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Antropometria e Ergonomia - Arquitextos

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-ISSN 1809-6298 . . Texto Especial 204 – novembro 2003 
 
 | Autor | Assunto | Números | Página principal | Expediente | Vitruvius |
 
 
Antropometria. Sobre o homem como parte integrante dos fatores 
ambientais. Sua funcionalidade, alcance e uso (1) 
José Almeida Lopes Filho e Sílvio Santos da Silva
 
 
 
 
 
José Almeida Lopes Filho é 
arquiteto especialista e professor 
universitário em "Acessibilidade para 
Todos". Membro da Rehabilitation 
International; Membro do Centre for 
Accessible Environments; Formador 
em “Arquitetura Inclusiva” pelo 
Fundo Social Europeu; e Consultor 
da JALF ACCESS Arquitetura e 
Consultoria. 
Sílvio S. Silva tem mestrados em 
Integração de pessoas portadoras 
de deficiência pela Universidade de 
Salamanca, na Espanha e 
Universidade de Nice, na França. 
Professor formador em “Arquitetura 
Inclusiva” pelo Fundo Social 
Europeu. É consultor da Jalf Access 
Arquitetura e Consultoria. 
 
 
“O homem é a medida de todas as coisas” 
Protágoras 
Antropometria e ergonomia 
Este artigo nasceu a partir de uma salutar conversa no telefone, com a 
indagação da amiga Rosário Toscano, terapeuta ocupacional/Portugal, 
sobre noções de pessoa, espaço e deficiência na história da arquitetura. 
Consideramos a antropometria como o milenar processo ou técnica de 
mensuração do corpo humano ou de suas várias partes. 
Quanto ao espaço físico, o ambiente no qual o homem esta inserido, 
Vitrúvio (Sec. I A. C.) lega para a arquitetura o exemplo do próprio 
homem com as respectivas dimensões de suas várias partes do corpo. 
Este entendimento para o bom uso dos espaços edificados pelo homem - 
e para uso do homem - é até hoje uma norma seguida. A arquitetura tem 
por dogma refletir a exemplar regularidade do corpo humano. 
Isto acompanha a evolução do homem desde os seus primórdios nas 
sombras das protetoras cavernas. 
Conseqüência do advento da Revolução Industrial pela qual passou a 
Europa e, posteriormente, o mundo, a ergonomia ganha no século XX 
grande destaque. A relação do homem com a máquina; a relação do 
homem com o seu ambiente físico de trabalho; a produtividade desejada 
e os recursos para que se produza cada vez mais, fazem da ergonomia o 
estudo da possibilidade e limites do desempenho do homem no trabalho. 
A ergonomia analisa as interações entre o homem e os outros elementos 
de um dado sistema, visando melhorá-los quanto a respostas motoras, 
conforto, fadiga, esforço e bem-estar. 
Vitrúvio, o homem e a arquitetura 
No Renascimento, os ensinamentos de Vitrúvio passam novamente a 
ganhar grande importância. É nessa época que os seus livros são 
traduzidos para a língua italiana. Os dados antropométricos apresentados 
Homem de Vitruvio 
Modulor amarelo 
 
