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APOSTILA NELSON

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Princípios Básicos
do Desenho
Prof. Nelson Macedo
EBA-UFRJ
Princípios Básicos
do Desenho
Prof. Nelson Macedo
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Centro de Letras e Artes - Escola de Belas Artes
Departamento de Representação da Forma
Sumário
1. A configuração - 5
2. A linha - 8
3. O claro-escuro - 11
4. As duas dimensões do claro-escuro - 13
5. A ordenação abstrata dos valores no desenho - 16
6. O efeito de Luz e sombra - 21
7. O ato de desenhar como processo de produção da imagem - 28
8. A técnica do bico-de-pena - 39
A configuração
 
A primeira noção a ser considerada no estudo do desenho é a da natureza da
configuração.
Configuração é qualquer área delimitada sobre uma superfície — no caso, o
papel sobre o qual se desenha —, seja através da linha, dos valores de claro-escuro ou
da cor:
Todas as configurações acima foram traçadas através da linha de contorno, mas
todas poderiam ter sido realizadas como áreas de cinzas ou de cor. A linha, o claro-
escuro (escala de cinzas) e a cor são, pois, os meios plásticos com os quais são produzi-
das imagens.
Uma configuração pode representar ou não um objeto real. Exemplo:
A) configuração abstrata não representativa. 
B) configuração de um objeto real, no caso, um vaso.
5
Os aspectos visíveis de um objeto correspondem a configurações. Portanto, ao
traçar o contorno dos objetos estamos traçando configurações no papel:
Ao desenhar um objeto devemos tomar consciência de sua configuração visível
e esquecer as partes não diretamente visíveis. O objeto será representado por sua con-
figuração.
Entretanto, quando a configuração representa um objeto, ela nunca representa
esse objeto inteiramente. Ela sempre mostrará algumas partes e ocultará outras. Existem,
pois, graus variáveis de representatividade na relação entre as configurações que
traçamos e os objetos que representamos. Nesse sentido, um jarro, por exemplo, quan-
do desenhado de perfil será percebido como jarro (figura A), mas visto de cima não (figu-
ra B):
Essas variações dependem do ângulo ou ponto de vista do qual observamos e
desenhamos o objeto. Um mesmo objeto visto de vários pontos diferentes apresentará
um número correspondente de configurações. Nenhuma delas é o objeto real.
Ao desenhar do natural, esses graus de representatividade aparecerão, ou seja,
em um grupo de objetos alguns serão vistos mais plenamente do que outros. Na ver-
dade, desenhamos sempre fragmentos da realidade, desenhamos a infinidade de aspec-
tos que os objetos apresentam aos nossos olhos, nunca os objetos em si mesmos, nunca
o objeto total.
6
A) B)
A linha
 
Quando traçamos a configuração de um objeto devemos levar em consideração
a natureza do meio plástico que estamos empregando para produzi-la. Nos exemplos
dados aqui esse meio é a linha.
“A linha é o rastro do ponto em movimento” (kandinsky).
A linha só define direções no papel:
Desenhar uma linha é, pois, desenhar uma direção. Daí que, ao traçar qualquer
linha, devemos estar conscientes da direção que ela define, do seu percurso no papel. É
por isso que o pintor Delacroix afirmou que antes de colocar o lápis no papel, o pintor
tem que se dar conta das direções principais do modelo. O desenho surge da combi-
nação dessas direções. Elas são um ingrediente fundamental do desenho. Isso tanto para
uma configuração abstrata (figura A) como para um objeto real (figura B). Nessa primeira
marcação as linhas devem ser traçadas uma a uma e de forma independente umas das
outras:
8
A)
B)
Devemos ter em mente que existe uma hierarquia entre as linhas que constituem
o desenho. Existem sempre algumas linhas mais importantes que outras e o desenhista
deve buscar selecionar essas linhas. Assim devemos traçar as que julgamos mais impor-
tantes em primeiro lugar e depois completar com as secundárias.
Esse julgamento, essa escolha, não é um ato racional, pelo contrário, é totalmente
intuitivo, e a eleição desta ou daquela linha varia de pessoa para pessoa.
