. Eletronistagmografia (ENG): é o método de registro objetivo de nistagmo e de outros movimentos oculares. Por meio de testes específicos, analisa cinco sistemas oculomotores supranucleares: vestibular, sacádico, de perseguição, optocinético e de fixação. A vectoeletronistagmografia (VENG) é um tipo de ENG que grava em três canais de registro os movimentos oculares para a realização de testes vestíbulo-oculares: calibração do movimentos oculares, nistagmo de posição, espontâneo, semiespontâneo, optocinético, rastreio pendular, prova rotatória pendular decrescente e prova calórica com ar. Previamente à realização da VENG digital, deve ser feita a limpeza da pele e a colocação de três eletrodos ativos e um eletrodo terra. Os eletrodos ativos devem ser dispostos no canto externo periorbitário direito, no canto externo periorbitário esquerdo e na linha média frontal, utilizando a disposição triangular de derivações preconizada por Pansini e Padovan (1969), que possibilita gravar os movimentos oculares em três canais de registro. A calibração dos movimentos oculares deves ser realizada no início do registroe anteriormente à prova calórica, para que todos os exames sejam realizados em igualdade de condições e para a medida correta da velocidade da componente lenta do nistagmo. As provas realizadas são: Pesquisa do nistagmo espontâneo: verificação da presença de nistagmo ao olhar frontal com os olhos abertos, depois fechados, e do nistagmo semiespontâneo no desvio do olhar de no máximo 30º para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo. Movimentos sacádicos: são avaliados ao acompanhamento visual de um alvo, que se move com padrão fixo e randomizado. Essa prova avalia a eficiência do sistema nervoso central sobre os movimentos rápidos dos olhos. Os parâmetros são as medidas de latência, velocidade e precisão das sacadas. Rastreio pendular: é realizado para observar o funcionamento do sistema oculomotor no controle dos movimentos lentos dos olhos, por meio de estímulos visuais nas frequência de 0,1, 0,2, e 0,4 Hz, apresentados por uma barra luminosa. Nistagmo optocinético: é mensurado por meio de estímulos visuais apresentados por uma barra luminosa, que se movem inicialmente para um lado e depois para o outro para observar o funcionamento do sistema oculomotor no controle do movimento lento dos olhos. Prova rotatória pendular decrescente (PRPD): avalia funcionalmente os canais semicirculares laterais, anteriores e posteriores pelo deslocamento pendular periódico de uma cadeira. Com a posição da cabeça a 30ºpor flexão da coluna cervical, avaliam-se os canais laterais; 60º de extensão da coluna cervical e 45º com rotação cefálica à direita e depois para o lado oposto, para avaliação dos canais anteriores e posteriores. Nistagmo pós-calórico: A prova calórica permite a avaliação do canal semicircular lateral por meio de estimulação à ar, nas temperaturas de 50ºC e 24ºC, em fluxo de 8L/min, durante 60 segundos. O paciente é colocado na posição supina com a cabeça elevada a 30º, para a verticalização dos canais semicirculares laterais e observação do nistagmo pós-calórico com os olhos fechados e a seguir com os olhos abertos. Esse procedimento resulta em uma análise quantitativa e qualitativa das respostas dos dois labirintos, possibilitando identificar qual o lado lesionado, pois o estímulo quente gera uma corrente ampulípeta, na direção do utrículo, com excitação do canal semicircular lateral estimulado e nistagmo na mesma direção do labirinto em teste. O estímulo frio resulta em uma corrente ampulífuga, em direção contrária ao utrículo, com inibição do canal semicircular estimulado e nistagmo na direção oposta ao labirinto avaliado. (BARROS & CAOVILLA, 2012). 