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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO AULA 1 Prof. Luís Fernando Lopes Profª Ethannyn Mylena Moura Lima Constantino 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula vamos abordar alguns pontos fundamentais da história da filosofia e sua relação com a educação. Vamos abordar o nascimento da filosofia no Ocidente para em seguida falarmos sobre os principais filósofos e suas ideias, do período da história que é nomeado como Filosofia Antiga. Em seguida, faremos uma análise sobre o legado desses pensadores no sentido de direcionar a reflexão para o questionamento sobre o porquê de estudar a filosofia da educação. TEMA 1 – NASCIMENTO DA FILOSOFIA: OS PRIMEIROS FILÓSOFOS A história nos conta que o berço da filosofia, ou seja, o seu nascimento, ocorreu na Grécia. Assim, podemos dizer que a filosofia é grega. Para alguns comentadores, o surgimento da filosofia é um acontecimento único e original, sem precedentes, que mudou completamente a forma de pensar de todo o Ocidente. Os gregos então foram os responsáveis pela mudança de pensamento do seu povo e do consequente abandono gradativo dos mitos, que foram ressignificados para uma forma mais voltada para a razão, pois os mitos eram o principal meio a que os gregos recorriam para explicar a realidade. É importante destacar que um terreno fértil se formou para que ocorresse essa transformação no pensamento grego. Nesse sentido, as viagens marítimas são um fator que merece destaque, pois os gregos até então acreditavam, de acordo com a mitologia, que existiam seres marítimos gigantes e monstruosos, assim como também as sereias e outros seres que eram malvados com os seres humanos. Além disso, existia a crença de que não habitavam seres humanos nas terras além-mar, mas sim criaturas abomináveis, por exemplo, os ciclopes. Essas viagens em direção ao Oriente possibilitaram a constatação dos fatos, isto é, eles verificaram que não existia toda essa história mítica e que em outras terras habitavam seres humanos como eles, apesar das culturas e crenças serem diferentes. Isso permitiu ao povo grego desenvolver um senso crítico para com as narrativas mitológicas tidas até então como verdades, passando, assim, a não mais aceitá-las e sim a contestá-las de forma lógica e racional. Todos esses acontecimentos e outros mais foram fundamentais para o surgimento da filosofia na Grécia Antiga (Braga Junior; Lopes, 2015). 3 Mais especificamente, a filosofia teve início nas colônias gregas da Magna Grécia, que estavam localizas na região geográfica da Ásia Menor e Península Itálica. Assim, cidades como Mileto, Éfeso e Samos eram colônias gregas da Ásia Menor, e Eleia e Agrigento faziam parte da Magna Grécia. São nessas colônias que se tem histórico das primeiras aparições das escolas filosóficas, sendo então denominadas de acordo com o seu fundador ou de sua região. Os jônicos, os pitagóricos, os eleatas e os atomistas foram os principais expoentes desse pensamento grego em transformação. Os jônios são os responsáveis pelas narrativas poéticas atribuídas a Homero. Foram deles também as primeiras explicações científicas e filosóficas, que, devido à sua localização geográfica, contribuíram para se tornarem grandes centros econômicos e culturais. Dentre as cidades da região da Jônia, estava a famosa cidade de Mileto, berço do então primeiro filósofo de que temos registros históricos, Tales de Mileto. Tales foi o fundador da escola que leva seu nome, viveu por volta do fim do século VII a.C. e começo do século VI a.C., foi o primeiro a se preocupar com a origem das coisas, isto é, a origem de todas as coisas no cosmos. Isso se traduz na arché grega, elemento que deveria ser a origem e permanência na existência de todas as coisas no mundo. Assim, cada filósofo da Antiguidade grega, à sua maneira, estudou as diversas possibilidades de encontrar esse elemento constitutivo da natureza das coisas. Ele foi então o fundador da filosofia da physis, filosofia da natureza. Nesse sentido, para Tales, o princípio de todas as coisas era a água (Braga Junior; Lopes, 2015). Os pitagóricos por sua vez, representados e inspirados pelo