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meio ambiente, desenvolvimento sustentavel e politicas publicas

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Clóvis Cavalcanti (Org.)
Alpina Begossi • Celso Sekiguchi • Clóvis Cavalcanti •
Cutfer J. Cleveland • Daniel Hogan • Darrell Posey • Denis Goulet
Frank Jõst • Franz Briiseke • Fulai Sheng • Hans Binswanger
• Héctor Leis • Herman Daly • Joan Martínez-Alier • John Proops
Karl-Erik Eriksson • Malte Faher • Maria Lúcia Leonardí •
Mathias Ruth • Pedro Jacobi • Peter May • Philip Fearnside •
Reiner Manstetten • Ricardo Neder • Richard Norgaard •
Robert Goodland • Salah El Serafy • Sérgio C. Trindade
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas /
Clóvis Cavalcanti (Org.).-2. ed.-SãoPaulo : Cortez: Recife :
Fundação Joaquim Nabuco, 1999.
Vários autores
ISBN 85-249-0662-6
1. Desenvolvimento sustentável 2. Desenvolvimento
sustentável-Aspectos ambientais 3. Ecologia humana 4. Política
ambiental I. Cavalcanti, Clóvis.
97-4075 CDD-333.7
índices para catálogo sistemático:
1. Desenvolvimento sustentável: Economia ambiental 333.7
2. Sociedade sustentável: Meio ambiente : Economia 333.7
MEIO AMBIENTE,
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E
POLÍTICAS PÚBLICAS
2-edição
CQRT€Z
6DITORQ
20
Exploração da biodiversidade e do
conhecimento indígena na América Latina:
desafios à soberania e à velha ordem*
DARRELL A. POSEY
1. Introdução
Povos indígenas e tradicionais desempenham um papel central na
implementação de práticas de sustentabílidade no Brasil. Isso ocorre em
parte porque os seus sistemas de gerenciamento ecológico abrangem princípios
de sustentabílidade, mas também porque muitos dos ecossistemas "naturais"
são o resultado das suas práticas tradicionais. A diversidade biológica e a
cultural acham-se intrinsecamente ligadas: para conservar e utilizar com
sucesso as riquezas naturais e humanas, as comunidades locais devem ter
garantidos seus direitos, além de proteção e uma justa compensação. Esses
requisitos são consistentes com a Convenção da Diversidade Biológica,
assinada pelo Brasil durante a Cúpula da Terra, e com os acordos sobre
direitos humanos ratificados pelo país ao longo das últimas décadas. O uso
e a aplicação mais amplos do conhecimento tradicional e dos recursos
biogenéticos exigem a aprovação de legislação nacional (como a Lei das
Sociedades Indígenas Brasileiras, projeto de lei 2057/91) para proteger o
* Tradução de Norma Gerjoy; revisão de Clóvís Cavalcanti.
345
conhecimento dos povos indígenas e orientar seu uso e aplicação equitativos.
Ação urgente é necessária para conter a corrosão dos direitos existentes
quanto à terra e ao território dos índios, incluindo a rejeição do Decreto
1.775 (de 1996). Um montante considerável de recursos e investimentos
deveria ser alocado para o estudo do saber tradicional e sua aplicação para
estratégias de sustentabilidade e desenvolvimento de novas opções económicas
— mas apenas após os Direitos de Recursos Tradicionais de povos indígenas
e tradicionais estarem assegurados.
Desde o início da colonização, o Brasil tern fornecido nião-de-obra e
recursos naturais baratos para os países economicamente dominantes de fora
do continente. Na verdade, os sistemas político e de classe no país estão
construídos em cima daqueles que oferecem esses recursos. O acesso fácil
e a exploração virtualmente descontrolada da flora, fauna e dos recursos
minerais e hídricos têm permanecido como fatores críticos para os interesses
económicos percebidos do Brasil e de outros países da América Latina.
Durante a última década, entretanto, urn movimento de conservação
da biodiversidade tem varrido a América Latina — e o resto do mundo.
Cada vez mais, países como o Brasil, a Costa Rica, Colômbia e México
têm ficado cientes dos interesses económicos que os países do Norte têm
na sua biodiversidade. Outros países, a exemplo de Bolívia, Equador e
Peru, têm já se! beneficiado dos esquemas de conversão da dívida em
natureza, mas os "fundos verdes" que estavam sendo transferidos das
organizações não-governamentais (ONGs) no Primeiro Mundo para ONGs
dentro das suas fronteiras desafiavam os controles governamentais e susci-
taram suspeitas — como no Brasil — de que o ambientalísmo era apenas
um disfarce camuflando o íocupletamento de terras e recursos nacionais.
A biodiversidade, então, antes de qualquer outra coisa, era considerada uma
ameaça subversiva à soberania nacional e continua a ser um palavrão para
muitos dos que estão no poder.
Enquanto isso, o interesse empresarial em novos produtos e materiais
genéticos encontrados nos componentes da diversidade biológica levaram a
um frenesi de "prospecção da biodiversidade". Valores potenciais de mercado
frequentemente citados, como uma produção anual de US$ 43 bilhões de
produtos farmacêuticos (Príncipe, 1989), US$ 54 bilhões por ano de sementes
e produtos agrícolas (UNDP, 1994, p. 19) e números similares relativos a
compostos naturais levaram o Brasil e outros países da América Latina a
reavaliar atitudes em relação ao valor da sua flora, fauna e recursos naturais.
Começou a parecer que as políticas governamentais tradicionais que pro-
vocaram uma devastação ecológica desabrida dos ecossistemas — e dos
povos que os habitam — poderiam ser, afinal de contas, contrárias aos
346
interesses nacionais do desenvolvimento económico de longo prazo construída
com base na biotecnologia.
Além do mais, a indústria não se interessava apenas pelos recursos
biogenétícos, mas também pelo conhecimento tradicional que as comunidades
locais têm sobre a utilização da flora e da fauna. Empresas como a Shaman
Pharmaceuticals e The Body Shop constataram que, com acesso a tal
conhecimento, custos de pesquisa e desenvolvimento poderiam ser cortados
em até 40%, o que — considerando que o desenvolvimento de um único
remédio novo pode custar US$ 150 milhões — representa economias não
desprezíveis. Assim, os garimpeiros da biodiversidade não estão apenas à
procura de genes; estão também à procura da informação existente nas
comunidades indígenas e locais.
Em toda a. história da América Latina, os povos indígenas e tradicionais
(camponeses, caboclos, seringueiros, peões, colonos, caiçaras etc.) têm sido
tratados — na melhor das hipóteses — com desdém pela elite dominante.
Só no século XVII, por exemplo, os "índios" foram considerados seres
humanos com alma; e os cientistas ocidentais, de forma muito abrangente,
ainda acreditam que o conhecimento tradicional é apenas folclore e que,
de forma alguma, é científico. Em síntese, esses povos "atrasados e
primitivos" seriam barreiras ao desenvolvimento, conhecimento e civilização.
Armados dessas premissas, governos — e até ambientalistas — acharam
fácil justificar a expropriação dos índios e camponeses das suas terras e
recursos, em nome do desenvolvimento, conservação e progresso. Infeliz-
mente, à perda de terra e à erosão da cultura seguem-se a perda de
conhecimento sobre os ecossistemas gerenciados, defendidos e moldados
pelas populações locais, e a degradação dos mesmos.
Dado esse cenário, não é surpreendente que os países da América
Latina estejam achando difícil lidar com os problemas políticos e económicos
levantados pelo debate global da biodiversidade. Em resumo, como podem
quinhentos anos de exploração ecológica sistemática e de marginalização
política (ou de aniquilamento) de comunidades indígenas e tradicionais
serem revertidos para se proteger a flora, a fauna e os povos que conhecem
os "segredos" dessa nova fpnte de riqueza nacional? Ou talvez, uma pergunta
ainda melhor: como pode o conceito da biodiversidade — até recentemente
considerado subversivo — ser agora abraçado sem minarem-se as bases de
poder das antigas oligarquias fundadas na terra e das indústrias extrativistas
cuja sobrevivência depende de recursos naturais e humanos baratos?
A medida que o Brasil e outros países da América Latina digladiam-se
com essasquestões, os prospectores da biodiversidade invadem os mais
remotos rincões das florestas, montanhas e recifes costeiros — sacando do
347
"domínio público" tudo o que podem antes que normas de regulamentação
de acesso sejam promulgadas. Quando a maioria dos países da América
Latina conseguir chegar a legislar sobre a matéria dos recursos biogenéticos
e do conhecimento tradicional, as empresas mais desejosas e persistentes
poderão sentir que já têm tudo o de que necessitam para o desenvolvimento
de novos produtos por um longo tempo futuro. "O que é que um país
pobre, porém rico em diversidade biocultural, pode fazer?"
Se o Brasil for um exemplo, a resposta é continuar alienando, mar-
ginalizando e erodindo os povos indígenas e locais do$ quais depende sua
nova riqueza. Isso é visto de maneira que não poderia ser mais clara no
Decreto 1.775, que contesta todas as terras demarcadas ou propostas para
demarcação dos indígenas e de seus remanescentes na nação. Os efeitos
inegáveis deste Decreto seriam os de fragilizar as comunidades locais,
conseqiientemente destruindo a biodiversidade e o conhecimento tradicional
que estão de forma inextricável ligados a esses povos. Quem poderia estar
por trás dessa iniciativa? Os principais "intervenientes" são (o que não é
surpreendente) os representantes das oligarquias, que se recusam a ver que
as economias futuras das suas regiões estarão baseadas nos recursos bio-
genéticos e princípios de sustentabílidade dos povos tradicionais.
