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JOSÉ ELMANO SILVA T30 NEUROANATOMIA CAPÍTULO 10: Vascularização do Sistema Nervoso Central e Barreiras Encefálicas VASCULARIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL • O sistema nervoso é formado de estruturas nobres e altamente especializadas que exigem, para seu metabolismo, um suprimento permanente e elevado de glicose e oxigénio, o que requer um fluxo sanguíneo contínuo e intenso. • A parada da circulação cerebral por mais de dez segundos leva o indivíduo à perda da consciência. Após cerca de cinco minutos, começam a aparecer lesões irreversíveis, pois a maioria das células nervosas não se regeneram. • Áreas diferentes do sistema nervoso central são lesadas em tempos diferentes, tendo em vista que as áreas filogeneticamente mais recentes, como o neocórtex cerebral, são as que primeiro se alteram. A área lesada em último lugar é o centro respiratório situado no bulbo. • Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) hemorrágicos ou oclusivos, também denominados isquêmicos (tromboses e embolias) interrompem a circulação de determinadas áreas encefálicas, causando necrose do tecido nervoso, e são acompanhados de alterações motoras, sensoriais ou psíquicas, que podem ser características para a área e a artéria lesada. • Há poucas anastomoses entre artérias e arteríolas, o que torna cada região bastante dependente da circulação de determinada artéria. • Cabe lembrar que no sistema nervoso central não existe circulação linfática. Por outro lado, há circulação liquórica, que, entretanto, não corresponde, quer anatômica quer funcionalmente, à circulação linfática. VASCULARIZAÇÃO DO ENCÉFALO FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL • Embora o encéfalo represente apenas 2% da massa corporal, ele consome 20% do oxigénio disponível e recebe 15% do fluxo sanguíneo, refletindo a alta taxa metabólica do tecido nervoso. • O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é diretamente proporcional à diferença entre a pressão arterial (PA) e a pressão venosa (PV), e inversamente proporcional à resistência cerebrovascular (RCV). • Como a pressão venosa cerebral varia muito pouco, a fórmula pode ser simplificada: FSC = PA/RCV. • A resistência cerebrovascular depende sobretudo dos seguintes fatores: • Pressão intracraniana: cujo aumento, decorrente de condições diversas, eleva a resistência cerebrovascular. • Condição da parede vascular: que pode estar alterada em certos processos patológicos, como as arterioscleroses, que aumentam consideravelmente a resistência cerebrovascular. • Viscosidade do sangue. • Calibre dos vasos cerebrais: regulado por fatores nervosos e humorais, como o CO2, por possuir ação vasodilatadora nos vasos cerebrais. • Verificou-se que o fluxo sanguíneo é maior nas áreas mais ricas em sinapses, de tal modo que, na substância cinzenta, ele é maior do que na branca, o que obviamente está relacionado com a maior atividade metabólica da substância cinzenta. • Medindo-se o fluxo sanguíneo na área visual do córtex de um animal, verifica-se que ele aumenta consideravelmente quando o animal é colocado diante de um foco luminoso, o que determina a chegada de impulsos nervosos no córtex visual, com aumento do metabolismo dos neurônios. • O aumento da demanda nas regiões ativadas é proporcionado por ajustes locais realizados pelas próprias arteríolas, uma vez que não seria possível aumentar a pressão arterial e o fluxo cerebral, por risco de lesão do tecido nervoso. • A atividade celular causa liberação de CO2 e este aumenta o calibre vascular e o fluxo sanguíneo local em áreas cerebrais submetidas a maior solicitação funcional. • O aumento do fluxo regional em resposta ao aumento da atividade neuronal é também mediado pela liberação de óxido nítrico pelos neurônios que, por ser um gás, se difunde com rapidez, atuando sobre o calibre dos vasos. VASCULARIZAÇÃO ARTERIAL DO ENCÉFALO • O encéfalo é irrigado pelas artérias carótidas internas e vertebrais, originadas no pescoço, onde não dão nenhum ramo importante, sendo, pois, especializadas para a irrigação do encéfalo. • Na base do crânio, estas artérias formam um polígono anastomótico, o polígono de Willis, de onde saem as principais artérias para a