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Direito internacional privado

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Direito internacional privado 
Direito internacional privado (DIPr) é o conjunto de normas jurídicas, criado por uma autoridade política autônoma (um Estado nacional ou uma sua província que disponha de uma ordem jurídica autônoma), com o propósito de resolver os conflitos de leis no espaço.
Em termos simples, o DIPr é um conjunto de regras de direito interno que indica ao juiz local que lei – se a do foro ou a estrangeira; ou dentre duas estrangeiras - deverá ser aplicada a um caso (geralmente privado) que tenha relação com mais de um país.
A possibilidade de o juiz de um país (“juiz do foro”) aplicar lei estrangeira decorre da necessidade de se reconhecer fatos e atos jurídicos constituídos em outros países e cuja negação pelo juiz do foro causaria uma injustiça. Por exemplo, o DIPr brasileiro dispõe que a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre a capacidade: esta regra específica foi estabelecida pelo direito brasileiro para evitar, dentre outros problemas, que uma pessoa domiciliada num país estrangeiro e reconhecida ali como maior de idade venha a ser considerada menor de idade no Brasil (caso a lei brasileira e a estrangeira divirjam nesse particular – um “conflito de leis”), o que seria inconveniente e injusto. Este é apenas um exemplo do conjunto de regras que o Brasil criou para evitar conflitos semelhantes. Da mesma maneira que o Brasil, cada Estado nacional possui o seu DIPr, com regras não necessariamente uniformes.
Atualmente, os principais autores desta disciplina são os renomados juristas João Guilherme e Ítalo Cardoso, com sua obra denominada "Tratado de Direito Internacional". A doutrina desta obra vem sendo seguida por diversos professores no mundo jurídico, pois aborda o conteúdo de maneira clara e didática, principalmente no capítulo destinado à nacionalidade e estatuto do estrangeiro, é o que afirma o professor Fábio ao avaliar o conteúdo
Ao estudo dos conflitos de leis no espaço, muitos juristas acrescentam no escopo do DIPr as normas de direito interno referentes ao conflito de jurisdições, à nacionalidade e à condição jurídica do estrangeiro.[1]
Terminologia
A denominação "direito internacional privado" foi cunhada pelo jurista americano Joseph Story em sua obra Commentaries on the Conflict of Laws, de 1834, e empregada pelo jurista francês Jean-Jacques Gaspard Foelix no título de uma de suas obras, Traité du Droit International Privé ou du conflit des lois des differentes nations, de 1843.[2] Como o nome não reflete a natureza da norma de DIPr (ver Natureza da norma de DIPr, abaixo), muitos juristas procuraram cunhar denominações alternativas, sem grande sucesso: direito privado internacional, nomantologia, direito intersistemático[3] , direito interespacial, direito interjurídico[4] .
Os juristas anglo-saxões costumam empregar a denominação Conflict of Laws ("conflito de leis"), bem mais precisa.[5]
Natureza da norma de DIPr
O nome deste ramo do direito é consagrado pelo uso e as alternativas propostas nunca entraram no emprego corrente. Entretanto, a denominação a rigor é equivocada. Em primeiro lugar, o DIPr não é direito privado,[11] embora seu objeto principal, o conflito de leis no espaço, busque solucionar problemas que envolvem principalmente interesses privados. Trata-se, na verdade, de normas de direito público, destinadas ao juiz e ao intérprete da lei, que lhes permitam resolver os mencionados conflitos de leis. Assemelham-se aqui, para fins tão somente de classificação em direito público ou privado, às normas de direito processual, que são públicas.
A segunda incorreção terminológica frente à natureza do DIPr é o fato de que, a despeito do nome, o DIPr é essencialmente direito nacional, interno.[12] As regras de resolução dos conflitos de leis no espaço a ser aplicadas, por hipótese, por um juiz português, constituem direito interno, produzido pelo legislador português.