filósofo Pitágoras, de quem não é possível dizer o que é do campo da realidade e o que é lenda, pois ele foi alvo de diversas fantasias a ele atribuídas, principalmente no período das suas viagens, em que conheceu vários povos e culturas. No entanto, atribuem-lhe a criação de uma escola e que ele tinha a ideia de uma filosofia que pertencia a uma certa ordem religiosa, como afirma Borheim (1998): “a doutrina era considerada secreta, e a transgressão dessa norma acarretava excomunhão; tal teria sido o castigo de Híspaso” (Borheim, 1998, p. 47) A religião órfica teve forte influência na doutrina de Pitágoras e nela ele fez algumas mudanças interpretativas a respeito da via de salvação, que no orfismo se dava com o culto a Dionísio. Em Pitágoras, a via de salvação se dava por meio da matemática. 4 Partindo de ideias órficas, o pitagorismo pressupunha uma identidade fundamental, de natureza divina, entre todos os seres; essa similitude profunda entre os vários existentes era sentida pelo homem sob a forma de um “acordo com a natureza”, que, sobretudo depois do pitagórico Filolau, será qualificada como uma “harmonia”, garantida pela presença do divino em tudo. Natural que, dentro de tal concepção, o mal seja sempre entendido como desarmonia. (Souza, 1996, p. 22) Assim, a razão humana, segundo Pitágoras, teria “a função de descobrir a estrutura numérica das coisas no cosmos e, consequentemente, a harmonia que adviria da estrutura” (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 105). Daí então ele fica conhecido como o filósofo que interpretou o princípio fundamental do universo por meio dos números. A Escola Eleata foi outro grande movimento da Grécia Antiga, tendo Parmênides e Zenão como seus grandes expoentes. Foi com Parmênides que houve uma transformação no pensamento filosófico grego, pois ele transformou toda a cosmologia até então estudada em ontologia, isto é, o estudo do ser. Pouca coisa restou para nós dos escritos de Parmênides, como em especial do poema Sobre a natureza, mas é sabido que: Parmênides revolucionou a cosmologia de seu tempo, inovando radicalmente o que recebeu de seus predecessores. Com esse pensador, a cosmologia se transformou em ontologia, uma teoria do ser. O objetivo dessa nova cosmologia era procurar desmascarar o equívoco que seus antecessores cometeram por dar uma importância muito grande aos dados fornecidos pelos sentidos. Parmênides fez uma distinção entre aquilo que era essencial e o que era aparente, e disse ainda que era contraditório atribuir um caráter essencial a aquilo que fosse meramente aparente. (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 108) Por último e não menos importante, temos os atomistas, outra corrente filosófica que veio para contribuir com essa mudança no pensamento grego antigo. Como o próprio nome já indica, os atomistas afirmavam representarem uma tentativa de resposta aos eleatas, pois para estes tudo se resumia ao átomo. Os atomistas partilham da mesma ideia dos eleatas sobre a existência do não ser e defenderam que o nascimento das coisas é apenas uma agregação e sua morte uma desagregação, portanto as coisas não nascem do nada, elas nascem de algo que já é, que existe. O ser então dos atomistas é o átomo. Os dois principais representantes dessa escola foram Leucipo (séc. V a.C.) e Demócrito (460-370 a.C.), sobre cuja história pouco se sabe. Esses foram os primeiros filósofos de que temos registros históricos. Foram os principais pensadores que contribuíram para o surgimento da filosofia 5 na Grécia Antiga e onde foi possível o início de uma mudança na forma de pensar grega. TEMA 2 – PAIDEIA: A EDUCAÇÃO GREGA Paideia é um termo grego antigo usado parasintetizar a educação da sociedade grega. De início era usado apenas para dizer sobre a educação familiar, os bons modos e a moralidade. Aqui então daremos foco às leis da educação dada ao povo da época, assim como também dimensionar a educação de uma maneira mais geral, como nos mostram Bortolini e Nunes (2018, p. 23): É preciso definir a premissa fundamental, a dimensão da educação. Educar implica em reconhecer que a condição humana é aprendida, que é historicamente produzida, que a educação