2.5 Testes posicionais (PARNES; ATLAS, 2001) Testes aplicados para se obter diagnóstico de vertigem posicional paroxística benigna (VPPB). É definida como deslocamento dos cristais de cálcio do utrículo para um dos canais semicirculares, principalmente para o posterior, gerando sintomas súbitos de tontura rotatória, nistagmo e desequilíbrio. Trata-se de um distúrbio mecânico, que ocorre principalmente em mulheres, por meio de dois mecanismos: canalitíase (os cristais ficam livres no canal) ou cupulolitíase (cristais ficam fixos na cúpula dos canais). Por meio de testes ou provas posicionais o examinador consegue identificar qual o canal afetado e tipo de VPPB. Manobra de Dix-Hallpicke: técnica para induzir o nistagmo posicional paroxístico. O paciente é levado rapidamente da posição sentada para uma em que a cabeça fique pendente, e rodada a 45 graus para o lado que se quer examinar (Figura 2). A resposta do nistagmo é consistente com a contração dos músculos primários preservados. Quando a lesão for no canal semicircular posterior (CSP), o nistagmo tem a direção torsional para cima, e na lesão do canal semicircular anterior (CSA), terá direção torsional para baixo. A duração do nistagmo no teste é importante para definir a posição do cristal no canal, sendo que nistagmo abaixo de 60 segundos são comuns em canalitíase e tratados por meio de manobras de reposicionamento, e nistagmo acima de 60 segundos são comuns em cupulolitíase e tratados por meio de manobras liberatórias (ZEE; FLETCHER, 1996). Figura 2 – Teste de Dix-Hallpicke Fonte: o autor Sidelying test: o teste de inclinação lateral é uma alternativa ao teste de Dix- Hallpike. Ele testa principalmente a VPPB do canal posterior ou anterior e o posicionamento central/nistagmo posicional. É útil quando o Dix-Hallpike não é adequado ou a posição é mais tolerável para o paciente, ou em antecipação a uma manobra de Semont ou Gans, uma vez que constitui a primeira posição desses tratamentos. Peça ao paciente para se sentar de lado no meio de um sofá de exame em uma posição tal que, quando deitar de lado, a cabeça e o tronco fiquem apoiados no sofá. Peça-lhes para virar a cabeça a 45º da orelha de teste e segure os dois lados da cabeça do paciente. Peça ao paciente para se deitar de lado, de modo a manter a virada de 45º da cabeça e fique deitado de lado no sofá, olhando para cima, em direção ao teto, com leve flexão lateral da cabeça em direção ao sofá. Peça para que levem os pés para cima do sofá, se possível, pois é provável que seja mais confortável (Figura 3). Figura 3 – Sidelying Test Fonte: o autor Supine roll test: o teste de rolagem é um teste para VPPB do canal horizontal. É útil quando há suspeita de VPPB, mas o teste inicial de Dix-Hallpike ou outro teste de posicionamento é negativo. Alguns pacientes com problemas no pescoço podem precisar de uma técnica modificada, considerando a rotação de 90º normalmente empregada. Idealmente, o teste de rolagem deve ser realizado com a fixação removida usando lentes de Frenzel, pois o nistagmo horizontal associado a um teste de rolagem positivo pode estar sujeito à supressão na fixação. Peça ao paciente para se deitar de costas em uma maca com a cabeça apoiada e levantada em 30º na cabeceira. Esse ângulo destina-se a alcançar a orientação dos canais horizontais no plano vertical. Peça ao paciente para virar a cabeça 90º em direção ao ouvido testado. Coloque uma mão guia na cabeça do paciente no lado oposto ao ouvido teste (Figura 4). Figura 4 – Supine roll test Fonte: o autor CASO CLÍNICO: Paciente do sexo feminino, hipertensa, diabética, 54 anos, com queixa de tontura do tipo rotatória aguda que piora com os movimentos da cabeça para cima. Procurou serviço de emergência, pois estava apresentando tonturas frequentes, sudorese, vômitos e dificuldade para permanecer em pé. A paciente passou por uma bateria de testes vestibulares para tentar estabelecer por que tudo estava se movendo. Ao exame físico, apresentava nistagmo espontâneo em repouso, e ao realizar a manobra de Dix-Hallpicke, apresentou nistagmo horizonto-rotatório para cima com duração de 30 segundos do lado esquerdo. Foi diagnosticada com vertigem posicional paroxística benigna do tipo canalitíase de canal semicircular posterior e realizada manobra de reposicionamento dos canais com intensa melhora dos sintomas. Foi encaminhada para tomografia de crânio para excluir causas centrais, sendo que a imagem veio sem alterações. Após 24 horas, foi realizado novo teste vestibular, o qual não apresentava mais nistagmo no teste de Dix-Hallpikee orientado para controle das alterações metabólicas (hipertensão e diabetes), e foi encaminhada para avaliação do controle postural. 