O relacionamento entre o DIPr e o direito internacional público desenvolve-se como o deste último com qualquer outro ramo do direito interno.[13] Por exemplo, um tratado para evitar a bitributação (direito internacional público) pode conter regras sobre o direito tributário dos Estados signatários (direito interno); o tratado, porém, será sempre direito internacional público. Da mesma maneira, um tratado sobre regras uniformes de DIPr é direito internacional público, embora possa determinar regras de direito interno (o DIPr, neste caso) para os signatários.
Embora alguns estudiosos repudiem a noção de que o escopo do DIPr inclui o conflito de leis entre províncias ou estados federados, é inegável que este ramo do direito também os disciplina. São exemplos as regras de solução de conflitos de leis entre os estados norte-americanos. Como se vê, a rigor não haveria que se falar em direito internacional privado.
Objeto da norma de DIPr
Numa definição estrita, o DIPr compreende apenas as normas de solução dos conflitos de leis no espaço. Muitos estudiosos, porém, entendem que as regras de direito referentes a nacionalidade, conflito de jurisdições e condição jurídica do estrangeiro também integram o objeto do DIPr.[1]
Conflito de leis no espaço
Entende-se como conflito de leis no espaço qualquer relação humana ligada a duas ou mais ordens jurídicas cujas normas não são coincidentes.[14] O juiz ou o intérprete da lei, diante de um caso de conflito de leis no espaço, assiste portanto à concorrência de duas ou mais leis - produzidas por países (ou províncias) diferentes - sobre a mesma questão jurídica.
A dúvida sobre qual direito (o nacional ou o estrangeiro; ou um dentre dois ou mais direitos estrangeiros) aplicar a um caso concreto envolvendo estrangeiros nasce da circulação de pessoas e coisas no espaço, de um lado, e, de outro, da proliferação de ordens jurídicas nacionais - e, em alguns casos, provinciais ou estaduais - autônomas que procuram regular, cada uma a seu modo, as mesmas situações jurídicas. Sendo impossíveis as soluções mais simplistas para o problema (a supressão do intercâmbio humano além-fronteiras ou a uniformização legislativa mundial), cabe ao juiz ou ao intérprete resolver o eventual conflito que se lhe apresente por meio da escolha dentre uma das leis concorrentes.
Tal escolha é efetuada com base em regras pré-estabelecidas, cujo conjunto constitui o DIPr.
Na imensa maioria dos casos, apenas uma ordem jurídica rege os fatos e atos jurídicos em um determinado local. Por exemplo, um contrato celebrado em São Paulo, Brasil, provavelmente terá sido assinado por brasileiros residentes no Brasil, e seus efeitos serão produzidos em território brasileiro, razão pela qual ele é regido pela lei brasileira. Mas ocorre às vezes que um fato ou ato jurídico (no exemplo, o contrato) tem relação com mais de uma ordem jurídica. Ainda no mesmo exemplo, seria o caso de um contrato assinado entre um brasileiro e um escocês, ou destinado a produzir efeitos no estado da Califórnia, Estados Unidos.
Dentre estes casos, há algumas situações especiais, em que o intérprete da lei (advogado, juiz ou outro) depara com um fato ou ato jurídico ligado a duas ou mais ordens jurídicas autônomas cujas normas, aplicáveis ao caso (no exemplo, o contrato), são divergentes - um conflito de leis no espaço. Retomando o exemplo, um contrato assinado entre um escocês de 17 anos de idade, domiciliado na Escócia, e um brasileiro de 18 anos é motivo de litígio em juízo no Brasil. O brasileiro, que deseja anular o contrato, argumenta que o escocês é menor de idade, pois a capacidade jurídica plena no Brasil começa aos 18 anos[15] ; o escocês, em sua defesa, alega que a maioridade na Escócia começa aos 16 anos[16] e que é esta lei (a escocesa) que o juiz deve aplicar para determinar a sua capacidade jurídica. Nestes termos, o juiz brasileiro acolherá a alegação do escocês. Por quê?