é um projeto definido no tempo e no espaço humano e natural. Significa formar o homem, engendrar, isto é, fazer, produzir, a pessoa humana, para a vida em sociedade. Implica em reconhecer que a tarefa de fazer-se homem, a hominização de si, renova-se a cada nascimento, a cada geração, a cada criança. Somos seres sociais, animais políticos, entes sensíveis, coabitantes da mesma terra, viajantes da história, somos promessas e penhores dos futuros incertos. Nesse sentido, podemos dizer que a concepção de educação é, desde a Antiguidade Clássica, mais do que uma mera transmissão de conhecimento a alunos em sala de aula, uma tarefa de extrema responsabilidade para quem a desempenha independente de qual seja o nível ou esfera do conhecimento. Como bem nos aponta o pesquisador Saviani (2006, p. 13), sobre essa dimensão e objetivo da educação: o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. Trata-se de todo um processo o ato de educar. Platão, filósofo que veremos em mais detalhes posteriormente, já sabia que não há nenhum outro campo mais difícil de agir do que a educação, em termos de aplicação de leis gerais. Um exemplo clássico de paideia grega está na República de Platão e na sua obra Leis, que é um diálogo no qual ele trata de vários assuntos, e a discussão é baseada em compreender a conduta do cidadão e a promulgação das leis. 6 É em casa e na família que uma grande parte da paideia se efetua, furtando-se assim à crítica pública. Mas esta influência doméstica tem a mais alta importância. Neste ponto, Platão crê poder conseguir mais por meio da instrução que por meio de preceitos. No atual estado de coisas, a educação privada segue em direções contrárias conforme as diversas famílias, sem que o legislador possa opor-se a essas contradições, que as mais das vezes se manifestam em coisas pequenas, quase imperceptíveis. Se, porém, atentarmos nos seus efeitos em conjunto, veremos que estas diferenças na concepção do que deve ser uma educação acertada chegam mesmo a pôr em questão a obra da legislação escrita. (Jaeger, 1994, p. 1348) Platão faz essa crítica ao estado das coisas existentes em Atenas, pois ele critica o fato de não haver uma legislação que regule legalmente os problemas da educação. É característico tanto na República quanto nas Leis, mais especificamente nas Leis, tratar de uma educação de bases filosóficas e eugenésicas para uma infância boa e saudável em relação à procriação de filhos. As leis sobre o matrimônio vão dar origem mais tarde às leis da educação, pois ele vai usá-las como base para tal. Os balanços dos corpos, com ou sem esforço próprio, exercem sobre o homem uma ação revigorante, como acontece com o passeio, com o balanço, com os cruzeiros por mar, a equitação e outros tipos de movimento. É por isso que Platão ordena às mulheres que passeiem durante a gestação e prescreve massagens para os lactentes, até os 2 anos. (Jaeger, 1994, p. 1349) Já Aristóteles, filósofo que também veremos em mais detalhes adiante, afirma que a paideia dos primeiros anos de vida deve ser orientada para uma influência no vigor físico em detrimento das outras áreas. Daí sucede a importância dada à alimentação e aos exercícios físicos desde a tenra idade. No entanto, há aqui um princípio aristotélico que chega até os nossos dias, a saber Orthós lógos (a medida certa), evitando assim exageros nem para um lado nem para outro, zelando pela ausência do excesso e cuidando da criança como um todo. Além de tratar de outros aspectos da educação infantil, Aristóteles também aborda a educação dos jovens, e começa tratando da educação como uma questão política, antes mesmo das práticas pedagógicas, pois em todo o tempo não há como tratá-las em separado. A educação deve ser adequada a cada forma de governo, porquanto o caráter específico de cada constituição a resguarda e mesmo lhe dá bases firmes desde o princípio – por exemplo, o caráter democrático cria a democracia e o caráter oligárquico a oligarquia, e o melhor caráter sempre origina uma constituição melhor. (Aristóteles, citado por Amaral Filho, 2014, p. 83) 7 Aristóteles segue analisando a educação de sua época e afirma haver quatro ramos de educação, a