2. Povos indígenas e tradicionais e sustentabílidade
O conceito de sustentabilídade está incorporado a sistemas de subsis-
tência indígena e tradicional. Há evidência histórica que demonstra uma
produtividade sustentada de sistemas indígenas persistindo, em aíguns casos,
por milhares de anos sobre a mesma terra (Warren, Slikkerveer & Brokensha,
1995). Comunidades indígenas e tradicionais possuem uma "ética ambiental"
desenvolvida pela vivência em ecossistemas específicos. Essa ética não pode
ser vista como universal, mas sistemas indígenas tendem, de fato, a enfatizar
os seguintes valores e características específicos:
• cooperação;
• laços familiares e comunicação entre gerações, inclusive com ligação
aos ancestrais;
• preocupação pelo bem-estar das gerações futuras;
• escala local, auto-suficiência e dependência de recursos naturais
disponíveis localmente;
' • contenção da exploração de recursos e respeito à natureza, espe-
cialmente sítios sagrados.
348
O "conhecimento tradicional, as inovações e práticas" de "comunidades
locais incorporando estilos de vida tradicionais" são frequentemente referidos
por cientistas como Conhecimento Ecológico Tradicional —- ou Traditional
Ecologicaí Knowledge (TEK).1 O TEK é bem mais do que uma simples
compilação de fatos. É a base da tomada local de decisão em áreas da
vida contemporânea, incluindo o gerenciamento dos recursos naturais, nu-
trição, preparo de alimentos, saúde, educação e organização comunitária e
social. O TEK é holístico, inerentemente dinâmico, evoluindo constante mente
pela experimentação e inovação, de visão nova e estímulos externos. Os
cientistas têm ficado cada vez mais conscientes da sofisticação do TEK
entre muitas das comunidades da floresta. Por exemplo, o povo Shuar das
planícies amazônicas do Equador utiliza 800 espécies de plantas para fins
medicinais, alimentares, de ração para animais, combustível, construção e
suprimentos para pesca e caça. Curandeiros tradicionais da Ásia do Sul
dependem de um número que pode chegar a 6.500 plantas medicinais, e
os agricultores nómades dos trópicos frequentemente semeiam mais de 100
cultivos distintos nas suas plantações florestais (Durning, 1992).
Uma incapacidade de compreensão do caráter modificado pelos seres
humanos de paisagens "selvagens", inclusive aquelas que são escassamente
povoadas atualmente, tem impedido os forasteiros de enxergarem as práticas
de gerenciamento dos povos indígenas e comunidades locais. Muitas paisagens
ditas "prístinas" são, na realidade, paisagens culturais, criadas pelos seres
humanos ou modificadas pela atividade humana (como ocorre com o
gerenciamento da floresta natural, com cultivos e o uso do fogo). Povos
indígenas e um número crescente de cientistas acreditam que não é mais
aceitável admitir-se simplesmente que, só porque paisagens e espécies
pareçam "naturais" a forasteiros, sejam elas conseqiientemente "selvagens".
De acordo com uma Resolução da IX Conferência de Ecopolítica, em 1995,
em Darwin, Austrália:
O termo "selvagem", como utilizado populannente, c conceitos relacionados
como o de "recursos silvestres", "alimentos silvestres" etc. [são inaceitáveis].
Esses termos têm conotações de terra nulliits (terra e recursos vazios ou
devolutos) e, como tal, todos os povos e organizações envolvidos devem
buscar uma terminologia alternativa que não exclua a história e o significado
indígenas.
1. Definido por Gadgil et ai. (1993, p. 151) como "Um corpo cumulativo de conhecimento
e crenças, passado adiante através das gerações pela transmissão cultural, acerca das relações dos
seres vivos (incluindo os humanos) entre si e com seu ambiente".
349
Para os povos indígenas, por exemplo, as florestas são muito mais do
que apenas uma fonte de madeira. A maioria dos povos tradicionais que
habitam florestas ou áreas próximas a estas dependem largamente de
alimentos e recursos provenientes da caça, da coleta ou da extração, uma
porção significativa dos quais recebe tratamento para adequar-se à satisfação
das necessidades humanas. As espécies assim tratadas, algumas vezes
denominadas de "semidomesticadas" ou de "espécies homem-modificadas"
(ver Posey, 1994) formam a base de um vasto tesouro de espécies úteis
que têm sido sistematicamente subvalorizadas e esquecidas pela ciência,
embora provejam segurança alimentar e medicinal para comunidades locais
em todo o mundo.2
Povos indígenas plantam hortas de floresta e administram a regeneração
de capoeiras segundo procedimentos que se beneficiam de processos naturais
e imitam a biodiversidade das florestas naturais. Muito da diversidade de
culturas agrícolas do mundo está sob a custódia de agricultores que seguem
práticas ancestrais de cultivo e de uso da terra, as quais conservam a
biodiversidade e suscitam outros benefícios locais. Entre esses benefícios
estão a promoção de diversidade da dieta indígena, a geração de renda, a
estabilidade da produção, a minimização de riscos, a incidência reduzida
de insetos e doenças, o uso eficiente da mão-de-obra, a intensificação da
produção com recursos limitados e a maximização de retornos sob baixos
níveis de tecnologia. Esses sistemas agrícolas, ecologicamente complexos,
associados a centros de diversidade genética de culturas, incluem cultivares
tradicionais ou "raças de terras" que constituem uma parte essencial da
herança genética das culturas do mundo, e espécies vegetais e animais não-
domesticadas que servem à humanidade como recursos biológicos. Existem
numerosas categorias de conhecimento tradicional entre povos indígenas que
claramente possuem um grande potencial de aplicação em uma vasta gama
de estratégias de sustentabilidade. Povos indígenas conservam a diversidade
biológica e, em alguns casos, provêem outros benefícios ambientais através,
por exemplo, da conservação do solo e da água, do aumento da fertilidade
do solo e do manejo da caça, da pesca e da floresta.
Tomemos o exemplo dos índios Kaiapó da Amazónia.
Os elementos de princípio da gestão Kaiapó já foram descritos com
algum detalhe (ver Posey, 1985} e incluem:
1. categorias ecológicas superpostas e inter-relacionadas
2. Tais espécies úteis suprem a maioria dos alimentos, remédios, óleos, essências, corantes,
tinias, repelentes, inselicidas, materiais de construção e vestimentas necessários a uma comunidade
local.
350
2. ênfase na utilização do ecótono
3. modificação de "ecossistemasnaturais" para criar ecótonos
4. utilização extensiva das espécies "semidorncstiçadas"
5. transferência de materiais biogenéticos entre ecozonas similares
6. integração dos ciclos agrícolas com os de manejo florestal.
Esses princípios estão permeados de processos diacrônicos e desen-
volvimentos históricos que dependem de interações dentro e entre zonas
ecológicas.
Existem várias opções para representação dos modelos de gestão de
recursos indígenas. A representação mais inclusiva e descritiva do sistema
Kaiapó coloca a savana ou os campos na extremidade de um continuum
(com o kapot como tipo focal ou a ecozona que mais tipifica a categoria)
e as florestas na outra extremidade (com o ba como tipo focal). Os tipos
kapot possuindo mais elementos florestais estariam representados na direção
do pólo florestal, enquanto os tipos ba que forem rnais abertos e com
elementos gramíneos ficariam no terminal de savana do continuum. Isso
colocaria o apetê no centro conceituai, ou na interface cognitiva, desde que
estas ecozonas introduzem elementos florestais na savana. Entretanto, os
lotes agrícolas (puni) também situam-se, conceitualmente, no mesmo lugar
no continuum, considerando-se que trazem vegetação tolerante ao sol para
o interior de nichos florestais. À base disso, tenho sugerido que os apele
são inversos conceituais dos puru, mas funcionam de forma similar a eles,
desde que ambos servem como "ilhas de recursos", onde plantas úteis
podem se concentrar em áreas conhecidas e sob gestão.
Tipos ecológicos como as altas florestas (ba tyk) ou florestas de
transição (ba katnrek) não são, todavia, uniformes. Todas as florestas têm
beiras (ka) ou clareiras causadas por árvores caídas (ba ke tri). Elas oferecem
variações zonais dentro de sua moldura conceituai e apresentam transições
entre formas diferenciadas. Assim, uma planta que gosta das margens de
uma floresta alta pode também crescer bem às margens de um campo ou
apetê. Uma planta djue goste das résteas de luz oferecidas pelas aberturas
da floresta pode também gostar das margens da floresta ou dos velhos
campos. Plantas de floresta aberta ou de margens de florestas, previsivelmente,
também se darão bem ao longo das margens das trilhas (pry) ou em zonas
mais densas de apetê. Usando a mesma lógica, os Kaiapó podem transferir
materiais biogenéticos entre mícrozonas combinantes, de forma que tipos
ecológicos se inter-relacionem por meio de suas similaridades em vez de
se isolarem por suas diferenças. O reconhecimento e gestão de ecótonos
são, portanto, os elementos de união do sistema como um todo.
351
Em contraste, outra dimensão interessante do modelo emerge quando
se olha diacronicamente o sistema. Clareiras agrícolas são essencialmente
plantadas com espécies domesticadas de crescimento rápido, mas quase
imediatamente a partir daí tornam-se objeto de manejo com espécies de
florestas secundárias. Esse manejo depende de uma gama de estratégias,
incluindo a introdução de algumas variedades (plantio e transplante), a
remoção de certos elementos, a permissão para que outros cresçam, o
reforço com fertilizante e cinza e o preparo- ou trabalho dos solos para
favorecer certas espécies (Hecht & Posey, 1988). As medidas em causa
destinam-se ao abastecimento de longo prazo de produtos medicinais e de
outros produtos úteis, bem como de alimentos para seres humanos e animais.