2.6 Exame vestíbulo-oculomotor RVO lento: é de responsabilidade do RVO gerar movimentos oculares no sentido oposto ao do movimento da cabeça, com intuito de manter o olhar estacionado relativamente ao mundo exterior (Figura 5). Figura 5 – RVO para estabilização da imagem na retina Fonte: o autor RVO cancelado (sRVO): para que possamos mover o olhar na mesma direção e sentido do movimento da cabeça, o RVO necessita ser cancelado ou suprimido. O teste da sRVO pode ser realizado das seguintes maneiras. O paciente visualmente fixa um objeto que se movimenta em unidade com a cabeça ou com a cabeça e o tronco. Para isso, o indivíduo pode: 1) olhar para seus polegares que apontampara cima e oscilam de um lado para o outro, com os braços estendidos à sua frente (Figura 6); ou 2) ter a cabeça girada para um lado e para o outro, enquanto olha fixamente o nariz do examinador à sua frente, que também gira – em bloco – na mesma direção e sentido do examinado, ou então, 3) ter sua cabeça oscilada pelo examinador – cerca de 0,5 Hz ou menos – de um lado para o outro, mantendo olhar em um alvo fixo. O surgimento de sácades ou nistagmo é sinal de sRVO anormal e sugere disfunção central. Figura 6 – Métodos clínicos de testar a sRVO Fonte: o autor Thrust cefálico: o paciente fica em frente ao examinador, que lhe imprime impulsos cefálicos para ambos os lados, de modo aleatório. No paciente normal, o olho permanece fixo no alvo, pois o RVO garante durante a rotação da cabeça um movimento lento de compensação de sentido oposto e da mesma ordem de grandeza. Nos casos de déficit vestibular unilateral, ao girar-se a cabeça para o lado lesado, o olho não consegue realizar um movimento lento totalmente compensador e tem de executar um ou mais movimentos rápidos (sacadas de refixação). Agitação cefálica (Head-Shaking Nystagmus Test): é solicitado ao paciente fechar os olhos, flexionar a cabeça em 30 graus e, em seguida, oscilar rapidamente a cabeça 20 vezes na horizontal. Após a oscilação da cabeça, o paciente abre os olhos, e o clínico deve observar sinais de nistagmo. A presença de nistagmo imediatamente após esse procedimento indica um desequilíbrio vestibular. Esse sinal pode persistir indefinidamente após uma lesão vestibular unilateral periférica ou central. Acuidade visual dinâmica: o teste de acuidade visual dinâmica vestibular compara a acuidade visual em repouso e com a cabeça em movimento. A acuidade visual com a cabeça em repouso é medida primeiro usando o teste de Snellen (Figura 7). O paciente é então solicitado a ler a menor linha possível no teste enquanto o examinador manualmente oscila a cabeça do paciente horizontalmente a 2 Hz, de modo que o rosto se mova uma ou duas polegadas em qualquer direção – acima da frequência em que os movimentos oculares de perseguição podem rastrear o alvo. O paciente deve ser capaz de ler a mesma linha com a cabeça em repouso (acuidade visual estática inicial) ou a próxima linha acima dela, que tem letras maiores. A acuidade visual é considerada alterada quando há uma diferença de três ou mais linhas entre o teste estático e dinâmico, em virtude do excesso de deslizamento da imagem na retina durante os movimentos cefálicos. É um sinal de déficit vestibular, muitas vezes relacionado com lesões de ototoxicidade ou ao próprio envelhecimento do paciente. Figura 7 – Teste de Snellen Fonte: https://www.provisu.ch/images/PDF/Snellenchart_en.pdf. Cadeira rotatória (Rotational Chair Testing): o teste da cadeira rotatória é o “padrão ouro” para a identificação da hipofunção vestibular bilateral e a extensão da compensação do sistema nervoso central à hipofunção vestibular. O teste da cadeira rotativa fornece um estímulo fisiológico, pois a rotação do paciente causa fluxo endolinfático (com relativa excitação e inibição) de ambos os canais semicirculares horizontais (Figura 8). Figura 8 – Cadeira rotatória (ou “Cadeira de Barany”) Fonte: https://www.medicalexpo.com/pt/prod/synapsys/product-80498- 849082.html. Acesso em: 19 jan. 2020 CASO CLÍNICO: Paciente de 62 anos, sexo feminino, apresenta quadro de tonturas frequentes e instabilidade postural. Ao realizar avaliação oculomotora, foi identificada redução