saber, gramática, ginástica, desenho e música. Em relação à música, há dúvidas quanto à sua serventia (mas não é por isso que ele não vai lhe dar a devida atenção), ao contrário da ginástica que, segundo Aristóteles, contribui para a bravura, e no tocante à gramática e ao desenho, são úteis e possuem várias aplicações na vida. Aristóteles é da opinião que o conhecimento útil deve ser passado para os jovens e que são importantes para a vida cotidiana. Quando ele trata do ócio como disciplina curricular, a música é retomada tendo o seu emprego devido. O ócio do qual fala Aristóteles “parece conter em si mesmo o prazer, a felicidade e a bem-aventurança de viver” (Aristóteles, citado por Amaral Filho, 2014, p. 87). Dessa maneira, alguém que só pensa em negá-lo não poderá atingir tais desígnios, os mais significativos para a vida humana, pois isto não está ao alcance do homem que corre atrás de algo tendo em vista outro algo, como o homem de negócios. Aqui, para a educação para o ócio, Aristóteles não está procurando algo que seja secundário para a existência humana, como as formas de conhecimento “cultivadas como necessárias e como meios para atingir outros fins” Assim, a preocupação de Aristóteles está em educar os jovens para que ocupem o seu tempo livre com atividades prazerosas que lhes tragam, ou melhor, que os levem à felicidade. TEMA 3 – O PENSAMENTO GREGO ANTIGO: SÓCRATES E PLATÃO O pensamento grego antigo teve contribuições de vários grandes filósofos, importantes no seu tempo e fora dele, como também na particularidade do seu pensamento. Nesse sentido, Sócrates, que nasceu em 470 a.C. em Atenas, é sem dúvida um dos filósofos mais conhecidos em toda a história da filosofia antiga, uma figura extraordinária que revolucionou a forma de pensar de sua época, deixando um legado que nos alcança na contemporaneidade. Sócrates não deixou nenhum escrito. Ele acreditava que suas ideias fossem transmissíveis por meio do diálogo, de um processo dialético- oral, pela palavra viva, confiando seu pensamento aos seus discípulos, ensinando-os nos locais públicos de Atenas como um pregador leigo, encantando os atenienses de todas as idades, que paravam para ouvir seus discursos e ficavam fascinados. (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 129) 8 Seu trabalho de reflexão era parecido com o que os sofistas empregavam, mas, diferentemente deles, Sócrates não vendia saberes, isto é, não cobrava pelos seus ensinamentos, fazia isso de forma gratuita a quem quisesse ouvi-lo. Em suas discussões, buscava um fundamento sólido e único para os anseios dos cidadãos de seu tempo que almejavam compreender o que era o bem, a virtude e a justiça, enquanto os sofistas permaneciam em uma visão relativistabaseados apenas em suas impressões sensoriais, ignorando a essência das coisas que serviriam de parâmetro para os nossos juízos no mundo empírico. (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 129) Sócrates teve sua coragem e bravura postas à prova quando foi para a guerra entre Atenas e Esparta, a célebre guerra do Peloponeso, demonstrando uma grande resistência física e se destacando por seus feitos. Buscou ao longo de sua vida compreender o homem e sua essência, chegando à conclusão de que o ser humano é constituído por uma alma, isto é, ele é a sua alma. Essa alma se traduz em razão, consciência e demais coisas que ela abriga. Sendo então o ser humano dotado de uma razão que nos faz diferentes dos demais seres humanos: A partir dessa primeira premissa, Sócrates definiu um dos principais pontos de sua filosofia: “conhece-te a ti mesmo!”