Além disso, essas direções gerais não são ainda o contorno do objeto. As linhas
de contorno só aparecem num segundo momento do desenho. Elas são definidas pelo
percurso que descrevem e pelos acidentes que apresentam. Por exemplo, o perfil de
uma montanha:
As recomendações acima não são regras fixas, pois não há regras a serem
seguidas no desenho. Elas dizem respeito a um modo de ser da imagem visual. O aluno
não pode nunca esquecer que o desenho que ele faz é uma imagem e que esta tem uma
realidade própria, distinta e à parte da realidade da natureza. Podemos definir o dese-
nhista como alguém que compreendeu a natureza do desenho e trabalha sobre ela e a
partir dela.
9
1º momento: marcação geral 2º momento: linha de contorno
O claro-escuro
11
Além da linha, a segunda natureza de meio plástico a ser estudada é a do claro-
escuro.
Quais os critérios que devemos ter em mente ao trabalhar com o claro-escuro?
Em primeiro lugar, devemos pensar que, entre preto e o branco existe uma escala
de cinzas com infinitos graus de claridade e de obscuridade:
Essa escala de cinzas recebe também o nome de escala de valores. Portanto,
quando falamos em valores de um desenho estamos nos referindo aos graus de cinzas
encontrados nesse mesmo desenho.
O desenho de linhas não nos dá a sensação tátil, espacial, dos objetos.
Entretanto, qualquer configuração linear pode adquirir espacialidade pela presença do
claro - escuro:
As duas dimensões
do claro-escuro
Vimos como a linha define essencialmente direções no papel: este é o seu atribu-
to primário. O claro-escuro, por sua vez, acontece simultaneamente sobre duas dimen-
sões distintas e opostas: a dimensão plana das áreas no papel e a dimensão espacial dos
volumes dos objetos representados.
Portanto, quando trabalhamos com os valores de claro - escuro, devemos ter em
mente que as suas combinações no desenho podem se dar em duas direções, podem ter
duas funções, correspondentes ás duas dimensões acima:
1) a ordenação abstrata dos valores no desenho (que trabalha sobre a distribuição
dos cinzas na dimensão plana do desenho)
2) o efeito de luz e sombra (que trabalha com os elementos que definem e situ-
am os objetos na dimensão espacial e concreta do real a que eles naturalmente
pertencem).
Esses dois aspectos podem ser encontrados convivendo num mesmo desenho:
Alguns motivos se predispõem mais a um ou outro aspecto: as paisagens tendem
a se mostrar mais como áreas abstratas (figura1), enquanto os objetos sólidos como luz
e sombra (figura2).
13
figura1: Claude Lorrain (1600-1682)
14
figura2: Pierre-Paul Prud‘hon (1758-1823)
A ordenação abstrata
dos valores no desenho
A distribuição dos cinzas no papel define obrigatoriamente um campo abstrato
que não pode deixar de ser considerado, pois é um fato plástico constituinte e essencial
ao desenho.
Todo desenho com claro - escuro tem essa presença de áreas abstratas de valores.
Elas não são conscientizadas pelo olhar desinteressado do leigo mas devem estar evi-
dentes ao olhar interessado do artista.
Em toda fotografia, quadro ou desenho com claro - escuro, existirá sempre uma
distribuição abstrata de valores no campo, com os seus correspondentes graus de cin-
zas, os quais podem ser assinalados sobre a escala de valores:
Essas áreas abstratas são definidas pelos diferentes grupos de cinzas que subdivi-
dem o campo visual selecionado, seja ele qual for:
16
É possível realizar um desenho com claro-escuro sem o efeito de luz e sombra,
mas é impossível um desenho com claro-escuro sem a ordenação abstrata dos valores
no campo. Como exemplo, na figura 3, temos a foto de um quadro que foi desfocaliza-
do a um tal ponto que os objetos reais desapareceram, ficando apenas as áreas abstratas.
Isso pode ser feito com qualquerfotografia e mostra que essa ordenação abstrata de
valores é um fato visual anterior ao efeito de luz e sombra, e que, na experiência visual
da realidade, as relações abstratas são recebidas pelo olhar antes mesmo da percepção
dos objetos concretos.
17
Rembrant (1606-1669)
Na distribuição dos valores no desenho, uma área de cinzas pode conter vários
objetos ou partes de objetos, ou seja, os cinzas subdividem o campo geral em setores
que se distinguem entre si não pelos objetos que os ocupam, mas pelos cinzas que con-
tém. Por outras palavras, o desenho dessa ordenação ou estrutura abstrata de cinzas no
campo é independente da configuração dos objetos representados.
