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11 NOME DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO NOMDE DO CURSO NOME DO AUTOR AGÊNCIAS REGULADORAS E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A POSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DA RESPONSABILIDADE PARA REGULAR O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO TRANSPORTE AÉREO Cidade-estado 2025 NOME DO AUTOR AGÊNCIAS REGULADORAS E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A POSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DA RESPONSABILIDADE PARA REGULAR O DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO TRANSPORTE AÉREO Dissertação de Mestrado para obtenção de título de Mestre em (XXXXXX), da faculdade (XXXXX), orientado pela Professora Dra. (xxxxx) Cidade-Estado 2025 A ficha catalográfica indicada abaixo, serve apenas como exemplo. Após a defesa do TCC, o aluno deverá solicitar a Biblioteca a confecção dessa ficha. A ficha catalográfica deve ficar no verso da folha de rosto (a folha imediatamente acima). FICHA CATALOGRÁFICA Sobrenome, Nome 7B38p Título da Dissertação /Nome do Autor – 2025. 115f.: il. Orientador: Prof. Me. Nome do professor Dissertação (Especialização/Bacharelado em Direito) – Nome da faculdade – Câmpus, 2025. 1. palavra chave. 2. Palavra chave. I. Sobrenome do Orientador, Nome do orientador. II. Título. . FOLHA DE APROVAÇÃO DECLARAÇÃO DE AUTORIA Declaro que este trabalho é original e que todas as fontes utilizadas foram devidamente citadas e referenciadas, conforme as normas acadêmicas vigentes. Assumo total responsabilidade pelo conteúdo apresentado. [Nome completo do autor] [Data] Nota ( ) Professor: _______________________________________________ Nome do professor(a) – Orientador(a) _______________________________________________ Nome do professor(a) – Co- Orientador(a) _______________________________________________ Cidade-Estado 2025 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx AGRADECIMENTOS Agradeço à xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx RESUMO O presente estudo examina a relação entre a regulação setorial do transporte aéreo e a proteção do consumidor no Brasil, com foco na possibilidade de transferência de responsabilidades à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e nas consequências dessa transferência para a efetividade do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Parte-se da hipótese de que lacunas normativas e deslocamentos interpretativos podem comprometer a tutela integral prevista no art. 6º do CDC e nos princípios constitucionais (CF/88, art. 5º, XXXII). A pesquisa adota abordagem dedutiva, método jurídico-normativo e análise comparativa; foram examinadas legislações, projetos de lei (destacando o PL 3.514/2015), resoluções da ANAC, e precedentes judiciais selecionados (STF, STJ, TJDFT, TJSP). Os resultados apontam três vetores centrais: (i) ganhos técnicos e de especialização advindos da delegação regulatória; (ii) riscos de captura regulatória e de redução prática de direitos do consumidor quando a normatização setorial entra em dissonância com o CDC; e (iii) a necessidade de mecanismos de harmonização normativa — consultas públicas, análise de impacto regulatório e cláusulas de preservação da proteção mínima. Conclui-se propondo-se um modelo de regulação integrada que preserve a prevalência das normas consumeristas, ao mesmo tempo em que aproveita a capacidade técnica da ANAC para detalhar, mas não suplantar, direitos fundamentais do consumidor. Palavras-chave: Transporte aéreo. Proteção do consumidor. Regulação. ANAC. Código de Defesa do Consumidor. ABSTRACT This dissertation analyzes the interface between sectoral regulation of air transport and consumer protection in Brazil, emphasizing the potential transfer of regulatory responsibilities to the National Civil Aviation Agency (ANAC) and the implications for the effectiveness of the Consumer Protection Code (CDC). The working hypothesis asserts that regulatory gaps and interpretive shifts may undermine comprehensive protection as established by article 6 of the CDC and constitutional safeguards (CF/88, art. 5, XXXII). The research employs a deductive approach, combining legal-normative analysis and comparative methods; sources include legislation, Bill PL 3.514/2015, ANAC resolutions, and selected jurisprudence (STF, STJ, TJDFT, TJSP). Findings reveal three principal dynamics: (i) technical specialization and efficiency gains from delegated regulation; (ii) risks of regulatory capture and practical erosion of consumer rights when sector rules diverge from the CDC; and (iii) the critical role of harmonization instruments — public consultations, regulatory impact assessment, and preservation clauses for minimum protection. The study concludes by proposing an integrated regulatory framework that safeguards the primacy of consumer norms while leveraging ANAC’s technical capacity to operationalize, without supplanting, fundamental consumer rights. Keywords: Air transport. Consumer protection. Regulation. ANAC. Consumer Protection Code. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR 13 1. O DIREITO DO CONSUMIDOR E O CDC 14 1.1 Introdução à Evolução do Direito do Consumidor no Brasil 14 1.2 Contextualização Histórica do CDC 17 1.3 Princípios da Vulnerabilidade e da Proteção 20 1.4 Interpretação do CDC e Aplicação dos Princípios Jurídicos 24 1.5 O CDC na Sociedade Contemporânea 28 CAPÍTULO II – AS AGÊNCIAS REGULADORAS E A FUNÇÃO PROTETIVA DO CONSUMIDOR 33 2.1 Histórico e Funções das Agências Reguladoras no Brasil 33 2.2 O Dever do Estado e a Proteção do Consumidor 46 2.3 A Transferência de Responsabilidade Legislativa para Agências 50 2.4 Impacto da Regulação no Setor de Transportes, com Ênfase no Transporte Aéreo 54 2.5 Limites e Desafios da Transferência de Responsabilidade Regulatória no Transporte Aéreo 58 CAPÍTULO III – A ANÁLISE DO PL 3.514/2015: DIREITO DE ARREPENDIMENTO, TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE E DESAFIOS REGULATÓRIOS 63 3.1 Contextualização do PL 3.514/2015 63 3.2 Atualização do Código de Defesa do Consumidor 67 3.4 A Transferência de Responsabilidade para a ANAC 74 3.5 A Captura das Agências Reguladoras 79 CAPÍTULO IV – INTERSECÇÃO ENTRE DECISÕES DO STF, NORMAS INTERNACIONAIS E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO TRANSPORTE AÉREO 84 4.1 Julgado 210 do STF: Danos Materiais e Limites das Convenções Internacionais 84 4.2 Julgado 1.240 do STF: Danos Extrapatrimoniais e Proteção Integral 90 4.3 Interpretação Comparativa e Convergência Normativa no Transporte Aéreo 93 CAPÍTULO V – DISCUSSÃO CRÍTICA: A TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE E A EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR 98 5.1 Síntese dos Argumentos Analisados 99 5.2 Análise dos Riscos para o Consumidor 104 5.3 Propostas para uma Regulação Integrada e Eficiente 108 5.4 Contribuições para o Debate Acadêmico e Prático 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS 118 REFERÊNCIAS 120 0 INTRODUÇÃO O transporte aéreo consolidou-se, ao longo das últimas décadas, como um dos principais meios de deslocamento em âmbito nacional e internacional, desempenhando papel estratégico para a economia, para a integração territorial e para a concretização de direitos fundamentais, como a liberdade de locomoção e o acesso a serviços essenciais. No Brasil, o setor cresceu de forma significativa, especialmente após a década de 2000, com a ampliação do mercado consumidor e o fortalecimento da aviação civil como parte de uma política de mobilidade e integração social.3, p. 275-300, 2020.] “A interação entre sociedade civil e agências reguladoras não apenas aumenta a transparência, mas também melhora a qualidade das decisões regulatórias”, demonstrando o caráter democrático e inclusivo das práticas regulatórias contemporâneas. A legislação brasileira ainda prevê mecanismos institucionais que reforçam a transparência, como o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – SINDEC e plataformas digitais como o Consumidor.gov.br, permitindo que cidadãos monitorem reclamações e acompanhem o desempenho regulatório das agências (Brasil, 2024)[footnoteRef:17193]. Apesar da autonomia técnica e da relevância social das agências, desafios persistem, como conflitos entre eficiência econômica e proteção ao consumidor, riscos de captura regulatória por interesses privados e limitações na atuação jurisdicional (Severino, 2017, p. 95)[footnoteRef:22913]. [17193: BRASIL. Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – SINDEC; Consumidor.gov.br. Brasília, 2024. https://sindecnacional.mj.gov.br/sobre] [22913: SEVERINO, Mariana Rocha Sousa. As agências reguladoras e o direito do consumidor: limites e desafios da necessidade de atuação estatal no âmbito das relações de consumo. 2017. 157f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.] A coordenação com outras entidades regulatórias e o controle judicial sobre decisões da agência também representam desafios constantes, exigindo capacidade institucional e governança integrada . Em relação a evolução do direito, Aragão (2013, p. 23)[footnoteRef:20627] enfatiza que: [20627: ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 08/2013.] “A evolução do direito administrativo econômico no Brasil exige que as agências reguladoras conciliem independência técnica, accountability e legitimidade democrática, garantindo que os direitos dos consumidores não sejam subordinados à lógica mercadológica”, demonstrando a complexidade e a importância estratégica dessas entidades para o Estado e para a sociedade. A atuação das agências reguladoras brasileiras se dá em um contexto de crescente complexidade econômica e social, exigindo que estas instituições não apenas exerçam funções técnicas, mas também assumam papel estratégico na mediação de conflitos e na garantia dos direitos dos consumidores. Esta função evidencia a relevância das agências reguladoras na implementação de políticas públicas que convergem eficiência econômica e bem-estar social. No setor de telecomunicações, a ANATEL desempenha papel semelhante, regulando desde a concessão de serviços até a qualidade do atendimento ao consumidor. Conforme previsto na Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/1997), a agência possui competências que incluem a fiscalização do cumprimento de normas técnicas, a aplicação de penalidades e a garantia da universalização dos serviços (Brasil, 1997)[footnoteRef:21169]. [21169: BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. Diário Oficial da União, Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm ] Nesse contexto Fachin et al.(2020,p.55) [footnoteRef:3812] destaca que: [3812: FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Fernando Quadros da. Justiça e segurança normativa à luz de aperfeiçoamentos no processo regulatório. In: FONSECA, Reynaldo Soares; COSTA, Daniel Castro Gomes da (coord.). Direito regulatório: desafios e perspectivas para a Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 55-68.] “A regulação do setor de telecomunicações não se limita à norma técnica; ela implica também na proteção dos direitos do consumidor, assegurando que a prestação de serviços obedeça a padrões de qualidade, acessibilidade e transparência”, evidenciando a dimensão social da atuação da agência. Além disso, a ANATEL promove a participação pública em decisões estratégicas por meio de consultas públicas e audiências, permitindo que a sociedade influencie diretamente na formulação de políticas regulatórias, reforçando o princípio de accountability. O transporte aéreo, regulado pela ANAC, também ilustra o papel protetivo das agências diante de monopólios naturais ou serviços essenciais. A aplicação do direito de arrependimento em passagens adquiridas eletronicamente, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990, arts. 49 e 51)[footnoteRef:24368], garante que consumidores possam exercer seus direitos sem prejuízo, evidenciando a função regulatória como mecanismo de equilíbrio entre interesses empresariais e coletivos (Oliveira, 2009, p. 90-91)[footnoteRef:16623]. [24368: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm? ] [16623: OLIVEIRA, Alessandro. Transporte aéreo: economia e políticas públicas. São Paulo: Pezco Editora, 2009, p. 90-91.] Complementarmente, Pereira Neto et al., (2016, p. 30)[footnoteRef:24510] afirmam que: [24510: PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva; PRADO FILHO, José Inácio Ferraz de Almeida. Espaços e interfaces entre regulação e defesa da concorrência: a posição do CADE. Revista Direito GV, v. 12, p. 13-48, 2016.] “A interface entre regulação setorial e controle da concorrência é fundamental para evitar práticas anticoncorrenciais que possam lesar consumidores e comprometer a eficiência do mercado”, destacando o caráter multifuncional das agências, que vão além da simples fiscalização, atuando também como mediadoras e garantidoras de equidade. A legislação brasileira prevê mecanismos que reforçam a transparência e participação social, como o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – SINDEC e a plataforma Consumidor.gov.br, que permitem monitoramento contínuo do desempenho regulatório das agências e acesso a informações relevantes sobre a qualidade de serviços essenciais (Brasil, 2024)[footnoteRef:8215]. [8215: BRASIL. Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – SINDEC; Consumidor.gov.br. Brasília, 2024. https://sindecnacional.mj.gov.br/sobre?] A participação cidadã nestes processos é reforçada por meio de consultas públicas, audiências e análises de impacto regulatório, instrumentos que promovem legitimidade democrática e melhoram a qualidade das decisões (Gabardo et al., 2020, p. 275)[footnoteRef:2155]. [2155: GABARDO, Emerson; GRANER, Mateus Domingues. A importância da participação popular na análise de impacto regulatório pelas agências reguladoras federais brasileiras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 279, n. 3, p. 275-300, 2020.] Lemos et al., (2013, p. 45)[footnoteRef:11855] enfatizam que: [11855: LEMOS, Rafael Diogo D.; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Participação popular e eficiência nas agências reguladoras: fundamentos, limites e conflitos no âmbito do direito positivo. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, [S.l.], v. 3, n. 1, 2013.] “A interação entre sociedade civil e agências reguladoras fortalece a transparência, aumenta a confiança pública nas decisões e assegura que interesses coletivos sejam contemplados”, reforçando a relevância da participação social como pilar da governança regulatória. Apesar de sua importância, as agências enfrentam desafios significativos. Entre eles estão os conflitos entre eficiência econômica e proteção do consumidor, o risco de captura regulatória por grupos privados e limitações na atuação jurisdicional, uma vez que algumas decisões podem ser contestadas judicialmente, o que exige capacidade institucional e governança integrada (Torres, 2006, p. 78)[footnoteRef:29013]. Ademais, a articulação com outros órgãos regulatórios e o alinhamento com políticas públicas nacionais são fundamentaispara evitar lacunas regulatórias e garantir coerência no atendimento às demandas sociais. [29013: TORRES, C. R. A. Agências reguladoras: aspectos jurídicos e doutrinários. Origem e surgimento das agências reguladoras no Brasil. Âmbito Jurídico, Rio Grande. 2006.] Nesse contexto, sobre a evolução do direito, Aragão (2013, p. 23)[footnoteRef:31258] reforça que: [31258: ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 08/2013.] “A evolução do direito administrativo econômico no Brasil exige que as agências reguladoras conciliem independência técnica, accountability e legitimidade democrática, garantindo que os direitos dos consumidores não sejam subordinados à lógica mercadológica”. A natureza híbrida das agências, que combina autonomia decisória e vínculo ao Poder Executivo, representa um modelo inovador de administração pública, permitindo que as entidades se adaptem rapidamente a mudanças setoriais e às necessidades da sociedade. Cavalcanti (2000, p. 34)[footnoteRef:19616] observa que: [19616: CAVALCANTI, F. de Q. B. A independência da função reguladora e os entes reguladores independentes. Revista de Direito Administrativo. v. 219. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, janeiro – março de 2000.] “A vinculação das agências ao Executivo não implica subordinação absoluta; pelo contrário, estabelece mecanismos de supervisão que garantem alinhamento estratégico sem comprometer a independência técnica”, evidenciando o equilíbrio institucional buscado pelo legislador. Para o autor, a estabilidade regulatória é essencial para a proteção do consumidor, permitindo previsibilidade nas relações de consumo e segurança jurídica aos agentes econômicos. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é um instrumento fundamental que orienta a atuação das agências reguladoras em diversos setores. Por exemplo, os artigos 6º, 14º e 49º estabelecem direitos básicos do consumidor, responsabilidade objetiva dos fornecedores e direito de arrependimento, respectivamente, os quais são incorporados nas normas e resoluções emitidas pelas agências, garantindo que a proteção do consumidor seja efetiva e coerente com a legislação nacional (Brasil, 1990)[footnoteRef:17343]. [17343: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm?] Justen Filho (2002, p. 24)[footnoteRef:23984] argumenta que: [23984: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] “As agências reguladoras têm a função de operacionalizar os direitos previstos no CDC, adaptando-os às especificidades de cada setor, sem perder de vista a proteção integral do consumidor”, reforçando a função regulatória como extensão prática dos direitos constitucionais e legais. O setor energético também evidencia a importância das agências na proteção do consumidor e na regulação econômica. A ANEEL, responsável pelo setor elétrico, estabelece tarifas, padrões de qualidade e mecanismos de mediação de conflitos entre concessionárias e consumidores. Segundo Menezello (2002, p. 45)[footnoteRef:1069]: [1069: MENEZELLO, M. D’A. C. Agências Reguladoras e o Direito Brasileiro. São Paulo: Ed. Atlas, 2002.] “A ANEEL não apenas regula tarifas e padrões técnicos, mas também protege os direitos dos consumidores, garantindo acesso contínuo e seguro ao serviço de energia elétrica”, mostrando que a regulação transcende aspectos técnicos, atuando de forma proativa na proteção social. Em termos de transparência e prestação de contas, as agências implementam indicadores de desempenho, relatórios anuais e auditorias independentes. Pessoa (2022, p. 42)[footnoteRef:27108] observa que: [27108: PESSOA, Carlos Henrique. Governança Reguladora e Avaliação de Impacto no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2022, p. 42.] “Os instrumentos de avaliação de impacto regulatório e coordenação interagências promovem uniformidade e mitigam conflitos setoriais, garantindo que a atuação regulatória esteja alinhada com os princípios de boa governança”, reforçando a necessidade de mecanismos formais que permitam monitoramento da eficiência regulatória. Este enfoque evidencia a relevância da governança baseada em evidências e da accountability como princípios norteadores da administração moderna. A participação social nas decisões regulatórias constitui um dos pilares fundamentais das agências reguladoras, reforçando sua legitimidade democrática e garantindo que os interesses coletivos sejam efetivamente considerados. As consultas públicas, previstas na Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019)[footnoteRef:31122], permitem que cidadãos, empresas e entidades da sociedade civil opinem sobre normas e resoluções antes de sua implementação, fortalecendo a accountability e promovendo decisões mais equilibradas. [31122: BRASIL. Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019. Dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 26 jun. 2019.https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13848.htm?] Como destacam Gabardo et al., (2020, p. 275)[footnoteRef:28637]: [28637: GABARDO, Emerson; GRANER, Mateus Domingues. A importância da participação popular na análise de impacto regulatório pelas agências reguladoras federais brasileiras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 279, n. 3, p. 275-300, 2020.] “A interação entre sociedade civil e agências reguladoras não apenas aumenta a transparência, mas também melhora a qualidade das decisões regulatórias”, evidenciando que o engajamento social não é apenas formal, mas tem impacto direto sobre a eficácia da regulação. Para os autores, a participação cidadã é um instrumento de democratização das decisões regulatórias, possibilitando que a população influencie políticas setoriais que afetam diretamente seus direitos e interesses. A legislação brasileira, em consonância com os princípios constitucionais, reforça a proteção do consumidor como prioridade central. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990)[footnoteRef:27418] estabelece direitos básicos, responsabilidade objetiva dos fornecedores e mecanismos de reparação de danos. Por exemplo, o artigo 6º consagra os direitos à informação clara e adequada sobre produtos e serviços, enquanto o artigo 14º atribui responsabilidade objetiva ao fornecedor por danos causados ao consumidor, independentemente de culpa. Já o artigo 49º garante o direito de arrependimento em compras realizadas fora do estabelecimento comercial, incluindo transações online. As agências reguladoras adaptam esses dispositivos à realidade setorial, transformando princípios legais gerais em normas operacionais, garantindo assim que o consumidor seja protegido de forma consistente e prática. [27418: ¹ BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm? ] No contexto do setor de energia elétrica, a ANEEL desempenha papel duplamente estratégico, regulando tarifas e qualidade do serviço, enquanto protege os consumidores de práticas abusivas. Segundo Menezello (2002, p. 45)[footnoteRef:18013]: [18013: MENEZELLO, M. D’A. C. Agências Reguladoras e o Direito Brasileiro. São Paulo: Ed. Atlas, 2002.] “A ANEEL não apenas regula tarifas e padrões técnicos, mas também atua na proteção dos direitos do consumidor, assegurando que serviços essenciais sejam prestados com continuidade, eficiência e segurança”. Essa função evidencia o caráter multidimensional das agências: não se trata apenas de fiscalização técnica, mas de mediação entre concessionárias e sociedade, assegurando direitos previstos na CF/88, como o acesso universal a serviços essenciais (Brasil, 1988, art. 175)[footnoteRef:2501].[2501: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Art. 175. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] O setor de telecomunicações, regulado pela ANATEL, apresenta desafios semelhantes, principalmente diante da rápida evolução tecnológica e do aumento da demanda por serviços digitais. A Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/1997) estabelece competências da agência para conceder licenças, definir padrões de qualidade e fiscalizar o cumprimento de obrigações contratuais[footnoteRef:21573]. [21573: BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. Diário Oficial da União, Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. ] Sodré (2010, p. 64)[footnoteRef:4008] observa que: [4008: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p.] “A regulação do setor de telecomunicações não se limita à norma técnica; envolve a proteção integral dos consumidores, garantindo que a prestação de serviços seja transparente, acessível e eficiente”. Para o autor, a participação pública, por meio de consultas e audiências, é essencial para que decisões regulatórias reflitam interesses coletivos, especialmente considerando a natureza essencial da comunicação na sociedade contemporânea. A atuação da ANAC no setor de transporte aéreo ilustra outro aspecto relevante: a proteção do consumidor frente a monopólios naturais e serviços essenciais. A aplicação do direito de arrependimento previsto no CDC permite que passageiros desistam de passagens adquiridas online dentro do prazo legal, sem penalidades indevidas. Oliveira (2009, p. 91)[footnoteRef:4051] enfatiza que: [4051: OLIVEIRA, Alessandro. Transporte aéreo: economia e políticas públicas. São Paulo: Pezco Editora, 2009, p. 91.] “A regulamentação do transporte aéreo deve conciliar interesses econômicos das empresas com a proteção de direitos fundamentais do consumidor, garantindo equilíbrio e justiça nas relações de consumo”. Além disso, a interface entre a ANAC e o CADE, no controle da concorrência, reforça a harmonização entre mercado eficiente e proteção ao consumidor, evitando práticas anticoncorrenciais que possam prejudicar usuários (Pereira Neto et al., 2016, p. 30)[footnoteRef:15619]. [15619: PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva; PRADO FILHO, José Inácio Ferraz de Almeida. Espaços e interfaces entre regulação e defesa da concorrência: a posição do CADE. Revista Direito GV, v. 12, p. 13-48, 2016.] A natureza híbrida das agências reguladoras, autarquias com autonomia decisória e vinculação ao Executivo, permite equilíbrio entre independência técnica e supervisão institucional. Cavalcanti (2000, p. 34)[footnoteRef:29976] observa que “a vinculação das agências ao Executivo estabelece mecanismos de supervisão que garantem alinhamento estratégico sem comprometer a independência técnica”. Esse modelo tem se mostrado eficiente, principalmente em setores onde decisões rápidas e técnicas são necessárias, sem depender de processos políticos longos. [29976: CAVALCANTI, F. de Q. B. A independência da função reguladora e os entes reguladores independentes. Revista de Direito Administrativo. v. 219. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, janeiro – março de 2000.] A legislação recente reforça a governança, a transparência e a uniformidade da regulação. A Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019) institui instrumentos de coordenação interagências, avaliação de impacto regulatório e mecanismos de participação social. Pessoa (2022, p. 42)[footnoteRef:15245] enfatiza que “a nova lei busca mitigar conflitos setoriais e assegurar uniformidade na atuação regulatória federal, fortalecendo a accountability e a eficiência”. Além disso, plataformas como o SINDEC e Consumidor.gov.br permitem monitoramento da atuação das agências, fortalecendo o controle social e o acompanhamento contínuo do desempenho regulatório (Brasil, 2024)[footnoteRef:25812]. [15245: PESSOA, Carlos Henrique. Governança Reguladora e Avaliação de Impacto no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2022, p. 42.] [25812: BRASIL. Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – SINDEC; Consumidor.gov.br. Brasília, 2024.] Apesar dos avanços, desafios persistem. Entre eles, destacam-se a captura regulatória por interesses privados, conflitos entre eficiência econômica e proteção do consumidor, limitações jurídicas e coordenação interinstitucional. Nesse sentido, Aragão (2013, p. 23)[footnoteRef:22973] ressalta que: [22973: ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 08/2013.] “As agências devem conciliar independência técnica, accountability e legitimidade democrática, garantindo que direitos dos consumidores não sejam subordinados à lógica mercadológica”, apontando para a necessidade de constante aprimoramento institucional e governança integrada. Em suma, as agências reguladoras brasileiras desempenham papel central na implementação de políticas públicas, proteção ao consumidor e promoção de serviços essenciais com qualidade, eficiência e segurança. Sua atuação envolve regulação normativa, fiscalização, mediação de conflitos e participação social, fundamentada em princípios constitucionais e legais, como CF/88, CDC e legislações setoriais específicas. A independência técnica, aliada à transparência e à accountability, garante que as decisões sejam consistentes, legítimas e voltadas ao interesse público, consolidando a importância dessas entidades no contexto socioeconômico contemporâneo. 2.2 O Dever do Estado e a Proteção do Consumidor A proteção do consumidor no Brasil não se configura apenas como um dever legal, mas como um princípio fundamental da Constituição Federal de 1988. O artigo 5º, inciso XXXII, define que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" (Brasil, 1988, art. 5º, XXXII)[footnoteRef:19985], estabelecendo o compromisso do poder público em garantir que relações de consumo ocorram em condições de equilíbrio, transparência e segurança. Este princípio reflete a ideia de que o consumidor não é apenas um sujeito de direito econômico, mas um agente vulnerável dentro das relações de mercado, cuja proteção exige atuação estatal proativa (Marques, 2005, p. 102)[footnoteRef:15266]. [19985: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Art. 5º, XXXII. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] [15266: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.] O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078/1990, consolida a proteção aos consumidores como norma de ordem pública e interesse social, o que torna sua observância obrigatória em todas as relações de consumo. Segundo Gomide (2014, p. 43)[footnoteRef:15820]: [15820: GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de arrependimento nos contratos de consumo (livro digital). São Paulo: Almedina, 2014.] O CDC deve ser interpretado à luz da vulnerabilidade do consumidor, considerando que ele nem sempre dispõe de informações completas ou capacidade técnica para compreender integralmente os contratos que assina. Nesse sentido, a legislação consumerista brasileira adota uma perspectiva de proteção reforçada, permitindo que o Estado intervenha sempre que necessário para restabelecer a equidade entre as partes. A atuação das agências reguladoras, especialmente da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), exemplifica de forma prática essa função estatal de proteção. A ANAC detém competência normativa para regulamentar o transporte aéreo civil, incluindo a definição deregras sobre cancelamento, remarcação e reembolso de passagens, garantindo que os direitos previstos no CDC sejam efetivamente respeitados. Maradei Júnior (2023, p. 241)[footnoteRef:30409] observa que a agência assume papel central na mediação entre a proteção do consumidor e a viabilidade econômica das empresas aéreas, traduzindo direitos abstratos em normas operacionais que podem ser aplicadas na prática cotidiana". [30409: MARADEI JÚNIOR, João Carlos. O papel das agências reguladoras na tutela dos direitos do consumidor.The role of regulatory agencies in the protection of consumer rights. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 10, n. 1, p. 241-260, 2023.] Um exemplo concreto dessa atuação está no direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do CDC, que assegura ao consumidor a possibilidade de desistir de um contrato no prazo de sete dias a contar de sua celebração. Em contratos de transporte aéreo, esse direito pode entrar em tensão com normas operacionais da ANAC, que estipulam procedimentos específicos para cancelamentos e remarcações. A agência, portanto, precisa equilibrar dois interesses legítimos: garantir que o consumidor tenha liberdade e segurança jurídica em suas escolhas e assegurar que as empresas aéreas possam planejar sua operação sem prejuízos desproporcionais (Gomide, 2014, p. 45)[footnoteRef:26822]. [26822: GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de arrependimento nos contratos de consumo (livro digital). São Paulo: Almedina, 2014.] Além do direito de arrependimento, a legislação consumerista brasileira, em consonância com a CF/88, prevê outros direitos essenciais. O artigo 6º do CDC lista direitos básicos do consumidor, entre eles a proteção da vida, saúde e segurança, a informação adequada sobre produtos e serviços e a efetiva prevenção e reparação de danos (Brasil, 1990, art. 6º)[footnoteRef:29855]. No transporte aéreo, tais direitos se traduzem, por exemplo, na obrigação de fornecer informações claras sobre horários de voo, políticas de bagagem, segurança do transporte e eventual necessidade de alteração de itinerário. [29855: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm.] O Estado, ao regulamentar essas relações por meio de agências especializadas, exerce uma função dupla: normativa e fiscalizadora. Sob o aspecto normativo, a ANAC emite resoluções e instruções que detalham a aplicação dos direitos do consumidor, como a Resolução nº 400/2016, que estabelece critérios objetivos para cancelamento de passagens e reembolso integral em caso de atraso significativo ou cancelamento de voo (ANAC, 2016). Sob o aspecto fiscalizador, a agência monitora a conformidade das empresas com essas normas, aplicando sanções administrativas quando necessário, o que demonstra a efetividade da atuação estatal na proteção do consumidor. Marques (2005, p. 104)[footnoteRef:12612] enfatiza que a proteção do consumidor não deve ser entendida apenas como uma função punitiva, mas como um mecanismo preventivo que promove a confiança do público nas relações de mercado. O consumidor protegido tende a participar de forma mais ativa e consciente das transações econômicas, enquanto as empresas, ao cumprirem suas obrigações legais, promovem uma concorrência justa e saudável. Este equilíbrio é fundamental para setores estratégicos como o transporte aéreo, em que falhas regulatórias podem afetar milhares de pessoas de forma imediata. [12612: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.] A jurisprudência brasileira reforça o dever do Estado de assegurar a proteção do consumidor. Tribunais têm reiteradamente reconhecido que a regulação técnica, quando executada por agências independentes, deve priorizar a segurança, a informação e o direito à reparação do consumidor, inclusive nos casos de transporte aéreo (Marques et al., 2021, p. 87)[footnoteRef:22551]. Essa perspectiva é consistente com a ideia constitucional de que a defesa do consumidor é um dever do Estado, integrando-se à função de garantir a dignidade da pessoa humana e a igualdade de condições no mercado, conforme previsto nos artigos 1º, III e 170 da CF/88 (BRASIL, 1988, arts. 1º, III e 170)[footnoteRef:28752]. [22551: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] [28752: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Além disso, a interação entre o CDC e regulamentos infralegais da ANAC exemplifica a importância do diálogo entre diferentes fontes normativas. O conceito de “microssistema legal” defendido por Aragão (2013, p. 112)[footnoteRef:22686] sugere que: [22686: ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.] As agências reguladoras funcionam como um elo entre a legislação ampla e a aplicação prática das normas, traduzindo princípios constitucionais e consumeristas em ações concretas que podem ser observadas e aplicadas diariamente pelos usuários de serviços aéreos”. A função estatal na proteção do consumidor também se estende à educação e à conscientização. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, prevê que é dever do Estado e das empresas promover a educação para o consumo, estimulando práticas responsáveis e informadas (Brasil, 1990, art. 4º)[footnoteRef:17297]. Nesse sentido, campanhas educativas promovidas por órgãos reguladores e associações de defesa do consumidor contribuem para que passageiros compreendam seus direitos, reduzindo conflitos e fortalecendo a confiança no sistema regulatório. [17297: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Art. 4º. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm. ] No âmbito da saúde e segurança, o dever estatal assume caráter ainda mais relevante. De acordo com estudos do CDC (Centers for Disease Control and Prevention, 2020), regulamentações que asseguram padrões sanitários, especialmente em transportes de longa distância, previnem riscos à saúde pública e promovem a proteção coletiva. A ANAC, em parceria com a ANVISA, estabelece protocolos de biossegurança para passageiros e tripulações, demonstrando a articulação entre proteção individual do consumidor e interesse público (Barroso ,2002, p. 285)[footnoteRef:369]. [369: BARROSO, Luís Roberto. Agências Reguladoras: constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 229, 2002, p. 285-311.] Nestes termos, a proteção do consumidor no Brasil é um dever do Estado que se manifesta de forma abrangente, integrando princípios constitucionais, legislação federal e normas específicas emitidas por agências reguladoras. A atuação estatal vai além da simples fiscalização: envolve a criação de normas claras e acessíveis, a mediação de conflitos, a promoção da educação do consumidor e a garantia de reparação em caso de violação de direitos (Pereira Neto et al., 2016, p. 13)[footnoteRef:20325]. Esse conjunto de ações evidencia um modelo de proteção robusto, capaz de equilibrar interesses econômicos, sociais e individuais, garantindo a efetividade dos direitos do consumidor em todos os setores regulados, especialmente no transporte aéreo, onde impactos econômicos e humanos são imediatos e significativos. [20325: PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva; PRADO FILHO, José Inácio Ferraz de Almeida. Espaços e interfaces entre regulação e defesa da concorrência: a posição do CADE. Revista Direito GV, v. 12, p. 13-48, 2016.] 2.3 A Transferência de Responsabilidade Legislativa para Agências A delegação normativa do poder legislativopara agências reguladoras constitui uma característica marcante do modelo de regulação adotado no Brasil desde a década de 1990. Justen Filho (2002, p. 67)[footnoteRef:2696] observa que: [2696: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] A transferência da função legislativa para órgãos técnicos especializados, embora necessária para lidar com a complexidade de setores estratégicos, deve ocorrer de maneira criteriosa, respeitando limites constitucionais claros, sobretudo os princípios da reserva legal e da uniformidade normativa. Segundo o autor, "a atuação das agências não substitui o legislador, mas complementa sua função, traduzindo normas gerais em regras técnicas aptas a disciplinar setores de alta especialização". Essa concepção revela que, embora as agências possuam autonomia funcional, a legitimidade de suas ações depende de uma fundamentação jurídica robusta e da observância dos direitos constitucionais dos cidadãos. No contexto brasileiro, a fragmentação normativa decorrente da atuação das agências reguladoras pode, paradoxalmente, gerar tanto avanços quanto desafios. Cuéllar (2008, p. 42)[footnoteRef:21820] destacam que: [21820: CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008. (Coleção Luso-Brasileira de Direito Público, v. 2).] "A multiplicidade de normas emitidas por diferentes agências, quando não harmonizadas, tende a provocar insegurança jurídica, dificultando a previsibilidade das relações entre consumidores, empresas e Estado". Este fenômeno evidencia a necessidade de um sistema de supervisão legislativa e de mecanismos de controle que assegurem a coesão e a uniformidade das normas, evitando conflitos regulatórios. Binenbojm (2005, p. 155)[footnoteRef:21272] reforça que: [21272: BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras independentes e democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 147-167, 2005.] "Em setores estratégicos como transporte aéreo, telecomunicações e energia elétrica, a descentralização regulatória sem coordenação adequada pode impactar milhões de cidadãos, tornando imperativa a adoção de padrões uniformes de atuação". A Constituição Federal de 1988, ao estruturar o Estado brasileiro, prevê mecanismos que limitam e ao mesmo tempo legitimam a delegação normativa. O artigo 37, caput, estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que devem ser observados por todas as entidades públicas, incluindo as agências reguladoras (Brasil, 1988, art. 37)[footnoteRef:16927]. A delegação legislativa deve, portanto, respeitar esses princípios, garantindo que atos normativos das agências não se afastem do interesse público nem violem direitos fundamentais dos consumidores, conforme previsto nos artigos 5º e 170 da CF/88 (BRASIL, 1988, arts. 5º e 170)[footnoteRef:24598]. A autonomia regulatória, embora relevante para decisões técnicas, não se sobrepõe à supremacia da Constituição, o que impõe limites claros à criação de normas infralegais com potencial impacto econômico e social. [16927: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.] [24598: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.] O debate sobre a transferência legislativa ganha relevância no transporte aéreo, setor de grande complexidade e impacto social. A ANAC, por exemplo, é investida de competência normativa para regulamentar operações de voos, direitos do passageiro e padrões de segurança, atuando como agente mediador entre interesses públicos e privados. Lima (2018, p. 43)[footnoteRef:11212] ressalta que: [11212: LIMA, Ítalo Ferreira de. A aplicação do direito de arrependimento às compras de bilhetes aéreos realizadas pela internet. Santa Rita: Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Departamento de Ciências Jurídicas – DCJ, Coordenação de Monografias, 2018.] “A agência, ao emitir resoluções sobre cancelamento de voos, reembolsos e compensações, exerce função normativa essencial, traduzindo princípios constitucionais e consumeristas em regras práticas aplicáveis à realidade do transporte aéreo". Esta prática evidencia que a transferência legislativa não significa ausência de controle, mas sim a delegação de tarefas complexas a órgãos especializados, que operam dentro de limites previamente definidos pelo legislador. Um aspecto crítico da delegação normativa refere-se à interação entre leis gerais e normas infralegais. Marques (2005, p. 109)[footnoteRef:1675] afirma que: [1675: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.] “As agências reguladoras devem interpretar e aplicar as normas gerais de modo técnico, garantindo que sua atuação esteja alinhada com o Código de Defesa do Consumidor e demais legislações específicas, de forma a prevenir conflitos e assegurar direitos efetivos aos usuários". No transporte aéreo, a regulamentação da ANAC deve ser compreendida como um instrumento de implementação do CDC, tornando efetivo o direito de arrependimento, a transparência nas informações sobre tarifas e a proteção contra práticas abusivas por parte das companhias aéreas. Outro ponto de relevância refere-se à fiscalização e ao controle social da atuação das agências. Binenbojm (2005, p. 158)[footnoteRef:27325] enfatiza que: [27325: BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras independentes e democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 147-167, 2005.] "A legitimidade democrática das agências depende da existência de mecanismos de supervisão legislativa, auditorias, transparência e participação social, de forma a equilibrar autonomia técnica e accountability". Esta perspectiva está em consonância com os preceitos do artigo 5º, XXXII, da CF/88, que assegura o dever do Estado de proteger os direitos dos cidadãos, incluindo o consumidor (Brasil, 1988, art. 5º, XXXII)[footnoteRef:2736]. A integração entre delegação normativa e mecanismos de controle permite que o processo regulatório seja técnico, porém ainda orientado por princípios constitucionais e direitos fundamentais. [2736: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. ] A jurisprudência também contribui para delimitar os contornos da delegação normativa. Tribunais têm reconhecido que, embora as agências possam detalhar normas e aplicar critérios técnicos, não podem inovar além dos limites definidos pela legislação primária. Marques et al., (2021, p. 132)[footnoteRef:21051] observa que: [21051: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] "Resoluções infralegais que extrapolem a competência delegada pelo legislador são passíveis de invalidação judicial, reafirmando a importância do controle externo como mecanismo de prevenção a abusos regulatórios". Esta interpretação reforça o caráter subsidiário e complementar da atuação das agências, subordinada à legislação e à Constituição. No plano prático, a fragmentação normativa exige harmonização e coordenação interagências. Cuéllar (2008, p. 45)[footnoteRef:14581] destacam que: [14581: CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008. (Coleção Luso-Brasileira de Direito Público, v. 2).] "Setores interdependentes, como transporte aéreo, telecomunicações e energia elétrica, demandam que as normas das respectivas agências sejam coerentes entre si, evitando lacunas regulatórias que possam prejudicar consumidores e operadores". Nesse contexto, o papeldo Congresso Nacional e dos tribunais superiores é assegurar que a delegação legislativa produza normas claras, previsíveis e uniformes, mantendo o equilíbrio entre eficiência regulatória e proteção dos direitos fundamentais. A literatura também evidencia desafios práticos dessa transferência normativa. Marques (2005, p. 112)[footnoteRef:20416] aponta que: [20416: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.] "A complexidade técnica das normas regulatórias, aliada à necessidade de constante atualização frente a inovações tecnológicas, exige que as agências atuem com elevado grau de especialização e independência, mas sempre dentro dos limites estabelecidos pelo legislador". A autonomia funcional, portanto, não é absoluta, sendo regulada por princípios constitucionais, supervisão legislativa e mecanismos de accountability. Por fim, a transferência de responsabilidade legislativa para agências reguladoras representa um mecanismo de modernização do Estado, permitindo respostas mais ágeis e técnicas às demandas da sociedade. Entretanto, a efetividade dessa delegação depende de equilíbrio: a agência deve possuir autonomia suficiente para atuar de forma técnica, mas sempre respeitando limites constitucionais e legais, garantindo segurança jurídica, previsibilidade e proteção aos direitos dos cidadãos, especialmente em setores estratégicos e de grande impacto social. 2.4 Impacto da Regulação no Setor de Transportes, com Ênfase no Transporte Aéreo A regulação do setor de transporte aéreo no Brasil é um elemento central para a organização econômica, social e jurídica do setor. O papel da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), enquanto agência reguladora federal, não se restringe à emissão de normas técnicas; sua atuação envolve a harmonização de interesses entre consumidores, empresas aéreas e Estado, buscando a eficiência econômica, a segurança operacional e a proteção dos direitos do consumidor (Justen filho, 2002, p. 45)[footnoteRef:987]. [987: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] Entre as diversas normativas expedidas pela ANAC, a Resolução nº 400/2016 representa um marco regulatório, estabelecendo direitos e deveres de passageiros e transportadoras, padrões de informação, transparência e mecanismos para cancelamentos, remarcações e reembolsos (ANAC, 2016)[footnoteRef:17209]. Este instrumento normativo é referência tanto para a prática comercial das companhias aéreas quanto para o exercício do controle judicial em matéria consumerista. [17209: ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil. Resolução nº 400, de 13 de dezembro de 2016. Dispõe sobre direitos e deveres dos passageiros e empresas aéreas. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao.] Segundo Lapláne (2005, p. 67)[footnoteRef:12651], a regulação impacta diretamente a operação das companhias aéreas, influenciando decisões estratégicas de tarifas, vendas e gestão de rotas. O autor reforça que, embora muitas dessas decisões sejam técnicas, possuem implicações profundas na proteção dos consumidores, ao definir limites contratuais e assegurar garantias mínimas de serviço. Nesse sentido, a atuação regulatória transcende a mera formalidade legal, impondo regras que equilibram interesses econômicos e sociais, evitando práticas abusivas e promovendo a previsibilidade no setor. [12651: LAPLÁNE, Gabriela. Os desafios da regulação do setor de transporte aéreo de passageiros no Brasil. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Estadual Paulista – Unesp, Programa de Pós-Graduação em Economia, Araraquara, 2005, p. 67.] A tensão entre o mercado e os direitos do consumidor torna-se evidente na análise das práticas de “dark patterns” ou estratégias comerciais enganosas. Marques et al. (2023, p. 301)[footnoteRef:15818] destacam que: [15818: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023, p. 301.] A regulamentação clara e a fiscalização efetiva são mecanismos indispensáveis para conter tais práticas, reforçando a necessidade de um aparato normativo robusto e atualizado. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) oferece suporte jurídico fundamental, conferindo aos passageiros direitos como a informação clara sobre preços e condições de contratação, bem como a possibilidade de arrependimento em compras realizadas fora do estabelecimento comercial (Brasil, Lei nº 8.078/1990, art. 49)[footnoteRef:6618]. [6618: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Art. 49. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm] A jurisprudência recente dos tribunais brasileiros reforça esse entendimento. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em Acórdão 1795923/2023, reafirmou o direito de arrependimento nos contratos de transporte aéreo, especialmente em aquisições via internet, enfatizando que a proteção do consumidor não pode ser mitigada por cláusulas abusivas ou interpretações restritivas (TJDFT, 2024)[footnoteRef:28014]. [28014: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT. Direito de arrependimento em contratos de transporte aéreo. Acórdão 1795923, Relator: Antonio Fernandes da Luz, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, julgamento em 01 dez. 2023, publicado no DJe em 23 jan. 2024. ] Essa orientação judicial, ao dialogar com a regulação administrativa, evidencia a complementaridade entre tutela jurisdicional e atuação regulatória no setor aéreo. Nesse contexto, a independência das agências reguladoras — prevista na Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019) — constitui elemento fundamental para assegurar decisões técnicas mais imparciais e alinhadas ao interesse público, afastadas de pressões políticas ou econômicas. Binenbojm (2005, p. 153)[footnoteRef:14219] argumenta que: [14219: BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras independentes e democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 147-167, 2005. ] A legitimidade democrática das agências deriva justamente da combinação entre autonomia técnica e accountability, estabelecendo um ambiente regulatório confiável e previsível. Nesse contexto, a ANAC não apenas estabelece padrões de operação, mas também exerce função educativa e de fiscalização, assegurando que as companhias aéreas cumpram normas de segurança e direitos consumeristas. O impacto econômico da regulação também se evidencia na gestão tarifária e na competição no mercado doméstico. Tavares et al., (2003, p. 115)[footnoteRef:16732] destacam que a regulação interfere nas estratégias de preços, impondo limites às práticas predatórias e evitando concentração de mercado, o que reflete diretamente na proteção do consumidor. Para os autores, os mecanismos de gerenciamento de receitas e políticas tarifárias reguladas são instrumentos fundamentais para reduzir assimetrias de informação e promover eficiência econômica. [16732: TAVARES, M. P. e ROCHA, B. M. “Crise, concorrência e regulação no transporte aéreo doméstico brasileiro”. In: ROCHA, B. M. (org.). A regulação da infraestrutura no Brasil – balanço e propostas. Ed. Thomson IOB, 2003. ] Do ponto de vista do direito do consumidor, Ferrari (2020, p. 50)[footnoteRef:16295] aponta que a efetividade da proteção está intrinsecamente ligada à articulação entre normas regulatórias e atuação do Poder Judiciário. O CDC, aliado às resoluções da ANAC, cria um sistema de proteção tripartite, envolvendo agência reguladora, empresas e consumidores, que permite a aplicação de sanções administrativas, a exigência de transparência e a possibilidade de reparação judicial. Almeida (2022, p. 225)[footnoteRef:25867] ressalta que o Judiciário tem papel central na interpretação normativa, garantindo que direitos essenciais,como informação adequada e cancelamento sem penalidade, sejam efetivamente respeitados. [16295: FERRARI, Francisco José de Lima. "A Efetividade da Proteção ao Consumidor e os Desafios para o Judiciário". Revista de Direito do Consumidor, v. 31, n. 1, 2020, p. 45-63.] [25867: ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira. "A Atuação do Judiciário na Defesa do Consumidor: Entre a Prática e a Teoria". Revista Brasileira de Direito Processual, v. 48, n. 4, 2022, p. 219-235.] Além disso, a regulação do transporte aéreo deve acompanhar o avanço tecnológico e o crescimento do comércio eletrônico. A contratação de passagens via internet ou aplicativos móveis exige atenção especial quanto ao direito de arrependimento e à transparência das informações, conforme previsto no art. 49 do CDC e regulamentado pelo Decreto nº 7.962/2013 (Brasil, 2013)[footnoteRef:1991]. Nesse contexto, Pizzol (2019, p. 141)[footnoteRef:17819] observa que a adaptação do direito consumerista à realidade digital é crucial, prevenindo práticas abusivas e fortalecendo a confiança do consumidor no setor. [1991: BRASIL. Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013. Regulamenta o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, dispondo sobre o direito de arrependimento em compras realizadas fora do estabelecimento comercial. Diário Oficial da União, Brasília, 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm.] [17819: PIZZOL, Ricardo Dal. Comércio eletrônico e direito de arrependimento: aplicabilidade do art. 49 do CDC à compra de passagens aéreas pela internet. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº49, p. 141, 2019.] A análise do impacto regulatório não estaria completa sem considerar os mecanismos de fiscalização e monitoramento de reclamações. O Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC) e a plataforma Consumidor.gov.br funcionam como instrumentos complementares de monitoramento, permitindo a coleta de dados sobre falhas de prestação de serviços, atrasos e cancelamentos (Brasil, ANAC, 2024)[footnoteRef:24042]. Estes mecanismos representam uma extensão prática da regulação, permitindo ajustes normativos e fomentando a accountability das empresas. [24042: BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil. Boletim de monitoramento: Consumidor.gov.br. 1º trimestre de 2024. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/canais_atendimento/consumidor/boletins/2024/1o-trimestre.] Em relação ao equilíbrio entre liberdade econômica e proteção consumerista, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) estabelece limites à intervenção estatal, mas não exime as empresas do cumprimento de normas protetivas aos consumidores (Brasil, 2019)[footnoteRef:1939]. Assim, a regulação deve ser interpretada de forma integrada, considerando simultaneamente eficiência econômica, segurança operacional e tutela dos direitos individuais. [1939: BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13874.htm. ] O papel da regulação no transporte aéreo também deve ser compreendido à luz da Constituição Federal de 1988, especialmente em seu art. 5º, que assegura direitos fundamentais à informação e à proteção contra práticas abusivas, e nos arts. 170 e 175, que estabelecem os princípios da ordem econômica e da função social da atividade econômica (Brasil, 1988)[footnoteRef:20531]. Essas disposições conferem legitimidade e fundamento jurídico à atuação regulatória, garantindo que o setor aéreo opere sob parâmetros de justiça, transparência e equilíbrio. [20531: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Por fim, o impacto da regulação no transporte aéreo é multifacetado, envolvendo aspectos econômicos, jurídicos e sociais. Ele define padrões de conduta empresarial, estabelece garantias aos consumidores, organiza o mercado e proporciona previsibilidade às operações. A análise aqui apresentada demonstra que a regulação eficiente exige articulação entre normas, fiscalização administrativa e controle judicial, constituindo-se em instrumento essencial para a proteção do interesse público, a promoção da concorrência leal e a efetivação dos direitos do consumidor. 2.5 Limites e Desafios da Transferência de Responsabilidade Regulatória no Transporte Aéreo A regulação do transporte aéreo no Brasil configura-se como um campo de complexidade significativa, dada a multiplicidade de atores, interesses econômicos e sociais envolvidos. A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) desempenha papel central na administração, fiscalização e normatização do setor, mas enfrenta limitações constitucionais e legais quanto à extensão de sua atuação. De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT, Acórdão 1795923, 2024)[footnoteRef:4245], a agência reguladora não possui competência para substituir direitos constitucionais assegurados aos consumidores, especialmente aqueles previstos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), como o direito de arrependimento e a reparação por danos decorrentes de serviços ineficientes. Essa delimitação evidencia que, embora a ANAC tenha autoridade normativa e fiscalizatória, ela atua dentro de um escopo juridicamente restrito, não podendo ultrapassar os limites fixados pela Constituição Federal de 1988 (artigos 5º, 170 e 220)[footnoteRef:24102] e pela legislação consumerista. [4245: BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT. Direito de arrependimento em contratos de transporte aéreo. Acórdão 1795923, Relator: Antonio Fernandes da Luz, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, julgamento em 01 dez. 2023, publicado no DJe em 23 jan. 2024. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/. ] [24102: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Alves Júnior (2025, p. 222)[footnoteRef:13033] enfatiza que a delegação normativa, característica central da atuação das agências reguladoras, não exime o Estado de sua função protetiva. Para o autor, “a delegação de poderes normativos à ANAC deve ser entendida como um instrumento de especialização técnica, e não como uma transferência de responsabilidade constitucional; a regulação setorial precisa sempre resguardar direitos básicos dos consumidores e não gerar desigualdade ou vulnerabilidade adicional”. Nesse sentido, a agência atua como mediadora entre interesses públicos e privados, equilibrando eficiência econômica com proteção ao consumidor. [13033: ALVES JÚNIOR, Silvio Moreira. A efetividade da proteção do consumidor diante da inobservância do Código de Defesa do Consumidor pelo Poder Judiciário. Jus.com.br, 19 fev. 2025.] Sodré (2010, p. 64)[footnoteRef:30525] complementa essa análise ao destacar que a eficácia da regulação depende de uma articulação dinâmica entre agência, poder judiciário e sociedade civil. Para o autor: [30525: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p. ] “A interdependência entre esses três pilares é essencial para que as normas não se tornem meramente abstratas, garantindo que os direitos do consumidor sejam efetivamente observados e que a atividade regulatória não se torne instrumento de exclusão ou arbitrariedade” (Sodré, 2010, p. 64)[footnoteRef:29556]. [29556: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p. ] A interação entre ANAC e judiciário, portanto, emerge como mecanismo de supervisão e correção de distorções, especialmente diante de decisões administrativas que possam prejudicar passageiros em casos de cancelamentos, remarcações e negativas de reembolso. A complexidade do setor aéreo é reforçada por casos práticos que ilustramos limites da transferência de responsabilidade regulatória. Situações envolvendo atrasos, cancelamentos ou cobrança indevida de tarifas demonstram que a atuação da ANAC, ainda que estruturada tecnicamente, depende de constante revisão e atualização normativa. Estudos de Ferrari (2020, p. 48)[footnoteRef:3617] e Almeida (2022, p. 220)[footnoteRef:15788] indicam que decisões administrativas isoladas muitas vezes geram judicialização, evidenciando lacunas na legislação e desafios na aplicação prática das normas. Estes casos revelam que a delegação normativa não elimina a necessidade de supervisão judicial e de mecanismos de controle social, garantindo que os direitos constitucionais e consumeristas sejam efetivamente respeitados. [3617: FERRARI, Francisco José de Lima. "A Efetividade da Proteção ao Consumidor e os Desafios para o Judiciário". Revista de Direito do Consumidor, v. 31, n. 1, 2020, p. 45-63.] [15788: ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira. "A Atuação do Judiciário na Defesa do Consumidor: Entre a Prática e a Teoria". Revista Brasileira de Direito Processual, v. 48, n. 4, 2022, p. 220.] Maradei Júnior (2023, p. 250)[footnoteRef:18110] observa que: [18110: MARADEI JÚNIOR, João Carlos. O papel das agências reguladoras na tutela dos direitos do consumidor. The role of regulatory agencies in the protection of consumer rights. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 10, n. 1, p. 241-260, 2023.] “A judicialização das relações de consumo no transporte aéreo não é um fenômeno isolado, mas resultado da complexidade regulatória e da necessidade de equilibrar interesses econômicos e sociais; a atuação conjunta de ANAC, judiciário e órgãos de defesa do consumidor é crucial para a manutenção da legitimidade regulatória”. Tal perspectiva evidência que a agência reguladora, embora possua autoridade técnica, não opera em vácuo: suas decisões estão condicionadas à interpretação judicial e à reação da sociedade civil organizada. No contexto legal brasileiro, a CF/88 estabelece limites claros para a atuação de agências reguladoras, impondo que estas respeitem direitos fundamentais e princípios de proteção ao consumidor (arts. 5º, 170 e 220)[footnoteRef:9750]. O CDC, por sua vez, detalha responsabilidades e obrigações de fornecedores de serviços, estabelecendo normas de transparência, informação adequada e reparação por danos (Brasil, 1990)[footnoteRef:28902]. A Resolução nº 400/2016 da ANAC regulamenta direitos e deveres dos passageiros, mas não pode se sobrepor a dispositivos constitucionais ou consumeristas. [9750: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigos 5º, 170 e 220. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] [28902: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm] Justen Filho (2002, p.143)[footnoteRef:276] destaca que a criação de agências reguladoras independentes no Brasil visou conferir maior especialização e autonomia técnica à administração pública. Segundo o autor: [276: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] “As agências independentes são instrumentos de especialização técnica, mas suas decisões sempre estarão sujeitas ao controle judicial e à necessidade de observância dos princípios constitucionais” Contudo, o autor ressalta que essa independência não pode se traduzir em ausência de responsabilidade estatal. Esta observação é particularmente relevante no transporte aéreo, setor marcado por impactos econômicos e sociais diretos sobre os cidadãos. Outro ponto de destaque é a necessidade de atualização constante da legislação e da jurisprudência diante da inovação tecnológica e das mudanças no perfil de demanda. A introdução de novos modelos tarifários, serviços digitais de remarcação e sistemas de monitoramento de voos trazem desafios inéditos à regulação, exigindo que a ANAC não apenas intérprete normas existentes, mas também desenvolva regulamentações ágeis e coerentes com os princípios de proteção ao consumidor (Barroso, 2002, p. 299)[footnoteRef:3764]. [3764: BARROSO, Luís Roberto. Agências Reguladoras: constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 229, 2002, p. 285-311.] A prática regulatória revela que a delegação normativa precisa ser acompanhada por mecanismos efetivos de transparência, fiscalização e accountability. A comunicação clara de direitos, a implementação de canais de denúncia e a supervisão judicial colaboram para que a responsabilidade regulatória não seja percebida apenas como formalidade técnica, mas como instrumento de proteção social. Nesse contexto, a atuação da ANAC deve ser integrada a políticas públicas mais amplas, garantindo que os princípios constitucionais de dignidade, segurança e informação adequada sejam plenamente respeitados (Alves Júnior, 2025, p. 230)[footnoteRef:17787]. [17787: ALVES JÚNIOR, Silvio Moreira. A efetividade da proteção do consumidor diante da inobservância do Código de Defesa do Consumidor pelo Poder Judiciário. Jus.com.br, 19 fev. 2025.] Em síntese, os limites e desafios da transferência de responsabilidade regulatória no transporte aéreo podem ser resumidos em três dimensões principais: (i) legais, em razão da obrigatoriedade de respeito à CF/88 e ao CDC; (ii) institucionais, dado que a ANAC deve articular-se com judiciário e sociedade civil; e (iii) operacionais, devido à complexidade técnica do setor e às inovações constantes que demandam atualização normativa[footnoteRef:20442]. [20442: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Reconhecer e compreender essas dimensões é fundamental para o fortalecimento da regulação e para a construção de um ambiente de transporte aéreo eficiente, seguro e socialmente responsável. CAPÍTULO III – A ANÁLISE DO PL 3.514/2015: DIREITO DE ARREPENDIMENTO, TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE E DESAFIOS REGULATÓRIOS O presente capítulo volta-se ao exame do Projeto de Lei nº 3.514/2015, concebido com o objetivo de atualizar o Código de Defesa do Consumidor em razão das novas demandas trazidas pela era digital e pelo comércio eletrônico[footnoteRef:26071]. O estudo aborda o histórico de atualização legislativa, o papel desempenhado pela comissão de juristas coordenada por Cláudia Lima Marques[footnoteRef:28711] e o princípio do não retrocesso como limite à flexibilização de direitos já consolidados. [26071: BRASIL. PL PL 3.514/2015. Câmara dos Deputados. Disponível https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2052488.] [28711: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] Em seguida, discute-se o direito de arrependimento nas contratações eletrônicas, sua aplicação prática e os conflitos suscitados pela atuação da ANAC no setor aéreo. O capítulo também analisa a problemática da transferência de responsabilidade para as agências reguladoras e os riscos de captura regulatória, apontando para a necessidade de reforçar a centralidade do CDC. Por fim, será incorporada uma análise de experiências internacionais e boas práticas legislativas, permitindo uma visão comparada e enriquecendo o debate sobre caminhos possíveis para uma regulação integrada e eficiente no Brasil. 3.1 Contextualização do PL 3.514/2015 O Projeto de Lei nº 3.514/2015 representa um marco legislativo voltado à adaptação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às transformações provocadas pelo avanço tecnológico e pela crescente digitalização das relações de consumo no Brasil. O comércio eletrônico, ao longo da última década, experimentou um crescimento exponencial, tornando imprescindívelque o ordenamento jurídico acompanhasse tais mudanças. Como observa Marques (2023, p. 45)[footnoteRef:16470]: [16470: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] “O Código de Defesa do Consumidor, embora representasse um avanço significativo no contexto jurídico de 1990, apresenta lacunas quando confrontado com as modalidades de contratação eletrônica e as plataformas digitais contemporâneas”. A necessidade de atualização normativa se revela ainda mais urgente diante da complexidade das relações de consumo mediadas por meios digitais, em que os contratos são celebrados sem contato físico entre fornecedor e consumidor. O art. 49 do CDC, que dispõe sobre o direito de arrependimento, estabelece que o consumidor pode desistir de uma compra realizada fora do estabelecimento comercial no prazo de sete dias, sem necessidade de justificar sua decisão (Brasil, 1990, art. 49)[footnoteRef:24966]. [24966: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm.] Esta norma visa mitigar a vulnerabilidade do consumidor, que muitas vezes se encontra em posição de inferioridade perante fornecedores, sobretudo no contexto de contratações eletrônicas. No entanto, a aplicabilidade desse dispositivo em contratos celebrados online enfrenta desafios específicos, como evidenciado por Marques et al., (2015, p. 24)[footnoteRef:3972], que afirma: [3972: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] “A extensão do direito de arrependimento aos contratos eletrônicos impõe complexidades operacionais que demandam ajustes regulatórios específicos, principalmente em setores regulados, como transporte aéreo e serviços financeiros, onde normas setoriais podem restringir ou modificar a execução desse direito.” A evolução tecnológica e a multiplicidade de plataformas digitais, portanto, colocam em destaque a necessidade de uma harmonização entre legislação geral de consumo e regulamentação setorial. O PL 3.514/2015 busca precisamente criar essa interface, garantindo que os princípios do CDC, em especial a proteção e a vulnerabilidade do consumidor, sejam respeitados em todas as modalidades de contratação, incluindo aquelas mediadas por tecnologia da informação[footnoteRef:3799]. [3799: BRASIL. PL 3.514/2015. Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao? ] Tal harmonização é particularmente relevante diante de potenciais lacunas jurídicas que poderiam prejudicar a segurança e a efetividade dos direitos consumeristas. Além do contexto legislativo e regulatório, é crucial considerar a fundamentação constitucional do direito de arrependimento. A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 5º, incisos XXXII e XXXV, a proteção ao consumidor e o acesso à justiça, garantindo que normas infraconstitucionais, como o CDC, sejam aplicadas de forma eficaz e não restritiva (Brasil, 1988, art. 5º, XXXII e XXXV)[footnoteRef:29815]. Ademais, o art. 170, inciso V, da CF/88, estabelece a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, reforçando que a proteção do consumidor deve estar alinhada com o desenvolvimento sustentável do mercado e a promoção de relações equilibradas (Brasil, 1988, art. 170, V)[footnoteRef:31984]. [29815: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Arts. 5º, XXXII e XXXV; 170, V. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm? ] [31984: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Arts. 5º, XXXII e XXXV; 170, V. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] No cenário prático, a implementação do PL 3.514/2015 tem o potencial de reduzir conflitos e litígios decorrentes de compras digitais, ao definir com clareza direitos e obrigações. Estudos do PROCON e de órgãos setoriais apontam que grande parte das demandas judiciais em relações de consumo envolve justamente a interpretação do art. 49 do CDC em contratos celebrados à distância, evidenciando a relevância da atualização legislativa (Gomide, 2014, p. 62)[footnoteRef:22755]. [22755: GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de arrependimento nos contratos de consumo (livro digital). São Paulo: Almedina, 2014.] Outro ponto de relevância refere-se à interface entre o direito de arrependimento e a regulamentação das agências setoriais. Por exemplo, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) estabelece regras específicas para o transporte aéreo, que incluem limites para cancelamento e reembolso de passagens, o que, sem uma harmonização normativa, poderia gerar conflitos com os direitos do consumidor previstos no CDC. O PL 3.514/2015 busca justamente equilibrar essas normas, garantindo que o direito de arrependimento seja respeitado, mas também considerando as peculiaridades do setor regulado. A dimensão social do PL 3.514/2015 não pode ser subestimada. Conforme Sodré (2010, p. 33)[footnoteRef:2802]: [2802: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p. ] “A atualização legislativa não é apenas uma questão de adequação jurídica, mas de proteção social, assegurando que o consumidor, enquanto parte vulnerável da relação contratual, tenha mecanismos efetivos de defesa em um ambiente digital cada vez mais complexo”. Em outras palavras, o projeto de lei visa a concretização do princípio da vulnerabilidade do consumidor, elemento central do CDC, em um contexto de novas tecnologias e novas formas de comércio. A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reafirmado a necessidade de interpretação do art. 49 do CDC à luz das particularidades do comércio eletrônico, reconhecendo a importância de prazos claros e mecanismos de devolução acessíveis, de modo a garantir a efetividade do direito de arrependimento e a proteção integral do consumidor (STJ, REsp 1.634.851/MS, 2017)[footnoteRef:13301]. [13301: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.634.851/MS. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 14 mar. 2017.] Essas decisões reforçam que a atualização legislativa proposta pelo PL 3.514/2015 não é apenas adequada, mas necessária para assegurar uniformidade e previsibilidade jurídica. A perspectiva comparativa internacional também sustenta a necessidade do PL 3.514/2015. Diversos países da União Europeia, por exemplo, já consolidaram normas específicas de arrependimento em compras online, reconhecendo que o consumidor deve ter acesso facilitado à desistência de contratos digitais, com prazos mínimos garantidos por lei (Directiva 2011/83/EU, 2011)[footnoteRef:7244]. O projeto brasileiro, portanto, busca alinhar o país a práticas internacionais, garantindo segurança jurídica, previsibilidade e proteção social. [7244: UNIÃO EUROPEIA. Directiva 2011/83/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?] Por fim, é essencial destacar que o Projeto de Lei nº 3.514/2015 não se limita a reproduzir dispositivos já existentes, mas busca uma concepção contemporânea da proteção do consumidor, considerando as especificidades do ambiente digital, a regulamentação setorial e os princípios constitucionais de proteção social e equilíbrio econômico. O projeto reflete a necessidade de uma abordagem integrada, que alie inovação tecnológica à proteção dos direitos fundamentais, criando segurança jurídica e previsibilidade nas relações de consumo mediadas por tecnologia da informação. 3.2 Atualização do Código de Defesa do Consumidor A história do Código de Defesa do Consumidor (CDC)no Brasil reflete a evolução das relações de consumo e a necessidade contínua de adaptação do ordenamento jurídico frente às transformações econômicas, tecnológicas e sociais. Desde a sua promulgação em 1990, o CDC se consolidou como marco legal inovador, promovendo a proteção do consumidor em um contexto de crescente complexidade das transações comerciais. A sua estrutura normativa incorporou princípios fundamentais como a boa-fé objetiva, a transparência nas relações contratuais e o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, assegurando a aplicação de normas que equilibrassem o poder entre fornecedores e consumidores (Brasil, CDC, 1990, arts. 4º, 6º, 51)[footnoteRef:2205]. [2205: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm.] Entretanto, a evolução tecnológica, especialmente a expansão do comércio eletrônico e a globalização dos mercados, evidenciou lacunas normativas que dificultavam a proteção efetiva do consumidor em novos cenários de contratação. Como observa Marques (2005, p. 78)[footnoteRef:5906]: [5906: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.] “A atualização do Código de Defesa do Consumidor deve respeitar o princípio do não retrocesso, garantindo que qualquer inovação legislativa não reduza a proteção já consolidada pelo ordenamento jurídico, sobretudo em setores onde a digitalização cria novos riscos e vulnerabilidades.” Esse princípio do não retrocesso, amplamente debatido na doutrina, estabelece que qualquer reformulação do ordenamento jurídico em matéria consumerista deve preservar os direitos já adquiridos pelos consumidores, evitando que medidas de flexibilização ou desregulamentação enfraqueçam a proteção anteriormente garantida (Pasqualotto, 2009, p. 33)[footnoteRef:5856]. [5856: PASQUALOTTO, Adalberto. Fundamentalidade e efetividade da defesa do consumidor. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, n. 9, out./dez. 2009. Faculdade de Direito da PUCRS.] A trajetória de atualização do CDC envolve diversos marcos legais e regulamentares. Entre eles, destaca-se o Decreto nº 7.962/2013, que estabeleceu normas complementares para contratos celebrados à distância e regulamentou o comércio eletrônico, trazendo maior clareza sobre informações obrigatórias, prazos de arrependimento e responsabilidades do fornecedor. Esse decreto evidenciou a necessidade de harmonização entre legislação geral de consumo e normas específicas de setores regulados, como transporte, telecomunicações e serviços financeiros (Brasil, Decreto nº 7.962/2013, arts. 2º-6º)[footnoteRef:19104]. [19104: BRASIL. Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013. Regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm.] O PL 3.514/2015 surge nesse contexto como resposta à complexidade das relações digitais, buscando adaptar o art. 49 do CDC e outros dispositivos relevantes às contratações mediadas por plataformas eletrônicas. A Comissão de Juristas coordenada por Cláudia Lima Marques desempenhou papel central nesse processo, elaborando o anteprojeto que consolidou o texto inicial do PL. Conforme Marques (2023, p. 79)[footnoteRef:31716]: [31716: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] “A proposição do PL 3.514/2015 não se limita a transpor normas antigas para o ambiente digital, mas visa criar mecanismos que assegurem proteção efetiva, prevendo situações inéditas de vulnerabilidade e abuso em contratos eletrônicos[footnoteRef:22715].” [22715: BRASIL. PL 3.514/2015. Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2052488 ] Outro aspecto essencial da atualização normativa refere-se à interface com as agências reguladoras, como ANAC e ANATEL, que impõem regras específicas em setores estratégicos. A doutrina contemporânea ressalta ainda que a evolução do CDC deve considerar a interpretação teleológica, ou seja, orientada pelos fins do direito do consumidor: proteção, equilíbrio contratual e prevenção de abusos (Sodré, 2010, p. 47)[footnoteRef:31411]. Nesse sentido, a atualização do código, por meio de projetos como o PL 3.514/2015, busca compatibilizar normas gerais com o desenvolvimento tecnológico, garantindo previsibilidade jurídica e efetividade na defesa dos consumidores. [31411: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p.] Além do aspecto jurídico, é relevante destacar o contexto social e econômico da atualização do CDC. O crescimento do comércio eletrônico no Brasil, que alcançou bilhões em transações anuais, expôs consumidores a riscos como fraudes, cobranças indevidas e dificuldades na execução de direitos, especialmente o arrependimento. Portanto, o PL 3.514/2015 surge como medida de política pública para reduzir desigualdades e assegurar a equidade nas relações de consumo digitais. A jurisprudência brasileira também reflete essa necessidade de atualização. Tribunais têm interpretado o art. 49 do CDC considerando as particularidades das compras online, reforçando que o consumidor deve ter meios claros e eficazes para exercer o direito de arrependimento, com devolução de valores e responsabilidades atribuídas de forma objetiva ao fornecedor (STJ, REsp 1.634.851/MS, 2017)[footnoteRef:27707]. [27707: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.634.851/MS. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 14 mar. 2017.] Tais decisões fortalecem o argumento de que uma modernização legislativa é essencial para uniformizar critérios e reduzir litígios judiciais. O PL 3.514/2015 ainda contempla princípios constitucionais relevantes, como o art. 5º, incisos XXXII e XXXV, e o art. 170, inciso V, da CF/88, que asseguram a defesa do consumidor e a proteção do mercado contra práticas abusivas, reafirmando o papel do Estado em garantir equilíbrio entre interesses privados e bem-estar social (Brasil, 1988, arts. 5º, XXXII e XXXV; 170, V)[footnoteRef:22072]. [22072: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Arts. 5º, XXXII e XXXV; 170, V. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Por fim, a atualização do CDC por meio do PL 3.514/2015 reflete uma abordagem integrada, que alia inovação tecnológica, harmonização normativa, jurisprudência consolidada e princípios constitucionais, assegurando que os consumidores brasileiros continuem a ter proteção efetiva diante de um ambiente de consumo em constante transformação. 3.3 O Direito de Arrependimento nas Contratações Eletrônicas O direito de arrependimento, previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), constitui um dos mecanismos mais relevantes de proteção do consumidor em compras realizadas fora do estabelecimento comercial, especialmente em transações eletrônicas. Este dispositivo legal assegura que o consumidor possa desistir de uma contratação no prazo de sete dias contados do recebimento do produto ou da assinatura do contrato, sem necessidade de justificativa e sem qualquer ônus, incluindo devolução de valores pagos (Brasil, CDC, 1990, art. 49)[footnoteRef:9607]. [9607: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm.] Segundo Gomide (2014, p. 75)[footnoteRef:9111]: [9111: GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de arrependimento nos contratos de consumo (livro digital). São Paulo: Almedina, 2014.] “O direito de arrependimento assume papel estratégico nas relações eletrônicas, pois, ao contrário das transações presenciais,Esse crescimento, contudo, trouxe consigo novos desafios de regulação e de proteção ao consumidor, uma vez que a massificação do serviço também ampliou os conflitos decorrentes das relações contratuais de transporte aéreo (Oliveira, 2009, p. 91)[footnoteRef:28406]. [28406: OLIVEIRA, Alessandro. Transporte aéreo: economia e políticas públicas. 1. ed. São Paulo: Pezco Editora, 2009.] A Constituição Federal de 1988 consagra a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, ao lado da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano (Brasil, 1988, art. 170, V)[footnoteRef:25882]. Ao mesmo tempo, reconhece o transporte aéreo como serviço de interesse público, sujeito a regulação estatal em razão de sua natureza estratégica e de sua função social (Brasil, 1988, art. 21, XII, “c”)[footnoteRef:4707]. Assim, a regulação do setor deve equilibrar, de um lado, os interesses econômicos e de eficiência das companhias aéreas e, de outro, a proteção da dignidade e dos direitos dos passageiros, em especial diante das novas formas de contratação no ambiente digital e do comércio eletrônico. [25882: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.] [4707: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm? ] Apesar dos avanços normativos, verifica-se que a relação entre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e as normas específicas editadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) ainda gera tensões e lacunas regulatórias. Questões como atrasos e cancelamentos de voos, extravio de bagagem, reembolso de passagens e cobrança de serviços acessórios continuam sendo objeto de intensa judicialização, refletindo a necessidade de maior integração entre a política regulatória e a proteção jurídica do consumidor (Lourenço,2023)[footnoteRef:2461] [2461: LOURENÇO, Larissa Alves. Proteção do consumidor no comércio eletrônico: uma análise crítica do Decreto 7.762/2013 e do Projeto de Lei nº 3.514/2015. Brasília: Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS, Curso de Bacharelado em Direito, 2023.] Nesse contexto, a presente dissertação tem como objeto de estudo a regulação do transporte aéreo brasileiro em face da proteção do consumidor, com especial atenção às transformações trazidas pelas novas tecnologias e pelo comércio eletrônico. O recorte delimita-se à análise normativa e jurisprudencial a partir da Constituição Federal de 1988, do Código de Defesa do Consumidor, das resoluções da ANAC e das convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Convenção de Montreal de 1999. A pesquisa não pretende esgotar o tema, mas concentrar-se na tensão entre a autonomia regulatória da agência e a aplicação das normas de defesa do consumidor pelo Poder Judiciário, evitando dispersão para áreas não diretamente ligadas à questão central. A relevância acadêmica e social deste estudo se evidencia em diferentes dimensões. No plano teórico, a literatura sobre transporte aéreo no Brasil ainda é fragmentada, concentrando-se em análises econômicas ou em estudos setoriais sobre segurança e competitividade, sem que haja um aprofundamento consistente sobre a interface entre regulação e direitos do consumidor (Oliveira, 2001, p. 12)[footnoteRef:4926]. No plano social, trata-se de um tema atual e sensível, pois afeta diretamente milhões de passageiros que utilizam o transporte aéreo anualmente, sobretudo em um cenário de ampliação do comércio eletrônico, em que as passagens são adquiridas online e os conflitos surgem com maior frequência no ambiente digital. Além disso, decisões judiciais recentes sobre a cobrança de bagagens, a remarcação de voos durante a pandemia de COVID-19 e o direito de arrependimento no e-commerce revelam a urgência de repensar o equilíbrio regulatório. [4926: OLIVEIRA, A. V. M. Mecanismos de política regulatória para o transporte aéreo: o caso do gerenciamento de receitas. Mimeo, 2001.] Diante desse panorama, formula-se o problema de pesquisa nos seguintes termos: de que maneira a regulação integrada do transporte aéreo pode assegurar a proteção efetiva do consumidor diante das transformações tecnológicas e da crescente judicialização das relações contratuais no setor? A partir dessa questão, parte-se da hipótese de que a ausência de atualização normativa e de integração entre a regulação da ANAC[footnoteRef:18745] e a aplicação do CDC[footnoteRef:13676] gera lacunas jurídicas que comprometem a efetividade da proteção ao consumidor e a segurança jurídica das companhias aéreas. Supõe-se, ainda, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[footnoteRef:1280] tem atuado como instrumento de harmonização, mas de forma reativa e casuística, o que demanda um debate acadêmico mais sistemático e propositivo. [18745: BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil. ANAC. Registros de Serviços Aéreos. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/regulados/empresas-aereas/registro-de-servicos-aereos. ] [13676: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990.cdc_e_normas_correlatas_2ed.pdf] [1280: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2020. STJ - Superior Tribunal de Justiça] O objetivo geral da pesquisa consiste em analisar a necessidade de integração normativa e jurisprudencial entre a regulação do transporte aéreo e a defesa do consumidor, à luz da Constituição de 1988, do CDC e da atuação da ANAC. Como objetivos específicos, propõe-se: Examinar a evolução legislativa e regulatória do transporte aéreo no Brasil; Identificar lacunas jurídicas na relação entre ANAC e CDC; Analisar jurisprudências do STJ e STF sobre transporte aéreo e proteção do consumidor; Propor contribuições acadêmicas e políticas públicas que favoreçam a harmonização regulatória. A justificativa da pesquisa apoia-se no entendimento de que a regulação do transporte aéreo deve ser constantemente revisitada, em razão de sua natureza dinâmica e de sua vinculação a direitos fundamentais. O crescimento do comércio eletrônico, a digitalização dos contratos e os recentes debates sobre direitos dos passageiros revelam uma lacuna de estudos integrados que combinem análise normativa, jurisprudencial e crítica acadêmica. Desse modo, a presente dissertação busca contribuir para preencher essa lacuna, fornecendo subsídios teóricos e práticos para o aperfeiçoamento do setor. Quanto à metodologia, adotar-se-á o método de abordagem dedutivo, partindo de premissas gerais sobre regulação e proteção do consumidor para a análise do caso específico do transporte aéreo. O método de procedimento será analítico-comparativo, confrontando dispositivos normativos nacionais e internacionais, bem como a interpretação jurisprudencial. As técnicas de pesquisa englobam a revisão bibliográfica de obras doutrinárias nacionais e estrangeiras, a análise documental de normas e regulamentos da ANAC, além do exame de decisões judiciais selecionadas do STJ e do STF. Por fim, a dissertação encontra-se estruturada em quatro capítulos, além da introdução e da conclusão. O Capítulo 1 apresenta o referencial teórico e a evolução legislativa do transporte aéreo no Brasil. O Capítulo 2 dedica-se à análise normativa, abrangendo a Constituição de 1988, o CDC, as resoluções da ANAC e as convenções internacionais. O Capítulo 3 examina a jurisprudência do STJ e do STF, evidenciando os principais conflitos regulatórios. O Capítulo 4 discute o debate acadêmico e prático, apontando desafios e propostas de harmonização entre regulação e proteção do consumidor. Na Conclusão, serão sintetizados os resultados, destacadas as limitações do estudo e apresentadas recomendações para futuras pesquisas e políticas públicas. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR Este capítulo tem por objetivo apresentaro consumidor não possui contato físico com o bem ou serviço, ficando vulnerável a informações incompletas ou distorcidas fornecidas pelo fornecedor.” Essa vulnerabilidade se intensifica em contratos digitais complexos, como os firmados em plataformas de comércio eletrônico e serviços de assinatura online. A ausência de contato direto entre consumidor e fornecedor aumenta a necessidade de garantias legais robustas, de forma a equilibrar a relação e assegurar confiança no sistema de consumo digital (Marques, 2023, p. 112)[footnoteRef:1421]. O CDC, portanto, surge como instrumento indispensável para mitigar assimetrias de informação e proteger o consumidor diante da rápida evolução tecnológica. [1421: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] Apesar da abrangência do art. 49, sua aplicação enfrenta limitações específicas em setores regulados. No transporte aéreo, por exemplo, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) estabelece regras diferenciadas por meio da Resolução nº 400/2016, que define procedimentos para cancelamento, reembolso e remarcação de bilhetes aéreos. Nessas situações, o direito de arrependimento pode ser restringido, sobretudo em tarifas promocionais ou compras com antecedência mínima (Valle et al., 2017, p. 142)[footnoteRef:5231]. [5231: VALLE, Mauricio Dalri Timm do; PASINATTO, Ana Paula. O exercício do direito de arrependimento nos contratos eletrônicos: o caso dos bilhetes aéreos. In: Anais do 4º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade em rede, 2017. ] Nesse contexto, Marques et al., (2021, p. 27)[footnoteRef:6280] destaca: [6280: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] “A coexistência entre normas setoriais e dispositivos gerais do CDC gera tensão jurídica, sendo necessário ponderar o princípio da proteção ao consumidor frente à previsibilidade e sustentabilidade econômica do setor regulado.” Essa tensão evidencia o desafio de harmonizar legislação geral e regras específicas, reforçando a necessidade de atualização normativa para assegurar que o consumidor compreenda claramente seus direitos, mesmo em contextos regulatórios diferenciados. Pizzol (2019, p. 148)[footnoteRef:25707] enfatiza: [25707: PIZZOL, Ricardo Dal. Comércio eletrônico e direito de arrependimento: aplicabilidade do art. 49 do CDC à compra de passagens aéreas pela internet. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº49, p. 141, 2019.] “A flexibilização do direito de arrependimento em contextos eletrônicos, sobretudo no transporte aéreo, impõe desafios para a efetividade da proteção, podendo gerar insegurança jurídica e impacto direto sobre a confiança do consumidor no sistema de comércio eletrônico.” De fato, inconsistências na aplicação do art. 49 podem levar a litígios frequentes, prejudicando não apenas o consumidor, mas também a credibilidade das plataformas digitais. A interpretação judicial tem buscado uniformidade, destacando que, mesmo em contratos regulados, a transparência e a informação adequada devem ser garantidas, conforme previsto nos arts. 6º, III, e 31 do CDC (Brasil, 1990)[footnoteRef:2450]. [2450: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm.] A jurisprudência brasileira tem evoluído no sentido de assegurar maior efetividade ao direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC, especialmente no contexto das contratações eletrônicas. O Superior Tribunal de Justiça, em decisão paradigmática, reconheceu que a ausência de informações claras e adequadas ao consumidor quanto ao exercício desse direito configura prática abusiva, em violação ao dever de transparência que deve nortear as relações de consumo (STJ, REsp 1.639.037/RJ,2017)[footnoteRef:13915]. Esse entendimento evidencia que a proteção do consumidor deve prevalecer sobre regras secundárias quando houver risco de vulneração de direitos fundamentais. [13915: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.639.037/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em 09 mar. 2017.] O PL 3.514/2015 surge como instrumento legislativo destinado a esclarecer a aplicação do direito de arrependimento em contratações eletrônicas, buscando harmonizar normas gerais e setoriais, garantindo clareza, previsibilidade e efetividade. Entre os objetivos centrais do projeto, destacam-se: 1.Estabelecer regras claras sobre a contagem do prazo de sete dias em compras online. 2.Garantir meios eficazes para devolução de produtos ou cancelamento de serviços. 3.Compatibilizar dispositivos do CDC com normas de órgãos reguladores, como ANAC e ANATEL. 4.Reduzir conflitos jurídicos e litígios, promovendo segurança jurídica para consumidores e fornecedores (Sodré, 2010, p. 53[footnoteRef:32114]). [32114: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p.] Segundo Marques (2023, p. 115)[footnoteRef:2787]: [2787: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] “O PL 3.514/2015 não apenas reafirma o direito de arrependimento, mas também oferece mecanismos de execução prática em ambientes digitais, assegurando que o consumidor tenha meios claros e eficazes de exercer seus direitos, mesmo diante de complexidades tecnológicas.” O direito de arrependimento em contratos eletrônicos também encontra respaldo em princípios constitucionais, reforçando seu caráter fundamental. A CF/88 assegura, nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, a defesa do consumidor e a proteção do mercado contra práticas abusivas, impondo ao Estado o dever de garantir equilíbrio nas relações de consumo (Brasil, 1988)[footnoteRef:8270]. Esses dispositivos sustentam a legitimidade da atualização normativa, alinhando o CDC à realidade digital e às necessidades sociais emergentes. [8270: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigos 5º, 170 e 220. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Além disso, o princípio da boa-fé objetiva e o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, previstos nos arts. 4º, 6º e 51 do CDC, fundamentam a exigência de transparência, clareza e previsibilidade em todos os processos de contratação digital, tornando o direito de arrependimento um instrumento de proteção efetiva e prevenção de abusos (Gomide, 2014, p. 79)[footnoteRef:10681]. [10681: GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de arrependimento nos contratos de consumo (livro digital). São Paulo: Almedina, 2014.] Estudos recentes sobre compras online no Brasil evidenciam que falhas na informação sobre o direito de arrependimento geram conflitos frequentes. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC, 2021) indica que 27% dos consumidores enfrentaram dificuldades ao tentar cancelar compras online, principalmente devido à complexidade de sistemas e à falta de clareza sobre prazos e procedimentos[footnoteRef:3581]. [3581: IDEC. Relatório sobre comércio eletrônico e direitos do consumidor, 2021.] Esses dados reforçam a importância do PL 3.514/2015, que propõe mecanismos de padronização e maior proteção do consumidor, promovendo confiança e segurança jurídica, elementos essenciais para o desenvolvimento sustentável do comércio eletrônico. 3.4 A Transferência de Responsabilidade para a ANAC O Projeto de Lei nº 3.514/2015 suscita reflexões profundas acerca da possibilidade e dos limites da delegação da regulação do direito de arrependimento a agências reguladoras, especialmente à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). A propostalegislativa, ao considerar a transferência de responsabilidades, não se limita a um aspecto meramente administrativo ou técnico; ela envolve diretamente direitos fundamentais dos consumidores, exigindo atenção à compatibilidade com os princípios constitucionais do Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078/1990 (Marques et al., 2023, p. 258)[footnoteRef:7606]. [7606: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] Estes princípios incluem a dignidade da pessoa humana, a boa-fé objetiva, a transparência nas relações de consumo e o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor como parte essencial da proteção jurídica. A doutrina é unânime ao enfatizar que qualquer delegação de competência deve, obrigatoriamente, observar tais fundamentos, evitando que a transferência de responsabilidades resulte em fragilização dos direitos já consolidados. A delegação da regulação para uma agência especializada, como a ANAC, apresenta potencial significativo de benefícios práticos. Entre estes, destaca-se a especialização técnica, que permite que decisões complexas relacionadas a cancelamentos, reembolsos e alterações de voos sejam tomadas por órgãos dotados de conhecimento técnico aprofundado, reduzindo, portanto, o risco de decisões equivocadas e aumentando a eficiência regulatória (Sodré, 2010, p. 48)[footnoteRef:25445]. [25445: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 48 p.] Outro aspecto relevante é a celeridade na resolução de conflitos, já que a ANAC possui procedimentos administrativos específicos que permitem análise rápida de casos, sem a necessidade de percorrer integralmente o rito judicial tradicional. Neste sentido, a delegação pode representar um ganho de agilidade e segurança operacional para o setor aéreo, garantindo ao mesmo tempo mecanismos de proteção ao consumidor. No entanto, a transferência de responsabilidade não está isenta de riscos jurídicos. Um dos principais pontos de atenção reside na possibilidade de insegurança normativa. Quando a regulação setorial é aplicada de forma isolada, sem adequada integração ao marco legal geral, há o risco de que direitos mínimos do consumidor sejam comprometidos. Conforme observa Sodré (2010, p. 48)[footnoteRef:20809]: [20809: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 49 p.] “A atuação setorial desvinculada da lei geral de proteção ao consumidor pode criar lacunas jurídicas, expondo o usuário a riscos que deveriam ser mitigados pelo ordenamento jurídico principal.” Neste contexto, a função regulatória da ANAC não pode se sobrepor à legislação vigente, devendo sempre atuar em consonância com os direitos garantidos pelo CDC. A análise de jurisprudência nacional reforça a necessidade de alinhamento entre decisões judiciais e a atuação da agência reguladora. Casos recentes julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) sobre cancelamentos e reembolsos ilustram a complexidade da questão. Por exemplo, o Acórdão nº 1795923/2023 do TJDFT reconheceu a competência normativa da ANAC, mas enfatizou que a proteção mínima do consumidor não pode ser comprometida, reforçando a primazia do CDC (Brasil, TJDFT, 2023)[footnoteRef:13322]. Nesse sentido, o tribunal assevera que a agência deve exercer suas funções complementares, sem reduzir ou limitar direitos assegurados pela lei geral de proteção ao consumidor. [13322: BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Acórdão nº 1795923/2023. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/] A doutrina corrobora essa posição, afirmando que agências reguladoras devem ser vistas como instrumentos de complementação normativa, e não como substitutos da legislação de proteção ao consumidor. Menezzello (2002, p. 56)[footnoteRef:529] enfatiza que: [529: MENEZELLO, M. D’A. C. Agências Reguladoras e o Direito Brasileiro. São Paulo: Ed. Atlas, 2002.] “A transferência de poder regulatório, ainda que tecnicamente vantajosa, não pode resultar em diminuição das garantias previstas no CDC, devendo sempre haver supervisão normativa e judicial que preserve o equilíbrio entre eficiência regulatória e proteção do consumidor.” Este entendimento é crucial para garantir que a especialização técnica da ANAC não se converta em fator de vulnerabilidade, mantendo-se o equilíbrio entre eficiência operacional e salvaguarda dos direitos fundamentais. O conceito de delegação regulatória também exige análise sob a ótica constitucional. A Constituição Federal de 1988, ao prever em seu artigo 5º a proteção à dignidade da pessoa humana e em seu artigo 170 a valorização da função social da propriedade e da livre iniciativa, estabelece parâmetros que devem nortear toda atividade regulatória, incluindo aquela transferida a agências como a ANAC. Assim, a delegação não pode afastar o exercício de direitos constitucionais e deve sempre respeitar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, que se aplicam tanto em procedimentos administrativos quanto em decisões judiciais envolvendo consumidores (Brasil, 1988, arts. 5º, incisos LIV e LV; art. 170)[footnoteRef:17106]. [17106: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigos 5º, 170 e 220. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Outro ponto central refere-se à necessidade de harmonização entre regulação setorial e política pública de proteção ao consumidor. O PL 3.514/2015, ao propor a delegação, aponta para a importância de que as decisões da ANAC estejam permanentemente alinhadas ao CDC, evitando que interpretações isoladas comprometam direitos fundamentais. Marques et al. (2023, p. 260)[footnoteRef:27065] alertam que: [27065: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] “A transferência de responsabilidade deve sempre ser acompanhada de mecanismos claros de accountability, garantindo que o consumidor tenha meios efetivos de questionar decisões administrativas e buscar reparação em caso de prejuízos.” Além disso, é imperativo destacar a função preventiva da delegação regulatória. Ao centralizar a análise de conflitos e a normatização técnica em uma agência especializada, busca-se reduzir litígios e promover previsibilidade, sem, contudo, renunciar às proteções essenciais do CDC. Nesse contexto, estudos apontam que a ANAC deve atuar de forma integrada com o Poder Judiciário, fornecendo parâmetros técnicos que sirvam como subsídios para decisões judiciais e para políticas de defesa do consumidor (Sodré, 2010, p. 49)[footnoteRef:26485]. [26485: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p.] O direito de arrependimento, regulado pelo artigo 49 do CDC, é um ponto crítico nessa análise. A legislação estabelece que o consumidor tem prazo de sete dias para desistir de uma compra realizada fora do estabelecimento comercial, assegurando direito ao reembolso integral. A transferência de regulação desse direito à ANAC implica que a agência deve criar normas técnicas que assegurem a aplicabilidade efetiva do artigo 49, sem reduzir ou flexibilizar prazos, penalidades ou procedimentos estabelecidos pela lei federal (Marques et al., 2023, p. 262)[footnoteRef:13282]. Aqui, a tensão entre regulação técnica e proteção legal do consumidor torna-se evidente, exigindo interpretação cuidadosa e observância estrita aos limites constitucionais e legais. [13282: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor,São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] Deve-se ainda considerar a experiência comparada de agências internacionais, como a Federal Aviation Administration (FAA) nos Estados Unidos e a European Union Aviation Safety Agency (EASA) na União Europeia. Estes órgãos, embora possuam autonomia técnica significativa, atuam sempre em conformidade com marcos legais gerais que protegem direitos dos passageiros. Essa observação reforça a necessidade de que a ANAC não apenas exerça sua função regulatória com base em critérios técnicos, mas também em consonância com a legislação brasileira e com princípios constitucionais, evitando conflitos entre normas setoriais e direitos básicos do consumidor. Em suma, a transferência de responsabilidade para a ANAC, conforme proposta pelo PL 3.514/2015, deve ser vista sob múltiplas perspectivas: técnica, jurídica e social. É imperativo que a agência reguladora exerça suas competências com especialização e eficiência, mas sempre respeitando os direitos fundamentais assegurados pelo CDC e pela CF/88. A delegação deve ser acompanhada de mecanismos claros de supervisão, accountability e integração normativa, garantindo que a proteção do consumidor seja priorizada e que a função regulatória atenda aos princípios constitucionais e legais. 3.5 A Captura das Agências Reguladoras A captura regulatória é um fenômeno conceitual e empiricamente identificado na doutrina econômica e jurídica, caracterizando-se pela situação em que agências reguladoras, originalmente constituídas para zelar pelo interesse público, passam a atender prioritariamente os interesses do setor regulado, em detrimento do consumidor final ou da coletividade (Newton, apud Sodré, 2010, p. 51)[footnoteRef:18857]. No contexto brasileiro, esse fenômeno tem sido objeto de debates particularmente intensos no setor de transporte aéreo, considerando a relevância econômica e social do serviço, aliado ao elevado grau de vulnerabilidade do consumidor diante da complexidade contratual e da assimetria informacional existente (Bragança, 2023, p. 34)[footnoteRef:14725]. [18857: NEWTON, apud SODRÉ, R. A regulação econômica e a captura regulatória. Rio de Janeiro: FGV, 2010, p. 51.] [14725: BRAGANÇA, Moacir Antônio Guimarães. Os descompassos jurídicos entre consumidor, companhias aéreas e a legislação regulatória. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola Politécnica e de Artes, Graduação em Ciências Aeronáuticas, 2023.] No estudo de Maradei Júnior (2023, p. 252)[footnoteRef:10405], destaca-se que: [10405: MARADEI JÚNIOR, João Carlos. O papel das agências reguladoras na tutela dos direitos do consumidor / The role of regulatory agencies in the protection of consumer rights. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 10, n. 1, p. 241-260, 2023.] A proximidade institucional e pessoal entre reguladores e representantes das empresas reguladas tende a gerar decisões regulatórias assimétricas, em que normas técnicas e diretrizes operacionais podem favorecer práticas comerciais das companhias em detrimento da proteção do usuário. Essa situação evidencia que, sem mecanismos de transparência e controle social, o papel da agência reguladora como guardiã dos direitos consumeristas é substancialmente comprometido, tornando a atuação normativa vulnerável a pressões setoriais. A relevância desse tema é intensificada no cenário da adaptação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) às transformações tecnológicas e mercadológicas. A regulação setorial, quando distanciada do marco legal geral, pode comprometer princípios constitucionais fundamentais, como o direito à informação clara, a proteção à saúde e segurança do consumidor e o direito à reparação de danos (Brasil, CF/88, art. 5º, XXXII). Sodré (2010, p. 48)[footnoteRef:14626] enfatiza que a falta de integração entre normas setoriais e legislação consumerista gera vulnerabilidade jurídica, transferindo riscos e ônus indevidos para o usuário final, que muitas vezes não possui meios técnicos ou jurídicos para contestar práticas lesivas. [14626: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p.] Exemplos práticos da captura regulatória na aviação brasileira são recorrentes. Determinações recentes da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) sobre flexibilização de regras de cancelamento e reembolso têm sido criticadas por favorecer companhias aéreas em detrimento do consumidor. Bragança (2023, p. 36)[footnoteRef:20003] observa que: [20003: BRAGANÇA, Moacir Antônio Guimarães. Os descompassos jurídicos entre consumidor, companhias aéreas e a legislação regulatória. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola Politécnica e de Artes, Graduação em Ciências Aeronáuticas, 2023.] "As decisões administrativas da ANAC refletem, muitas vezes, pressões corporativas explícitas, em um contexto de desequilíbrio entre direitos consumeristas e interesses econômicos do setor". Estudos empíricos indicam que tais decisões podem comprometer o equilíbrio contratual, aumentando a insegurança jurídica e enfraquecendo a função protetiva do Estado no setor de transporte aéreo (Marques et al., 2023, p. 258)[footnoteRef:26247]. [26247: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] A doutrina aponta que o fenômeno da captura não se restringe à simples proximidade institucional. Ele envolve, também, o processo de formulação normativa, o monitoramento de cumprimento das regras e a fiscalização do setor, etapas nas quais a agência reguladora pode ser influenciada por interesses corporativos. Menezzello (2002, p. 56)[footnoteRef:836] argumenta que: [836: MENEZELLO, M. D’A. C. Agências Reguladoras e o Direito Brasileiro. São Paulo: Ed. Atlas, 2002.] "A regulação setorial, se desvinculada do contexto normativo maior e dos princípios constitucionais aplicáveis, corre o risco de atuar como instrumento de legitimação de práticas empresariais, em detrimento da proteção mínima do consumidor". Essa perspectiva evidencia a necessidade de alinhamento entre legislação geral, normas setoriais e jurisprudência. O PL 3.514/2015, ao propor alterações relacionadas ao direito de arrependimento, reforça a importância de compatibilizar a atuação da ANAC com os preceitos do CDC. O projeto busca assegurar que a agência reguladora não substitua a lei geral, mas funcione como complemento técnico normativo, oferecendo agilidade e especialização na regulamentação, sem comprometer direitos constitucionais básicos. Marques et al. (2023, p. 260)[footnoteRef:6049] destacam que: [6049: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023. ] "A delegação regulatória é legítima desde que não transfira integralmente a responsabilidade normativa, garantindo que a proteção do consumidor permaneça como núcleo rígido da legislação". A captura regulatória tem impactos concretos sobre a experiência do consumidor e sobre o ambiente concorrencial. Tais práticas, muitas vezes sancionadas tacitamente pela agência reguladora, refletem diretamente na vulnerabilidade do consumidor, que é reconhecida pelo CDC como princípio basilar (Brasil, Lei nº 8.078/1990, art. 4º, I, III e VIII)[footnoteRef:11237]. [11237: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm] Para mitigar riscos de captura, a literatura especializada recomenda mecanismos institucionais de controle e transparência, incluindo a participação popular nos processos decisórios. Gabardo e Graner (2020, p. 289)[footnoteRef:76] afirmam: [76: GABARDO, Emerson; GRANER, Mateus Domingues. A importância da participação popular na análise de impactoregulatório pelas agências reguladoras fede rais brasileiras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 279, 2020, p. 275-300.] "A efetividade da atuação das agências reguladoras depende da institucionalização de mecanismos de participação e controle social, capazes de equilibrar interesses privados e direitos públicos". Nesse sentido, audiências públicas, consultas técnicas e participação de órgãos de defesa do consumidor são medidas essenciais para fortalecer a legitimidade e reduzir o risco de decisões corporativas predatórias. A harmonização normativa também surge como instrumento essencial de prevenção à captura. Segundo Sodré (2010, p. 52)[footnoteRef:3722]: [3722: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p. ] “O alinhamento entre normas setoriais, legislação consumerista e jurisprudência garante que as práticas regulatórias não se afastem dos princípios constitucionais, especialmente no tocante à proteção da dignidade humana e à vulnerabilidade do consumidor". Essa integração normativa assegura que os direitos básicos não sejam relativizados em função de interesses econômicos setoriais. Além disso, a análise de decisões judiciais recentes reforça a necessidade de controle judicial sobre atos da ANAC. O TJDFT, em Acórdão nº 1795923/2023, reconheceu a competência normativa da agência, mas ressaltou que a proteção mínima do consumidor não poderia ser comprometida, reafirmando a primazia do CDC (Brasil, TJDFT, 2023)[footnoteRef:31951]. Jurisprudência semelhante do TJSP evidencia que, ainda que a agência possua autonomia técnica, os limites constitucionais e legais devem ser respeitados, prevenindo a captura regulatória e garantindo equilíbrio entre interesses econômicos e direitos fundamentais. [31951: BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Acórdão nº 1795923/2023. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/] Em uma perspectiva comparativa, práticas internacionais oferecem insights relevantes. Estudos da OCDE e da IATA indicam que países que adotam mecanismos robustos de transparência, auditoria externa e participação social tendem a reduzir significativamente a ocorrência de captura regulatória (OCDE, 2021, p. 87)[footnoteRef:2872]. A experiência brasileira, contudo, ainda demonstra desafios estruturais, sobretudo pela cultura corporativa de aproximação entre reguladores e regulados, reforçando a necessidade de aperfeiçoamento institucional contínuo (Bragança, 2023, p. 40)[footnoteRef:11172]. [2872: OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Regulatory Policy Outlook 2021. Paris: OECD Publishing, 2021, p. 87. ] [11172: BRAGANÇA, Moacir Antônio Guimarães. Os descompassos jurídicos entre consumidor, companhias aéreas e a legislação regulatória. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola Politécnica e de Artes, Graduação em Ciências Aeronáuticas, 2023. ] A reflexão crítica acerca da captura evidencia que a regulação setorial não deve ser concebida como substituto da legislação geral, mas como instrumento de complementação e especialização. A atuação da ANAC, em particular, exige equilíbrio entre eficiência regulatória e proteção do consumidor. Marques et al. (2023, p. 262)[footnoteRef:10825] sintetizam essa perspectiva: [10825: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023. ] "A agência reguladora deve atuar como executor técnico da lei, sem comprometer direitos essenciais do consumidor, mantendo sempre a primazia do CDC e os princípios constitucionais". Finalmente, a análise demonstra que a mitigação da captura regulatória depende de três eixos principais: i) institucionalização de mecanismos de participação social; ii) harmonização normativa entre legislação setorial e geral; iii) controle judicial e fiscalização contínua. Estes elementos são essenciais para que a regulação do transporte aéreo brasileiro seja legítima, eficaz e compatível com os direitos fundamentais do consumidor, conforme previsto no CDC e na Constituição Federal (Brasil, CF/88, art. 5º, XXXII; BRASIL, Lei nº 8.078/1990)[footnoteRef:11001]. [11001: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm] CAPÍTULO IV – INTERSECÇÃO ENTRE DECISÕES DO STF, NORMAS INTERNACIONAIS E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO TRANSPORTE AÉREO O presente capítulo dedica-se ao exame dos julgados paradigmáticos do Supremo Tribunal Federal sobre o transporte aéreo internacional, com foco nos Temas 210 e 1.240. O primeiro deles refere-se à aplicação das Convenções de Varsóvia e Montreal em casos de danos materiais, questionando os limites de sua compatibilidade com as normas de ordem pública interna. Já o segundo trata da inaplicabilidade das convenções internacionais a danos extrapatrimoniais, assegurando a prevalência da proteção integral prevista no CDC. Além da análise dos fundamentos adotados pela Corte, o capítulo aborda a importância do diálogo das fontes na interpretação desses conflitos normativos, evidenciando como a jurisprudência busca equilibrar compromissos internacionais e tutela do consumidor. Trata-se, portanto, de um marco interpretativo relevante para a consolidação da segurança jurídica e da proteção efetiva dos passageiros. 4.1 Julgado 210 do STF: Danos Materiais e Limites das Convenções Internacionais A Decisão 210 do Supremo Tribunal Federal (STF) apresenta um ponto crucial de convergência entre o direito internacional e o direito interno brasileiro no que se refere à responsabilidade civil das companhias aéreas em casos de danos materiais no transporte aéreo. Em particular, o tema aborda a aplicabilidade das Convenções de Varsóvia (1929) e de Montreal (1999), que fixam limites objetivos à responsabilidade das transportadoras em situações de extravio, atraso ou dano à bagagem, bem como no transporte de mercadorias, e sua compatibilização com o Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/1990) e demais dispositivos constitucionais (Brasil, Decreto nº 8.026/2013)[footnoteRef:24098]. [24098: BRASIL. Decreto nº 8.026, de 22 de junho de 2013. Regulamenta dispositivos sobre transporte aéreo, bagagem e transporte de mercadorias, em compatibilidade com o Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8026.htm ] A Convenção de Varsóvia, celebrada em 1929, e sua revisão mais recente pela Convenção de Montreal, de 1999, constituem instrumentos internacionais destinados a padronizar e limitar a responsabilidade das empresas aéreas frente a danos ocorridos durante o transporte internacional. Tais convenções, conforme esclarece Justen Filho (2002, p. 145)[footnoteRef:27146]: [27146: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002. ] “Buscam assegurar um equilíbrio econômico e jurídico entre transportadoras e passageiros, fixando limites previamente estipulados, mas sem que se possa entender que tais limites sejam absolutos diante do ordenamento interno”. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Tema 210, reafirmou que, embora os limites de responsabilidade previstos em convenções internacionais possuam eficácia normativa, não podem reduzir ou anular direitos consumeristas garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Este entendimento evidencia a primazia da legislação nacional frente a normas internacionais, em consonância com o art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, que assegura como direito fundamental a proteção dos consumidores (Brasil, CF/88). A aplicação do Tema 210 revela uma tensão normativa que demanda uma interpretação hermenêutica cuidadosa. Por um lado, as convenções internacionais buscam uniformizar o transporteaéreo, facilitando a previsibilidade e segurança jurídica para companhias de caráter internacional; por outro, o CDC impõe normas imperativas de proteção ao consumidor, incluindo princípios como vulnerabilidade do usuário e reparação integral de danos. Justen Filho (2002, p. 148)[footnoteRef:6862] afirma que: [6862: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] “Em casos em que a legislação nacional assegura direitos que excedem os limites fixados em convenções internacionais, deve prevalecer a proteção mínima conferida pelo ordenamento interno, não apenas em respeito à legislação nacional, mas como medida de proteção ao consumidor, que figura como parte hipossuficiente na relação de transporte aéreo.” Essa posição se coaduna com o entendimento consolidado do STF, que entende que cláusulas que limitem excessivamente a responsabilidade das companhias aéreas não pode ser aplicada em prejuízo do passageiro-consumidor. A Corte entende que o princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto no art. 4º, I, do CDC, e o direito à reparação integral, conforme arts. 6º, VI, e 14, devem prevalecer diante de normas internacionais que estipulem limites restritivos (Brasil, Lei nº 8.078/1990)[footnoteRef:27289]. [27289: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm.] Diversos julgados reforçam a orientação do STF sobre a supremacia da legislação interna na proteção de passageiros. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisões recentes, tem reiterado que a limitação de responsabilidade prevista em tratados internacionais não exime as companhias aéreas do dever de indenizar integralmente os consumidores por danos materiais, especialmente quando a aplicação do limite internacional implica redução de direitos assegurados pelo CDC (São Paulo, Tribunal de Justiça, Apelação nº 10.22525-02.2022.8.26.0482, 2024)[footnoteRef:16752]. [16752: SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação nº 10.22525-02.2022.8.26.0482. Relator: Spencer de Almeida Ferreira. 38ª Câmara de Direito Privado, julgado em 22 maio 2024. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=17921471&cdForo=0. ] O entendimento da Corte é alinhado à doutrina contemporânea, que reconhece a função do Estado brasileiro de garantir proteção mínima aos consumidores, mesmo em contratos que envolvam elementos internacionais. Ferrari (2020, p. 51)[footnoteRef:15358] observa que: [15358: FERRARI, Francisco José de Lima. "A Efetividade da Proteção ao Consumidor e os Desafios para o Judiciário". Revista de Direito do Consumidor, v. 31, n. 1, 2020, p. 45-63. ] “O Judiciário, ao aplicar convenções internacionais no âmbito do transporte aéreo, deve garantir que a proteção ao consumidor não seja relativizada. A legislação interna, notadamente o Código de Defesa do Consumidor, deve funcionar como parâmetro mínimo, garantindo que a limitação de responsabilidade internacional não reduza o direito à reparação integral.” Essa interpretação é crucial, pois harmoniza a segurança jurídica internacional com a proteção efetiva dos direitos fundamentais dos consumidores brasileiros, respeitando a hierarquia normativa prevista na Constituição. A análise do Tema 210 evidencia a necessidade de compatibilização entre normas internacionais e direitos fundamentais. O Código de Defesa do Consumidor estabelece princípios de proteção integral e vulnerabilidade do consumidor (arts. 4º, I, e 6º, VI, CDC), que não podem ser mitigados por convenções internacionais. O STF, ao consolidar o Tema 210, reafirma que qualquer limitação derivada das convenções de Varsóvia e Montreal deve respeitar o patamar mínimo de proteção nacional (STF, Tema 210, 2018)[footnoteRef:4269]. [4269: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Tema 210: Limitação de responsabilidade das transportadoras aéreas em casos de danos materiais decorrentes de extravio de bagagem em voos internacionais. Repercussão Geral, RE 636.331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25 mai. 2017, DJe 12 set. 2018.] A relevância do Tema 210 se mostra ainda maior quando considerada à luz de práticas comerciais contemporâneas, como a venda de bilhetes aéreos online, onde a limitação de responsabilidade pode ser imposta por termos e condições digitais. Nesse contexto, a proteção legal brasileira atua como mecanismo de contenção contra cláusulas abusivas e práticas que possam lesar o passageiro-consumidor. A atuação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) também é central na aplicação do Tema 210. Como destaca Maradei Júnior (2023, p. 244)[footnoteRef:26187]: [26187: MARADEI JÚNIOR, João Carlos. O papel das agências reguladoras na tutela dos direitos do consumidor. The role of regulatory agencies in the protection of consumer rights. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 10, n. 1, p. 241-260, 2023.] “A ANAC, ao regulamentar práticas de transporte aéreo e monitorar os direitos dos passageiros, atua em complemento às normas do CDC, garantindo que companhias aéreas cumpram a reparação de danos materiais mesmo quando tratados internacionais estipulam limites de responsabilidade.” A atuação regulatória fortalece o entendimento do STF, oferecendo instrumentos administrativos de fiscalização e mediação, de modo a assegurar que o passageiro não seja prejudicado por limitações internacionais e que a reparação seja proporcional ao dano efetivamente sofrido. Pinheiro (2012, p. 102)[footnoteRef:5700] enfatiza que: [5700: PINHEIRO, Luís de Lima. Breves Notas sobre o Direito Aplicável ao Contrato de Transporte Aéreo Internacional, In: Estudos de Direito Aéreo, Dário Moura Vicente (Coord). Coimbra Editora, Grupo Wolters Kluwer, 2012.] “A aplicação do direito internacional no transporte aéreo deve ser interpretada em consonância com o ordenamento jurídico nacional, considerando que cláusulas limitativas não podem suprimir direitos fundamentais do consumidor brasileiro.” Essa orientação é refletida em práticas judiciárias e administrativas, onde o CDC é utilizado como referência para definir o montante indenizatório em casos de extravio, dano ou atraso de bagagem, garantindo que a reparação seja justa e adequada ao prejuízo material efetivo. O Tema 210 também apresenta desafios hermenêuticos. A doutrina aponta que o intérprete deve adotar uma perspectiva sistêmica, conciliando normas internacionais com princípios constitucionais e normas consumeristas. Morsello (2016, p. 150)[footnoteRef:17508] conclui que: [17508: MORSELLO, Marco Fábio. O contrato de transporte aéreo e sua interface com o sistema de defesa do consumidor, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e da perspectiva portuguesa. Revista Jurídica Luso-Brasileira, v. 1, 2016.] “A prevalência da norma interna sobre a internacional não é absoluta, mas condicionada à proteção de direitos essenciais. Em casos de transporte aéreo, isso significa assegurar que limites internacionais não impliquem redução da proteção ao passageiro-consumidor.” Essa abordagem coaduna-se com o princípio da máxima efetividade, previsto no art. 5º da Constituição, que orienta o Judiciário a interpretar normas de maneira a conferir plena eficácia aos direitos fundamentais. O Tema 210 do STF reafirma a necessidade de harmonização entre tratados internacionais e legislação nacional, garantindo que limites de responsabilidade não prejudiquem direitos fundamentais do consumidor. A jurisprudência consolidada e a doutrina contemporânea destacam que: 1.As convenções internacionais (Varsóvia e Montreal) fixam limites objetivos, mas não podem reduzir direitos conferidos pelo CDC. 2.O Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal asseguram proteção mínima e reparação integral. 