. Aqueles que desejavam conhecer a verdade e fugir do relativismo pregado pelos sofistas deveriam buscar o autoconhecimento, conhecer a sua própria essência, que é a razão, seu eu consciente. Sócrates retirou essa ideia do Oráculo de Delfos e passou a determiná-la como orientação básica e fundamental para todos os seus discípulos: eles deveriam fazer de si mesmos o seu próprio ponto de partida para conhecer as coisas do seu entorno e buscar a sabedoria. (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 131) Uma Sacerdotisa de Apolo revelou que ele seria o homem mais sábio entre os vivos, mas podemos nos perguntar: justo ele que reconhecia a sua própria ignorância diante dos homens? Por isso mesmo, pois ele concluiu que não sabemos de tudo, mas sabemos que não sabemos de tudo, isto é, o conhecimento é infinito diante da finitude da existência humana: “só sei que nada sei!”, sua célere frase ou a ele atribuída. Conforme relatou Platão, Sócrates morreu de forma trágica, forçado a tomar veneno, condenado por simplesmente fomentar o pensamento em praça pública, mas morreu afirmando que a melhor coisa da vida era viver sem injustiças, viver honestamente. A história de Sócrates se mescla com a de Platão, outro filósofo importante não só para a Grécia Antiga, mas também para os nossos dias, pois sua filosofia tem reflexos no mundo contemporâneo. Platão nasceu em Atenas, no ano de 428 a.C. e foi o discípulo predileto de Sócrates. O grupo de seguidores 9 a que Platão pertencia tinha a pretensão não de aprender a filosofar, mas sim, por meio da filosofia, participar da vida política. Depois da morte de Sócrates, Platão procurou seguir uma filosofia própria, mas isso é motivo de discussões, pois não se sabe exatamente o que é pensamento platônico ou socrático, tendo em vista que Sócrates em vida não deixou nada escrito, ficando a cargo de seus discípulos, sobretudo Platão, narrarem seus pensamentos e feitos. No retorno de uma de suas viagens, Platão funda a Academia, onde ensinava filosofia e matemática aos alunos, tendo entre eles inclusive mulheres, o que era muito arrojado para a época. Platão torna-se o primeiro dirigente de uma instituição permanente, voltada para a pesquisa original e concebida como conjugação de esforços de um grupo que vê no conhecimento algo vivo e dinâmico e não um corpo de doutrinas a serem simplesmente resguardadas e transmitidas. O que se sabe das atividades da Academia, bem como a obra escrita de Platão e as notícias sobre o seu ensinamento oral, testemunham sobre essa concepção da atividade intelectual: antes de tudo busca a inquietação, reformulação permanente e multiplicação das vias de abordagem dos problemas, a filosofia sendo fundamentalmente filosofar – esforço para pensar mais profunda e claramente. (Platão, 1991, p. 15, citado por Braga Junior; Lopes, 2015, p. 151) A Academia logo ganhou fama, novos alunos e muito prestígio. Escreveu ao todo 36 obras, de que se tem conhecimento, todas com a mesma característica marcante. Os diálogos, porém, não se sabe se todos realmente são de sua autoria. Um dos mais famosos pensamentos atribuídos a Platão é a teoria das ideias, que ficou bem representada por meio da “Alegoria da Caverna”. Essa alegoria pode ser explicada como uma metáfora do mundo material, sensível, em oposição ao mundo das ideias, suprassensível. […] Para Platão, o “mundo da caverna” representa este mundo no qual vivemos, o mundo das sensibilidades e das matérias: um lugar feito de sombras e aparência de realidade. O “fogo dentro da caverna”, que projeta sua luz e, consequentemente, a sombra dos objetos ao fundo, representa no mito a ilusão propiciada pelos nossos sentidos, os quais nos enganam e que não podem nos conduzir à verdade das coisas, mas somente a uma realidade aparente. O “prisioneiro fugitivo da caverna” é o filósofo, que por meio da atividade racional, consegue ascender a uma realidade suprassensível, a uma realidade ideal, inteligível, fora da caverna, o único mundo existente, o mundo do conhecimento verdadeiro. (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 156) Essa é a base da teoria das ideias, de Platão, umas das maiores contribuições de toda a história da filosofia, em que ele nos dá a entender que as coisas desse mundo, as coisas materiais são uma mera imitação imperfeita 10 do mundo ideal. Essa alegoria é descrita no Livro VII de A República, em que Sócrates dialoga com Glauco, narrando o mito. Além desse mito, nessa obra Platão explica sua concepção de política, na qual descreve uma sociedade ideal, considerando uma divisão de classes em que acredita que só por meio dessa divisão é que os cidadãos podem alcançar a justiça. Com o devido cuidado para não incorrer em anacronismos, convém salientar que o pensamento platônico guarda sua