da excursão do III nervo craniano à direita. Os testes posicionais (Dix-Hallpike e Supine roll test) foram negativos. Ao realizar o exame vestíbulo-oculomotor, foi observado nistagmo intenso para a direita após o teste de agitação cefálica. Quando o paciente ficou em pé com os olhos fechados, apresentou queda para a esquerda. A paciente foi diagnosticada com hipofunção vestibular à esquerda, devido ao desequilíbrio da ativação vestibular. Quando o sistema vestibular está descompensado, um lado mais ativo que outro, o paciente apresentará alterações vestíbulo-oculomotoras. No caso relatado, houve hipofunção vestibular à esquerda, gerando queda do corpo à esquerda e nistagmo à direita devido à maior ativação do sistema vestibular direito. 2.7 Exame vestíbulo-espinhal Os testes de equilíbrio estático e dinâmico estão detalhados no capítulo 11. 2.8 Escalas e questionários Quociente de sensibilidade motora (QSM): o Quociente de Sensibilidade Motora (QSM) é importante para determinar em qual movimento o sintoma é desencadeado, pois o paciente é submetido a 16 diferentes posições e mudanças rápidas destas. Quanto maior os sintomas e mais tempo eles durarem, maior a pontuação no teste (WHEELOCK; SHEPARD, 1991). Entretanto nem sempre é possível realizar todos os itens do QSM, pois os pacientes podem se recusar a realizar as posições propostas por medo, principalmente aqueles que tiverem fortes sintomas desencadeados logo nas primeiras posições. Portanto, é necessário que o avaliador explique ao paciente a importância da identificação do movimento que provoca os sintomas, a fim de possibilitar que uma adequada estratégia de reabilitação seja traçada (HERDMAN; CLENDANIEL, 2014). Vestibular Disorder Activities of Daily Living Scale (VADL): é uma escala capaz de avaliar o impacto da tontura e do desequilíbrio nas atividades de vida diária dos indivíduos. Essa é uma escala traduzida e validada para o português em 2013 (ARATANI et al., 2013) e tem como finalidade explorar a capacidade funcional dos indivíduos com disfunção vestibular. A escala contempla 28 atividades, divididas em três dimensões: funcional, locomoção e instrumental. Cada atividade pode ser classificada entre zero e 10 pontos de acordo com a autopercepção do indivíduo. A pontuação é feita a partir das medianas dos valores de cada atividade, em que um escore mais alto refere maior dependência e incapacidade. É atribuído o valor equivalente a zero para as respostas “não aplicável”. Qualidade de vida em pacientes com vertigem: no intuito de avaliar a Qualidade de Vida (QV) dos indivíduos com disfunção vestibular, foram desenvolvidos o Dizziness Handicap Inventory (DHI), capaz de avaliar a autopercepção dos efeitos incapacitantes provocados pela tontura (CASTRO et al., 2007), e o Tinnitus Handicap Inventory (THI), que relaciona a QV ao zumbido (FERREIRA et al., 2005). As escalas são compostas por 25 questões cada, divididas em três dimensões (DHI: Emocional, funcional e físico; THI: Emocional, funcional e “catastrófico”). Habilidades específicas: ainda, é possível verificar a confiança para habilidades específicas, sem perder o equilíbrio ou ficar instável. Essa avaliação pode ser feita por meio do ABC scale, que consiste de um questionário que pode ser autoadministrado, administrados pessoalmente ou por telefone. O questionário é composto por 16 itens que variam numa escala quantitativa de 0 a 100%, em que o maior valor refere maior confiança para a realização da atividade. O resultado é obtido a partir da soma das porcentagens de cada item, dividido por 16 (MARQUES et al., 2013). Risco de quedas: Para avaliação dos fatores de risco de quedas, usa-se o Poma-Brasil. Ele é dividido em duas partes, em que a primeira avalia o equilíbrio e a segunda, a marcha. Cada tarefa pode ser classificada qualitativamente e quantitativamente, e, ao final, é gerado um escore, por intermédio da somatória de cada pontuação. Quanto maior a pontuação, melhor o desempenho na execução de tarefas (GOMES, 2003). 