Essas áreas não se identificam à configuração dos objetos, não coincidem com
elas, mas definem configurações próprias. Temos, pois, em um mesmo desenho (A), dois
sistemas de configurações ou áreas como dois fatos visuais independentes: as configu-
rações dos objetos (B) e das áreas (C).
Um exemplo específico da independência entre a configuração abstrata e a dos
objetos é o quadro de Chardin, “A Benção” (fig. 4)
18
A B C
figura 4: J. B. Chardin (1699-1779) Esquema das áreas abstratas principais
É importante a atenção a esta ordenação abstrata dos valores no campo do dese-
nho porque os valores são relativos, dependem do contexto. O fato, por exemplo, de um
objeto ser totalmente branco em si mesmo não significa que ele apareça branco no con-
junto de luz e sombra em que está inserido. Dois objetos brancos poderão ser assinala-
dos por cinzas diferentes, de acordo com a sua posição no contexto e a sua relação com
o foco de luz.
19
O efeito de
luz e sombra
Os elementos que constituem o efeito de luz e sombra são quatro: luz natural,
sombra natural , sombra projetada e luz refletida. 
1) Luz natural e sombra natural:
Quando um foco de luz é direcionado sobre um objeto, este último fica subdi-
vidido em áreas iluminadas e áreas de sombra. Essas áreas são definidas de acordo com
a direção do foco de luz que incide sobre os objetos. Elas subdividem visualmente o
objeto e são chamadas de luz natural e sombra natural.
A transição dos cinzas entre uma e outra depende da estrutura concreta do obje-
to: há recortes e modulações (passgens de um cinza para outro). 
2) Sombra projetada:
A sombra que o objeto lança sobre o plano em que está apoiado ou sobre o obje-
to ao lado é chamada de sombra projetada .
21
LN
SN
LN
SN
SP SPSP
Nota: O desenho dessas sombras projetas depende da forma concreta dos obje-
tos que as projetam. Entretanto, essa projeção não necessita ser uma projeção geométri-
ca exata, o que importa no desenho são as relações entre os elementos em jogo e não a
correspondência a uma “verdade” anterior e exterior ao desenho. Assim, se, por exem-
plo, a sombra projetada de uma esfera corresponde a uma elipse, isso não significa que
essa elipse seja sempre geometricamente perfeita. Tudo depende das relações no con-
texto. As sombras projetadas, como tudo no desenho, não guardam um compromisso
rigoroso com os objetos que as projetam, o desenho não tem uma natureza de ciência
exata. Daí que, não só a sombra projetada de um objeto geométrico, como uma esfera,
por exemplo, mas mesmo a de um ser humano, podem existir por aproximação, apenas
indicada sua presença:
3) Luz refletida
A luz que atinge os objetos atinge também o plano em que estão apoiados e, ao
atingir esse plano, ela se irradia em torno e ilumina as áreas de sombra natural dos obje-
tos. Daí a presença de uma claridade suave no interior das áreas de sombra natural. As
sombras projetadas também recebem essa irradiação de luz refletida, só que com menor
intensidade. Essa luz dentro da sombra é chamada de luz refletida.
22
LR LR
LR
A luz refletida é um elemento importante para a representação do espaço no
desenho. A impressão de solidez aparente dos objetos se deve em grande parte à pre-
sença dessa luz suave no interior das áreas de sombra.
A visão plana que temos da lua crescente no céu, por exemplo, deriva principal-
mente da ausência de luz na sombra e de uma seleção de luzes mais intensas no inte-
rior de sua parte iluminada. Se, pelo contrário, tivéssemos na área iluminada algum
ponto mais claro que os outros e se existisse outro corpo celeste junto à lua capaz de
refletir a luz do sol de volta para ela, iluminando sua parte sombria, então a visão da lua
crescente no céu seria a de uma esfera flutuando no espaço.
Se a impressão de peso, de realidade palpável dos objetos que vemos, é conse-
qüência do efeito de luz e sombra, então, quanto maior a ênfase sobre os aspectos
descritos acima, mais se intensificará a impressão de presença física dos objetos repre-
sentados.