relevância e atualidade, sobretudo no que diz respeito à sua concepção de educação, pois a influência platônica na história da filosofia e da educação ocidental é marcante ao longo dos séculos e alcança os nossos dias. TEMA 4 – O PENSAMENTO GREGO ANTIGO: ARISTÓTELES Aristóteles (c. 384-322 a.C.) nasceu em Estagira, na Macedônia, e com 17 anos se mudou para Atenas para estudar na Academia de Platão, tornando- se então seu discípulo. Vasta é a quantidade e a diversidade de temas a que Aristóteles se dedicou em sua vida de estudo. O filósofo permaneceu na Academia por cerca de 20 anos, onde ganhou admiração e respeito por ser um aluno de excelente retórica, que recebeu reconhecimento dentro da própria Academia. Após a morte do mestre, Aristóteles havia conquistado o status necessário para ser o grande continuador do projeto de Platão na Academia, porém, foi deixado de lado por não ser um ateniense, mas um estrangeiro oriundo da Macedônia. Esse fato fez com que Aristóteles, decepcionado, deixasse a Academia e partisse para a Ásia Menor, sendo convidado, pouco tempo depois, para ser o preceptor do filho do Rei Felipe II da Macedônia, conquistador do mundo grego, chamado Alexandre, o Grande. (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 173) Assim, ele ficou conhecido por ser um grande sistematizador dos conhecimentos que surgiram até a sua época. Categorizou tudo o que já havia sido produzido até então. Áreas como a biologia, física, história natural, política, ética, psicologia, estética e metafísica foram todas categorizadas por Aristóteles. Ele inaugurou assim um período importante para o pensamento antigo, a saber, o período sistemático (Braga Junior; Lopes, 2015). Em relação ao número de obras que deixou, 40 são as que chegaram até nós em forma completa ou fragmentos, graças a tradutores como Avicena e Averróis. 11 Fundou sua própria academia, o Liceu, e criticou a teoria das ideias de Platão, que, como já vimos nesta aula, trata de não aceitar o que vem dos sentidos, pois se trata de uma mera ilusão, pois são cópias imperfeitas de ideias perfeitas. Fundamentando sua crítica na afirmação contrária, de que os dados obtidos pelos sentidos nos levam, sim, à constatação de que tais objetos na natureza existem,Aristóteles dizia que tudo o que sentimos como paladar, o tato, o olfato, a audição e a visão, todas as experiências empíricas que os sentidos nos proporcionam, nos conduzem à constatação de que tais objetos são reais (Aristóteles, 1987, p.19). Partindo dessa premissa fundamental, Aristóteles atribuía à ciência esse caráter empírico, que deveria buscar nossa experiência sensível a essência do ser. (Braga Junior; Lopes, 2015, p. 176) Dessa forma, enquanto Platão tinha nas ideias o amparo para buscar a verdade, Aristóteles, por outro lado, partia do mundo sensível da realidade para chegar à ideia das coisas. Assim ele usava a lógica para chegar a um conhecimento científico e universal e não mais a dialética platônica. Para se atingir a certeza científica e construir um conjunto de conhecimentos seguros, torna-se necessário, segundo Aristóteles, possuir normas de pensamento que permitam demonstrações corretas e, portanto, irretorquíveis. O estabelecimento dessas normas confere a Aristóteles o papel de criador da lógica formal, entendida como a parte da lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do conteúdo dos pensamentos que esses raciocínios conjugam. (Aristóteles, 1987, p. 19, citado por Braga Junior; Lopes, 2015, p. 176- 177) Assim, esse método aristotélico foi um marco na mudança de pensamento da época, entrando para o rol dos filósofos mais influentes no pensamento e na educação até os dias atuais. TEMA 5 – POR QUE ESTUDAR FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO? Quando falamos de filosofia da educação, trata-se, antes de qualquer coisa, de trazer a reflexão filosófica para o âmbito das teorias e práticas pedagógicas. Nesse sentido, a filosofia da educação trata de questões, à primeira vista simples, mas que, à medida que se aprofundam, mostram sua natureza complexa. Questões como: quais são os fins da educação? O que é o aprendizado? São algumas das questões norteadoras do