vascularização cerebral. • A túnica média das artérias cerebrais tem menos fibras musculares, e a túnica elástica interna é mais espessa e tortuosa que a de artérias de outras áreas. • Esse espessamento da túnica elástica interna constitui um dos dispositivos anatômicos que protegem o tecido nervoso, amortecendo o choque da onda sistólica responsável pela pulsação das artérias. • Também contribui para amortecer o choque da onda sistólica a tortuosidade que apresentam as artérias carótidas internas e as artérias vertebrais ao penetrar no crânio, bem como as artérias que saem do polígono de Willis. • Há uma quase independência entre as circulações arteriais intracraniana e extracraniana. As poucas anastomoses existentes são, na maioria das vezes, incapazes de manter uma circulação colateral útil em caso de obstrução no território da carótida interna. ARTÉRIA CARÓTIDA INTERNA • Ramo de bifurcação da carótida comum, a artéria carótida interna, após trajeto mais ou menos longo no pescoço, penetra na cavidade craniana pelo canal carotídeo do osso temporal, atravessa o seio cavernoso, no interior do qual descreve, em plano vertical, uma dupla curva, formando um S, o sifão carotídeo, que aparece muito bem nas arteriografias da carótida. • Em seguida, perfura a dura-máter e a aracnoide e, no início do sulco lateral, divide-se em seus dois ramos terminais: ❖ Artérias cerebral média. ❖ Artéria cerebral anterior. • Além de seus dois ramos terminais, a artéria carótida interna dá os seguintes ramos mais importantes: ❖ Artéria oftálmica: emerge da carótida quando esta atravessa a dura-máter, logo abaixo do processo clinoide anterior. Irriga o bulbo ocular e formações anexas. ❖ Artéria comunicante posterior: anastomosa-se com a artéria cerebral posterior, ramo da basilar, contribuindo para a formação do polígono de Willis. ❖ Artéria corióidea anterior: dirige-se para trás, ao longo do trato óptico, penetra no corno inferior do ventrículo lateral, irrigando os plexos corioides e parte da cápsula interna, os núcleos da base e o diencéfalo. ❖ Artérias cerebrais anteriores e médias: se subdividem em ramos menores superficiais e profundos, rumo a estruturas internas. ARTÉRIAS VERTEBRAL E BASILAR • As artérias vertebrais direita e esquerda destacam-se das artérias subclávias correspondentes, sobem no pescoço dentro dos forames transversos das vértebras cervicais, perfuram a membrana atlantoccipital, a dura- máter e a aracnoide, penetrando no crânio pelo forame magno. • Percorrem, a seguir, a face ventral do bulbo e, aproximadamente no nível do sulco bulbo-pontino, fundem-se para constituir um tronco único, a artéria basilar. • As artérias vertebrais dão origem às duas artérias espinhais posteriores e à artéria espinhal anterior que vascularizam a medula. • Originam ainda as artérias cerebelares inferiores posteriores, que irrigam a porção inferior e posterior do cerebelo. • A artéria basilar percorre geralmente o sulco basilar da ponte e termina anteriormente, bifurcando-se para formar as artérias cerebrais posteriores direita e esquerda. • Neste trajeto, a artéria basilar emite os seguintes ramos mais importantes: ❖ Artéria cerebelar superior: nasce da basilar, logo atrás das cerebrais posteriores, distribuindo-se ao mesencéfalo e à parte superior do cerebelo. ❖ Artéria cerebelar inferior anterior: distribui-se à parte anterior da face inferior do cerebelo. ❖ Artériado labirinto: penetra no meato acústico interno junto com os nervos facial e vestibulococlear, vascularizando estruturas do ouvido interno. ❖ Ramos pontinos. O CÍRCULO ARTERIAL DO CÉREBRO O círculo arterial do cérebro, ou polígono de Willis, é uma anastomose arterial de forma poligonal e está situado na base do cérebro, onde circunda o quiasma óptico e o túber cinéreo, relacionando-se ainda com a fossa interpeduncular. É formado pelas porções proximais das artérias cerebrais anterior, média e posterior, pela artéria comunicante anterior e pelas artérias comunicantes posteriores, direita e esquerda. A artéria comunicante anterior: é pequena e anastomosa as duas artérias cerebrais anteriores adiante do quiasma óptico. As artérias comunicantes posteriores: unem, de cada lado, as carótidas internas com as cerebrais posteriores correspondentes. ❖ Deste