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por ele, são desenhados por Leonardo Da Vinci (± em 1490) no seu 
célebre trabalho “L’Uomo di Vitruvio” (O Homem de Vitrúvio). 
Nessa referida ilustração são apresentadas as teorias de Vitrúvio. Um dos 
exemplos é colocar um homem com os braços e mãos bem estendidos. A 
medida obtida entre uma mão até a outra é equivalente à medida da sua 
altura. Coisa simples! Mas é com isto que Vitrúvio demonstra a 
proporcionalidade entre as partes do corpo do homem e chama a atenção 
para o entendimento do projetar as edificações a partir do mesmo 
princípio. As diferentes partes do corpo do homem formam um 
interessante conjunto de proporções que cabem em um círculo, bem 
como em um quadrado. Para Vitrúvio a arquitetura deveria seguir o 
mesmo entendimento de ter a proporcionalidade das partes para 
completar o todo harmoniosamente, pois as partes formam o todo. Para 
ele a composição dos “recintos dos deuses imortais”, ou seja: os templos, 
depende da proporção. Para ele “nenhum templo pode ser bem composto 
sem que se considere alguma proporção ou semelhança, a não ser que 
tenha exatas proporções, como as dos membros segundo uma figura 
humana bem constituída”. 
O belo e o desprezível na plasticidade e formas arquitetônicas e 
humanas 
Assim, o homem forte, com o corpo construído ou “edificado” na robustez 
e proporções harmoniosas, denotando firmes alicerces, simetrias, 
regularidade, preenchendo o espaço de maneira geometricamente 
calculada, tem por base uma “figura humana bem constituída”. 
Este é um exemplo evidente que a construção de conceitos, ou 
concepções, referentes à pessoa portadora de deficiência, é um fator 
sócio-histórico sedimentado pelos séculos. 
A importância social do homem sempre foi analisada ou atribuída 
mediante a sua capacidade de produção. Constituir-se em um ser 
produtivo frente aos mecanismos sociais sempre foi o desafio para a 
aceitabilidade ou exclusão. 
Desde a Antiguidade agro-pecuária de Senhores e sub-humanos, a 
Idade-Média de Nobres feudais e servos, o Renascimento com o Novo 
Humanismo, à Modernidade asfixiada pelas várias fases de evolução do 
Capitalismo, as pessoas se dividem em produtivas e não produtivas. 
Historicamente a pessoa portadora de deficiência representou no coletivo 
social o não produtivo. Em uma abordagem sócio-político-econômica o 
conceito de pessoa portadora de deficiência faz dela um produto não 
produtivo. Ela representou o não rentável, um peso para o social, sendo 
ela, portanto, por séculos, o exterminável, desprezível, intolerável, 
abandonável, enclausurável, institucionalizável, Foram estas as várias 
formas de dizer ‘banível’ que no passado a avaliação social de 
produtividade impôs à pessoa portadora de deficiência. 
Sobre as fases da vida à pirâmide funcional 
Após ter feito uma pequena incursão nos valores sócio-históricos, 
apontamos o caminho tomado pela arquitetura teórica de Vitrúvio, é 
momento de agregar evolução, complicar o já complexo. Em 1946 o 
arquiteto Le Corbusier(1887-1965), dentro dessa mesma corrente, 
estabelece o seu “Modulor” com dimensões para a escala humana, 
aplicável universalmente na arquitetura. 
Mas apontamos que ainda se tratava da escala humana para o homem 
de Vitrúvio, para a “figura humana bem constituída”. Sabemos que um 
módulo é uma medida reguladora das proporções de uma obra 
arquitetônica. Com o seu trabalho Le Corbusier quis mostrar que a 
natureza é matemática. Ele criou a sua escala humana por entender ser 
complicada a existência e uso de dois sistemas de medidas: o anglo-
saxão e o métrico decimal. Suas pesquisas sobre a escala humana se 
basearam nos estudos de Leonardo Pisano Fibonacci(1170-1250), na 
seção áurea e na procura da harmonia visual na arquitetura. No entanto é 
importante lembrar que os sistemas métricos e o de polegadas dificultam 
a aproximação e entendimento dos diferentes países quando dos tratados 
de antropometria, de ergonomia, das normas e critérios de acessibilidade 
para pessoas portadoras de deficiência ou pessoas idosas. 
Modulor colorido 
Modulor colorido 
Modulor sentado 
Eixo de excelência 