pensamento filosófico aplicado à educação. No contexto da história da cultura ocidental, é fácil observar que educação e filosofia sempre estiveram juntas e próximas. Pode-se constatar, com efeito, que desde seu surgimento na Grécia clássica, a 12 filosofia se constituiu unida a uma intenção pedagógica, formativa do humano. Ela já nasceu Paidéia! Para não citar senão o exemplo de Platão, em momento algum o esforço dialético de esclarecimento que propõe ao candidato a filósofo deixa de ser simultaneamente um esforço pedagógico de aprendizagem. Praticamente todos os textos fundamentais da filosofia clássica implicam, na explicitação de seus conteúdos, uma preocupação com a educação. (Severino, 1990, p. 18) Isto é, a filosofia, desde os antigos, está ligada à figura do educador. Na Idade Média, também a filosofia foi literalmente um modelo pedagógico que tinha em mãos a formação, inclusive religiosa do povo europeu. No período renascentista, ocorreu do mesmo modo. Pesquisadores como Severino (1990) afirmam que foi na metade do século XX que houve uma tendência à diminuição de relação tão estrita até então. Essa tendência desprendeu-se de suas próprias raízes, que se encontravam no positivismo, transformando-se numa concepção abrangente, denominada neopositivismo, que passa a considerar a filosofia como tarefa subsidiária da ciência, só podendo legitimar-se em situação de dependência (frente ao conhecimento científico, o único conhecimento capaz de verdade e o único plausível fundamento da ação). Desde então qualquer critério do agir humano só pode ser técnico, nunca mais ético ou político. Fica assim rompida a unidade do saber. Mas, na verdade, esse enviesamento da tradição filosófica na contemporaneidade é ainda parcial, restando válido para as outras tendências igualmente significativas da filosofia atual que os esforços de reflexão filosófica estão profunda e intimamente envolvidos com a tarefa educacional. E este envolvimento decorre de uma tríplice vinculação que delineia três frentes em que se faz presente a contribuição da filosofia para a educação. (Severino, 1990, p. 19) Podemos dizer, que a filosofia da educação tem, entre outros, um objetivo antropológico, pois é responsável pela construção da imagem do homem enquanto este é o sujeito primordial e objeto fundante da educação. Assim, há aqui uma antropologia filosófica, integrando as ciências humanas em relação aos seus conteúdos, com o objetivo de uma integração do homem, de acordo Severino (1990). Nessa tarefa ela é, pois, reflexão eminentemente antropológica e, como tal, põe-se como alicerce fundante de todas as demais tarefas que lhe cabem. Mas não basta enunciar as coisas desta maneira, reiterando a fórmula universal de que não se pode tratar da educação a não ser a partir de uma imagem do homem e da sociedade. A dificuldade está justamente no modo de elaboração dessa imagem. A tradição filosófica ocidental, tanto através de sua perspectiva essencialista como através de sua perspectiva naturalista, não conseguiu dar conta das especificidades das condições do existir humano e acabou por construir de um lado, uma antropologia metafísica fundamentalmente idealista com uma imagem universal e abstrata da natureza humana, incapaz de dar conta da imergência do homem no mundo natural e social: de outro lado, uma antropologia de fundo cientificista, que insere o homem no fluxo vital da natureza orgânica, fazendo dele um simples prolongamento da mesma, e que 13 se revela incapaz de dar conta da especificidade humana nesse universo de determinismos. (Severino, 1990, p. 21) Assim, se não há um equilíbrio, a filosofia da educação perde o ponto de apoio. Nesse sentido, o que o autor quer mostrar é que, para apreender o ser dos homens, é preciso a mediação histórica e social de sua existência. “Só com base nessas condições reais de existência é que se pode legitimar o esforço sistemático da filosofia em construir uma imagem consistente do humano” (Severino, 1990, p. 21). De um segundo ponto de vista e considerando que a educação é fundamentalmente uma prática social, a filosofia vai ainda contribuir significativamente para sua efetivação mediante uma reflexão voltada