Os velhos campos (puru íum), algumas vezes erroneamente considerados
"alqueives" inatívos, são tão úteis para os Kaiapó quanto os terrenos
cultivados ou a floresta madura.
Uma alta porcentagem de plantas nessa transição tem usos individuais
ou múltiplos. Tenho calculado essa porcentagem torno de 85%, número
que é apenas uma estimativa com base em surveys de terrenos tomados
como amostra (alhures tenho argumentado que fundamentalmente os Kaiapó
acreditam que cada e toda planta possui uma utilidade ou um uso potencial).
Quando a floresta secundária cresce demais a ponto de não oferecer mais
ambiente que permita o desenvolvimento de comida para animais (a caça
se tornando difícil), então a floresta é cortada novamente para uso agrícola.
Mas, o que tem a ver esse sistema Kaiapó com o Brasil e a
sustentabilidade? Afinal de contas, nenhum de nós está indo viver como
os Kaiapó!
Há lições valiosas, porém, a ser apreendidas desses indígenas. Seu
sistema se centra no manejo das florestas de transição (ecótonos cronológicos),
em que a agricultura é apenas uma fase útil, não o foco central. O sistema
depende mais das espécies semidomesticadas (variedades que foram mani-
puladas, mas não submetidas a domesticação) do que dos cultivares, havendo
flexibilidade e adaptabilidade incorporadas em todos os aspectos do sistema
geral.
Imaginem como seria a Amazónia, se toda planta tivesse um valor
económico e a fertilidade do solo fosse mantida pela gestão cuidadosa dos
lotes agrícolas para que se transformassem em florestas produtivas. Pensem
nas consequências, em termos globais, se começássemos a focalizar nossa
exploração da natureza em termos da manutenção — ou mesmo da criação
— de paisagens e sistemas ecológicos diversos. E pensem no que aconteceria
se nossos quintais, acostamentos de estradas e parques se transformassem
352
em "ilhas de recursos" para remédios, alimentos, óleos, essências, corantes,
coloríferos, suprimentos para a construção e fontes de caça.
Essa "visão" não está excessivamente distante nem mesmo para o olho
internacional. A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), por exemplo,
reconhece o papel central das comunidades indígenas, tradicionais e locais
na conservação e uso sustentável dos recursos biológicos. Uma convocação
específica é feita para a aplicação mais disseminada do conhecimento.
inovações e práticas tradicionais, que são também considerados como
tecnologias tradicionais. Certamente, uma convenção internacional assinada
por 154 países deveria ser suficiente para convencer o Brasil de que os
povos indígenas e tradicionais — e os recursos biogenéticos que utilizam
e administram — são fatores críticos para práticas sustentáveis e crescimento
económico.
3. Reconhecendo povos indígenas e tradicionais na CDB
A CDB foi assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED, sua sigla em inglês), no Rio
de Janeiro, em 1992. Essencialmente, trata-se de um abocanhamento da
soberania de um Estado-Nação ao se estenderem os direitos de outros
Estados-Nação sobre os recursos biológicos e ecológicos do primeiro. Esse
abocanhamento desesperado, calorosamente contestado pelo Grupo dos 77
(que conta com participação ativa do Brasil), estende o controle não apenas
sobre a flora e fauna, mas também sobre tecnologias relevantes — que
poderão incluir até materiais genéticos humanos e sistemas de conhecimentos
dos povos!
Essas intenções são mascaradas pelas palavras grandiosas do Artigo
1° da Convenção da Biodiversidade que conclamam para:
a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos seus componentes
e a partilha justa e equitativa dos benefícios advindos da utilização dos
recursos genéticos, inclusive pelo acesso apropriado aos recursos genéticos e
pela transferência apropriada de tecnologias relevantes, levando-se em consi-
deração todos os direitos sobre esses recursos e tecnologias, e por um
financiamento adequado.
Direitos, aqui, referem-se aos direitos de soberania dos Estados, tanto
quanto a partilha equitativa diz respeito às Partes (forma breve de "Partes
Contratantes", que são Estados-Nação "Signatários" ou "Subscritores" da
CDB) da Convenção, e não a indivíduos ou comunidades. É importante
353
notar, entretanto, que "tecnologias relevantes" podem ser interpretadas no
sentido de "tecnologias indígenas e tradicionais" (em referência à linguagem
do Artigo 18.4, na Seção sobre "Acesso c Transferência de Tecnologia"),
ou aquelas baseadas em "conhecimento, inovações e práticas decomunidades
indígenas e locais incorporando estilos de vida tradicionais relevantes para
a conservação e uso sustentável da diversidade biológica" (em referência
aos termos utilizados no Artigo 8.J).
O Apêndice l oferece um resumo dos princípios na CDB e na
Declaração do Rio que afetam os direitos de povos indígenas e comunidades
locais. O Apêndice 2 mostra os mecanismos propiciados na CDB para se
implementar a Convenção que exigem a efetiva participação desses povos
e comunidades.
O artigo 8.j estipula que cada uma das Partes Contratantes deve:
Sujeita à legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento,
inovações e práticas de comunidades indígenas e locais que incorporam estilos
de vida tradicionais relevantes para a conservação e o uso sustentável da
diversidade biológica e promover a aplicação mais disseminada com a
aprovação e envolvimento dos detentores de tais conhecimento, inovações e
práticas e encorajar o compartilhamento equitativo dos benefícios que advém
da utilização de tais conhecimento, inovações e práticas.
Conquanto povos indígenas possam sentir-se gratificados com o reco-
nhecimento da sua relevância para a conservação in situ, eles estão pouco
convencidos de que governos que tanto tentaram destruí-los e aos seus
habitais, estejam agora, súbita e zelosamente, defendendo seus direitos. Eles
também não estão satisfeitos com a ideia de que qualquer "compartilhamento
equitativo" vá algum dia transbordar para a fonte tanto desse conhecimento
quanto dos recursos, i. e., suas comunidades. Os líderes indígenas estão
frustrados e zangados diante do fato de que Estados-Nação, que pouco
fazem para proteger os interesses ou mesmo os direitos mais básicos dos
povos tradicionais, estejam agora ansiosos para reclamar soberania até sobre
sistemas locais de conhecimento dos últimos.
Como uma declaração de 1994 do COÍCA (Grupo Coordenador dos
Povos Indígenas da Bacia Arnazônica) afirma:
Para membros dos povos indígenas, o conhecimento e a determinação do
uso dos recursos são coletivos e transmitidos entre gerações. Nenhuma
população indígena, seja constituída de indivíduos ou de comunidades, nem
o governo podem vender ou transferir a propriedade dos recursos que são
propriedade do povo e que cada geração tem a obrigação de salvaguardar
para a próxima.
354
4. Falta de intenções ou más intenções?
r
Os problemas se estendem para além de uma questão das intenções
de governos. Mesmo cientistas e pesquisadores com as melhores intenções
se encontram com poucas diretrizes legais e confrontados com atoleiros
intelectuais e morais. Tome-se, por exemplo, o famoso caso de tiki ubá.
Em uma edição de 1988 da National Geographic Magazine, Loren
Mclntyre (1988; ver também Posey, Dutfield & Plenderleith, 1995) descreve
"Os últimos dias do Éden" dos 350 membros da tribo amazônica dos
Urueu-Wau-Wau. Eles são retratados como vulneráveis às doenças trazidas
por forasteiros e tentando resistir às invasões de suas tenras por ocupantes.
Três fotos em uma das páginas, uma das quais mostra uma anta sangrando
de um ferimento à flecha, são acompanhadas do seguinte cabeçalho:
Segredos da química das florestas tropicais oferecem uma festa para os
Urueu-Wau-Wau. Utilizando flechas envenenadas, eles abatem uma jovem
anta que entrou na sua taba à noite. As pontas de flecha de madeira são
embebidas com a seiva de uma casca fibrosa e vermelha das árvores tiki
ubá e são endurecidas pelo fogo. Por ser um anti-coagulantc, o tikí ubá faz
com que as vítimas sangrem até a morte. Somando-se a tal saber mortal da
selva, o conhecimento de comidas e drogas potencialmente úteis, acumulado
por milhares de anos, poderá se perder para sempre, se as florestas e seus
habitantes desaparecerem.
Jesco von Puttkamer, que tirou as fotos que acompanhavam o artigo,
foi citado como tendo dito, em referência à planta: "Acho que ela pode
ser um grande achado farmacêutico".
Esse artigo atraiu a atenção de pesquisadores que trabalhavam na
companhia farmacêutica norte-americana Merck, e Von Puttkamer concordou
em enviar-lhes espécimes da casca e da seiva da árvore em questão para
que os analisassem. As análises confirmaram que a casca continha pelo
menos um composto, que inibia as enzimas que causam a coagulação do
sangue. A partir daí, esforços imediatamente começaram para se comercializar
um produto útil na cirurgia cardíaca.
Mclntyre e Von Puttkamer acharam que estavam agindo no melhor
interesse da humanidade quando descreveram o tiki ubá em seu artigo.
Entretanto, assim fazendo, eles tornaram possível que uma empresa farma-
cêutica se apropriasse do conhecimento dos Urueu-Wau-Wau, sem qualquer
obrigação de indenizá-los por isso, apesar de esses índios, em sua atual
situação, poderem achar a indenização altamente benéfica para si.