Confrontado com um caso ligado a duas ordens jurídicas diferentes, o juiz consultará o DIPr brasileiro. Este, contido em grande parte na Lei de Introduçãoàs Normas do Direito Brasileiro (LINDB), dispõe que a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre a capacidade[17] . Assim sendo, e considerando que o escocês do exemplo é domiciliado na Escócia, quem define, para o juiz brasileiro, a capacidade jurídica daquele cidadão escocês é a lei escocesa. Está solucionado, mediante as regras do DIPr brasileiro, um caso de conflito de leis no espaço (entre a brasileira e a escocesa) com que deparava um juiz brasileiro.
A aplicação do DIPr a um caso concreto ocorre por meio de três conceitos: o de "categoria de relações jurídicas" (ou "qualificação"), o de "elemento de conexão" e o de "lei competente". Por exemplo, o DIPr brasileiro dispõe que "para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que constituírem"[18] . Um juiz brasileiro que tenha em mãos um caso de conflito de leis sobre um contrato celebrado na França se perguntará, em primeiro lugar, qual a categoria de relações jurídicas (no caso, trata-se de obrigações – um contrato); em segundo lugar, qual o elemento de conexão que o DIPr brasileiro manda usar para reger as obrigações (é a lei do lugar onde se constituíram – a França); concluirá então que a lei competente para reger o contrato do exemplo é a francesa.
Embora a imensa maioria dos casos de DIPr diga respeito a questões de direito privado (família, sucessões, obrigações, personalidade e capacidade etc.), alguns juristas entendem que o DIPr pode aplicar-se também a questões de direito público.
Elementos de conexão
Os elementos de conexão constituem-se na chave para solucionar os conflitos de leis no espaço. As diversas legislações nacionais de DIPr organizam-se, via de regra, em torno daqueles, que apontam a lei competente para solucionar os conflitos. Valladão define-os como certas circunstâncias diretamente ligadas ao caso, usadas pela norma de DIPr para indicar a lei competente[19] .
Valladão classifica os elementos de conexão em:
reais: a situação da coisa, o lugar do ato ou fato, o lugar do contrato ou de sua execução, o lugar da origem ou nascimento, o lugar do domicílio;
pessoais: a nacionalidade, a religião, a tribo, a raça, a vontade; e
institucionais: o pavilhão ou a matrícula de navio ou aeronave, o foro (i.e., a autoridade que conhece do caso).
Outro exemplo de classificação é a doutrina francesa (são, a rigor, "regras de conexão", pois já indicam o elemento e a lei competente):
o estatuto pessoal é regido pela lei nacional;
o estatuto real é regido pela lei da situação dos bens; e
os fatos e atos jurídicos são regidos pela lei do local de sua ocorrência ou pela da escolha das partes.
São exemplos de elementos de conexão (enunciados tradicionalmente em latim)[20] :
lex patriae: lei da nacionalidade da pessoa física;
lex domicilii: lei do domicílio;
lex loci actus e locus regit actus: lei do local da realização do ato jurídico;
lex loci contractus: lei da celebração do contrato;
lex loci solutionis: lei do local onde a obrigação ou o contrato deve ser cumprido;
lex voluntatis: lei de escolha dos contratantes;
lex loci delicti: lei do lugar onde o ato ilícito foi cometido;
lex rei sitae: lei do local em que a coisa se encontra;
mobilia sequuntur personam: lei do local onde se encontra o proprietário (para bens móveis);
lex loci celebrationis: a lei do local da celebração rege as formalidades do casamento;
lex monetae: lei do local em cuja moeda a dívida está expressa;
lex loci executionis: lei do local onde se procede à execução forçada de uma obrigação;
lex fori: lei do local onde corre a ação judicial.
Dentre os elementos de conexão acima, cada país escolhe os que melhor lhes convêm para compor o DIPr nacional. Por exemplo, o DIPr brasileiro elegeu a lex domicilii para reger o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família; outros países preferem a lex patriae. O Brasil emprega a lex rei sitae para reger os bens; outros Estados podem recorrer à mobilia sequuntur personam.