para os fins que a norteiam. A reflexão filosófica se faz então reflexão axiológica, perquirindo a dimensão valorativa da consciência e a expressão do agir humano enquanto relacionado com valores. (Severino, 1990, p. 21) Segundo Severino (1990), há uma outra tarefa que cabe à filosofia da educação, a saber, a epistemológica. Cabe-lhe então, no processo de transmissão de conhecimento, produção e sistematização, implantar uma discussão, pois são processos presentes exclusivamente na educação. Fundamentalmente, esta questão se coloca porque a educação também pressupõe mediações subjetivas, ou seja, ela pressupõe a intervenção da subjetividade de todos aqueles que se encontram envolvidos por ela. Em cada um dos momentos da atividade educativa está necessariamente presente uma iniludível dimensão de subjetividade, que impregna assim o conjunto do processo como um todo. Desta forma, tanto no plano de suas expressões teóricas como naquele de suas realizações práticas, a educação envolve a própria subjetividade e suas produções, impondo ao educador uma atenção específica para tal situação. A atividade da consciência é assim mediação necessária das atividades da educação. (Severino, 1990, p. 23) Dessa forma, a contribuição da filosofia à educação se mostra nesses tópicos que aqui trouxemos, que se integram na realidade e se complementam, como conclui Severino (1990), Entendo que apesar dos desvios e tropeços pelos quais passou na história da cultura ocidental, a filosofia, enquanto filosofia da educação, sempre procurou efetivar essa contribuição na medida em que sempre se propôs como esforço de exploração e de busca dos fundamentos. Mesmo quando acreditou tê-los encontrado nas essências idealizadas ou nas regularidades da naturezae ela poderá continuar contribuindo se entender que esses fundamentos têm a ver com o sentido do existir do homem em sua totalidade trançada na realidade histórico-social. (Severino, 1990, p. 25) 14 NA PRÁTICA Tendo a presente aula como inspiração, podemos, sem dúvida, trazer como exemplo prático em nossos dias, a aplicação e atualização, digamos assim, da “Alegoria da Caverna”, de Platão, ou seja, as cavernas contemporâneas. Muito se fala no aumento crescente de distúrbios alimentares entre os jovens, insatisfação com o corpo. São coisas que mostram o reflexo do que a sociedade impõe como aceitável. Desse modo, as pessoas não conseguem mais enxergar a verdadeira essência, deixando-se levar por aparências e falsas verdades. O professor então pode mostrar aos alunos dados estatísticos desses problemas da sociedade contemporânea, para exemplificar a ideia que Platão está nos trazendo, e pedir aos alunos que formem grupos para discutir o assunto e escrever sobre o que eles encontram como sendo um exemplo de caverna contemporânea. FINALIZANDO Nesta aula, vimos alguns filósofos periodizados na filosofia antiga, com pensamentos diversos, mas todos com a mesma preocupação, a saber, a educação de sua época. Abordamos o conceito de paideia e como ele foi aplicado ao longo da história da filosofia antiga, como também a importância e contribuição que os filósofos apresentados tiveram para a educação de um modo geral. Concluímos a aula com uma reflexão acerca das razões para estudar a filosofia da educação, tendo, portanto, como justificativa, o fato de que essas duas disciplinas, digamos assim, sempre andaram juntas, pois a maior preocupação, senão a principal delas, quando falamos dos filósofos antigos, foi a educação do seu povo, as formas de pensar que foram mudando de acordo com as descobertas que foram surgindo, de modo a possibilitar o homem sair da caverna e encontrar a verdade por meio da razão que ele detém, característica unicamente de sua espécie. Assim, esperamos que esta aula tenha contribuído para ampliar os horizontes do conhecimento e atiçar o desejo de continuar esse legado da filosofia e da educação, a saber, ensinando sempre a buscar pela verdade. 15 REFERÊNCIAS AMARAL FILHO, F. S. Os filósofos e a educação. Chapecó: Argos, 2014. BORHEIM, G. A. (Org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1998. BORTOLINI, R. W.; NUNES, C. 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