3.O STF orienta que qualquer limitação internacional deve respeitar direitos consumeristas internos. 4.A ANAC exerce papel complementar na fiscalização e mediação, garantindo efetividade das normas. 5.Ahermenêutica deve interpretar tratados internacionais à luz da legislação nacional e dos princípios constitucionais[footnoteRef:3995]. [3995: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Tema 210: Limitação de responsabilidade das transportadoras aéreas em casos de danos materiais decorrentes de extravio de bagagem em voos internacionais. Repercussão Geral, RE 636.331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25 mai. 2017, DJe 12 set. 2018.] Essa análise revela que o Tema 210 funciona como instrumento de proteção do consumidor, garantindo que convenções internacionais não se sobreponham às normas nacionais, consolidando a primazia do CDC e da Constituição no contexto do transporte aéreo internacional. 4.2 Julgado 1.240 do STF: Danos Extrapatrimoniais e Proteção Integral A Decisão 1.240 do Supremo Tribunal Federal (STF) representa um marco significativo na proteção dos consumidores, especialmente no contexto do transporte aéreo, ao tratar da reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes de relações de consumo. Diferentemente do Tema 210, que se concentra nos danos materiais e na limitação de responsabilidade econômica, o Tema 1.240 consolida o entendimento de que as convenções internacionais não podem ser invocadas para restringir a reparação por danos extrapatrimoniais, assegurando a integralidade da indenização frente aos sofrimentos, abalos morais e transtornos experimentados pelo consumidor[footnoteRef:25365]. [25365: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Tema 1240: Reparação por danos extrapatrimoniais nas relações de consumo em transporte aéreo. Repercussão Geral, ARE 766.618/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 09 fev. 2023, DJe 16 fev. 2023. ] Essa decisão ancora-se na premissa de que o direito à indenização por danos extrapatrimoniais não se confunde com limites econômicos estabelecidos por tratados internacionais, mas constitui expressão da dignidade da pessoa humana e da vulnerabilidade do consumidor, princípios constitucionais previstos nos arts. 5º, caput, e XXXII, da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988)[footnoteRef:14294]. [14294: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] O direito à reparação integral dos danos extrapatrimoniais encontra respaldo explícito no Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente no art. 6º, inciso VI, que estabelece como direito básico do consumidor a efetiva reparação de danos morais, materiais e patrimoniais decorrentes das relações de consumo (Brasil, 1990)[footnoteRef:4592]. [4592: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm.] O STF, ao consolidar o Tema 1.240, reforçou que qualquer tentativa de aplicação restritiva das convenções internacionais seria incompatível com os princípios constitucionais de dignidade humana e vulnerabilidade do consumidor, pilares do CDC. Nesse sentido, Marques (2023, p. 318)[footnoteRef:8847] observa que: [8847: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] A interpretação restritiva de normas internacionais, quando aplicada em detrimento do consumidor, configura afronta ao princípio da proteção integral, comprometendo a efetividade do direito à indenização pelos danos morais experimentados. A proteção integral também se conecta com a teoria da vulnerabilidade do consumidor, consagrada no CDC, que reconhece a desvantagem do usuário frente a fornecedores em termos de informação e poder econômico. Nesse sentido, a interpretação jurisprudencial do STF evita que o consumidor seja submetido a barreiras jurídicas que diminuam sua capacidade de reivindicar a compensação adequada pelos transtornos sofridos. Nesse sentido, Ferrari (2020, p. 49)[footnoteRef:13734] enfatiza que: [13734: FERRARI, F. Responsabilidade civil e dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2020.] A efetividade da proteção consumerista passa necessariamente pela plena reparação do dano extrapatrimonial, não bastando apenas reconhecer o direito sem assegurar instrumentos concretos de efetivação. Almeida (2022, p. 225)[footnoteRef:29223] acrescenta que o reconhecimento judicial de direitos extrapatrimoniais em favor do consumidor cumpre também um papel pedagógico, estimulando boas práticas empresariais, ao forçar fornecedores a internalizarem os riscos de suas condutas e fortalecerem a cultura da responsabilidade civil no mercado. Assim, a jurisprudência consolidada pelo STF funciona não apenas como mecanismo de reparação individual, mas também como regulação indireta, pressionando o setor aéreo a adotar padrões que previnam danos morais e promovam maior atenção ao cliente. [29223: ALMEIDA, J. P. Proteção integral do consumidor: fundamentos e perspectivas. Curitiba: Juruá, 2022.] No debate sobre a compatibilidade entre direito internacional privado e o ordenamento jurídico nacional, Justen Filho (2002, p. 87)[footnoteRef:18700] defende que: [18700: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] As agências reguladoras e o Judiciário brasileiro devem interpretar os tratados internacionais de modo a não reduzir as garantias constitucionais e legais dos consumidores. Para o autor, a aplicação de normas internacionais não pode restringir o alcance das indenizações por danos extrapatrimoniais, sob pena de desrespeitar o princípio da dignidade da pessoa humana e a efetiva proteção do consumidor no âmbito doméstico. No setor regulado do transporte aéreo, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) atua de forma complementar ao Judiciário, fiscalizando as companhias aéreas e garantindo padrões de transparência contratual, qualidade no atendimento e respeito aos direitos dos passageiros (Brasil, 2024)[footnoteRef:27945]. [27945: BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil. ANAC. Diretrizes para a qualidade regulatória. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/boletim-de-pessoal/2017/41-1/anexo-i-diretrizes-para-a-qualidade-regulatoria-da-anac.] Entretanto, como destaca Maradei Júnior (2023, p. 247)[footnoteRef:1497], a atuação administrativa da ANAC não substitui a judicial, sendo esta indispensável para assegurar a reparação integral do consumidor em situações de sofrimento emocional, constrangimento ou frustração de expectativas contratuais. [1497: MARADEI JÚNIOR, João Carlos. O papel das agências reguladoras na tutela dos direitos do consumidor.The role of regulatory agencies in the protection of consumer rights. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 10, n. 1, p. 241-260, 2023.] A aplicação do Tema 1.240 do STF também dialoga com o comércio eletrônico, sobretudo na compra de passagens aéreas online. Pizzol (2019, p. 145)[footnoteRef:9650] destaca que: [9650: PIZZOL, R. Direito do consumidor e comércio eletrônico. São Paulo: Atlas, 2019.] O direito de arrependimento, previsto no art. 49 do CDC, deve ser respeitado integralmente, assegurando tanto a restituição do valor pago quanto a compensação por danos extrapatrimoniais decorrentes de falhas na prestação do serviço. O autor complementa que o dano moral em relações de consumo é uma extensão da proteção à personalidade, e a limitação indevida dessa reparação afronta o sistema jurídico brasileiro, que privilegia a parte mais vulnerável da relação. Por fim, a correlação entre princípios constitucionais e normas consumeristas reforça esse entendimento. A Constituição Federal de 1988 (art. 5º, caput) assegura a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, enquanto o art. 170, caput, estabelece a valorização do consumidor como fundamento da ordem econômica (Brasil, 1988)[footnoteRef:1306]. Essa integração normativa sustentaa interpretação expansiva da reparação por danos extrapatrimoniais, de forma a amparar o consumidor diante de situações de vulnerabilidade. [1306: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Em suma, o julgado 1.240 do STF consolida o entendimento de que a reparação de danos extrapatrimoniais no transporte aéreo deve ser plena, integral e não limitada por tratados internacionais ou convenções externas[footnoteRef:27070]. Esse posicionamento fortalece os princípios da dignidade da pessoa humana, da vulnerabilidade do consumidor e da proteção integral previstos no CDC e na Constituição Federal, promovendo maior segurança jurídica, coerência normativa e efetividade dos direitos do consumidor brasileiro. [27070: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Tema 1240: Reparação por danos extrapatrimoniais em relações de consumo no transporte aéreo. Repercussão Geral, ARE 766.618/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 09 fev. 2023, DJe 16 fev. 2023.] 4.3 Interpretação Comparativa e Convergência Normativa no Transporte Aéreo “A interpretação do direito do consumidor no contexto do transporte aéreo exige uma abordagem metodológica que considere a complexidade das normas constitucionais, legislativas e internacionais. Nesse cenário, o método do diálogo das fontes emerge como ferramenta essencial, permitindo conciliar normas internas com tratados internacionais, preservando simultaneamente a proteção integral do consumidor. Marques (2023, p. 324)[footnoteRef:25565] enfatiza: [25565: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] "O diálogo entre fontes jurídicas permite a harmonização de normas internas com obrigações internacionais, preservando a proteção do consumidor sem comprometer a segurança jurídica e a estabilidade contratual." Essa perspectiva reforça que a leitura isolada das normas, sem integração interpretativa, pode gerar conflitos, sobretudo quando as convenções internacionais estabelecem limites econômicos ou restrições de responsabilidade que não contemplam a reparação integral de danos extrapatrimoniais. Por essa razão, é imperativo analisar os textos normativos de forma sistemática e contextualizada, garantindo que princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a proteção da parte vulnerável, prevaleçam. Conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, e art. 5º, XXXII, o Estado deve assegurar a proteção do consumidor como direito fundamental, reforçando a necessidade de interpretação que não submeta o indivíduo a limitações indevidas decorrentes de normas externas[footnoteRef:16271]. [16271: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) complementa essa proteção, especialmente nos arts. 6º e 49. O art. 6º assegura a efetiva reparação de danos materiais e morais, enquanto o art. 49 consagra o direito de arrependimento nas relações de consumo, conferindo ao consumidor mecanismos de proteção robustos diante de desequilíbrios contratuais. Justen Filho (2002, p. 152)[footnoteRef:15737] argumenta: [15737: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] "O diálogo das fontes permite que normas internas prevaleçam em questões fundamentais, garantindo que direitos do consumidor não sejam relativizados por convenções internacionais, mantendo a coerência normativa." Assim, a interpretação comparativa das fontes normativas não se limita à harmonização técnica, mas tem função pedagógica e regulatória, orientando fornecedores, reguladores e operadores do direito para a observância de padrões de proteção ao consumidor que reflitam a dignidade humana e a vulnerabilidade inerente às relações de consumo. Sodré (2010, p. 53)[footnoteRef:32137] complementa: [32137: SODRÉ, Marcelo Gomes. Agências reguladoras e tutela dos consumidores. Série Pensando o Direito, n. 21, 2010. 64 p.] "A efetividade da regulação setorial e da proteção consumerista depende de interpretação sistemática e do diálogo constante entre normas nacionais e internacionais, evitando-se lacunas e conflitos normativos." No âmbito do transporte aéreo, a atuação da ANAC se insere nesse diálogo interpretativo, promovendo normas que regulamentam horários, reembolsos, indenizações e transparência contratual. Contudo, a função regulatória da agência não exime o Judiciário de assegurar a reparação integral do consumidor quando ocorram danos extrapatrimoniais, como atrasos significativos, cancelamentos inesperados ou perda de bagagem. Almeida (2022, p. 225)[footnoteRef:16748] observa que: [16748: ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira. "A Atuação do Judiciário na Defesa do Consumidor: Entre a Prática e a Teoria". Revista Brasileira de Direito Processual, v. 48, n. 4, 2022, p. 219-235.] "O reconhecimento judicial de direitos extrapatrimoniais em favor do consumidor cumpre um papel de orientação normativa e de estímulo às boas práticas empresariais, garantindo que fornecedores internalizem os riscos de suas condutas e fortaleçam a cultura da responsabilidade civil no mercado." A análise comparativa internacional oferece subsídios adicionais para o aperfeiçoamento da regulação nacional. Experiências no Canadá e na Alemanha demonstram que sistemas jurídicos com forte proteção consumerista, aliados à independência dos órgãos reguladores, garantem indenizações completas por danos materiais e morais, mesmo diante de convenções internacionais restritivas. OCDE (2021, p. 85)[footnoteRef:2456] evidencia que práticas como consultas públicas obrigatórias, auditorias independentes e participação ativa de associações de defesa do consumidor contribuem para reduzir riscos de captura regulatória e assegurar coerência normativa. [2456: OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Regulatory Policy Outlook 2021. Paris: OECD Publishing, 2021, p. 87.] Gabardo e Graner (2020, p. 289)[footnoteRef:32214] reforçam que: [32214: GABARDO, Emerson; GRANER, Mateus Domingues. A importância da participação popular na análise de impacto regulatório pelas agências reguladoras federais brasileiras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 279, 2020, p. 275-300. ] "A delegação normativa, quando integrada a um sistema de proteção consumerista robusto, não compromete a eficiência regulatória, mas fortalece a segurança jurídica e a confiança dos usuários." No contexto brasileiro, a integração entre a Constituição, o CDC, decisões do STF e a regulação da ANAC forma um modelo promissor, embora em evolução. Bragança (2023, p. 40)[footnoteRef:568] destaca: [568: BRAGANÇA, Moacir Antônio Guimarães. Os descompassos jurídicos entre consumidor, companhias aéreas e a legislação regulatória. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola Politécnica e de Artes, Graduação em Ciências Aeronáuticas, 2023. ] "A coordenação entre normas, jurisprudência e reguladores é essencial para evitar conflitos normativos, garantir reparação integral e proteger consumidores em casos de transporte aéreo internacional." Esse diálogo das fontes permite que a interpretação do CDC prevaleça sobre quaisquer limites econômicos impostos por convenções internacionais, assegurando que a vulnerabilidade do consumidor não seja explorada por interesses setoriais. Marques (2023, p. 326)[footnoteRef:15561] sintetiza: [15561: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] "A proteção integral do consumidor deve ser prioridade,independentemente da amplitude das convenções internacionais, assegurando que vulnerabilidades não sejam exploradas por interesses econômicos do setor." A observância dessa metodologia interpretativa também se reflete na aplicação do art. 170 da CF/88, que estabelece a valorização do consumidor como princípio fundamental da ordem econômica, garantindo que o mercado funcione de modo equilibrado e socialmente responsável. Nesse sentido, a proteção integral de danos morais e materiais emerge como elemento central da política regulatória e judicial, criando um ambiente de confiança e previsibilidade. Pizzol (2019, p. 145)[footnoteRef:1272] acrescenta que: [1272: PIZZOL, R. Direito do consumidor e comércio eletrônico. São Paulo: Atlas, 2019.] "O direito de arrependimento e a restituição integral devem ser respeitados de forma plena, assegurando a compensação por danos extrapatrimoniais decorrentes de falhas ou atrasos na prestação do serviço." Essa interpretação é reforçada por Pinheiro (2012, p. 56)[footnoteRef:7212], que afirma que: [7212: PINHEIRO, Luís de Lima. Breves Notas sobre o Direito Aplicável ao Contrato de Transporte Aéreo Internacional. In: Estudos de Direito Aéreo, Dário Moura Vicente (Coord). Coimbra Editora, Grupo Wolters Kluwer, 2012.] "A aplicação de normas internacionais não pode restringir o alcance das indenizações por danos extrapatrimoniais, sob pena de desrespeitar o princípio da dignidade da pessoa humana e a efetiva proteção do consumidor no âmbito doméstico." Dessa forma, a metodologia do diálogo das fontes não apenas harmoniza normas, mas cria uma ponte interpretativa entre proteção nacional e compromissos internacionais, fortalecendo a segurança jurídica e garantindo direitos fundamentais do consumidor em cenários complexos de transporte aéreo. Ferrarri (2020, p. 49)[footnoteRef:18207] observa: [18207: FERRARI, Francisco José de Lima. "A Efetividade da Proteção ao Consumidor e os Desafios para o Judiciário". Revista de Direito do Consumidor, v. 31, n. 1, 2020, p. 45-63.] "A efetividade da proteção consumerista passa necessariamente pela plena reparação do dano extrapatrimonial, não bastando meramente reconhecer o direito sem assegurar instrumentos que garantam sua fruição concreta." A adoção de práticas comparadas, integrando experiências internacionais, decisões judiciais e regulação setorial, constitui estratégia eficiente para aprimorar a governança do setor aéreo. Essa abordagem fortalece o controle social, a responsabilidade corporativa e a coerência normativa, criando condições para que o Brasil se destaque como referência em proteção ao consumidor, equilibrando interesses econômicos e direitos fundamentais. Em síntese, a interpretação comparativa e o diálogo das fontes permitem consolidar um modelo brasileiro de proteção integral ao consumidor no transporte aéreo, em que normas constitucionais, legislação consumerista, decisões do STF e reguladores setoriais atuam de forma coordenada, assegurando reparação completa de danos materiais e extrapatrimoniais, valorizando princípios como dignidade da pessoa humana, vulnerabilidade do consumidor e segurança jurídica. CAPÍTULO V – DISCUSSÃO CRÍTICA: A TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE E A EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR O último capítulo propõe uma reflexão crítica sobre os temas analisados ao longo do trabalho, reunindo os argumentos centrais e examinando as consequências jurídicas, sociais e econômicas da transferência de competência regulatória para as agências. Avaliam-se os riscos de enfraquecimento da proteção constitucional do consumidor, a intensificação da vulnerabilidade e a insegurança jurídica decorrente da fragmentação normativa. Ao mesmo tempo, busca-se propor caminhos para uma regulação mais integrada e eficiente, que preserve a prevalência do CDC e harmonize sua aplicação com normas setoriais e internacionais. Além disso, são apresentadas contribuições para o debate acadêmico e prático, destacando a necessidade de atualização legislativa e a relevância da proteção integral como princípio orientador. O capítulo encerra-se com reflexões finais que conectam a análise desenvolvida à tese central da dissertação, reforçando a importância de uma tutela efetiva e equilibrada do consumidor diante dos desafios contemporâneos. 5.1 Síntese dos Argumentos Analisados A análise crítica das delegações regulatórias atribuídas à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) evidencia a complexidade da interação entre normas constitucionais, legislação infraconstitucional e convenções internacionais. Conforme o artigo 174 da Constituição Federal de 1988, compete à União: “Planejar e executar a defesa do consumidor” e exercer função regulatória sobre setores estratégicos da economia, incluindo o transporte aéreo, delimitado no art. 21, XII, “c”, que atribui à União a exploração direta ou mediante concessão de serviços de transporte aéreo (Brasil, 1988, p. 19)[footnoteRef:8756]. [8756: BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm ] Essa base legal sustenta a delegação de competência à ANAC para detalhamento técnico e normativo das atividades do setor. Contudo, a legislação consumerista, notadamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC, arts. 4º, 6º e 49), impõe limites claros, garantindo que tais regulamentações não possam enfraquecer os direitos dos passageiros (Brasil, 1990, p. 46)[footnoteRef:4560]. [4560: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm.] A primeira dimensão a ser considerada nesta síntese é o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial nos Temas 210 e 1.240, que consolidaram a aplicação das convenções internacionais de transporte aéreo no contexto do direito interno. No Tema 210, o STF firmou que as Convenções de Varsóvia e Montreal são aplicáveis para limitar a responsabilidade civil por danos materiais, mas não se estendem aos danos morais, que permanecem sob a tutela do CDC[footnoteRef:13822]. [13822: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Tema 210: Limitação de responsabilidade das transportadoras aéreas em casos de danos materiais decorrentes de extravio de bagagem em voos internacionais. Repercussão Geral, RE 636.331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25 mai. 2017, DJe 12 set. 2018.] Já no Tema 1.240, a Corte estabeleceu que os danos extrapatrimoniais não se sujeitam às limitações convencionais, cabendo indenização integral conforme as normas consumeristas. Essa interpretação cria um modelo de coexistência entre normas internacionais e legislação nacional, garantindo que a proteção mínima do consumidor não seja prejudicada[footnoteRef:14637]. [14637: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Tema 1240: Reparação por danos extrapatrimoniais em relações de consumo no transporte aéreo. Repercussão Geral, ARE 766.618/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 09 fev. 2023, DJe 16 fev. 2023. ] Nesse sentido, Marques (2023, p. 324)[footnoteRef:27369] afirma: [27369: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] “A jurisprudência do STF avança no sentido de construir um modelo de diálogo das fontes, no qual convenções internacionais e legislação consumerista convivem, desde que a prevalência seja dada à norma mais protetiva ao consumidor.” A segunda dimensão refere-se à atuação da ANAC enquanto autoridade reguladora. Aragão (2013, p. 211)[footnoteRef:6269] alerta que: [6269: ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.] “A delegação normativa às agências não pode serinterpretada como autorização para inovar contra a lei, mas apenas como possibilidade de detalhar tecnicamente comandos legislativos já estabelecidos.” Essa orientação reflete a necessidade de observância rigorosa aos limites constitucionais e consumeristas na elaboração de normas regulatórias. A Resolução nº 400/2016 da ANAC, por exemplo, que disciplina direitos e deveres dos passageiros, sofreu críticas por flexibilizar regras do CDC, principalmente no que concerne ao direito de arrependimento e cobrança de despacho de bagagens. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou que tais normas não afastam a incidência do CDC, destacando a vulnerabilidade do consumidor diante de serviços essenciais e altamente regulados. A análise prática das consequências dessas delegações regulatórias revela impactos diretos sobre os consumidores, particularmente em situações de cancelamento, reembolso e remarcação de passagens. Seixas (2024, p. 132)[footnoteRef:28339] destaca que: [28339: SEIXAS, Luiz Felipe Monteiro. Cooperação regulatória entre autoridades antitrustes e agências reguladoras: análise empírica e institucional do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Trabalho de Conclusão de Curso (MBA em Governança e Controle da Regulação) – Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, Brasília, DF, junho 2024.] “O consumidor é colocado em posição de vulnerabilidade estrutural quando normas técnicas da agência reguladora entram em conflito com direitos básicos assegurados pelo CDC, gerando interpretações divergentes e dificuldade de acesso à reparação integral.” Essa vulnerabilidade se intensifica em face da complexidade normativa do setor aéreo, caracterizada por tarifas diferenciadas, regras contratuais detalhadas e exigências técnicas que o passageiro comum dificilmente compreende integralmente. Segundo Ragazzo (2018, p. 92)[footnoteRef:6345], “a especialização técnica das normas não deve obscurecer os direitos essenciais do consumidor, sob pena de violação do princípio constitucional da vulnerabilidade”. [6345: RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Coordenação efetiva e sistematização: novas tendências da melhora da qualidade regulatória no Brasil. REI - Revista Estudos Institucionais, v. 4, n. 2, p. 513-536, 2018.] Outro aspecto relevante da síntese consiste na análise do equilíbrio entre eficiência regulatória e proteção consumerista. A autonomia técnica da ANAC é fundamental para assegurar a operacionalidade do setor aéreo e a segurança de voo. No entanto, Cherman (2017, p. 152)[footnoteRef:23205] observa que: [23205: CHERMAN, Yuri César. A atuação das agências reguladoras perante conflitos consumeristas por meio da administração concertada: análise pautada no princípio da eficiência. 