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Mas estes detalhamentos são tão interessantes e complexos que dariam 
um outro tema de estudos. 
Harmonia visual e funcionalidade humana. 
Junto ao entendimento do papel da arquitetura, da antropometria e da 
ergonomia para garantir o homem produtivo e banir o não produtivo, 
vemos hoje que é importante analisar e comparar os aspectos 
dimensionais e funcionais da relação homem-ambiente, pois vários 
conceitos caíram e novos foram forjados sobre o desenvolvimento e o 
papel do homem em relação a sua potencialidade e capacidade. 
A partir da década de 60 muitas coisas mudaram nas sociedades. 
Constantes questionamentos sobre os direitos sociais; maior quantidadee diferentes estudos sobre as populações; novos embasamentos técnicos 
e demográficos, auxiliaram para que essas mudanças ocorressem. 
A constatação do grande número de pessoas portadoras de deficiência, 
as necessidades das pessoas idosas e os avanços da medicina, 
impulsionaram para o completo entendimento de que os homens não são 
iguais. 
São os países nórdicos e a Inglaterra que iniciaram o questionamento de 
que o entendimento vitruviano da “figura humana bem constituída” pode 
ser substituído pelo do homem concebido, respeitado e analisado dentro 
da sua diversidade de capacidades e, também, incapacidades. O 
questionamento está sobre a idéia secular do homem padrão cheio de 
força, de capacidades físicas, locomotoras, sensoriais e cognitivas. 
Começou-se aí a exigir que o homem seja aceito como indivíduo em 
constante evolução. Para isto inicia-se o entendimento da pirâmide da 
evolução durante as idades da vida. Nesta pirâmide o indivíduo apresenta 
diferentes capacidades ou incapacidades de acordo com o avanço de sua 
idade. E esta evolução também acontece com as pessoas portadoras de 
deficiência. 
Então, é nesse contexto presente na década de 60 que Selwyn Goldsmith 
torna-se um dos primeiros autores a introduzir nas medidas 
antropométricas as variantes de sexo, idade e capacidades das pessoas. 
A pessoa adulta em cadeira de rodas passa a figurar nos manuais de 
antropometria. A partir deste fato, os objetos, as dimensões nas 
edificações, e o mundo, também poderiam a ser vistos, tendo por base a 
realidade do homem em uma cadeira de rodas, as suas possibilidades de 
alcance e uso do meio onde vive. 
Depois, na década de 80, o “Human Scale”, de H. Dreyfuss, acrescenta a 
figura da criança nos seus conhecidos estudos antropométricos. E no 
caso, também a criança em cadeira de rodas. Portanto tínhamos o 
homem e a mulher adultos e a pessoa adulta em cadeira de rodas. Com 
Dreyfuss passamos a ter também a criança e a criança em cadeira de 
rodas. 
As ajudas e barreiras dos fatores ambientais e as incapacidades 
latentes do homem 
Recentemente Selwyn Goldsmith, pensando no desenho arquitetônico 
para todos, formatou uma nova pirâmide constituída por oito diferentes 
realidades nas quais as pessoas estão inseridas. Nesta pirâmide, as 
pessoas se agrupam de acordo com as características funcionais que 
elas apresentam. Isto independe do seu sexo, da sua idade; depende 
exclusivamente dos seus aspectos funcionais frente aos fatores 
ambientais nos quais ela está inserida. Como exemplo temos os edifícios 
de uso público que podem representar grandes obstáculos para as 
pessoas. Esses edifícios nem sempre são pensados para garantir o uso 
das pessoas nas suas diferenças e diversidade de habilidades, na sua 
funcionalidade e incapacidade de acordo com as diferentes esferas da 
existência. Essas pessoas são desde as que pulam, saltam, sobem 
escadas, carregam bagagem; pessoas hábeis, mas não com habilidades 
atléticas; pessoas com necessidade de ir com maior freqüência no 
sanitário (necessidade de quantificação racional de sanitários na 
edificação) ou necessidade de sentar-se ou descansar; pessoas idosas 
que começam a perder ou apresentar a diminuição de algumas de suas 
habilidades, pessoas empurrando carrinhos; pessoas com deficiência 
ambulatória parcial; pessoas em cadeira de rodas com sua locomoção 
autônoma; pessoas em cadeira de rodas que necessitam de auxílio de 
terceiros para a sua locomoção; pessoas totalmente dependentes. 
 