355
Um outro exemplo é ilustrado pela exploração de uma planta denominada
Pilocarpus jaborandi para tratamento de glaucoma. Embora o Brasil aufira
atualmente US$ 25 milhões por ano com a exportação dessa planta, os
índios Guajajara, que primeiramente ofereceram a "pista" que levou à
"descoberta" da planta por etnobotânicos, agora sofrem na condição de
peões endividados e de escravos nas mãos de agentes da empresa envolvida
no negócio. Além do mais, a espécie em si está sendo rapidamente exaurida
por práticas insustentáveis de coleta. "
Um outro exemplo ainda de exploração comercial dos recursos indígenas
é o caso das patentes das Unhas celulares dos indígenas. Os povos indígenas
estão particularmente perturbados com as "descobertas" feitas a partir de
amostras sanguíneas. Sob o disfarce de "boa ciência", a Organização do
Genoma Humano (HUGO) e um de seus projetos subsidiários (o Projeto
da Diversidade do Genoma Humano) coordenam a coleta de amostras
sanguíneas de comunidades isoladas "ameaçadas de extinção". Os resultados
irão supostamente revelar elos de evolução e identificar sequências genéticas
para a terapia de gene que possa melhorar a saúde humana (ver Posey &
Dutfield, 1996).
O "Projeto Vampiro", como ele é conhecido pelos povos indígenas,
tem trazido muito descrédito para a pesquisa científica, pois, uma vez
coletados, os dados e células ficam disponíveis para exploração comercial.
As coletas são feitas igualmente sem o consentimento prévio e informado
dos grupos de amostragem.
Pelos menos três requerimentos de patente foram feitos para linhas
celulares desenvolvidas do sangue "doado" por povos indígenas, inclusive
uma de um membro de um grupo recentemente contatado de 260 coleto-
res-cultivadores da Nova Guiné, outro das Ilhas Salomão e um terceiro dos
índios Guaymi do Panamá. O detentor da patente é o National Institutes
of Health, dos Estados Unidos, com os cientistas do governo americano
envolvidos no projeto chamados na patente de "inventores".
Esses exemplos ilustram o porquê de as comunidades indígenas estarem
menos do que entusiasmadas e confiantes em relação aos cientistas. Numa
declaração agora famosa do Fidji, do começo de 1996, líderes indígenas
do Pacífico declararam uma moratória em todas as pesquisas e na biopros-
pecção, até que medidas de proteção apropriadas estejam em prática.
A ameaça de uma moratória faz estremecer espinhas científicas. Cada
vez mais os cientistas e as instituições de pesquisa dependem do setor
privado para sobreviver. Isso significa que os frutos do seu trabalho — os
bons velhos dados — estão sujeitos à exploração comercial ou, na verdade,
estão atualmente sendo elaborados para tal fim (Posey, 1995).
356
Fica frequentemente difícil para os cientistas saber quando devem
vestir a cartola dos seus patrões versus o manto da sua disciplina científica.
Da perspectiva indígena, eles (nós) são a mesma coisa, isso significa que
negociar-se o acesso de cientistas a comunidades indígenas e locais — seja
para bioprospecção ou propósitos científicos — pode tomar tempo e energia
consideráveis e tem se tornado umato profundamente político.
O setor privado e os interesses científicos estão ansiosos que a CDB
resolva esse dilema para tornar-se um veículo internacional do esclarecimento
dos termos de acesso e transferência de recursos biogenéticos e tecnologias
apropriadas. Os países em desenvolvimento, especialmente o Grupo dos 77,
também vêem a CDB como um foro bem mais favorável para o desen-
volvimento de termos que sejam mutuamente mais benéficos do que, por
exemplo, o G ATT/Organização Mundial de Comércio.
Uma barreira substancial a esse processo, entretanto, é a premissa no
GATT e na CDB de que os DPIs (Direitos de Propriedade Intelectual) se
constituem mecanismos adequados para se efetuarem acordos e termos de
acesso e transferência equitativos. Sem embargo, os DPIs tornaram-se uma
cause célebre dos grupos que atacam a exploração económica do Norte e
a globalização do comércio.
5. Direitos de propriedade intelectual e povos indígenas
Os Direitos de Propriedade Intelectual (DPIs) são considerados pela
CDB como sendo o principal mecanismo para oferecer "compartilhamento
equitativo" do saber tradicional, mas os DPIs são problemáticos para os
países em desenvolvimento, em geral — e para as comunidades indígenas,
tradicionais e locais, em particular — pelas seguintes razões:
• Sua intenção é beneficiar a sociedade através da concessão de
direitos exclusivos a pessoas "naturais" e "jurídicas" ou "indivíduos
criativos", e não a entidades coletivas tais como os povos indígenas.
• Eles não podem proteger informação que não resulte de um ato
histórico específico de "descoberta". O conhecimento indígena, que
é transgeracional e compartilhado comunalmente, pode se originar
de espíritos de ancestrais, de missões de visão, ou de grupos de
linhagem, oralmente transmitido. É considerado de "domínio público"
e, portanto, não passível de proteção.
• Eles não conseguem acomodar complexos sistemas não-ocidentais
de propriedade, posse e acesso. A lei dos DPIs atribui a autoria
de uma canção a um escritor ou empresa de publicação, que pode
357
gravá-la ou publicá-la conforme ache conveniente. Os cantores
indígenas, entretanto, podem atribuir as canções ao espírito criador
e os mais velhos poderão se reservar o direito de proibir a sua
apresentação, ou limitá-la a certas ocasiões ou plateias restritas.
• Eles servem para estimular a comercialização e a distribuição,
enquanto as preocupações indígenas poderão ser precipuamente
proibir a comercialização e restringir o uso e a distribuição.
• Reconhecem apenas valores económicos de mercado, deixando de
considerar valores espirituais, estéticos ou culturais — ou mesmo
de caráter económico local. Informação ou objetos podem ter um
valor maior para os povos indígenas por conta dos seus laços com
a identidade cultural e a unidade simbólica.
• Eles estão sujeitos a manipulação por interesses económicos que
dipoem de poder político. Proteção sui generis tem sido conseguida
para chips semi-condutores e "trabalhos literários" gerados por
computadores, enquanto os povos indígenas detêm insuficiente poder
para proteger até mesmo suas plantas, locais ou artefatos mais
sagrados.
• Eles são caros, complicados e consomem tempo para serem obtidos,
e são ainda mais difíceis de defender.
Diversas iniciativas estão sendo feitas na América Latina para se
encontrarem sistemas alternativos de acesso e transferência que empreguem
sistemas de DPIs mais adequados. O objetivo geral é identificar formas
legais de exploração sustentável da biodiversidade, de maneira comercial,
mas equitativa. Talvez a mais bem conhecida de todas elas seja o Acordo
Merck-INBio na Costa Rica.
5.1. O Instituto Nacional de Biodiversidade da Costa Rica
Na Costa Rica, o Instituto Nacional de Biodiversidade (INBio), uma
ONG intimamente ligada ao governo, foi estabelecido para implementar um
inventário das espécies do país e para explorar o potencial comercial dos
recursos biológicos com as empresas através de Acordos de Transferência
de Material (ATTVls). De acordo com a leí da Costa Rica, a diversidade
biológica do país em terras públicas e privadas é património nacional e o
Estado tem o direito exclusivo de conceder autorização a organizações como
o INBio para investigar, coletar e explorar os recursos biológicos dentro
das suas Áreas de Conservação. O acordo entre a Merck e o INBio oferece
ao último um pagamento adiantado de US$ l milhão, mais royalties no
358
caso de produto derivado de qualquer dos extratos que o INBio transferir
para a Merck. Ao Fundo dos Parques Nacionais do governo devem ser
endereçados 50% dos royalties.
Há vários problemas com essa abordagem:
• O governo declara sua soberania sobre a biodiversidade do país e
não reconhece os direitos territoriais e aos recursos dos povos
indígenas e das comunidades locais.
• O INBio assegurou direitos de prospecção em terras que, de acordo
com as leis nacionais, estão sob domínio do Estado, permitindo
muito pouco em termos de controle local. De fato, o Diretor do
INBio nem sequer estava alertado para a existência de povos
indígenas no país — embora o acordo fosse para a coleta de
material em terras nacionais, incluindo as de oito povos indígenas.
• Ainda que o acordo com a Merck ofereça benefícios para o governo
e o INBio, nenhum benefício irá para as comunidades locais, exceto
pelo treinamento de um pequeno grupo de "parataxionomistas",
Além do mais, o INBio não contribuirá de forma alguma para a
revitalização das tradições do conhecimento local, porque professa
não ter qualquer interesse em tal conhecimento.
• Embora o pagamento adiantado feito pela Merck pareça ser subs-
tancial, ele dificilmente pode ser considerado generoso; nem o é
também a porcentagem combinada quanto aos royalties (de 3-4%).
• Não há provisão no acordo para a co-patente. Por conseguinte, a
Merck possuirá direitos de propriedade intelectual exclusivos.
5.2. O Pacto Andino
Alguns países como, por exemplo, os do Pacto Andino, estão respon-
dendo ao desafio por .meio de discussões sobre legislação adequada que
estabeleça termos equitativos para a concessão do acesso aos recursos
biogenéticos e para compartilhação dos benefícios com povos indígenas.
Os países do Pacto Andino (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela),
apoiados pela IUCN, têm desenvolvido diretrizes para legislação que fixe
termos de acesso aos seus recursos biológicos.