modo, elas anastomosam o sistema carotídeo interno ao sistema vertebral. ❖ Entretanto, esta anastomose é apenas potencial pois, em condições normais, não há passagem significativa de sangue do sistema vertebral para o carotídeo interno ou vice-versa. ❖ Do mesmo modo, praticamente não existe troca de sangue entre as metades esquerda e direita do círculo arterial. • O círculo arterial do cérebro permite a manutenção de fluxo sanguíneo adequado em todo o cérebro, em casos de obstrução de uma (ou mais) das quatro artérias que o irrigam. • É fácil entender que a obstrução, por exemplo, da carótida direita, determina queda de pressão em seu território, o que faz com que o sangue flua para aí através da artéria comunicante anterior e da artéria comunicante posterior direita. • Entretanto, o círculo arterial do cérebro é sede de muitas variações, que tornam imprevisível o seu comportamento diante de um determinado quadro de obstrução vascular. • Ademais, o estabelecimento de uma circulação colateral adequada depende de vários fatores, tais como a rapidez com que se instala o processo obstrutivo e o estado da parede arterial, o qual, por sua vez, depende da idade do paciente. • As artérias cerebrais anterior, média e posterior dão ramos corticais e ramos centrais. ❖ Os ramos corticais: destinam-se à vascularização do córtex e substância branca subjacente. ❖ Os ramos centrais: emergem do círculo arterial do cérebro, ou seja, da porção proximal de cada uma das artérias cerebrais e das artérias comunicantes. Eles penetram perpendicularmente na base do cérebro e vascularizam o diencéfalo, os núcleos da base e a cápsula interna. • Quando se retira a pia-máter, permanecem os orifícios de penetração destes ramos centrais, o que rendeu às áreas onde eles penetram a denominação de substância perfurada, anterior e posterior. • São especialmente importantes, e recebem a denominação de artérias estriadas, os ramos centrais que se destacam da artéria cerebral média e penetram na substância perfurada anterior, vascularizando a maior parte do corpo estriado e da cápsula interna. • Tendo em vista que pela cápsula interna passam quase todas as fibras de projeção do córtex, pode-se entender que lesões destas artérias são particularmente graves. TERRITÓRIO CORTICAL DAS TRÊS ARTÉRIAS CEREBRAIS Ao contrário dos ramos profundos, os ramos corticais das artérias cerebrais possuem anastomoses, ao menos em seu trajeto na superfície do cérebro. Entretanto, estas anastomoses são em geral insuficientes para a manutenção de circulação colateral adequada em casos de obstrução de uma destas artérias ou de seus ramos mais calibrosos. Resultam, pois, nestes casos, lesões de áreas mais ou menos extensas do córtex cerebral, comum quadro sintomatológico característico das síndromes das artérias cerebrais anterior, média e posterior. O estudo minucioso destas síndromes exige conhecimento dos territórios corticais irrigados pelas três artérias cerebrais, o que será feito a seguir. Artéria cerebral anterior: ❖ Ramo de bifurcação da carótida interna, dirige-se para diante e para cima, curva-se em torno do joelho do corpo caloso e ramifica-se na face medial de cada hemisfério, desde o lobo frontal até o sulco parietoccipital. ❖ Distribui-se também à parte mais alta da face dorsolateral de cada hemisfério, onde se limita com o território da artéria cerebral média. ❖ A obstrução de uma das artérias cerebrais anteriores causa paralisia e diminuição da sensibilidade no membro inferior do lado oposto, decorrente da lesão de partes das áreas corticais motora e sensitiva, que correspondem à perna e se localizam na porção alta dos giros pré e pós-central (lóbulo paracentral). • Artéria cerebral média: ❖ Ramo principal da carótida interna, a artéria cerebral média percorre o sulco lateral em toda a sua extensão, distribuindo ramos que vascularizam a maior parte da face dorsolateral de cada hemisfério. ❖ Este território compreende áreas corticais importantes, como a área motora, a área somestésica e o centro da palavra falada. ❖ Obstruções da artéria cerebral média, quando não são fatais, determinam sintomatologia muito rica, com paralisia e diminuição da sensibilidade do lado oposto do corpo (exceto no membro inferior), podendo haver ainda