Assim, o esquema geral de luz e sombra nos objetos está composto por quatro
elementos : luz natural, sombra natural, sombra projetada e luz refletida:
23
Luz
Para que o efeito de luz e sombra se produza plenamente é necessário a presença
simultânea desses quatro aspectos. É preciso que haja apenas um foro de luz, do con-
trário os outros elementos se dissolverão, não haverá, por exemplo, a sombra natural.
Basta lembrarmos o efeito das fotos com luzes por todo os lados: o resultado é que não
há quase espacialidade.
Devemos controlar os graus de cinza e, principalmente, os extremos de preto e
branco, que são os dois polos da escala de valores. Deve ser dada uma atenção espe-
cial aos pontos ou áreas (geralmente pequenas) onde vão ser situados esses extremos.
Os brancos, particularmente, não podem ser distribuídos à vontade no campo sob pena
de se perder ou prejudicar a representação do espaço no desenho. Daí que, outro aspec-
to importante para representação do espaço é a seleção de luzes: é importante observar
que, dentro da áreas de luz natural, a fonte luminosa iluminará mais intensamente aque-
les pontos do objeto que ela alcança mais diretamente e que estão mais próximos e
voltados para ela. Assim, a área de luz natural contém variações: alguns pontos são mais
claros do que outros. Nesse sentido, se observarmos um grupo de objetos sobre os quais
24
incida um foco de luz, verificaremos que alguns pontos do contexto geral aparecem
mais claros do que outros, e que os pontos verdadeiramente “ brancos” são raros (figu-
ras 5 e 6), podendo existir apenas alguns. Daí a necessidade de uma seleção de luzes
altas ou pontos luminosos mais intensos no conjunto observado.
O ato de desenhar é intencional não basta o simples registro de caráter mecâni-
co do real. O desenhista tem que pensar num efeito geral e trabalhar com ele:
25
figura 5: Velázquez (1599-1660)
 
26
figura 6: Pedro Alexandrino (1856-1942)
 
O ato de desenhar
como processo de
produção da imagem
O processo de produção de uma imagem não se reduz a um simples problema
técnico mas implica em uma disciplina de trabalho cujo produto final, o desenho pron-
to, não é um dado fixo e previamente estabelecido, mas, pelo contrário, algo imprevi-
sível. Quando o problema é exclusivamente técnico os resultados podem ser repetidos
à vontade. Pode-se, por exemplo, fazer objetos utilitários em série, iguais, mesmo quan-
do se trata de objetos manufaturados, como os de marcenaria, etc. Entretanto, ainda que
as condições em que um desenho tenha sido produzido possam ser as mesmas, nunca
um mesmo artista repetirá esse desenho.
As indicações a seguir não constituem, pois, regras fixas , elas se destinam a des-
pertar no aluno a compreensão de que existe uma lógica inerente ao ato de desenhar, à
qual está relacionada á natureza da imagem. Esta última possui uma realidade própria
e, por isso mesmo, pede uma abordagem específica, em oposição à noção disseminada
no senso comum, que interpreta e reduz todos os problemas da arte aos conceitos de
““imitação” e de “expressão”.
Uma característica fundamentaldas imagens que produzimos quando desen-
hamos é a presença de vários fatos visuais distintos em seu interior mas que se apresen-
tam ao olhar como um todo unitário e simultâneo. A imagem pode ser considerada
como um fato visual complexo formado por um conjunto de fatos visuais em super-
posição.
Esses vários aspectos que convivem na imagem permitem e, ao mesmo, impõem,
que o ato de desenhar possa e deva se dar por estágios, por momentos diferenciados que
se superpõem na forma e que serão vistos todos ao mesmo tempo no final. O proces-
so de produção pressupõem, pois, uma estratégia, uma disciplina, devido justamente ao
fato de que a imagem que construímos no papel possui certos elementos em sua estru-
tura interna que pedem, cada um, uma abordagem em separado. Podemos, então, con-
siderar o Desenho como um todo resultante de vários “desenhos” parciais, um de cada
aspecto individual da imagem.
É importante definir cada passo ou estágio na construção de um desenho, pois
este último não é algo singelo ou ingênuo, não é algo de imediata compreensão e uti-
lização, não resulta da simples intenção de imitar a realidade, mas algo complexo e con-
stituído por elementos que à primeira vista não estão evidentes.