3. Implicações clínicas A avaliação do sistema vestibular fornece informações importantes acerca de um dos principais órgãos sensoriais para o equilíbrio. Alterações em seu funcionamento podem representar desequilíbrio, tonturas (rotatórias ou não), além de sintomas neurovegetativos. Investigar qual a alteração vestibular instalada por meio da avaliação descrita neste capítulo é fundamental para propor rapidamente um diagnóstico correto e realizar o tratamento para aliviar as crisesde tontura de maneira segura e eficaz. TAREFA DE LABORATÓRIO Faça uma entrevista com uma pessoa com tontura - Entreviste uma pessoa com tontura e peça para esta descrever: a) Como é a sua tontura? Qual a duração? Há movimentos que pioram? b) Há sensação de desequilíbrio? c) Há alterações auditivas? d) A pessoa faz tratamento com algum medicamento para supressão da atividade vestibular? e) Coloque a pessoa em pé e veja com os olhos fechados se há oscilação postural, para qual lado? f) Peça para a pessoa dar 50 passos no local, com os olhos fechados e braços estendidos, e observe o que irá acontecer. A paciente realizou rotação no eixo? Teve deslocamento no sentido anterior? 4. Referências ARATANI, M. C.; RICCI N. A.; CAOVILLA, H. H.; GANANÇA, F. F. Brazilian version of the Vestibular Disorders Activities of Daily Living Scale (VADL). Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, v. 79, n. 2, p. 203-211, 2013. ASADI, H.; MOHAMED, S.; LIM, C. P.; NAHAVANDI S. A review on otolith models in human perception. Behav. Brain Res., 309, p. 67-76, 2016. ASADI, H.; MOHAMED, S.; LIM, C. P.; NAHAVANDI, S.; NALIVAIKO, E. Semicircular canal modeling in human perception. Rev. Neurosci., 28(5), p. 537- 549, 2017. 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A capacidade cognitiva trata-se da competência que um indivíduo possui de interpretar, compreender e se relacionar com os estímulos advindos do ambiente em que ele está inserido. Dentro do conceito da Teoria Cognitiva, de Jean Piaget, essa construção ocorre em quatro estágios: sensório motor (0 - 2 anos), pré-operatório (2 - 7 anos), operatório concreto (7 - 11/12 anos) e operatório formal (12 anos em diante), indo desde a busca do controle motor e aprendizado do ambiente que cerca a criança, até a iniciação do raciocínio lógico e sistemático e criação de hipótese. O sistema cognitivo deve levar em consideração como a pessoa pensa, concentra-se, lembra, compreende, organiza e soluciona problemas, a fim de realizar tarefas cotidianas da vida. Os principais problemas advindos das alterações desse sistema são: déficit de atenção, de intenção, de memória, de análise, de planejamento, de parametrização, de chegar a conclusões e resolver problemas. Além disso, alterações no sistema cognitivo podem levar a quadros de apraxia e perseveração motora (LUNDY-EKMAN, 2007; CARR; SHEPHERD, 2008): Apraxia é a dificuldade de desempenho do movimento proposto por si mesmo ou a partir de uma imitação, não decorrente de fraqueza muscular, perda sensorial, incoordenação motora, falta de atenção ou de compreensão. Pode ser classificada em: a) apraxia construcional: dificuldade em copiar uma figura ou diagrama; b) apraxia ideatória: dificuldade no planejamento motor na ausência de estímulos externos (exemplo: ao receber uma caixa de fósforo e uma vela a pessoa pode fazer algo inapropriado ou não fazer nada); c) apraxia ideomotora: dificuldade no planejamento motor de atividades previamente aprendidas (exemplo: ao pedir pra imitar um gesto de telefone, a pessoa pode fazer algo inapropriado ou não fazer nada). Perseveração motora é uma repetição incontrolável de um movimento. Por exemplo, uma pessoa trava e destrava os freios de uma cadeira de rodas apesar de sua intenção de travá-los. Uma avaliação cognitiva deve compreender uma avaliação global das funções cognitivas, avaliação da memória, orientação, atenção e concentração da linguagem das funções executivas da capacidade de conceituação e abstração e da habilidade construtiva visuo-motora, bem como o tempo de reação como medida objetiva do processo cognitivo. 