graves distúrbios da linguagem. ❖ O quadro é especialmente grave se a obstrução atingir também ramos profundos da artéria cerebral média (artérias estriadas) que vascularizam os núcleos da base e a cápsula interna. • Artéria cerebral posterior: ❖ Ramo de bifurcação da artéria basilar, a artéria cerebral posterior dirige-se para trás, contorna o pedúnculo cerebral e, percorre a face inferior do lobo temporal, ganha o lobo occipital. ❖ A artéria cerebral posterior irriga, pois, a área visual situada nos lábios do sulco calcarino e sua obstrução causa cegueira em uma parte do campo visual. VASCULARIZAÇÃO VENOSA DO ENCÉFALO • As veias do encéfalo, de modo geral, não acompanham as artérias, sendo maiores e mais calibrosas do que elas. • Drenam para os seios da dura-máter, de onde o sangue converge para as veias jugulares internas, as quais recebem praticamente todo o sangue venoso encefálico. • Os seios da dura-máter ligam-se também às veias extracranianas por meio de pequenas veias emissárias que passam através de pequenos forames no crânio. • As paredes das veias encefálicas são muito finas e praticamente desprovidas de musculatura. • A circulação venosa se faz sobretudo sob a ação de três forças: ❖ Aspiração da cavidade torácica, determinada pelas pressões subatmosféricas da cavidade torácica, mais evidente no início da inspiração. ❖ Força da gravidade, notando-se que o retomo sanguíneo do encéfalo se faz a favor da gravidade, o que toma desnecessária a existência de válvulas nas veias cerebrais. ❖ Pulsação das artérias, cuja eficácia é aumentada pelo fato de que se faz em uma cavidade fechada. Este fator é mais eficiente no seio cavernoso, cujo sangue recebe diretamente a força expansiva da carótida interna, que o atravessa. ❖ O leito venoso do encéfalo é muito maior que o arterial; consequentemente, a circulação venosa é muito mais lenta. ❖ A pressão venosa no encéfalo é muito baixa e varia muito pouco em razão da grande capacidade de distensão das veias e seios. SISTEMA VENOSO SUPERFICIAL • É constituído por veias que drenam o córtex e a substância branca subjacente, anastomosam-se amplamente na superfície do cérebro, onde formam grandes troncos venosos, as veias cerebrais superficiais, que desembocam nos seios da dura-máter. ❖ As veias cerebrais superficiais superiores: provêm da face medial e da metade superior da face dorsolateral de cada hemisfério, desembocandono seio sagital superior. ❖ As veias cerebrais superficiais inferiores: provêm da metade inferior da face dorsolateral de cada hemisfério e de sua face inferior, terminando nos seios da base (petroso superior e cavernoso) e no seio transverso. ➢ A principal veia superficial inferior é a veia cerebral média superficial, que percorre o sulco lateral e termina, em geral, no seio cavernoso. SISTEMA VENOSO PROFUNDO • Compreende veias que drenam o sangue de regiões situadas profundamente no cérebro, tais como: corpo estriado, cápsula interna, diencéfalo e grande parte do centro branco medular do cérebro. • A mais importante veia deste sistema é a veia cerebral magna ou veia de Galeno, para a qual converge quase todo o sangue do sistema venoso profundo do cérebro. • A veia cerebral magna é um curto tronco venoso ímpar e mediano, formado pela confluência das veias cerebrais internas, logo abaixo do esplênio do corpo caloso, desembocando no seio reto. ANGIOGRAFIA CEREBRAL • Injetando-se contraste nas artérias vertebral ou carótida interna e tirando-se uma sequência de radiografias, é possível visualizar em tempos sucessivos as artérias, veias e seios do encéfalo. • Esta técnica é usada para diagnóstico e localização de processos patológicos que acometem os vasos cerebrais, tais como aneurismas, tromboses, embolias, lesões traumáticas etc. • Atualmente utiliza-se de preferência a angiografia por Ressonância Magnética, cuja vantagem é não usar contraste nem necessitar de punção arterial, sendo, portanto, um método não invasivo. VASCULARIZAÇÃO DA MEDULA • A medula espinhal é irrigada pelas artérias espinhais anterior e posteriores, ramos da artéria vertebral, e pelas artérias radiculares, que penetram na medula com as raízes dos nervos espinhais. • A artéria espinhal anterior é um tronco único formado pela confluência de dois curtos ramos