Esses termos incluem:
• Compartilhamento dos benefícios entre os recebedores dos recursos
biológicos, Estados membros e fornecedores, que podem ser entidades
legais, pessoas individuais ou comunidades locais ou indígenas.
359
• Restrições na transferência para terceiros e obrigações relacionadas
à propriedade intelectual.
• Informe das obrigações em usos futuros.
• Exclusividade e confidencialidade.
• Crédito para os Estados membros ou provedor de recursos na
publicação de resultados de pesquisa.
•Os Estados membros reconhecem os direitos das comunidades indígenas
e locais sobre seu conhecimento, inovações e práticas e concedem às
comunidades locais a "autoridade para decidir se e como compartilhar de
tais conhecimentos, inovações e práticas".
Os países do Pacto Andino, bem como o Brasil, consignam a biodi-
versidade ao património nacional. Entretanto, não está claro se Estados
(governos) têm exclusividade de direitos para determinar o acesso e estabelecer
termos de transferência e compartilhamento de benefícios. Fica também
pouco claro que autoridade, governos locais, estaduais ou regionais, têm
vis-à-vis de governos nacionais ou federais. Na ausência de leis claras sobre
recursos biogenéticos, a maioria dos países verifica que são incapazes de
limitar o acesso ou até de monitorar atividades dentro de suas fronteiras.
No estado do Amazonas, por exemplo, o governador estabeleceu sua
própria instituição de bioprospecção, legalmente constituída sob a lei estadual.O propósito da instituição é comercializar biotecnologia e os produtos da
biodíversidade. Isso se passa na cara do governo federal, que fica incapacitado
de agir por conta de falta de autoridade legislativa. Assim, o património
da União está sendo exportado com fins de lucro por uma instituição
estadual legalmente constituída. Além disso, na ausência de legislação
estadual ou nacional, os bioprospectores não são legalmente obrigados a
colaborar com qualquer governo que seja.
5.5. A Lei das Sociedades Indígenas Brasileira
Projeto de Lei (PL 2057/91) foi aprovado em 1994 pela Câmara dos
Deputados. Jamais passou no Senado e ainda tem seu aspecto de legalidade
sendo considerado. O projeto de lei objetiva proteger e assegurar respeito
à organização social, aos costumes, línguas, crenças e tradições dos povos
indígenas, e aos direitos sobre seus territórios e possessões.
Os Artigos 18-29 lidam com a propriedade intelectual de povos
J indígenas. Entre as provisões importantes de benefício potencial para povos
indígenas, estão as seguintes:
360
• direito de manter o sigilo do conhecimento tradicional,
• direito de recusa de acesso ao conhecimento tradicional; e direito
de requerer-se a proteção dos DPIs, que, no caso de saber coletivo,
será concedido em nome da comunidade ou da sociedade;
• direito de consentimento informado prévio (a ser dado por escrito)
para acesso, uso e aplicação do conhecimento tradicional;
• direito a co-propriedade de dados de pesquisa, patentes e produtos
derivados da pesquisa, porém sem que a comunidade tenha que
pagar taxas de patentes; e
• direito das comunidades de anular patentes ilegalmente derivadas
de seu saber.
A Lei redefiniria patentes e direitos de reprodução, autorizando que
os direitos de propriedade intelectual fossem mantidos sem delimitação de
tempo.
5.4. Outras iniciativas; Direitos de Recursos Tradicionais
Os Direitos de Recursos Tradicionais (DRT) emergiram como um
conceito unificador que reflete com maior precisão as visões e preocupações
dos povos indígenas do que sistemas mais estreitos de direitos como os
DPIs. O termo DRT foi cunhado para refletir a necessidade de reconceituação
da ideia limitada e Hmitante dos DPIs, enquanto enfatiza a existência de
uma grande gama de acordos internacionais que formam a base de um
sistema sui generis de proteção dos povos tradicionais e indígenas e dos
seus recursos.
Especificamente, um número de áreas superpostas da lei e da prática
internacionais pode ser identificado para oferecer a síntese de uma base
ideológica de novos sistemas tipo DRT nos níveis nacional e internacional
(ver Posey, 1994a; Posey, 1994b; Posey & Dutfield, 1996). Um traço
altamente significativo dessas áreas superpostas — que incluem, por exemplo,
a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra as Mulheres (de 1979), o Acordo Internacional da ONU sobre
Direitos Económicos, Sociais e Culturais (de 1966), a Convenção da
UNESCO Relativa à Proteção da Herança Cultural e Natural Mundial (de
1972) etc. — é que sua superposição faz com que elas se apoiem mutuamente,
com efeito "sinergístico".
361
Conclusões e recomendações
A herança política da exploração brutal dos recursos naturais, levando
à destruição ecológica — e ao aniquilamento e margínalização sistemáticos
das comunidades indígenas, tradicionais e locais — deixa países como o
Brasil despreparados para lidar com as questões económicas e políticas
suscitadas pelos desenvolvimentos globais da biodiversidade. Apesar de o
país ter agido para declarar direitos soberanos sobre flora, fauna e tecnologias
apropriadas para o desenvolvimento sustentável e a conservação da diversidade
biológica, suas estruturas legais e instituições políticas são impróprias ou
inexistem para proteger, monitorar ou controlar acesso e transferência da
riqueza associada aos povos indígenas e tradicionais.
Alguns esforços recentes tentam estabelecer regimes de DPI que
protejam os recursos tradicionais, enquanto facilitam o acesso a eles. Essas
propostas são fundamentalmente radicais no sentido de que reconhecem a
natureza coletiva e comunitária da conservação in silu da biodiversidade,
o que implica reconhecimento de direitos indígenas sobre a terra, o território
e os recursos. Esses direitos são algumas vezes subsumidos sob a rubrica
de "autodeterminação", que é historicamente vista como uma ameaça à
soberania nacional. Contudo, com a perda desbragada de recursos biogenéticos
e de conhecimento tradicional pela prospecção da biodiversidade — por
interesses nacionais, internacionais e multinacionais — o Brasil terá que
forjar parcerias equitativas com povos indígenas para conseguir acesso local
ao conhecimento, à flora e à fauna.
A crescente conscientização política e a organização internacional
efetiva de grupos indígenas — em combinação com as preocupações éticas,
morais e legais de cientistas cooptados por interesses comerciais — significa
que ações para desenvolver princípios e diretrizes de acesso, transferência
e compartilhamento dos benefícios não mais esperarão pela paralisia go-
vernamental. Quando os governos da América Latina concretamente agirem
para proteger os recursos tradicionais, poderão encontrar seus direitos minados
por moratórias de pesquisa, empresas privadas e empresários governamentais,
e bancos de dados extensivos do "património nacional" sendo transmitidos
em volta do planeta na Internet.
Não está claro se a biodiversidade e a biotecnologia dominarão o
futuro da economia brasileira — mas é certo que a rotina dos negócios
(business as usual) apenas levará a um solapamento maior da soberania
nacional sobre recursos tradicionais, tanto quanto à perda de saber local e
da biodiversidade que é intrinsecamente ligada ao último.
362
Para assegurar que o Brasil conserve e utilize seus recursos culturais
e biogenéticos de uma forma equitativa e sustentável, recomenda-se que as
seguintes ações sejam encetadas:
1. Promulgação imediata da Lei das Sociedades Indígenas Brasileira
(PL 2057/91) para proteger o conhecimento coletivo e os recursos biogenéticos
dos povos tradicionais e indígenas.
2. Ação urgente para revogar o Decreto 1.775 e decretos, leis ou
declarações similares que enfraquecem as reivindicações fundiárias e terri-
toriais dos povos indígenas e tradicionais.
3. Sustentar vigorosamente as reivindicações de comunidades indígenas
e remanescentes acerca de suas terras e territórios, oferecendo o suporte
político e económico necessário para que elas se efetivem com o máximo
de agilidade.
4. Desenvolvimento e expansão de centros nacionais e regionais para
fiscalizarem o uso mais disseminado e a aplicação do "conhecimento,
inovação e práticas" indígenas e tradicionais,
5. Estabelecimento de Centros de Recursos e Assessoramento para
comunidades locais sobre Direitos de Recursos Tradicionais, Direitos de
Propriedade Intelectual, e formas gerais de proteção do conhecimento e dos
rqcursos biogenéticos, enquanto se assegura um compartilhamento equitativo
dos benefícios advindos do seu uso autorizado.
6. Desenvolvimento de leis nacionais que harmonizem os acordos da
CDB com acordos de direitos humanos para assegurar que um crescimento
económico saudável seja equilibrado com respeito a preocupações pela
conservação da diversidade biológica e cultural.
7. Assistir as comunidades indígenas e tradicionais no financiamento
dos seus próprios projetos de conservação e autodesenvolvimento que incluam
os seus próprios critérios de sucesso e sustentabilidade.
8. Fortalecer o Centro Nacional de Populações Tradicionais inclusive
quanto à extensão das suas atribuições, para compreender: (1) pesquisa do
conhecimento tradicional e sua aplicação; (2) desenvolvimento de mercados
alternativos e adicionais e da necessária infra-estrutura para aumentar-se a
produção de bens com "base na comunidade; (3) provisão de um serviçolegal para assessorar e representar as comunidades indígenas e locais nas
disputas sobre uso não-autorizado ou não-eqiiitativo e na exploração do
conhecimento tradicional, bem como dos recursos da fauna e da flora.