Nesse sentido, e com a finalidade de realizar um desenho de observação do natu-
ral, uma imagem que represente aquilo que se vê, vamos identificar os elementos essen-
ciais que constituem essa imagem e que determinam os passos do processo de produção
de um desenho com claro – escuro.
Tomando como exemplo uma imagem representando um conjunto de objetos
iluminados por apenas um foco de luz direta, podemos observar os seguintes fatos
visuais (ver figuras abaixo): 1- 0 enquadramento da configuração geral do conjunto e
dos objetos individuais; 2- 0 desenho linear dos contornos; 3- A seleção das luzes mais
intensas (que serão os pontos e áreas mais claras do desenho); 4- As áreas de sombra
natural, de luz natural e de sombra projetada dos objetos; 5- A distribuição das áreas
abstratas de valores, as modulações e o movimento de cinzas no campo inteiro do
desenho; 6- As luzes refletidas (no interior da sombra natural dos objetos); 7- O desenho
final contendo todos os fatos visuais de 1 a 6, e onde eles aparecem superpostos, sendo
percebidos simultaneamente. Cada passo da seqüência trabalha e constitui um elemen-
to formador da imagem, e a resultante é como um somatório de todos eles:
28
29
1 2
3 4
5 6
Devemos ter sempre em mente que, ao desenhar um objeto do natural, estamos
simultaneamente afirmando: (1) o plano (do papel onde corre o lápis) e (2) o espaço
(onde esse objeto tem sua existência e que lhe é constituinte). Nesse sentido, os fatos
visuais presentes na forma visual configurada possuem duas fontes: os que dizem
respeito à dimensão plana do papel e os que pertencem à dimensão espacial do obje-
to representado. Essa relação entre plano e espaço é a mais imediata e, ao mesmo
tempo, a mais importante por sua abrangência: se, por um lado, o objeto representado
está situado no espaço, por outro, o desenho é feito no plano do papel, é uma película
visual sobre ele. É assim que, na seqüência dos estágios acima, há uma alternância
proposital entre aqueles que pertencem à dimensão plana do papel e que implicam em
uma abordagem do desenho como campo visual (passos 1,3 e 5), e os que pertencem
á dimensão espacial dos objetos (passos 2,4 e 6).
Essa alternância e mesmo essa seqüência não é um dado obrigatório, rígido, ela
tem uma função didática apenas. O importante é que o aluno tenha consciência de que
cada aspecto da imagem pode ser considerado em separado, como um fato em si
mesmo.
Há ainda um aspecto técnico a ser considerado com relação ao terceiro passo da
seqüência, o qual diz respeito à seleção dos pontos mais claros do desenho: é a diferen-
ça existente no processo quando utilizamos um papel branco ou de meio tom (de tom
médio). Este último corresponde a um papel — colorido ou não — com qualquer grau
de cinza médio mas não branco ou preto.
No caso do papel branco, as notas mais claras corresponderão a áreas brancas
do próprio papel, ou seja, nenhum cinza será aplicado sobre elas. Portanto, após a mar-
cação linear, o claro – escuro começará com um cinza médio claro aplicado no campo
inteiro do desenho, deixando abertos alguns pontos ou pequenas áreas que correspon-
derão às luzes mais intensas.
No papel de meio tom, por sua vez, já existe um cinza geral dado pelo próprio
papel, daí que os valores mais claros e os brancos são acrescentados através de notas
claras feitas com pastel, crayon ou giz branco comum. Aqui a ordem dos passos muda:
a seleção de luzes mais intensas, que correspondente ao passo n.º 3, passa a ser feita
30
7
ao final, pois o tom médio do fundo dispensa a aplicação do cinza geral, necessário
quando o desenho é feito sobre um papel branco. Assim, no papel de meio tom, as áreas
onde serão aplicadas as notas e nuances mais claras deverão permanecer intocadas para
serem depois trabalhadas com o branco para definir e hierarquizar as luzes mais inten-
sas do campo, como pode ser visto abaixo:
O branco aplicado sobre o cinza do fundo completa os graus dos valores desde
este mesmo cinza até o branco total. Pode-se observar , na escala de valores abaixo
sobre papel de meio tom, que o cinza do papel corresponde a apenas um dos graus da
escala:
Por outro lado, dada a importância da relação de polaridade entre os extremos
de preto e branco para a organização da imagem, a seleção das luzes mais intensas,
quando feita ao final, possibilita uma experiência mais direta com aquela ordenação
31
intencional do campo visual, inerente à produção da imagem artística, já que o dese-
nhista pode escolher e selecionar à vontade os pontos mais claros do desenho, relacio-
nando-os com os outros elementos, correspondentes aos outros passos do processo e
que deverão estar já realizados.