recorrentes que emergem das artérias vertebrais direita e esquerda. ❖ Dispõe-se superficialmente na medula, ao longo da fissura mediana anterior até o cone medular. Emite as artérias sulcais, que se destacam perpendicularmente e penetram no tecido nervoso pelo fundo da fissura mediana anterior. ❖ As artérias espinhais anteriores vascularizam as colunas e os funículos anterior e lateral da medula. • As artérias espinhais posteriores direita e esquerda emergem das artérias vertebrais correspondentes, dirigem-se dorsalmente, contornando o bulbo e, em seguida, percorrem longitudinalmente a medula, medialmente aos filamentos radiculares das raízes dorsais dos nervos espinhais. ❖ As artérias espinhais posteriores vascularizam a coluna e o funículo posterior da medula. • As artérias radiculares derivam dos ramos espinhais das artérias segmentares do pescoço e do tronco (tireóidea inferior, intercostais, lombares e sacrais). ❖ Estes ramos penetram nos forames intervertebrais com os nervos espinhais e dão origem às artérias radiculares anterior e posterior, que ganham a medula com as correspondentes raízes dos nervos espinhais. ❖ As artérias radiculares anteriores anastomosam-se com a espinhal anterior, e as artérias radiculares posteriores com as artérias espinhais posteriores. BARREIRAS ENCEFÁLICAS • Barreiras encefálicas são dispositivos que impedem ou dificultam a passagem de substâncias entre o sangue e o tecido nervoso (barreira hematoencefálica) ou entre o sangue e o liquor (barreira hematoliquórica). • A injeção de toxina tetânica no liquor, por exemplo, dá sintomas mais graves do que quando uma dose dez vezes maior é injetada no sangue. • A importância fisiológica e clínica destas barreiras é muito grande, uma vez que elas regulam a passagem, para o tecido nervoso, não só de substâncias a serem utilizadas pelos neurônios, mas também de medicamentos e substâncias tóxicas. LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA DA BARREIRA HEMATOENCEFÁLICA • A barreira hematoencefálica está no capilar do sistema nervoso central. Este é formado pelo endotélio e por uma membrana basal muito fina. • Por fora, os pés vasculares dos astrócitos formam uma camada quase completa em torno do capilar. Todos estes três elementos (endotélio, membrana basal e astrócito) já foram considerados como sede da barreira hematoencefálica. • Entretanto, sabe-se hoje que ela está no endotélio, como foi demonstrado com a utilização da proteína peroxidase. • Verificou-se que, ao contrário dos capilares das demais áreas do corpo, os quais deixam passar livremente a peroxidase, os capilares cerebrais a retêm, impedindo sua passagem mesmo para o espaço entre o endotélio e a membrana basal. • Os endotélios dos capilares encefálicos apresentam três características que os diferenciam dos endotélios dos demais capilares e que se relacionam com o fenômeno de barreira: ❖ As células endoteliais são unidas por junções oclusivas que impedem a penetração de macromoléculas. ❖ Não existem fenestrações, que são pequenas áreas em que o endotélio se reduz a uma fina membrana muito permeável. ❖ São raras as vesículas pinocitóticas. Nos demais endotélios elas são frequentes e importantes no transporte de macromoléculas. LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA DA BARREIRA HEMATOLIQUÓRICA • A barreira hematoliquórica localiza-se nos plexos corioides. Seus capilares, no entanto, não participam do fenômeno. • Assim, quando se injeta peroxidase em um animal, ela atravessa os capilares fenestrados dos plexos corioides, mas é barrada no nível da superfície do epitélio ependimário voltada para a cavidade ventricular. • O epitélio ependimário que reveste os plexos corioides, ao contrário dos demais epitélios ependimários, possui junções oclusivas que unem as células próximo à superfície ventricular e impedem a passagem de macromoléculas, constituindo a base anatômica da barreira hematoliquórica. FUNÇÕES DA BARREIRAS • A principal função das barreiras é impedir a passagem de agentes tóxicos para o sistema nervoso central, como venenos, toxinas, bilirrubina etc. • Impedem também a passagem de neurotransmissores encontrados no sangue, como adrenalina. ❖ A adrenalina é lançada em grande quantidade na circulação em certas situações