1.1 Avaliação Cognitiva estruturada Cognição Global – rastreio cognitivo: Miniexame do estado mental (Meem): este instrumento é utilizado para rastrear a função cognitiva e fornece medidas de orientação, registro (memória imediata), memória de curto prazo (mas não memória de longo prazo), bem como o funcionamento da linguagem (Quadro 1). Pontuações de 25-30 em 30 são consideradas normais. O Instituto Nacional de Saúde e Excelência em Cuidados (Nice) classifica 21-24 como comprometimento leve, 10-20 como comprometimento moderado e <10 como comprometimento grave (BRUCK et al., 2003). Memória: para avaliar este domínio, podem ser utilizados dois subtestes da Escala Wechsler de Memória–Revisada (WMS-R; WECHSLER,1997): i) Memória Lógica I e II – testes que avaliam a memória declarativa episódica e capacidade de evocação, respectivamente, composto por duas histórias diferentes. Inicialmente, o avaliador narra ao paciente uma primeira história e, imediatamente em seguida, o paciente deve relatar o que recorda. O paciente é solicitado a relatar a história novamente após um período de 30 minutos. O mesmo procedimento é aplicado para ambas as histórias. A pontuação é obtida a partir do número de unidades linguísticas recordada pelo paciente, em que quanto maior o número de unidades, melhor a pontuação no teste; ii) Pares verbais associados – teste de avaliação da memória declarativa e capacidade de evocação. Oito pares de palavras são apresentadas verbalmente pelo avaliador ao paciente. Após isso, o avaliador apresenta uma palavra e o paciente deve recordar a palavra que se associava a esta. Quatro tentativas são realizadas e, quanto maior o número de pares recordados, melhor a pontuação; Função Executiva: este domínio pode ser avaliado por meio de dois testes: tarefa executiva do desenho do relógio – I (CLOX-I; ROYALL; CORDES; POLK, 1998; MCKINLAY et al., 2010). Neste teste, o paciente é instruído a copiar o desenho do relógio feito pelo avaliador. O desenho do paciente é corrigido a partir de um check list de aspectos específicos que devem estar presentes na realização da tarefa. Quanto maior número de componentes corretos, melhor será a pontuação do paciente; Teste Wisconsin de Classificação de Cartas – versão modificada (TWCC; NELSO, 1976). O teste é composto por quatro cartas de estímulo e 48 cartas resposta. O paciente é instruído a combinar as cartas resposta com as cartas de estímulo, seguindo as indicações do avaliador que, no caso, só deverá responder se a combinação está correta ou errada. O paciente deve escolher uma das três combinações possíveis (cor, número ou forma) e manter a escolha por seis acertos consecutivos. Após o sexto acerto, o avaliador muda a combinação e o paciente deve mudar a estratégia escolhida. Este teste possibilita a avaliação de questões referentes à abstração, flexibilidade mental e atenção a partir das variáveis número de categorias completadas (quanto maior a pontuação, melhor o desempenho), erros perseverativos e falhas em manter o set (quanto menor a pontuação, melhor o desempenho), respectivamente. A seguir, um dispositivo de acrílico transparente, na forma de uma caixa de 38 cm de largura, 10 cm de cumprimento e 3 cm de altura (Figura 1). Na parte interna da tampa da caixa, quando aberta, encontram-se expostas as quatro cartas-estímulo e, logo abaixo delas, quatro cômodos correspondentes em que serão depositadas as cartas-resposta. O dispositivo se mantém com a tampa aberta durante a aplicação do teste, enquanto o respondente executa a tarefa (SILVA-FILHO, 2012). Figura 1 – Acessório para aplicação do WCST Fonte: Silva-Filho (2007) Atenção: uma das escalas utilizadas para avaliação da atenção é o subteste Símbolos da Escala de Wechsler de Inteligência para Adultos – revisada (WAIS-III; WECHSLER, 2004). Este subteste é composto por uma série de sequências de cinco símbolos, com dois símbolos modelos. O paciente é instruído a encontrar pelo menos um símbolo entre os cinco que seja idêntico a um dos dois modelos apresentados pelo teste. O paciente deve responder que “sim” caso encontre símbolos idênticos e o avaliador assinala a resposta na folha. Caso não encontre nenhum igual, o paciente deve responder que “não” e a resposta é assinalada na folha. O maior número de sequências deverá ser realizado dentro do tempo de dois minutos. A pontuação final pode ser realizada por meio da divisão do número de acertos pelo número de erros realizados no teste. Quanto maior a pontuação, melhor é a performance no teste; Memória