9. Estabelecer um Programa Especial do CNPq para a Etnobiologia
e a Etnoecologia. Este Programa iria: (1) encorajar a investigação científica
do conhecimento, inovações e práticas indígenas e tradicionais que se
363
relacionem com o uso e manejo de florestas, agricultura, savanas, solos,
ecos sistemas, reservas hídricas etc.; (2) estimular e desenvolver projetos de
pesquisa co-dírigidos e inventários de recursos naturais controlados pela
comunidade; (3) patrocinar e catalisar o mapeamento de terras, territórios
e recursos; (4) proporcionar bolsas para pesquisadores e estudantes de
etnoecologia; (5) desenvolver um plano nacional para o uso equitativo e
efetivo do conhecimento tradicional e dos recursos bíogenéticos; (6) garantir
financiamento para atividades que estimulem, -apoiem, e implementem o
plano nacional de etnoecologia e de etnobiología.
10. Oferecer ao Ministro da Justiça, juntamente com a FUNAI, um
mandato para desenvolver-se um Sistema Especial (sui generis) para a
proteção da natureza milenar, coletiva, diversa e inextricavelmente cultural
do conhecimento indígena e tradicional, incluindo a extensão desse conhe-
cimento de uma forma que respeite as línguas, sociedades e culturas locais.
Isso iria gerar necessariamente um sistema com base nos direitos humanos
que ofereceria também garantias de controle local de acesso, autodeterminação
e partilha eqíiitatíva dos benefícios de uso do ecossístema e do saber
tradicional.
11. Desenvolver um processo de Direitos de Recursos Naturais que
iria: (1) identificar leis e acordos internacionais dos quais o Brasil seja
signatário ou que tenha ratificado para identificarem-se áreas de harmonização,
sobreposição ou conflito; (2) estabelecer uma estratégia nacional de sinergia
(e harmonia) de todos os direitos humanos, comércio, desenvolvimento
sustentável e compromissos ambientais.
APÊNDICE l
PRINCÍPIOS QUE AFETAM OS DIREITOS DAS
COMUNIDADES LOCAIS
Legendas: A = Artigo (CDB); P = Princípio (Declaração do Rio, 1992);
Pré - Preâmbulo (CDB).
I. Papel Vital das Comunidades
• papel vital das comunidades indígenas (P22)
• reconhecimento e apoio aos povos indígenas (P22)
• proteção especial para os oprimidos (P23)
364
• apoio às populações locais (AWd; P22)
• comunidades locais incorporando estilos de vida tradicionais (Prel2; A8j)
• comunidades locais e conservação in sitit (A8j)
II. Comunidades e o Princípio de Precaução
• abordagem de precaução (princípio) (Pre9; P/5)
• restauração e compensação (A14.2)
• controle das espécies alienígenas/organismos modificados (A8g,h)
III. Participação e Consentimento (Consentimento Prévio Informado)
• participação efetiva dos cidadãos (PIO)
• consciência do público/tomada de decisão/aprovação (A8j; Al3b\
• acesso à informação/aprovação (A/5.5; A19.3; PIO)
IV. Direitos de Recursos Tradicionais
• conhecimento, inovação e práticas tradicionais (A8j; P22)
• aplicação mais disseminada do conhecimento, inovação e práticas (A8j)
• proteção e encorajamento do uso costumeiro (AlOc)
« tecnologias indígenas e tradicionais (A18.4)
• proteção intelectual das tecnologias/DPI (A16.2; 3, 5)
V. Equidade e Acesso
• compartilhamento justo e equitativo dos benefícios (Prel2; Al; A8j; A/5.7)
• compartilhamento entre gerações (Pre23\)
• acesso à informação (A14c; PIO)
• acesso apropriado aos recursos genéticos (Al; A/5.2)
• transferência apropriada de tecnologias relevantes (Prel5, 16; Al; A/6)
VI. Ações Especiais
• ação remediadora (A8f, AWd)
• recompor e remediar (A/4.2; P/0)
• financiamento apropriado (PrelS, 16, A1,A16.1, A20; A21)
365
APÊNDICE 2
MECANISMOS REQUERENDO PARTICIPAÇÃO EFETIVA DE
COMUNIDADES INDÍGENAS, TRADICIONAIS E LOCAIS
Legendas: A = Artigo (CDB); P - Princípio (Declaração do Rio, 1992);
Pré = Preâmbulo (CDB).
I. Participação Institucional da CDB
• Secretariado
• Organismos subsidiários:
Científicos, Técnicos e Tecnológicos
(propostos) Tradicionais, Técnicos e Tecnológicos
• Mecanismo de triagem
(proposto) Conhecimento, Inovações e Práticas Tradicionais
II. Nacional & Regional
• Avaliações de impacto ambiental (A14; P17)
• Estudos sobre o país (A6)
• Pesquisas e inventários nacionais (A7)
• Identificação e monitoramento (A7)
III. Financeiro
• Medidas de incentivo (Al i )
• Medidas de financiamento (Global Environmental Facility) (A21;A39)
IV. Recursos Humanos
• Pesquisa, treinamento e educação
• Cooperação científica e técnica
• Troca de informações
• Repatriamento de informações
V. Protocolos/Diretrizes
• (propostos) Biossegurança
• (propostos) Comunidades locais incorporando estilos de vida tradicionais
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368
r-
22
Meio ambiente urbano e sustentabilidade:
alguns elementos para a reflexão
PEDRO JACOBI
1. Introdução
Esta reflexão em torno de aspectos da sustentabilidade se desenvolve
a partir dos resultados de uma pesquisa concluída em 19941 que aborda a
questão ambiental na cidade de São Paulo tanto a partir do universo
domiciliar no contexto da problemática urbana na cidade, quanto na percepção
dessa questão pela população diretamente atingida.
O objetivo da pesquisa desenvolvidaconsistiu no levantamento de
dados para a análise de problemas ambientais urbanos no nível domiciliar
e sua relação com as percepções, práticas e atitudes em torno da qualidade
de vida por mil famílias no município de São Paulo. O escopo deste
trabalho se centrou na forma como as pessoas percebem ou não a existência
de agravos ambientais, as inter-relações que os moradores estabelecem com
esses agravos e as soluções propostas para a resolução dos problemas.
1. A pesquisa, coordenada pelo autor, é parte integrante de um projeto de avaliação das
condições ambientais urbanas em cidades do Terceiro Mundo, tendo sido também, realizada em
Acra (Gana) c Jacarta (Indonésia), sob a coordenação de Gordon MacGranahan, do Stockholm
Environment Instituto — SEI da Suécia.
384
Os aspectos do meio ambiente investigados junto à população são
aqueles cuja deterioração é mais visível e que, por ísso mesmo, podem ser r
percebidos por parte da população. A relação entre meio ambiente e qualidade
de vida é pensada levando em conta aspectos estreitamente relacionados
pela dimensão intersetorial da questão, tendo como referência as práticas
sociais vinculadas ao tema do desenvolvimento sustentável.
Os resultados da pesquisa reforçam as já conhecidas diferenças e
desigualdades entre distinas zonas de cidades de grande porte como São
Paulo, mostrando o nível de precariedade sócio-ambiental dos setores mais
pauperizados da população que habitam áreas mais sujeitas aos agravos
ambientais. Estes impactos nocivos estão relacionados principalmente às
condições de acesso/não acesso aos serviços públicos e aos riscos ambientais
decorrentes de assentamentos em áreas precariamente urbanizadas. Nesse
sentido, os resultados apresentados permitem estabelecer alguns pontos de
convergência entre a multiplicação dos problemas ambientais urbanos e a
necessidade de avançar na busca de respostas para a administração de riscos
de caráter sócio-ambiental.
A maioria dos domicílios, embora esteja ciente tanto das soluções e
possibilidades existentes para a prevenção dos impactos negativos decorrentes
da degradação ambiental, na sua grande maioria aceita a convivência com
os agravos observados, assumindo frequentemente uma atitude passiva em
face da existência do problema. O fato de moradores pertencerem a estratos
sócio-econômicos diferenciados não altera significativamente a percepção
generalizada em todos os estratos a respeito da assimilação dos impactos
e da convivência próxima com os riscos ambientais.
Os resultados obtidos abrem a possibilidade de um conhecimento
aprofundado da cadeia de relações entre o que os moradores podem ou
não identificar como sendo problemas ambientais, o que eles detectam como
fonte e causa dos problemas e o que direciona suas atitudes e possíveis
soluções. Mas também é importante registrar o significativo volume de
respostas que enfatizam a relevância da ação governamental enquanto
controladora, gesto rã-indutora e agente direcionador, principal responsável
pela preservação do ambiente em face da sua degradação.
Isto levanta um conjunto de questões em torno de determinantes
sócio-econômicos, políticos e culturais dos problemas envolvidos. Tais
determinantes estão relacionados principalmente ao impacto de condições
de vida degradadas, desinformação e falta de consciência dos riscos ambientais
e de saúde, assim como das expectativas e frustrações em face da ação/inação
ou omissão do poder público nos seus diversos níveis de funcionamento.
385
A obtenção de um maior número de indicadores qualitativos é indu-
bitavelmente um aspecto relevante a ser considerado na formulação de
políticas públicas dentro de uma óptica de sustentabilidade.
2. O complexo desafio da sustentabilidade urbana
A reflexão em tomo das práticas sociais num contexto urbano marcado
pela degradação permanente do meio ambiente construído e do seu ecossistema
maior não pode prescindir nem da análise dos determinantes do processo,
nem dos atores envolvidos e das formas de organização social que poten-
cializam novos desdobramentos e alternativas de ação numa perspectiva de
sustentabilidade.