emocionais e poderia alterar o funcionamento do cérebro se não fosse barrada. • Portanto, essas barreiras constituem um mecanismo de proteção do encéfalo contra agentes que poderiam lesá- lo ou alterar seu funcionamento. • A palavra barreira pode indicar que ela tem apenas o papel de impedir a entrada de substâncias, quando possui também a função de permitir a entrada de substâncias importantes para o funcionamento das células do tecido nervoso, como glicose e aminoácidos. • Assim, a barreira funciona como um portão que barra a entrada de algumas substâncias e permite a entrada de outras. • Diferentemente do que ocorre nos endotélios dos capilares em geral, os endotélios dos capilares da barreira hematoencefálica utilizam-se de mecanismos especiais para passagem de glicose e aminoácidos através do citoplasma. • Esta passagem depende de moléculas transportadoras que são específicas para glicose e grupos de aminoácidos. • Há evidência de que a barreira hematoliquórica também funciona como portão, utilizando essencialmente os mesmos mecanismos da barreira hematoencefálica para transporte de substâncias. FATORES DE VARIAÇÃO DA PERMEABILIDADE DA BARREIRA HEMATOENCEFÁLICA • A permeabilidade da barreira hematoencefálica não é a mesma em todas as áreas. Por exemplo, certas substâncias penetram facilmente no núcleo caudado e no hipocampo, mas têm dificuldade de penetrar no resto do encéfalo. • Isto mostra que certos agentes farmacológicos,quando injetados no sangue, não agem em determinadas áreas do sistema nervoso porque não as atingem, podendo, entretanto, agir em outras áreas vizinhas. • No feto e no recém-nascido, a barreira hematoencefálica é mais fraca, ou seja, deixa passar maior número de substâncias até que os capilares percam completamente as fenestrações. • Com efeito, uma determinada concentração sanguínea de bilirrubina, que no adulto não atravessa a barreira hematoencefálica, no recém-nascido pode atravessá-la, passando ao tecido nervoso, sobre o qual tem ação tóxica. ❖ Aparece, assim, um quadro de icterícia com manifestações neurológicas que os pediatras conhecem como Kemicterus. • Vários processos patológicos, como certas infecções e traumatismos, podem levar à “ruptura”, mais ou menos completa, da barreira hematoencefálica que deixa passar substâncias que normalmente não passariam. ÓRGÃOS ClRCUNVENTRICULARES • Em algumas áreas do cérebro, a barreira hematoencefálica não existe. Nestas áreas, os endotélios são fenestrados e desprovidos de junções oclusivas. • Eles se distribuem em volta do III e IV ventrículos e por isso são denominados órgãos circunventriculares. • Do ponto de vista funcional, os órgãos circunventriculares podem ser receptores de sinais químicos do sangue ou relacionados direta ou indiretamente com a secreção de hormônios. • A glândula pineal localiza-se no epitálamo, secreta o hormônio melatonina. • A eminência média pertence ao hipotálamo e está envolvida no transporte de hormônios do hipotálamo para a adeno-hipófise. • A neuro-hipófise é local de liberação de hormônios hipotalâmicos. • O órgão subfornicial é uma pequena estrutura neuronal situada no forame de Monro, abaixo do fórnix. ❖ Seus neurônios são sensíveis a baixas concentrações de angiotensina II, hormônio peptídico que regula o volume de sangue circulante (volemia). ❖ As informações obtidas pelos neurônios do órgão subfornicial são levadas a áreas do hipotálamo que regulam a volemia. Entre estas está o centro da sede no hipotálamo lateral que, sob estímulo dos neurônios subfomiciais, aumenta a sede. • O órgão vascular da lâmina terminal está situado nesta lâmina no hipotálamo, próximo da parte anterior e ventral do III ventrículo. ❖ Seus neurônios são sensíveis ao aumento da pressão osmótica do sangue, desencadeando a sede e estimulando a secreção de hormônios antidiuréticos pelo hipotálamo. • A área postrema fica localizada na parte mais caudal do assoalho do IV ventrículo. ❖ Esta área é sensível a sinais químicos veiculados no sangue, como o hormônio colecistocinina, secretado pelo trato gastrointestinal. ❖ A informação obtida é repassada ao hipotálamo para regulação da atividade gastrointestinal ou ao centro do vômito que, em função da informação recebida, pode desencadear o reflexo do vômito.