Esse caráter organizador dos extremos fica evidente nos estudos preliminares
feitos pelos artistas sobre papel de meio tom, com a finalidade de antecipar uma visão
de conjunto da pintura a ser feita. Nos exemplos a seguir pode ser observado que nem
sempre todos os passos de seqüência aqui exposta foram realizados, pelo contrário, às
vezes o branco é aplicado de imediato sem as outras nuances de cinzas.
32
Victor Meirelles - 1832/1903
 
33
Benozzo Gozzoli - 1420/1497
34
El Greco - 1541/1614
35
Sebastiano del Piombo - 1485/1547
36
Gian Battista Piazzetta - 1683/1754
37
Rafael - 1483/1520
A técnica do
bico de pena
O trabalho com bico-de-pena e nanquim segue a mesma lógica do trabalho a
lápis ou carvão, a diferença é apenas técnica, o que muda é o efeito geral. Em princípio,
qualquer desenho a lápis ou carvão pode ser transformado ou “traduzido” para a técni-
ca do bico-de-pena. É possível — e conveniente —, pois, realizar um esboço geral com
grafite ou carvão definindo as áreas de valores e também as direções das linhas antes do
trabalho a pena. Esse esboço servirá como estudo-guia à parte para a realização do
desenho a pena, ajudando a controlar melhor os graus de cinza. Toda técnica gráfica
corresponde sempre a um tratamento de superfície, daí a necessidade da atenção às
áreas abstratas do campo visual e da consideração do desenho como uma teia de linhas
e pontos sobre o papel.
O suporte para essa técnica deve ser um papel de superfície lisa para que a pena
possa deslizar sobre ela. Os papéis de superfície rugosa podem criar problemas ao movi-
mento da mão, devido à resistência ocasionada pelo atrito da pena com a textura do
papel. Os mais indicados e acessíveis são os papéis opaline e couché.
As linhas podem ser traçadas mantendo a mesma espessura (A) ou sofrer modu-
lações (variações na sua espessura) em seu percurso (B):
As penas mais rígidas são mais propícias para aslinhas sem modulação, enquan-
to as mais maleáveis facilitam as modulações. Nesses casos, as variações na espessura
acontecem pela simples variação na pressão sobre a pena, a qual, afastando as duas
metades em que se divide a ponta, produz esse efeito:
39
O claro-escuro: no desenho a pena os valores de cinza são conseguidos pela
maior ou menor quantidade de linhas e pontos sobre a superfície trabalhada. Quanto
mais se cobre mais escura será a área. A pena só produz linhas e pontos que, trabalha-
dos em conjunto, com maior ou menor concentração, produzem áreas e escalas de va-
lores:
40
Os elementos lineares ou pontos que compõem essas áreas podem variar a von-
tade, sendo que essas variações corresponderão sempre a tipos diversificados de tex-
turas, de acordo com o elemento que se repete e do modo com que se repete:
Assim, ao produzir uma área qualquer com o bico-de-pena, estamos produzindo
também uma área com uma textura determinada. Toda área de valor nesta técnica é
sempre uma textura:
41
Uma determinante fundamental aqui é o fato de que estamos trabalhando basi-
camente sobre a relação entre o preto do nanquim e o branco do papel (o que não sig-
nifica que não se possa usar tinta e papel coloridos), daí que, quanto aos modos como
se aplicam os traços no papel, podemos distinguir duas possibilidades: cruzando os
traços por superposição (A) ou justapondo sem cruzar os traços (B):
(A):
(B):
Em (B), como se pode ver, o efeito é diferente principalmente nas áreas mais
escuras (onde as linhas são mais grossas). Nelas os intervalos brancos aparecem como
se fossem traços brancos sobre o negro, como se esta parte fosse uma espécie de “nega-
tivo” da parte clara. Por outro lado, quando os traços são superpostos uns aos outros o
efeito de preto sobre branco permanece em toda a extensão do desenho.