2017. 152 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado em Direito, Brasília, 2017.] “A eficiência administrativa das agências reguladoras não pode se sobrepor à proteção mínima constitucional e infraconstitucional dos direitos do consumidor, devendo sempre existir mecanismos que garantam a efetiva tutela desses direitos.” Nesse contexto, o art. 5º, XXXII, da CF/88 e os arts. 4º, 6º e 49 do CDC tornam-se balizas normativas indispensáveis. Estes dispositivos asseguram não apenas o direito à informação clara e adequada, mas também a proteção contra práticas comerciais abusivas e a possibilidade de arrependimento, impondo limites explícitos à atuação regulatória. A jurisprudência demonstra que a proteção do consumidor se sobrepõe às normas técnicas quando há conflito direto. Por exemplo, casos recentes envolvendo cancelamento de voos e reembolso de passagens aéreas evidenciam que o Judiciário privilegia a aplicação do CDC mesmo quando a ANAC estipula regras específicas. Marques (2023, p. 328) enfatiza que “o tripé regulatório – Constituição, CDC e normas técnicas – deve ser interpretado em favor do passageiro, especialmente diante de situações que exponham a sua vulnerabilidade”[footnoteRef:6257]. [6257: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023. ] A síntese crítica dos argumentos analisados aponta ainda para a necessidade de integração entre as dimensões jurídica, técnica e social da regulação. Binenbojm (2005, p. 135)[footnoteRef:24387] destaca: [24387: BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras Independentes e Democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 240, 2005, p. 147 165.] “A regulação setorial, para ser efetiva, deve harmonizar eficiência administrativa, segurança operacional e proteção consumerista, sob pena de gerar conflitos de interpretação que comprometam a credibilidade da agência e a proteção do usuário.” Nesse sentido, a articulação entre normas constitucionais, legislação infraconstitucional e decisões judiciais revela que a delegação regulatória à ANAC é legítima, mas condicionada a limites claros. O art. 170, V, da CF/88 reforça a função social da economia, exigindo que a atividade regulatória preserve o equilíbrio entre exploração econômica e proteção do consumidor (Brasil, 1988, p. 22)[footnoteRef:13701]. A delegação normativa deve sempre respeitar os princípios constitucionais e consumeristas, garantindo que a autonomia técnica não resulte em desproteção do usuário”. [13701: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm? ] Ainda no plano da prática regulatória, observa-se que situações como atrasos e cancelamentos impactam diretamente os consumidores, impondo-lhes custos econômicos e emocionais. Mesquita (2002, p. 95)[footnoteRef:32267] pontua que: [32267: MESQUITA, Álvaro Augusto Pereira. O papel e o funcionamento das Agências Regu ladoras no contexto do Estado brasileiro: problemas e soluções. Revista de Informação Legislativa [do Senado Federal]. Brasília: Senado Federal, v. 42, ed. 166, p. 23-40, 2005. ] “A regulamentação técnica deve incluir mecanismos de compensação e reparação, de forma a assegurar que a vulnerabilidade do consumidor não seja explorada em benefício do operador do serviço”. Essa perspectiva reforça o princípio da vulnerabilidade objetiva do consumidor previsto no art. 4º do CDC, que reconhece a necessidade de tutela especial frente à desigualdade informacional e estrutural. Por fim, a síntese evidencia que o triplo eixo de análise – prevalência constitucional, limites da delegação normativa e impactos práticos sobre o consumidor – constitui a base para propostas de aperfeiçoamento da regulação integrada. Este conjunto de elementos consolida uma visão crítica, fundamentada e abrangente, demonstrando que a delegação regulatória à ANAC, ainda que legítima, deve ser interpretada e aplicada sempre à luz da proteção do consumidor, da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor. A próxima seção aprofundará a análise dos riscos decorrentes dessa dinâmica, buscando identificar lacunas e apresentar caminhos de aperfeiçoamento normativo e procedimental. 5.2 Análise dos Riscos para o Consumidor A análise da transferência de responsabilidades regulatórias para agências independentes e a consequente mitigação da tutela direta do Estado apresenta impactos significativos na proteção do consumidor, especialmente no que concerne aos riscos de redução dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, em especial o artigo 5º, XXXII, que assegura a defesa do consumidor como direito fundamental (Brasil, 1988, p. 18)[footnoteRef:7040]. Nesse contexto, a atuação das agências reguladoras, ainda que voltada à eficiência e à racionalização dos serviços, pode implicar vulnerabilidades significativas, ampliando a assimetria informacional e gerando insegurança jurídica frente à interpretação divergente da legislação consumerista (Bessa, 2022, p. 287)[footnoteRef:4175]. [7040:BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm? ] [4175: BESSA, Leonardo Roscoe. Código de defesa do consumidor comentado. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 287-288. ] O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por sua vez, estabelece princípios fundamentais de proteção, como a dignidade, segurança e informação adequada, e instrumentos como o direito de arrependimento (arts. 4º, 6º e 49) (Brasil, 1990, p. 45)[footnoteRef:6858]. Contudo, a descentralização regulatória pode, inadvertidamente, transferir o ônus do controle e fiscalização ao próprio consumidor, exigindo dele maior capacidade de compreensão técnica e jurídica para reivindicar seus direitos. Tal cenário aumenta a vulnerabilidade do consumidor, sobretudo em setores complexos como transporte aéreo e telecomunicações, onde as normas técnicas e tarifárias são amplamente especializadas. [6858: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. ] A assimetria informacional se evidencia na dificuldade que o consumidor tem em acessar informações claras e precisas sobre tarifas, regras contratuais e direitos em casos de cancelamentos ou alterações de serviços. De acordo com Miranda (2009, p. 50)[footnoteRef:32330]: [32330: MIRANDA, Maria Bernadete; RODRIGUES, Luiz Eduardo Miranda José. Contrato de Transporte Aéreo: Aplicabilidade do Código Brasileiro de Aeronáutica, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. In: Revista Virtual Direito Brasil, vol. 3, n. 1, 2009. ] “A complexidade normativa das agências reguladoras, quando não acompanhada de mecanismos robustos de transparência, compromete a efetividade da proteção ao consumidor, pois este se vê desarmado frente ao poder regulatório especializado”. Essa realidade é corroborada por Almeida (2022, p. 221)[footnoteRef:26136], que ressalta que: [26136: ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira. "A Atuação do Judiciário na Defesa do Consumidor: Entre a Prática e a Teoria". Revista Brasileira de Direito Processual, v. 48, n. 4, 2022, p. 219-235. ] “O Judiciário, ao interpretar as normas consumeristas em face das regras específicas das agências reguladoras, enfrenta desafios de harmonização, o que pode gerar decisões divergentes e insegurança jurídica para os consumidores”. No âmbito do transporte aéreo, por exemplo, a atuação da ANAC demonstra que, mesmo com o arcabouço regulatório existente, conflitos de interpretação entre normas de defesa do consumidor e regras técnicas podem prejudicar o passageiro. Estudos recentes indicam que os consumidores frequentemente desconhecem o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC, especialmente em compras online de passagens aéreas (Cohen, 2019, p. 35)[footnoteRef:21065]. Tal desconhecimento reforça a vulnerabilidade e amplia o risco de práticas comerciais abusivas, principalmente quando operadoras exploram cláusulas contratuais complexas ou linguagem jurídica técnica. [21065: COHEN, Fernanda Malaquini Mattos. Do direito de arrependimento nos contratos de transporte aéreo. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão – COGEAE/SP, 2019. ] A vulnerabilidade do consumidor também se manifesta na insegurança jurídica derivada de interpretações divergentes entre tribunais. A jurisprudência aponta decisões heterogêneas sobre questões como cancelamento de passagens, reembolso e cobrança de taxas, evidenciando a necessidade de padronização interpretativa. Outro risco relevante é a transferência de custos e responsabilidades do fornecedor para o consumidor, como apontado por Gontijo et al., (2013, p. 55)[footnoteRef:1164]: [1164: GONTIJO, Guilherme Dias; LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. Recall: proteção do consumidor ou transferência de custos e riscos do negócio? Recall: consumer protection or transference of business costs and risks? Revista Publica Direito, 2013. ] “Recalls, alterações contratuais e penalidades administrativas, quando não acompanhadas de informação clara e acessível, acabam por recair sobre o consumidor, que assume os riscos do negócio”. Este fenômeno evidencia como a regulação técnica, sem a adequada perspectiva consumerista, pode resultar em prejuízos sociais e econômicos significativos. A doutrina também alerta para o impacto da transferência regulatória sobre a proteção constitucional. Nesse contexto, Sarlet (2009, p. 112)[footnoteRef:6413] afirma que: [6413: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Liv. Do Advogado, 2009.] “A eficácia dos direitos fundamentais, especialmente em matéria de defesa do consumidor, exige que o Estado assegure mecanismos adequados de aplicação, fiscalização e reparação, sob pena de esvaziamento da norma constitucional”. Neste contexto, a atuação das agências deve ser conciliada com os direitos previstos no art. 5º, XXXII, da CF/88 e com os princípios do CDC, garantindo que eficiência regulatória não se sobreponha à proteção essencial do cidadão. Além disso, o princípio da vulnerabilidade objetiva do consumidor, consagrado pelo CDC (Brasil, 1990, p. 46)[footnoteRef:9470], assume relevo diante de produtos e serviços de alta complexidade. O transportador aéreo, por exemplo, detém informações técnicas, logísticas e tarifárias que o consumidor não consegue avaliar plenamente, caracterizando uma assimetria informacional estrutural. [9470: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm.] Alves Júnior (2025, p. 223)[footnoteRef:19093] aponta que: [19093: ALVES JÚNIOR, Silvio Moreira. A efetividade da proteção do consumidor diante da inobservância do Código de Defesa do Consumidor pelo Poder Judiciário. Jus.com.br, 19 fev. 2025. ] “A proteção do consumidor só será efetiva se houver uma harmonização entre a regulação setorial e os princípios consumeristas, de modo que a independência técnica das agências não se traduza em inefetividade dos direitos fundamentais”. O CDC, em seus artigos 4º e 6º, enfatiza a política pública de proteção ao consumidor e os direitos básicos, incluindo informação adequada, proteção contra práticas abusivas e educação para o consumo. Tartuce et al., (2021, p. 328)[footnoteRef:25150] observam que a regulação setorial precisa ser interpretada em harmonia com o CDC, a fim de evitar lacunas normativas que possam ampliar a vulnerabilidade do consumidor. [25150: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. ISBN 978-65-596-4026-3.] A insegurança jurídica gerada pela atuação regulatória descentralizada pode ser exemplificada pela divergência de decisões judiciais sobre o direito de arrependimento em passagens aéreas compradas online. O TJDFT (2024) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (2024) registram interpretações variadas, com impactos diretos na efetividade dos direitos do consumidor. Nesse contexto, a exploração crítica da transferência regulatória evidência que, embora voltada à eficiência administrativa, ela não pode ocorrer sem a devida observância da proteção constitucional e consumerista. O equilíbrio entre autonomia técnica das agências, eficiência regulatória e tutela efetiva do consumidor é imprescindível para assegurar que a proteção prevista no art. 5º, XXXII, da CF/88 e nos arts. 4º, 6º e 49 do CDC seja preservada, garantindo segurança jurídica, transparência e mitigação da vulnerabilidade estrutural do consumidor. 5.3 Propostas para uma Regulação Integrada e Eficiente A busca por um modelo deos fundamentos constitucionais, históricos e doutrinários que sustentam a proteção do consumidor no Brasil, com foco especial no Código de Defesa do Consumidor. Busca-se contextualizar a evolução desse ramo jurídico a partir de fatores sociais, econômicos e internacionais que culminaram na promulgação da Lei nº 8.078/1990, destacando sua inserção no cenário democrático inaugurado pela Constituição Federal de 1988. Serão analisados os princípios estruturantes do sistema, como a vulnerabilidade do consumidor, a boa-fé objetiva e a transparência, além de sua aplicação prática em setores dinâmicos como o transporte e o comércio eletrônico. O capítulo também discute o papel do CDC na contemporaneidade, em meio à globalização e às novas tecnologias, demonstrando sua capacidade de adaptação frente aos desafios emergentes e preparando o terreno para a análise da atuação regulatória do Estado. 1. O DIREITO DO CONSUMIDOR E O CDC 1.1 Introdução à Evolução do Direito do Consumidor no Brasil O Direito do Consumidor no Brasil emergiu em um contexto de profundas transformações sociais, econômicas e tecnológicas, características do final do século XX. A rápida expansão do mercado, aliada à complexidade crescente das relações de consumo e à assimetria de informações entre fornecedores e consumidores, impôs a necessidade de uma proteção jurídica específica, capaz de assegurar equilíbrio, transparência e justiça nas relações privadas. Este reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor foi consagrado na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5º, XXXII, estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, consolidando um princípio fundamental que orienta toda a legislação infraconstitucional subsequente[footnoteRef:14828]. [14828: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da Brasília, 5 out. 1988. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.] A Constituição Federal representa, portanto, um marco histórico ao conferir ao consumidor uma posição de proteção privilegiada, evidenciando a necessidade de intervenção normativa em face do desequilíbrio estrutural existente nas relações de consumo[footnoteRef:11905]. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) surge como um instrumento que transcende a mera regulamentação normativa, consolidando direitos e mecanismos de tutela coletiva e individual, capazes de garantir a reparação de danos, a prevenção de abusos e a segurança nas transações de produtos e serviços (Theodoro Jr., 2023, p. 106)[footnoteRef:14982]. [11905: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da Brasília, 5 out. 1988. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.] [14982: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] Historicamente, o Brasil não possuía uma legislação ampla e integrada de proteção ao consumidor antes da promulgação do CDC. A regulação do consumo era dispersa, fragmentada e predominantemente setorial, limitada a normas esparsas voltadas a proteger direitos específicos, como a publicidade enganosa e práticas comerciais abusivas. Movimentos sociais, associações civis e a academia jurídica pressionavam há décadas pela criação de um marco legal que consolidasse direitos básicos, resultando em um esforço conjunto de juristas, órgãos de defesa do consumidor e representantes da sociedade civil para a construção de uma legislação inovadora e abrangente. O surgimento do CDC também foi profundamente influenciado por experiências internacionais. Países da União Europeia, Estados Unidos e outras nações latino-americanas já haviam consolidado legislações voltadas à proteção do consumidor, baseadas na ideia de vulnerabilidade, prevenção de abusos e responsabilização objetiva dos fornecedores. Nessa perspectiva, Benjamin (2015, p. 24)[footnoteRef:26005] destaca que o transporte aéreo deve ser entendido como serviço de consumo, o que atrai a plena incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre as relações estabelecidas entre passageiros e companhias aéreas. [26005: BENJAMIN, Antônio Herman V. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 100, ano 24, p. 23-37, 2015.] Segundo Gonçalves (2020, p. 41)[footnoteRef:24586]: [24586: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito do Consumidor. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.] A criação do CDC representou uma verdadeira mudança de paradigma, pois reconheceu que a proteção do consumidor não se limita à regulamentação de condutas contratuais, mas envolve uma concepção sistêmica de justiça social, onde o Estado atua como garantidor da equidade nas relações privadas. Essa interpretação ampliada do direito do consumidor reflete uma visão moderna, que considera não apenas o direito individual de reclamar, mas também mecanismos de tutela coletiva, capazes de assegurar que o sistema econômico funcione dentro de parâmetros éticos e equilibrados (Theodoro Jr., 2023, p. 108)[footnoteRef:13122]. [13122: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] O princípio da vulnerabilidade, central ao CDC, reconhece que o consumidor, em razão da assimetria informacional, da menor capacidade técnica ou jurídica e da dependência econômica, encontra-se em posição estrutural de desvantagem frente ao fornecedor. Marques at al., (2023, p. 95)[footnoteRef:997] explica que esse reconhecimento não apenas fundamenta a criação de normas específicas, mas também orienta a interpretação e aplicação do CDC, garantindo que seus dispositivos sejam aplicados de forma efetiva para prevenir abusos e assegurar direitos. [997: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] A Constituição Federal e o CDC refletem ainda um diálogo entre normas nacionais e internacionais. Essa interação evidencia que o CDC é um instrumento dinâmico, projetado para evoluir de acordo com as transformações econômicas, sociais e culturais, mantendo sua eficácia e relevância em diferentes contextos. Ademais, a proteção ao consumidor no Brasil não se limita apenas a normas materiais de direitos, mas também abrange instrumentos processuais e mecanismos de fiscalização. Theodoro Jr. (2023, p. 120)[footnoteRef:16993] destaca que: [16993: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] O CDC prevê ações coletivas, reclamações administrativas e instrumentos de mediação e arbitragem, garantindo que o consumidor hipossuficiente tenha acesso à reparação, mesmo diante de desafios estruturais, como a complexidade das relações comerciais e a dispersão geográfica de fornecedores e prestadores de serviços. Em síntese, a introdução e evolução do Direito do Consumidor no Brasil representam a consolidação de uma política pública e jurídica fundamentada em princípios constitucionais, históricos e internacionais. O CDC não apenas regula o mercado, mas também atua como instrumento de justiça social, promovendo equilíbrio, transparência, responsabilidade objetiva e proteção reforçada para os consumidores. 1.2 Contextualização Histórica do CDC Antes da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, o ordenamento jurídico brasileiro contava com normas fragmentadas e setoriais voltadas à proteção do consumidor, mas sem oferecer uma tutela abrangente e integrada. Esse cenário refletia a percepção histórica de que o mercado deveria ser autorregulado, e que a intervenção estatal seria limitada a casos pontuais de abusos explícitos (Marques et al., 2021, p. 129)[footnoteRef:4073]. Nesse contexto, os consumidores eram estruturalmente vulneráveis, pois não possuíam instrumentos legaisregulação integrada e eficiente no setor de transporte aéreo brasileiro exige uma análise crítica das lacunas observadas na prática regulatória atual, especialmente no que se refere à atuação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e à prevalência dos direitos dos consumidores previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na Constituição Federal de 1988. A literatura especializada indica que a simples delegação normativa às agências reguladoras, embora necessária para a operacionalização do setor, não deve se dissociar de mecanismos que garantam a efetiva proteção do consumidor, consolidando assim a segurança jurídica e a confiança social (Aragão, 2013, p. 211)[footnoteRef:8413]. [8413: ARAGÃO, Alexandre Santos. Agência reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. ] Um primeiro ponto a ser considerado é a necessidade de preservar a prevalência do CDC em qualquer modelo regulatório. Os arts. 4º, 6º e 49 do CDC estabelecem princípios essenciais, como a vulnerabilidade do consumidor, a informação adequada e clara sobre os serviços e a proteção contra práticas abusivas, além da possibilidade de arrependimento em contratos de consumo (Brasil, 1990, p. 48)[footnoteRef:15544]. Nesse contexto, a proposta de integração regulatória deve assegurar que normas técnicas da ANAC não possam, em hipótese alguma, reduzir os direitos do passageiro, mesmo diante de inovações ou flexibilizações procedimentais. [15544: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 15 set. 2025.] Aragão (2013, p. 215)[footnoteRef:20927] reforça que: [20927: ARAGÃO, Alexandre Santos. Agência reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.] “A eficiência administrativa das agências reguladoras não pode se sobrepor à proteção mínima constitucional e infraconstitucional dos direitos do consumidor, devendo sempre existir mecanismos que garantam a efetiva tutela desses direitos.” A harmonização entre regulação setorial e normas legais exige, em primeiro lugar, a definição clara de competências. O art. 21, XII, “c” da CF/88 estabelece que compete à União explorar, diretamente ou mediante concessão, os serviços de transporte aéreo, conferindo legitimidade à delegação de normas à ANAC. No entanto, a mesma Constituição, nos arts. 5º, XXXII e 170, V, impõe limites à atuação do poder público, ao condicionar a regulação à promoção do interesse social, da defesa do consumidor e da função social da economia (Brasil, 1988, p. 22)[footnoteRef:31912]. [31912: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] A integração regulatória eficiente deve, portanto, equilibrar autonomia técnica da agência e observância estrita dos princípios constitucionais, garantindo que toda inovação normativa seja submetida a critérios de compatibilidade com a proteção do consumidor. Um segundo aspecto relevante refere-se à adoção de mecanismos de transparência e participação social, que permitam a fiscalização cidadã e a intervenção de entidades de defesa do consumidor na formulação de normas regulatórias. Binenbojm (2005, p. 138)[footnoteRef:30273] argumenta que: [30273: BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras Independentes e Democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 240, 2005, p. 147 165. ] “A participação social no processo regulatório é fundamental para que a técnica não se sobreponha à justiça social, assegurando que as normas refletam, de fato, os interesses dos consumidores e não apenas a lógica operacional da agência.” Nesse sentido, recomenda-se a criação de consultas públicas mais robustas, com prazos adequados e ampla divulgação, permitindo que passageiros, associações civis e especialistas possam contribuir para a regulamentação. Esta prática é alinhada aos princípios de boa governança e accountability, fortalecendo a legitimidade da ANAC e minimizando conflitos judiciais decorrentes de interpretação normativa divergente. Outro ponto estratégico diz respeito à padronização e simplificação das normas, de modo a reduzir a complexidade interpretativa enfrentada pelo consumidor. A Resolução nº 400/2016 da ANAC, que trata de direitos e deveres dos passageiros, embora seja um marco regulatório importante, apresenta inconsistências com algumas previsões do CDC, especialmente no tocante ao direito de arrependimento e à cobrança de tarifas adicionais. Marques (2023, p. 329)[footnoteRef:6530] observa que: [6530: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023. ] “A harmonização normativa exige que os regulamentos setoriais sejam expressos em linguagem acessível, de fácil compreensão pelo usuário final, sem abrir mão da precisão técnica necessária à operação segura do setor.” Uma regulação integrada deve