de trabalho: o subteste Digit Span da Escala de Wechsler de Inteligência para Adultos – revisada (WAIS-III; WECHSLER, 2004) tem sido indicado na literatura como eficiente na avaliação deste domínio da memória. Inicialmente, o avaliador apresenta ao paciente, verbalmente, uma sequência de números. Imediatamente após, o paciente deve repetir essa sequência, respeitando a ordem dos números apresentada. São realizadas tentativas na ordem direta (o paciente repete a sequência de números descrita pelo examinador exatamente como lhe foi apresentado) e na ordem inversa (o paciente repete os números de forma totalmente inversa, começando pelo último até o primeiro). Quanto maior o número de acertos em cada ordem (direta e inversa), melhor é a pontuação; Habilidade visuoespacial: tarefa executiva do desenho do relógio – II (CLOX-II; ROYALL; CORDES; POLK, 1998; MCKINLAY et al., 2010). O subteste desenho do relógio consiste em um círculo pré-desenhado no qual o examinando deve colocar os números e os ponteiros indicando 1h45min. O modo de correção deste subteste utiliza um detalhado sistema qualitativo e quantitativo dos erros cometidos pelo examinando. Neuropsiquiátricas: dentro deste domínio, destacamos aspectos de ansiedade e depressão e estresse. A ansiedade e depressão podem ser avaliadas a partir da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD – MONDOLO et al., 2005). A HAD é composta por 14 questões de múltipla escolha, sendo sete referentes à ansiedade (HAD-A) e sete referentes a depressão (HAD-D). Quanto maior a pontuação obtida em cada escala, maiores são os sintomas de ansiedade e depressão. Já o estresse pode ser avaliado por meio do Inventário de Sintomas de Estresse para adultos de Lipp (ISSL – LIPP, 2000). A partir desse questionário, busca-se a identificação da presença de sintomas de estresse, os tipos de sintomas existentes e a fase em que se apresentam. Os pacientes são questionados quanto a possíveis sintomas percebidos nas últimas 24 horas, na última semana e no último mês. De acordo com o número de sintomas, considera-se o indivíduo em estágio de alerta, resistência ou exaustão. Para pontuação, é utilizada a média dos sintomas percebidos totais nos três momentos. O comportamento, humor, e conteúdo do pensamento são itens que podem ser considerados como componentes neuropsiquiátricos. O afeto, a expressão externa do humor pode manifestar-se no nosso jeito de vestir, nas expressões corporais e faciais, nas conversas. Pensando em anormalidades neuropsiquiátricas, muitas vezes, pacientes com oscilação de humor podem exibir irritação, fala apressada, euforia ou mania psicótica. Caso 1. Ha alguns meses, uma advogada vem apresentando fadiga, insônia, pouco prazer e satisfação em atividades de lazer ou trabalho que antigamente eram muito motivacionais. Preocupa-se e irrita-se com situações corriqueiras. Ao exame, nota-se expressão de tristeza, sua fala é lenta, monótona, queixa-se de falta de energia. Linguagem, memória e cognição estão normais. Apresenta quadro de depressão endógena, que significa que os sintomas não têm relação com uma doença clínica subjacente. Quando há acessos de mania além de depressão, a doença denomina-se bipolar (transtorno maníaco-depressivo) (BRUST, 2000). Pacientes com esquizofrenia podem demonstrar indiferença, apagamento do afeto ou humor impróprio. Podem parecer hostis e paranoides, com ideias de obsessões ou delírio. Caso 2. Um jovem de 17 anos, mais solitário, vai se tornando cada vez mais retraído, evitando atividades sociais. Tem faltado nas aulas e seu rendimento escolar diminuiu. A seguir, começaram alguns delírios e alucinações. Durante o exame, está alerta, mas inatento. Sua fala não tem um tom afetivo. Relata ouvir vozes que estão tramando para matá-lo. Sua memória, linguagem e demais itens da avaliação estão normais. Diagnosticado com esquizofrenia, doença que indica divisão entre emoção e cognição. Há uma percepção alterada de irrealidade do ambiente (desrealização) e uma sensação de separação entre corpo e mente (despersonalização) (BRUST, 2000). Podemos também encontrar lentidão na fala e nas atividades como manifestação de lesão de lobo frontal (abulia), que podem se associar