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O papel da arquitetura pensada para o conforto e uso do homem, para 
servir e acolher o homem – além dos valores estéticos, simbólicos, 
culturais – está em seu novo paradigma vinculativo do entendimento da 
discriminação arquitetônica como o grande antônimo do conceito da 
arquitetura inclusiva. 
Discriminação Arquitetônica x Arquitetura Inclusiva 
Agir na dicotomia discriminação arquitetônica/arquitetura inclusiva é 
atuar, sobretudo, nos dados antropométricos. Ter a compreensão das 
medidas das várias partes do corpo humano nos possibilita o cálculo da 
área necessária para o alcance e possibilidade de manipulação, uso ou 
acionamento de um objeto. 
Quanto mais os projetos forem pensados para atender conjuntamente as 
necessidades funcionais do maior número possível de pessoas, mais 
estaremos praticando a arquitetura inclusiva. 
Para a realização dos projetos de arquitetura, ou mesmo de ergonomia, é 
capital a existência de dados da mensuração da população do país. É 
evidente que cada país deve arquitetar, prover os seus projetos, levando 
em consideração a média antropométrica da população. Com estes 
dados torna-se viável, mais racional e eficiente a intervenção nos 
espaços naturais ou construídos. A partir desses dados podemos melhor 
solucionar as necessidades de mobilidade, visuais, táteis, cognitivas e 
auditivas das pessoas. 
A arquitetura inclusiva deve exercer o papel de compensador e facilitador 
das diferentes capacidades de uso apresentadas pelas pessoas. 
As regras de acessibilidade devem seguir os dados antropométricos. 
Devem refletir e basear-se nos dados médios da população e apresentar 
critérios que atendam o uso do maior número possível de pessoas. Sem 
esse princípio as normas não serão igualitárias e correm o risco de 
atender somente uma parcela específica da população, ou tipos 
específicos de incapacidades de uma porcentagem da população. 
O homem em sua diversidade 
Como exemplo desse amálgama podemos colocar juntas pessoas de 
uma mesma origem: um homem adulto em pé, uma mulher adulta em pé, 
uma pessoa adulta em cadeira de rodas e uma criança em pé. Estas 
pessoas terão a altura de sua mão sempre dentro do que chamamos 
“eixo de excelência”. Alturas muito próximas umas das outras, 
independentemente se estão sentadas ou em pé. Quem está em pé pode 
abaixar o braço e quem está sentado pode esticar o braço e a criança 
pode erguer o braço. O eixo de excelência está em média entre 0,80 m 
do chão até 1,10 m de altura. É dentro deste princípio no plano horizontal 
que se estabelece a colocação dos objetos como acessórios, maçanetas, 
botoeiras, pegadores, barras de apoio, corrimão, guarda-corpo, 
interruptor, teclado de computador, telefônicos públicos, mobiliário 
urbano, entre outros. 
Sabemos também que muitas pessoas portadoras de deficiência fazem 
uso de cadeira de rodas, bengalas, muletas, andador, ou andam com 
auxílio de um acompanhante ou um cão guia. Com isto os espaços 
devem ser dimensionados não somente para a pessoa, mas também 
para bem receber e não obstaculizar a órtese, o acompanhante ou o cão-
guia. 
Como tentamos mostrar nos exemplos acima, as pessoas não são 
idênticas, nem em dados antropométricos, nem em funcionalidades. Cada 
pessoa possui as suas particularidades e é muito difícil normatizar o 
homem em sua diversidade. O ser humano sofre muitas alterações com o 
passar dos anos. Isto possibilita a aquisição de muitas habilidades ou 
também a perda de capacidade. 
Para além do normológio, do normodotado, a arquitetura inclusiva nos 
edifícios, meios urbanos, veículos, objetos, mobiliários, equipamentos de 
saúde, entre outros, desempenha um papel de extrema importância para 
propiciar a participação das pessoas com incapacidades na sociedade. 
Prover a arquitetura inclusiva a partir de estudos minuciosos, 
abrangentes, seguros, que levem em consideração as fases da vida, a 
antropometria, o design inclusivo, a funcionalidade e a tecnologia, é 
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fundamental para não gerarmos inadequação, segregação, exclusividade, 
prioridades de uso. Ela é essencial para propiciarmosa participação e o 
reconhecimento de todos. 
Do Inclusivo – A arquitetura e design 
Em resumo, o homem só pode produzir bem e satisfatoriamente se as 
ajudas técnicas estiverem ao seu favor. Na maioria dos casos as ajudas 
técnicas são nada mais que um batalhão de profissionais das mais 
diversas áreas, trabalhando e produzindo para que as pessoas 
portadoras de deficiência consigam exercer o máximo da sua capacidade. 
A arquitetura e design (arquitetura inclusiva e design inclusivo) são 
ferramentas importantes para este propósito. Como simples exemplo 
pode-se imaginar que eles estão presentes nos espaços edificados dos 
escritórios (rampa, elevador, altura de janelas, revestimento de piso, 
cores, iluminação, corredores) bem como nos seus mobiliários e 
equipamentos (dimensões de mesas, cadeiras, armários, teclado de 
computador, aparelho de telefone, maçaneta de portas e de armários) 
desenhados para atender as necessidades dos usuários. Este é o papel 
da arquitetura inclusiva em cooperar com o atual conceito/concepção 
sócio-histórico da deficiência, possibilitando condições biologicamente 
fundadas sobre a diversidade humana para que as pessoas portadoras 
de deficiência tenham igualdade de oportunidades, respeitando-se as 
suas limitações na atividade, mas adequando os fatores ambientais para 
que elas possam se mostrar produtivas, integradas. 
Se pegamos todos estes recursos e colocamos em altura, lugar ou para 
prioridade desta ou daquela pessoa, não temos uma Arquitetura 
Inclusiva, temos somente uma proposta de adequação ou adaptação na 
arquitetura. Tão exclusiva quanto excludente. 
Notas 
1 
Artigo elaborado com base no publicado originalmente na Revista Nacional de Reabilitação, Ano 
VI, número 30, janeiro/fevereiro 2003, paginas 13 à 15, São Paulo. 
Todas as imagens são figuras editadas e modificadas na JALFACCESS Arquitetura e Consultoria 
com o enfoque da acessibilidade e incapacidade. 
 
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