A noção de sustentabilidade, por sua vez, implica uma necessária
inter-relação entre justiça social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental e
a necessidade de desenvolvimento com respeito à capacidade de suporte
(Hogan, 1993).
No contexto urbano metropolitano brasileiro os problemas ambientais
têm se avolumado a passos agigantados e a sua lenta resolução tem se
tornado de conhecimento público pela virulência do impacto — aumento
desmesurado de enchentes, dificuldades na gestão dos resíduos sólidos e
interferência crescente do despejo inadequado de lixo em áreas potencialmente
degradáveis em termos ambientais, com impactos cada vez maiores da
poluição do ar na saúde da população.
A preocupação com o desenvolvimento sustentável representa a pos-
sibilidade de garantir, segundo Rees (1988), mudanças sócio-politicas que
não comprometam os sistemas ecológicos e sociais nos quais se sustentam
as comunidades. É cada vez mais notória a complexidade desse processo
de transformação de um cenário urbano crescentemente não só ameaçado,
mas diretamente afetado por riscos e agravos sócio-ambíentais.
Adotamos aqui os argumentos de Beck (1994) relativos à configuração
de uma lógica da distribuição de riscos. Isso é plenamente compatível com
os aspectos acima apresentados, uma vez que o desafio que está colocado
é o de se criarem as condições para, se não reduzir, pelo menos atenuar
o preocupante quadro de risco existente, que afeta desigualmente a população.
Os riscos, segundo Beck, estão diretamente relacionados com a modernidade
reflexiva e os ainda imprevisíveis efeitos da globalização.
O tema da sustentabilidade se confronta com o que Beck denomina
de paradigma da sociedade de risco. Isto implica a necessidade da multi-
plicação de práticas sociais pautadas pela ampliação do direito à informação
386
e de educação ambiental numa perspectiva integradora. Trata-se de poten-
cializar iniciativas a partir do suposto de que maior acesso à informação
e transparência na gestão dos problemas ambientais urbanos pode implicar
uma reorganização de poder e autoridade.
A passagem da compreensão dos problemas ambientais, de uma óptica
mais centrada nas ciências naturais para um escopo mais abrangente sobre
o tema, inclui igualmente o componente social, ampliando a compreensão
da questão para uma dimensão sócio-ambiental, não se podendo esquecer
de levar em conta critérios culturais e determinações específicas na formulação
de políticas públicas.
A preocupação com o tema do desenvolvimento sustentável introduz
não apenas a sempre polémica questão da capacidade de suporte,2 mas
também os alcances e limites das ações destinadas a reduzir o impacto dos
agravos no cotidíano urbano e as respostas pautadas por rupturas no modus
operandi da omissão e conivência com as práticas autofágicas predominantes.
A partir dos resultados da pesquisa antes referida, que demonstram a
necessidade de se incrementarem os meios e o acesso à informação, assim
como o papel indutivo do poder público na oferta de conteúdos informacíonais
e educativos, emergem indagações quanto aos condicionantes de processos
que ampliem as possibilidades de alteração do atual quadro de degradação
sócio-ambiental.
O tema dos resíduos sólidos é provavelmente aquele que melhor
exemplifica as possibilidades de formulação de políticas públicas minimi-
zadoras ou preventivas. Entretanto, a timidez das iniciativas e a desconti-
nuidade das políticas têm criado um verdadeiro círculo vicioso pautado pela
lógica do blaming the victim.
Em nenhum outro caso existem, segundo White e Whítney (1992),
condições tão favoráveis para se estabelecerem os vínculos entre a atividade
humana e o sistema ecológico, como no que toca à forma como uma
sociedade administra os dejetos que produz.Este argumento é vital, uma
vez que transcende o aspecto específico da gestão dos resíduos sólidos e
abre um vasto campo de aprofundamento em tomo dos meios e fins para
atingir-se algum grau de sustentabilidade sócio-ambiental. Outros temas
urbanos que, por excelência, estão relacionados com o da sustentabilidade,
são as opções de transporte, o planejamento e uso do solo e o acesso aos
2. O texlo de Daniel Hogan, "Crescimento populacional e desenvolvimento sustentável",
publicado em Lua Nova, São Paulo: Ccdec, n" 31, 1993, apresenta uma excelente reflexão sobre
este tema.
387
serviços de saneamento e infra-estrutura básica, todos eles vinculados à
potencialização de riscos ambientais.
O principal desafio que se coloca nos dias atuais é que uma cidade
do porte de São Paulo crie as condições para assegurar uma qualidade de
vida que possa ser considerada aceitável, não interferindo negativamente no
meio ambiente do seu entorno e agindo preventivamente para evitar a
continuidade do nível de degradação, notadamente nas regiões habitadas
pelos setores mais carentes.
As mudanças possíveis na esfera dos resíduos sólidos precisam cada
vez mais serem pensadas dentro de uma óptica que minimize o impacto
ambiental do lixo; apesar de o tema estar bastante presente na agenda
internacional, sua repercussão na agenda nacional é essencialmente retórica.
A inclusão do problema dentro da esfera da sustentabilidade ambiental
implica uma transformação paradigmática, constituindo-se num elemento
complementar para atingir-se um desenvolvimento económico compatível
com a busca de equidade.
Uma visão contemporânea sobre a questão dos resíduos sólidos abrange,
segundo Sônia Maria de Oliveira (1995), uma gestão integrada que implica
principalmente uma mudança generalizada dos instrumentos jurídicos, ad-
ministrativos, operacionais e sociais praticados na regulação e organização
das atividades de manejo, tratamento e destinação final do lixo.
A modernização dos instrumentos requer uma engenharia sócio-insti-
tucional complexa, apoiada em processos educacionais e pedagógicos para
garantir condições de acesso dos diversos atores sociais envolvidos, e
notadamente dos grupos sociais mais vulneráveis, às informações em tomo
dos serviços públicos e dos problemas ambientais.
A cidade de São Paulo, à semelhança de muitas cidades brasileiras,
se encontra numa situação bastante delicada quanto à destinação dos resíduos
sólidos, e os modelos tradicionais para levá-la adiante apresentam uma série
de problemas e contradições na sua execução. As propostas alternativas
têm sido timidamente implantadas e frequentemente descontinuadas, dificul-
tando um salto qualitativo que se faz muito necessário no sistema de gestão
do lixo.
A partir dos resultados da pesquisa a que se tem feito alusão, e tendo
como referência o agravamento dos problemas e a crescente sensação de
paralisia e insolubilidade dos impactos destrutivos da crise do metabolismo
urbano, o desafio ambiental urbano deve se centrar em ações que dinamizem
o acesso à consciência ambiental dos cidadãos a partir de um intenso
trabalho de educação.
388
Segundo Demajorovic (1994), uma política de resíduos sólidos pode
ser um importante instrumento de conscientização, devido à sua proximidade
do cotidiano dos habitantes. A solução do problema dos resíduos sólidos^
implica não só a articulação de aspectos e processos envolvendo a participação
dos setores público, privado e dos moradores em geral, mas também a
ampliação do acesso à informação e o desenvolvimento de legislação
apropriada, assim como sensibilidade para enfrentarem-se aspectos socio-
culturais.
Também é importante estar consciente das dificuldades que hoje existem
para viabilizar, por exemplo, propostas que articulam redução da degradação
ambiental com geração de renda. Embora este tema seja objeto de projetos
pautados pela vontade política dos administradores municipais, nem sempre
a intencionalidade é bem-sucedida ou bem compreendida pelos moradores.
São programas que exigem um período de amadurecimento e cuja legitimação
é bastante lenta por parte dos diversos estratos sociais.
Atualmente, vive-se uma situação contraditória, que tem, se não de-
sestimulado, pelo menos dificultado a manutenção de iniciativas de reciclagem
mediante cooperativas de catadores. Tratam-se de experiências que devem
ser valorizadas, apesar da sua pequena escala, porque geram benefício
económico (garantia de renda estável às famílias envolvidas); benefício
ambiental (reciclagem de diversos materiais) e benefício social, pois esse
trabalho proporciona possibilidades de integração social a pessoas que sempre
foram marginalizadas.3
O grande problema que se verifica atualmente é a significativa queda
dos preços dos materiais dos catadores no mercado, o que diminui a
rentabilidade da atividade. Esta situação introduz um aspecto de contradição
no processo, uma vez que o discurso implícito nos documentos dos organismos
internacionais vinculados ao tema são enfáticos quanto à necessidade de
implantar políticas que impliquem a articulação de iniciativas baseadas na
sustentabilidade ecológica e social a partir de iniciativas locais de combate
ao desperdício.
O cenário atual, marcado pela crescente exclusão social provocada por
um mercado de trabalho cada vez mais seletivo, introduz um fator com-
plicador, uma vez que um número cada vez maior de pessoas não tem
outra opção senão trabalríar em empregos socialmente excluídos. As massas
crescentes de desempregados que potencialmente poderiam ser absorvidas
em cooperativas de reciclagem têm contra si a quase total inexistência de
mecanismos que incentivem a expansão desse tipo de iniciativas.
3. O Cedec está desenvolvendo atualmente pesquisa relacionada ao tema da sustencabilidade
ambiental e geração de renda na Grande São Paulo, coordenada pelo autor.
389
O grande desafio que se coloca é, por um lado, gerar empregos com
práticas sustentáveis e, por outro, fazer crescer o nível de consciência
ambiental, ampliando as possibilidades de a população participar mais
intensamente nos processos decisórios como um meio de fortalecer a sua
co-responsabilização na fiscalização e controle dos agentes responsáveis peia
degradação sócío-ambiental.