Os desenhos a seguir são exemplos da utilização de algumas possibilidades do
bico-de-pena: 1- desenho só com linhas; 2- com predominância de textura de linhas que
se cruzam; 3- com predominância de linhas que não se cruzam; 4- com combinação de
linhas de contorno e áreas de claro-escuro; 5- com variação de texturas. Os desenhos 2
e 3 foram realizados a partir de fotografias e ambas estão aqui apresentadas para com-
paração.
42
43
1. Ilustração para o livro “Tipos e Aspectos do Brasil”.
Nanquim sobre cartão. Rio de Janeiro: IBGE, 1969.
2. Siriema. Nanquim sobre papel. 2004
Fotografia Siriema.
44
3. Papagaio. Nanquim sobre papel. 2004 — Fotografia Papagaio.
45
4. Faiscadores, Ilustração para o livro “Tipos e Aspectos do Brasil”.
Nanquim sobre cartão. Rio de Janeiro: IBGE, 1969.
Cada técnica de desenho tem suas especificidades, tanto no que se refere ao seu
processo como no que se refere ao resultado final. O ato produtor da imagem artística
é como um jogo, e, à medida em que o trabalho se desenvolve, alguns imprevistos acon-
tecem. Portanto, durante a produção da imagem deve-se contar com eles porque os aci-
dentes também fazem parte do desenho. O produto final incorpora dados acidentais que
não estavam antes na mente do artista e, a não ser quando comprometem o resultado,
esses elementos que surgem acidentalmente não necessitam ser “consertados”, mas
devem ser incorporados ao efeito geral.
As linhas variam naturalmente, e essas variações são parte do processo. Vários
fatores intervém quando se traça uma simples linha, como, por exemplo, as alterações
no peso e as vacilações da mão, a maior e menor rigidez da pena usada, a quantidade
46
5. Vaqueiro do Marajó, Ilustração para o livro “Tipos e Aspectos do Brasil”.
Nanquim sobre cartão. Rio de Janeiro: IBGE, 1969.
de tinta na pena no momento em que se traça a linha, o tipo e a qualidade do papel,
etc. Um exemplo simples: o acúmulo de tinta ao final da linha abaixo, bem como as
oscilações no seu percurso, não são “erros” que necessitam ser evitados ou corrigidos,
mas algo que faz parte do caráter da própria técnica:
Pelo contrário, justamente por serem intrínsecas ao processo em questão, por
constituírem o repertório de possibilidades gráficas que o distingue, pode-se — ou
mesmo deve-se — acentuar intencionalmente essas características em lugar de dis-
simulá-las. Em todo processo de criação existem sempre dados acidentais que devem ser
levados em consideração como fatos positivos e não negativos. Por outro lado, é tam-
bém natural uma variação nos valores de uma textura, porém, podem ocorrer manchas
pela concentração de tinta quando os traços se cruzam (ver os dois exemplos abaixo),
interferindo no efeito geral da área trabalhada. Nestes casos, se o resultado for indese-
jável, podemos fazer retoques com um pincel fino e tinta branca opaca à base de água
como o guache, o acrílico e o nanquim branco.
O artista não trabalha como uma máquina que se define por sua eficiência em
atingir determinados objetivos previamente estabelecidos, daí que o aluno não deve
projetar o resultado final como algo fixo, mas procurar entender e se concentrar no
processo de produção do desenho. As noções de “perfeição” ou “eficiência”, por exem-
plo, não têm lugar aqui. Elas só servem para conferir ao ato de desenhar e ao próprio
artista um caráter mecânico, como se tudo dependesse de um adestramento e nada
mais. Para um resultado mecânico usam-se instrumentos e meios mecânicos e não à
mão livre com suas vacilações naturais. Não há nenhum mérito artístico no fato de
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alguém conseguir traçar a mão livre um circulo perfeito ou uma linha absolutamente
reta, pois para isso existem o compasso e a régua. O estudo do desenho não é um ades-
tramento da mão, mas uma compreensão dos problemas que constituem o ato de pro-
dução de uma imagem.
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