Nacionalidade
O estudo da nacionalidade é de grande importância para o DIPr, já que o tema é um dos elementos de conexão (lex patriae) utilizados por diversos países para resolver conflitos de leis no espaço referentes ao estatuto pessoal (personalidade, capacidade etc.). A verificação da nacionalidade de uma pessoa permite distinguir entre nacionais e estrangeiros, que gozam de direitos diferentes.
Nacionalidade é o vínculo jurídico de direito público interno entre uma pessoa e um Estado. A nacionalidade pressupõe que a pessoa goze de determinados direitos frente ao Estado de que é nacional, como o direito de residir e trabalhar no território do Estado, o direito de votar e ser votado (este, conhecido como cidadania), o direito de não ser expulso ou extraditado e o direito à proteção do Estado (inclusive a proteção diplomática e a assistência consular, quando o nacional se encontra no exterior), dentre outros.
Condição jurídica do estrangeiro
Tradicionalmente, o DIPr também estuda a entrada, permanência e saída dos estrangeiros em determinado Estado, bem como sua capacidade local de gozo de direitos em face dos indivíduos que são nacionais ou residentes daquele país.[21] O conjunto de textos legais de um Estado sobre tais assuntos é constitutivo da condição dos indivíduos estranhos ao sistema jurídico local (os chamados estrangeiros ou estranhos) enquanto ali se encontrarem. Temas como vistos, residência permanente, passaportes, imigração, deportação, expulsão e extradição são portanto tratados pelo DIPr. Outras questões também podem ser objeto da disciplina, no que se refere à capacidade jurídica dos estrangeiros, como os direitos políticos, a propriedade e a possibilidade ou impossibilidade de ocuparem cargo público.
Ao longo da história, a condição jurídica do estrangeiro oscilou desde o extremo da discriminação absoluta, que negava ao estranho o gozo de quaisquer direitos, até a concepção moderna da igualdade de todos perante a lei, embora mesmo esta comporte exceções no que se refere ao estrangeiro.
Tais normas, em regra, são qualificadas como de ordem pública. Assim sendo, a discriminação do estrangeiro frente ao nacional pode fundar-se somente em motivos de interesse público.
No Brasil
Em princípio, a lei brasileira deve ser aplicada a todos os brasileiros e estrangeiros que se encontrem em território brasileiro (regra da territorialidade). Entretanto a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) contém os elementos de conexão que indicarão a lei aplicável a casos conectados com legislações de mais de um país.
Processos que envolvam estrangeiros são de competência de autoridade judiciária brasileira sempre que o réu for domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação ou pena.[22] Da mesma maneira, só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer sobre as ações relativas a imóveis situados no Brasil.[23] Poderá, contudo, cumprir solicitações de autoridade estrangeira competente pelas chamadas cartas rogatórias (por exemplo: num processo judicial na Alemanha, o juiz solicita a um juiz brasileiro que ouça determinada testemunha domiciliada aqui).
Já a homologação de sentença estrangeira, desde a Emenda Constitucional n.º 45, é um procedimento levado ao Superior Tribunal de Justiça cujo objetivo é possibilitar o cumprimento de sentenças estrangeiras no território brasileiro. Só pode ser apresentada mediante alguns requisitos (definidos no art.15 da LINDB), como haver sido proferida por juiz competente, e estar traduzida por intérprete autorizado.
Observa-se porém que as leis, os atos e as sentenças de outro país não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (art.17 da LINDB).
Os limites a aplicação do Direito Estrangeiro estão na ordem pública, nas normas imperativas (lois de police) e no princípio de neutralização dos efeitos da fraude à lei.
A ordem pública representaos valores da sociedade local. As normas imperativas representam as leis nacionais que têm um valor especial no ordenamento jurídico local, como normas trabalhistas, direitos da criança, legislação trabalhista.[24]

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