Finalmente, é importante ressaltar que uma agenda para a sustentabi-
lidade ambiental urbana deve levar em conta .a relevância de se estimular
a expansão dos meios de acesso a uma informação geralmente dispersa e
de difícil compreensão como parte de uma poíítíèa de fortalecimento do
papel dos diversos afores intervenientes.
O momento atual exige que a sociedade esteja mais motivada e
mobilizada para assumir um caráter mais propositivo, assim como para
poder questionar de forma concreta a falta de iniciativa dos governos para
implementar políticas pautadas pelo binómio sustentabilidade e desenvolvi-
mento, num contexto de crescentes dificuldades para promover-se a inclusão
social.
Diversas experiências bem-sucedidas, principalmente por parte de ad-
ministrações municipais, mostram que, havendo vontade política, é possível
viabilizar ações governamentais pautadas pela adoção dos princípios de
sustentabilidade ambiental conjugada a resultados na esfera do desenvolvi-
mento económico e social.
Referências bibliográficas
BECK, Ulrich'(1994). Riste society. London: Sage Publications.
DEMAJOROVTC, Jacques (1994). Meio ambiente e resíduos sólidos. Dissertação
de Mestrado. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas.
HOGAN, Daniel (1993). Crescimento populacional e desenvolvimento sustentável.
Lua Nova, São Paulo: Cedec, n° 31.
JACOBI, Pedro (coord.) (1994). Pesquisa sobre problemas ambientais e qualidade
de vida na cidade de São Paulo. São Paulo: Cedec/SEI.
LIMA, Sônia (1995). Resíduos sólidos na Região Metropolitana. Debates Sócio-
Ambientais, São Paulo: Cedec, n" l, jun-set.
REES, William (1988). Defíning sustainabledevelopment. Vancouver: University
of British Columbia (Background paper).
WHITE, Rodney & WHITNEY, Joseph (1992). Cities and the environment: an
overvíew. In: WHITE, Rodney et ai. (orgs.). Sustainable cities. Boulder:
Westview Press.
390
23
A educação ambiental como um dos
instrumentos de superação da
insustentabilidade da sociedade atual
MARIA LÚCIA AZEVEDO LEONARDI
1. Introdução
A educação ambiental tem sido bastante discutida atualmente em vários
e diferentes contextos. A meu ver, de formas diversas, até mesmo equivocadas.
Neste trabalho, abordarei o tema da seguinte forma: inicialmente, farei um
breve histórico da educação ambiental e do tratado internacional sobre o
tema, aprovado no encontro da sociedade civil paralelo à Rio-92. Em
seguida, discutirei o(s) conceito(s) e a classificação de educação ambiental;
os vários componentes necessários para seu exercício, como a mudança de
valores, o diálogo, a interdisciplinaridade, o desenvolvimento sustentável
etc. Depois tratarei, brevemente, sobre o que tem sido feito, isto é, como
acontecem as diferente* práticas de educação ambiental. E, finalmente,
apresentarei uma rápida conclusão como forma de ampliar o debate.
2. Breve Histórico da Educação Ambiental e o "Tratado de
Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global"
Educação ambiental, do ponto de vista formal, é um tema relativamente
novo, não só como política pública, mas também como preocupação de
391
educadores, crianças, jovens, pais e cada vez mais um número crescente
de intelectuais e profissionais das mais variadas áreas.
No entanto, a tarefa de educar para o meio ambiente ou com o meio
ambiente não é nova. Mesmo a preocupação com o meio ambiente não é
recente. As duas histórias, a do meio ambiente e a da educação ambiental,
confundem-se e articulam-se, como veremos. Nos anos 60, nos países
avançados (ou do Primeiro Mundo), essa preocupação ou sensibilização
com o meio ambiente aparecia junto com uma crítica mais profunda que
os movimentos sociais da época faziam, principalmente entre os jovens,
quanto ao estilo de vida, valores e comportamentos de uma sociedade
consumísta e depredadora. Nas demais sociedades que, tanto naquela época
como hoje, ainda não haviam encaminhado minimamente o desafio de
satisfazer as necessidades básicas de sobrevivência de seus povos, enfrentando
a miséria, a fome, a educação e a saúde, a preocupação com a natureza
(como se falava na época) era vista como certo "modismo" ou esquisitice
daqueles jovens cabeludos que lutavam, pacificamente, por "paz e amor".
Nos anos 70, porém, o "ambiente", termo usado então, passou a fazer
parte da agenda mundial, no bojo da crise económica que se instalou na
maioria da nações, sejam de Primeiro, Segundo ou Terceiro mundos. Deu-se
conta, na época, que havia um novo ingrediente na crise e que ele tinha
a ver diretamente com a redução do índice de qualidade de vida de grande
parte da população mundial: era a poluição que, juntamente com a possi-
bilidade de exaustão dos recursos naturais, interferia no presente e futuro
da humanidade. É dessa época (1972) o estudo do Clube de Roma, conhecido
como Limites ao crescimento, considerado alarmista e severamente criticado
por diferentes correntes de intelectuais, principalmente economistas.
Mas ainda em 1972, com a realização em Estocolmo da Conferência
das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, o debate da então chamada
"questão do meio ambiente" ou "questão ambiental" ganhou fórum político.
Uma das recomendações daquela conferência foi a criação do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), levado a efeito no
ano seguinte.
Outros estudos seguiram-se, novos conceitos foram formulados —
como os de desenvolvimento sustentável e ecodesenvolvimento —, inusitados
atores políticos e sociais vieram à tona, abrindo e, às vezes, arrombando
espaços, como as organizações não-governamentais (ONGs), até se chegar
à última Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desen-
volvimento (Rio-92) e àquela quantidade e variedade de debates, tratados,
acordos e desacordos que foram então firmados.
392
E a educação ambiental, o que tem a ver com toda essa história
recente? Tudo a ver, pois ela é um de seus personagens privilegiados. Sua
história inicia-se no século XVIII, quando o filósofo Rousseau (1712-1778)
e, mais tarde, o educador Freinet (1896-1966), no início do século XX,
insistiram na eficácia do meio como estratégia de aprendizagem. Educar
para o meio foi um outro passo dessa nova abordagem educacional, que
via a natureza com um olhar novo, não mais como algo a ser conquistado
e dominado próprio da maneira de ver do iluminismo, da revolução industrial
e do capitalismo.
Também foram nos anos 60 que grupos, entidades e algumas políticas
governamentais começaram a preocupar-se com educação ambiental, alertados
que foram por aqueles jovens rebeldes e cabeludos. Para se ter uma ideia,
em 1968, na Grã-Bretanha, surgiu o Conselho para Educação Ambiental e,
na França e nos países nórdicos, no mesmo ano, foram aprovadas variadas
intervenções na política educacional, como normas, deliberações e recomen-
dações, que introduziram a educação ambiental no currículo escolar. No
mesmo ario, a Unesco contabilizou 79 países que já incluíam essa educação
no seu currículo escolar e, mais que isso, a própria Unesco recomendava
inserir os aspectos sociais, culturais e económicos no estudo biofísico do
meio ambiente.
A partir daí, o tema apareceu em muitos documentos, relatórios e
programas internacionais dedicados ao meio ambiente, com formas e ênfases
distintas. O PNUMA, criado em 1973, reforçou a necessidade da educação
e formação ambientais em todas as atividades exercidas pelos organismos
internacionais e, em 1975, foi lançado o Programa Internacional de Educação
Ambiental, em Belgrado. Em 1977 realizou-se em Tbilíssi, Geórgia, ex-URSS,
a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental. Nessa conferência
e na posterior, em 1987, em Moscou, estabeleceram-se orientações e
avaliaram-se as ações e metas concebidas para a efetivação da educação
ambiental em todas as sociedades do planeta. Hoje, ela foi assumida tanto
pelas políticas públicas de governo quanto pelas mais diversas entidades,
empresas e organizações da esfera não-governamental.
No Brasil, a Constituição de 1988 estabeleceu a exigência da prática
da educação ambiental tanto no nível federal, quanto estadual e municipal.
Mas isso não impede que, até hoje, faltem políticas claras para sua
consecução.
A história da educação ambiental é, portanto, uma história de êxitos,
de conquistas? Nem tanto, como veremos posteriormente. É preciso saber,
antes, como, por quê, onde ela tem sido exercida. Importa avaliar todo o
trabalho que a ela se relaciona, descobrir seus avanços, recuos e contradições.
393
Momento importante dessa história foi a elaboração, discussão e
aprovação em 1992, durante a UNCED (RÍo-92), no encontro da sociedade
civil (Fórum Global), do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global.
Esse tratado foi discutido anteriormente à conferência em inúmeros
fóruns ocorridos em muitos países, após longos debates, com parceiros
diversos e até contraditórios. Pode-se dizer que foi um trabalho coletivo.
Conseguiu-se sua aprovação no Fórum Internacional das ONGs que aconteceu
no aterro do Flamengo e já no seu título enfatiza-se o respeito à diversidade
e o compromisso individual e coletivo com certo tipo de sociedade (sus-
tentável) e, portanto, de repúdio às sociedades desenvolvimentistas a qualquer
preço. O documento compõe-se de várias partes: introdução; princípios;
plano de ação; sistemas de coordenação, monitoramento e avaliação; grupos
a serem envolvidos; recursos. Dos seus quinze princípios, todos relevantes,
alguns podem ser aqui destacados:
• A educação ambiental deve

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