ainda considerar modelos internacionais de boas práticas, adaptáveis ao contexto brasileiro, garantindo tanto segurança operacional quanto proteção do consumidor. Países como Canadá e União Europeia implementaram sistemas de compensação automática em casos de atrasos e cancelamentos de voos, acompanhados de regulação clara sobre reembolsos e assistência a passageiros (Binenbojm, 2005, p. 140)[footnoteRef:21599]. Esses modelos, se adaptados ao Brasil, poderiam reduzir a judicialização de conflitos e fortalecer a percepção de justiça e previsibilidade do setor aéreo. [21599: BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras independentes e democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 147-167, 2005.] A experiência internacional também sugere que instrumentos de compliance regulatório e auditorias independentes são essenciais para monitorar a efetividade das normas e prevenir abusos. Mendonça et al., (2021, p. 45)[footnoteRef:151] destaca que: [151: MENDONÇA, José Vicente dos Santos; TOSTA, André Ribeiro. Regulação Econômica no Brasil: fundamentos, características e atualidades. In: HEINEN, Juliano (Org.). Direito da Regulação – Teoria e prática dos setores regulados. Salva dor: JusPodivm, 2021.] “A regulação setorial moderna não se limita à edição de normas, mas deve incorporar mecanismos contínuos de monitoramento, avaliação e responsabilização, garantindo que as regras previstas sejam, de fato, cumpridas e que o consumidor tenha canais efetivos de reparação.” Em paralelo, Justen Filho (2002, p. 97) [footnoteRef:9670]propõe que a integração regulatória deve ser construída sobre três eixos estruturantes: [9670: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002. ] (i) a harmonização de normas setoriais com o CDC e a Constituição; (ii) a criação de mecanismos de fiscalização e accountability; e (iii) a adoção de práticas internacionais adaptadas à realidade brasileira, promovendo equilíbrio entre eficiência e proteção do consumidor. Esse tripé permite reduzir conflitos normativos, reforçar a segurança jurídica e melhorar a percepção de confiabilidade do setor. Ainda sob a perspectiva normativa, é recomendável que a ANAC adote critérios objetivos e claros para compensação e remarcação de voos, alinhados aos arts. 14 e 20 do CDC, que tratam da responsabilidade do fornecedor por defeitos na prestação de serviços e do dever de reparar integralmente danos causados ao consumidor (Brasil, 1990, p. 53)[footnoteRef:29748]. A padronização de procedimentos, aliada a sistemas digitais de comunicação e registro de ocorrências, pode aumentar a previsibilidade para os passageiros e reduzir a litigiosidade. [29748: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesado Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm.] No plano legislativo, a proposição de leis complementares ou regulamentações específicas que consolidem o diálogo entre ANAC e CDC se mostra estratégica. Tais instrumentos poderiam estabelecer limites explícitos à atuação da agência, definindo claramente situações em que a legislação consumerista prevalece sobre normas técnicas. Essa medida reduziria ambiguidades, oferecendo segurança jurídica para operadores e consumidores, e alinhando o setor às melhores práticas internacionais de governança regulatória (Aragão, 2013, p. 218)[footnoteRef:18189]. [18189: ARAGÃO, Alexandre Santos. Agência reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.] Adicionalmente, a integração regulatória deve contemplar programas de educação e informação para passageiros, orientando sobre direitos e deveres previstos na Resolução nº 400/2016 da ANAC e no CDC. Jordão et al., (2020, p. 549)[footnoteRef:10760] argumenta que: [10760: JORDÃO, Eduardo; CABRAL Jr.; Renato Toledo; BRUMATI, Luiza. O STF e o controle das leis sobre o regime jurídico das agências reguladoras federais. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 549-600, maio/ago. 2020.] “A educação do consumidor é componente essencial de qualquer regulação eficiente, pois fortalece a autonomia informacional e reduz a assimetria de poder entre usuários e operadores do serviço.” Essa dimensão preventiva contribui para a redução de conflitos, evita abusos e fortalece a cultura de respeito ao consumidor. Por fim, a proposição de indicadores de desempenho regulatório, acompanhados de relatórios periódicos, permite à ANAC avaliar a eficácia das medidas implementadas e ajustar normas quando necessário. Tais indicadores podem incluir taxas de satisfação do passageiro, número de reclamações, tempo médio de reembolso e incidência de falhas operacionais, promovendo um ciclo contínuo de melhoria e ajustamento da regulação. Em síntese, a construção de um modelo de regulação integrada e eficiente no transporte aéreo brasileiro deve considerar: (i) a prevalência incondicional do CDC e dos princípios constitucionais; (ii) a harmonização normativa entre regras setoriais e legislação de proteção ao consumidor; (iii) a adoção de boas práticas internacionais adaptáveis; (iv) mecanismos robustos de participação social, transparência e accountability; (v) sistemas claros e padronizados de compensação e remarcação; (vi) educação do consumidor e comunicação efetiva; e (vii) monitoramento contínuo com indicadores de desempenho (Marques, 2021, p. 332)[footnoteRef:17018]. [17018: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] Essa abordagem integrada garante segurança jurídica, eficiência operacional e proteção efetiva do consumidor, respondendo às demandas contemporâneas do setor aéreo brasileiro e consolidando uma regulação robusta, legítima e sustentável. 5.4 Contribuições para o Debate Acadêmico e Prático A discussão sobre as contribuições acadêmicas e práticas relativas à regulação do transporte aéreo e à proteção do consumidor no Brasil revela a complexidade de um cenário em constante transformação, marcado por inovações tecnológicas, expansão do comércio eletrônico e crescente mobilidade urbana e internacional. A Constituição Federal de 1988, em seus arts. 5º, XXXII, 170, V e 174, estabelece a base normativa para a atuação do Estado, conferindo ao poder público a responsabilidade de intervir na economia e assegurar a proteção integral do consumidor (Brasil, 1988, p.27-28)[footnoteRef:19394]. [19394: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] Nesse contexto, a ANAC assume papel central como agência reguladora, devendo conciliar a implementação de normas técnicas com a observância dos direitos fundamentais dos usuários de serviços aéreos. A relevância da atualização legislativa e regulatória é evidente quando se observa o avanço do comércio eletrônico e da digitalização das operações aéreas. Segundo Marques et al., (2023, p. 324)[footnoteRef:2172]: [2172: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023] “A evolução tecnológica impõe aos legisladores e reguladores uma adaptação contínua, de modo que a proteção do consumidor seja mantida em todos os novos canais de interação, sem perder eficácia diante de mecanismos digitais”. Essa necessidade de atualização está alinhada com a premissa do Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei nº 8.078/1990), que visa garantir o direito à informação clara e adequada (art. 6º, III), à prevenção de danos (art. 6º, IV) e à reparação integral em casos de falha na prestação de serviços (art. 14, §1º) (Brasil, 1990, p. 45-48)[footnoteRef:23048]. [23048: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm.] A literatura nacional destaca que a integração entre regulação setorial e normas consumeristas não é apenas desejável, mas essencial para evitar lacunas jurídicas. Aragão (2013, p. 211)[footnoteRef:6974] observa que: [6974: ARAGÃO, Alexandre Santos. Agência reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.] “A delegação normativa às agências reguladoras deve ser compreendida como detalhamento técnico de comandos legislativos, nunca como permissão para inovar contra a lei ou reduzir a proteção do consumidor”. Nesse sentido, a Resolução ANAC nº 400/2016, que disciplina direitos e deveres dos passageiros, ilustra a tensão entre regulamentação setorial e proteção consumerista, especialmente em questões de cancelamento, reembolso e cobrança por bagagem. Embora a resolução estabeleça procedimentos detalhados para companhias aéreas, o Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que tais normas não afastam a incidência do CDC quando há vulnerabilidade do consumidor ou falha na prestação do serviço. O estudo de Justen Filho (2002, p. 172)[footnoteRef:15682] reforça que: [15682: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] “A segurança jurídica no transporte aéreo depende da convergência entre normas internacionais, regulamentos internos e direitos consumeristas, de forma a assegurar a previsibilidade e a confiança do usuário nos serviços prestados”. Essa convergência é particularmente relevante em face das convenções internacionais de transporte aéreo, como Montreal e Varsóvia, cuja aplicação no Brasil é interpretada pelo STF de modo a proteger integralmente os consumidores quanto a danos extrapatrimoniais, mesmo diante de limitações de responsabilidade civil (Marques et al., 2023, p. 327)[footnoteRef:16803]. [16803: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] No contexto acadêmico, é possível identificar três eixos centrais para o debate: primeiro, a necessidade de constante atualização das normas diante de novas tecnologias; segundo a preservação do princípio da proteção integral do consumidor como orientador de toda regulação setorial; e terceiro, a identificação de lacunas regulatórias que possam gerar oportunidades de pesquisa aplicada e políticas públicas aprimoradas. Nesse sentido, Aragão (2013, p. 214)[footnoteRef:22760] afirma que: [22760: ARAGÃO, Alexandre dosSantos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.] “A análise comparativa com modelos internacionais demonstra que experiências consolidadas podem fornecer subsídios importantes para o aperfeiçoamento da regulação brasileira, desde que respeitados os limites constitucionais e a prevalência das normas consumeristas”. A experiência internacional evidencia práticas que podem ser adaptadas ao Brasil. Na União Europeia, por exemplo, a regulamentação do transporte aéreo combina diretrizes de proteção do consumidor com normas técnicas de operação, permitindo a harmonização entre segurança operacional e direitos do passageiro. Nos Estados Unidos, o Departamento de Transportes (DOT) estabelece regras claras sobre reembolsos e remarcações, incluindo prazos rígidos para compensação financeira, e mecanismos de fiscalização digital que podem ser transpostos para o contexto brasileiro. Essas experiências internacionais reforçam a necessidade de que a regulação no Brasil não se limite a procedimentos internos, mas incorpore critérios de eficiência, transparência e segurança jurídica, sem prejudicar os direitos do consumidor. Outro aspecto crítico para o debate acadêmico é a relevância do comércio eletrônico. A aquisição de passagens aéreas e serviços complementares via plataformas digitais exige que a legislação e a regulação considerem não apenas a prestação física do serviço, mas também o ambiente eletrônico de contratação. Segundo Marques (2005, p. 328)[footnoteRef:10375]: [10375: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. ] “A proteção do consumidor deve abranger todos os canais de interação, incluindo sites, aplicativos e intermediários digitais, de forma que falhas nesse ambiente não resultem em prejuízos ao passageiro”. Essa perspectiva reforça a necessidade de políticas públicas e normativas integradas que prevejam responsabilidades claras para cada ator envolvido, garantindo a plena eficácia do CDC. A pesquisa acadêmica também aponta lacunas regulatórias que necessitam de atenção. Entre elas, destacam-se a falta de critérios uniformes para compensação em casos de atrasos e cancelamentos, a insuficiência de mecanismos de fiscalização efetiva em plataformas digitais e a ausência de incentivos para que companhias aéreas adotem práticas proativas de informação e prevenção de danos. A superação dessas lacunas depende de um diálogo constante entre reguladores, academia e sociedade civil, de modo a construir um modelo regulatório resiliente e centrado no consumidor. A importância do princípio da proteção integral do consumidor como norteador da regulação é reforçada pela Constituição Federal, que estabelece a dignidade da pessoa humana como valor fundamental (art. 1º, III) e a defesa do consumidor como dever do Estado (art. 5º, XXXII). Essa perspectiva constitucional sustenta a tese de que toda inovação regulatória deve ser avaliada não apenas pelo critério técnico ou econômico, mas também pelo impacto sobre os direitos fundamentais dos usuários de serviços aéreos (Brasil, 1988, p. 23-27)[footnoteRef:23441]. [23441: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm] Nesse cenário, a regulação integrada deve contemplar instrumentos de governança participativa, nos quais usuários, operadoras e órgãos reguladores possam dialogar de forma contínua. Marques et al., (2021, p. 330)[footnoteRef:2203] argumenta que: [2203: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] “A construção de políticas públicas efetivas depende de espaços de deliberação que incorporem experiências concretas de consumo, garantindo que a legislação e a regulamentação reflitam a realidade dos passageiros”. Tal abordagem fortalece a confiança do consumidor e contribui para a eficiência do mercado, ao reduzir litígios e estimular práticas responsáveis pelas companhias aéreas. Por fim, a pesquisa acadêmica tem papel central na indicação de oportunidades para futuras políticas públicas. A identificação de lacunas, como a ausência de regulamentação clara para passagens promocionais digitais, a padronização de reembolsos e a fiscalização das plataformas de vendas, permite o desenvolvimento de projetos normativos inovadores, sustentados em evidências empíricas. Aragão (2013, p. 216)[footnoteRef:21718] destaca que: [21718: ARAGÃO, Alexandre Santos. Agência reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.] “A ciência aplicada ao direito e à regulação é ferramenta indispensável para reduzir incertezas, aperfeiçoar a governança e proteger efetivamente os consumidores em um mercado cada vez mais complexo e digital”. Em suma, o debate acadêmico e prático sobre regulação integrada do transporte aéreo evidencia a necessidade de atualização normativa frente às novas tecnologias, reforço da proteção integral do consumidor, adoção de boas práticas internacionais adaptáveis e identificação de lacunas regulatórias que impulsionem pesquisas e políticas públicas inovadoras. Essa abordagem não apenas fortalece a segurança jurídica e a eficiência operacional, mas também consolida o princípio da proteção ao consumidor como elemento central do ordenamento jurídico brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise empreendida ao longo desta dissertação permitiu compreender, de maneira ampla e crítica, os aspectos jurídicos, regulatórios e práticos que envolvem a temática da interpretação comparativa e da convergência normativa no transporte aéreo. O percurso investigativo evidenciou que a aviação civil, por sua natureza transnacional, exige uma regulação que vá além das fronteiras nacionais, dialogando com normas internacionais, convenções multilaterais e a jurisprudência consolidada. Um dos pontos centrais que emergiram do estudo foi a necessidade de harmonização entre os ordenamentos jurídicos. Embora cada país detenha autonomia normativa, a interdependência própria da aviação impõe a busca de convergência, seja por meio de tratados internacionais, seja pela adoção de boas práticas já reconhecidas em outras jurisdições. Esse movimento de aproximação não se dá apenas em benefício das empresas aéreas ou dos órgãos reguladores, mas se projeta diretamente sobre os passageiros, que passam a contar com maior previsibilidade e segurança quanto aos seus direitos e deveres. Outro achado relevante diz respeito à função da jurisprudência como instrumento de integração normativa. A análise comparativa demonstrou que decisões judiciais nacionais, ao interpretar tratados internacionais ou ao dialogar com experiências estrangeiras, acabam desempenhando papel ativo na formação de um campo jurídico mais uniforme. Tal constatação revela que não se trata apenas de atividade legiferante ou de compromissos assumidos no plano internacional, mas também de um processo interpretativo que se renova nos tribunais e que influencia a efetividade das normas. No contexto brasileiro, observou-se que a Constituição Federal de 1988, ao garantir o direito de acesso à justiça e a defesa do consumidor, abriu espaço para uma leitura que favorece a proteção do passageiro aéreo. A convergência normativa, portanto, não é apenas resultado de pressões externas ou de adesões a convenções, mas também da necessidade de conciliar o sistema interno com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Esse equilíbrio se mostra particularmente evidente na relação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Convenção de Montreal, em que o desafio consiste em compatibilizar a proteção nacional do consumidor com os limites e parâmetros globais estabelecidos para a responsabilidadecivil das companhias aéreas. A pesquisa também destacou que, apesar dos avanços, persistem desafios significativos. Entre eles, destacam-se: (i) a resistência de alguns sistemas jurídicos em adotar padrões internacionais de forma integral; (ii) a dificuldade de atualização normativa frente às rápidas transformações do setor aéreo, sobretudo no campo tecnológico; e (iii) a necessidade de fortalecimento das agências reguladoras, que desempenham papel crucial na aplicação uniforme das regras. Esses obstáculos revelam que a convergência normativa não se trata de um ponto de chegada definitivo, mas de um processo contínuo de diálogo e adaptação. No plano metodológico, a dissertação demonstrou que a abordagem comparativa não apenas enriquece a compreensão das normas, mas também amplia as possibilidades de solução de conflitos. Ao cotejar diferentes experiências normativas e jurisprudenciais, é possível identificar caminhos de aprimoramento, seja pela importação de boas práticas, seja pela rejeição consciente de modelos que não se adaptam à realidade brasileira. Esse movimento de abertura comparativa, contudo, deve ser conduzido de forma crítica, evitando o transplante automático de soluções estrangeiras sem a devida adequação ao contexto jurídico e social nacional. Por fim, ressalta-se que a discussão sobre a convergência normativa no transporte aéreo não se encerra com este trabalho. Pelo contrário, trata-se de um campo em permanente transformação, marcado pela constante atualização dos tratados internacionais, pela evolução da jurisprudência e pelas demandas sociais emergentes. O estudo buscou oferecer um panorama sólido para futuras investigações, mas reconhece que novos desdobramentos — como a crescente digitalização dos serviços, as mudanças ambientais e a necessidade de maior sustentabilidade no setor — certamente exigirão releituras e aprofundamentos. Assim, as considerações finais apontam para a importância do equilíbrio entre soberania normativa e integração internacional, de modo a garantir não apenas a eficiência do transporte aéreo, mas também a proteção efetiva dos direitos dos passageiros. Ao propor um olhar comparativo e atento à convergência, a pesquisa reforça a ideia de que a aviação civil só pode alcançar sua plena funcionalidade e legitimidade quando pautada por normas claras, harmônicas e comprometidas com a justiça e a equidade. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira. "A Atuação do Judiciário na Defesa do Consumidor: Entre a Prática e a Teoria". Revista Brasileira de Direito Processual, v. 48, n. 4, 2022, p. 219-235. 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FGV, 2003.capazes de equilibrar a relação com fornecedores de produtos e serviços, especialmente em situações envolvendo práticas comerciais complexas e expansão acelerada do crédito e do consumo de massa. [4073: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] O crescimento econômico da década de 1980, aliado à intensificação da publicidade e à popularização do crédito, evidenciou desequilíbrios claros nas relações de consumo, colocando em destaque a necessidade de um marco regulatório específico. A emergência de uma consciência social sobre os direitos do consumidor impulsionou debates acadêmicos e mobilizações de organizações civis e associações de defesa do consumidor, que pressionavam por uma legislação que integrasse princípios de equidade, transparência e responsabilização objetiva. A formulação do CDC foi inspirada por experiências internacionais consolidadas, especialmente nos Estados Unidos e na União Europeia, onde já se reconhecia a vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de normas protetivas. Essa aproximação com modelos internacionais não significa mera cópia, mas sim uma adaptação crítica e contextualizada, que considerou o desenvolvimento econômico, social e cultural do Brasil, adequando os princípios à realidade nacional. Nesse contexto, Vergara (2003, p.47)[footnoteRef:16366] enfatiza: [16366: VERGARA, S. H. C. Impacto dos Direitos dos Consumidores nas Práticas Empresariais. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003.] O Código de Defesa do Consumidor gerou transformações significativas nas práticas empresariais no contexto internacional, exigindo maior transparência, respeito aos direitos básicos e reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de mercado. Dessa forma, a legislação não se limita à esfera privada, mas impõe obrigações objetivas aos fornecedores, orientando toda a atuação estatal e corporativa em torno do equilíbrio das relações de consumo. O processo legislativo que culminou na Lei nº 8.078/1990 envolveu ampla participação de juristas, representantes do governo, órgãos de defesa do consumidor e sociedade civil organizada. Theodoro Jr. (2023, p. 120)[footnoteRef:21627] enfatiza que: [21627: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] “A elaboração do CDC se caracterizou por um modelo participativo, em que a experiência prática de fiscalização, análise de reclamações e mediação de conflitos foi incorporada ao texto legal, garantindo maior efetividade das normas e capacidade de adaptação às mudanças sociais”. Essa característica participativa tornou o CDC um instrumento flexível e dinâmico, capaz de responder a novas situações e desafios, como o comércio eletrônico, práticas de publicidade digital e relações de consumo complexas. Além da participação institucional, o CDC consolidou princípios jurídicos que vinham sendo discutidos pela doutrina desde meados do século XX. Entre eles, destacam-se a vulnerabilidade do consumidor, a boa-fé objetiva, a transparência e a proteção reforçada em contratos de adesão (Marques et al., 2021, p. 35)[footnoteRef:21825]. A adoção desses princípios não se limitou à interpretação normativa, mas orientou a prática judiciária, administrativa e até mesmo as políticas de autorregulação empresarial, estabelecendo um padrão ético e jurídico para o mercado brasileiro. [21825: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] Outro aspecto relevante foi a centralidade conferida ao conceito de vulnerabilidade. Marques et al., (2021, p. 95)[footnoteRef:1823] explica que a vulnerabilidade do consumidor é uma condição estrutural, não ocasional, que exige mecanismos específicos de proteção. O CDC, portanto, não apenas reconheceu essa vulnerabilidade, mas traduziu-a em direitos concretos, como a inversão do ônus da prova, a possibilidade de ações coletivas e o direito à informação adequada e clara sobre produtos e serviços. Tais mecanismos reforçam a ideia de que o direito do consumidor deve ser interpretado de forma sistemática, considerando sempre o equilíbrio das relações e a função social do consumo. [1823: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] O contexto histórico de criação do CDC também evidencia a influência de movimentos sociais que atuavam na proteção do consumidor e na defesa do consumidor como direito fundamental. A mobilização de associações civis, conselhos de defesa do consumidor e órgãos de proteção administrativa pressionou o legislador a consolidar um conjunto normativo coerente e aplicável, capaz de superar a fragmentação das normas anteriores. Nunes (2021, p. 121)[footnoteRef:20815] destaca que “a legislação anterior era dispersa e insuficiente, deixando o consumidor à mercê de práticas abusivas e dificultando a responsabilização objetiva de fornecedores”. [20815: NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 14 ed. São Paulo. São Paulo. Saraiva Educação, 2021, p. 253. ] A consolidação do CDC representou, portanto, uma mudança paradigmática no Direito brasileiro, marcando a transição de um modelo regulatório reativo e setorial para um modelo preventivo, sistêmico e integrado. Em suma, a contextualização histórica do Código de Defesa do Consumidor evidencia que sua criação foi resultado de uma combinação de fatores sociais, econômicos, jurídicos e internacionais, integrados por uma visão moderna de proteção ao consumidor (Theodoro Jr., 2023, p. 119)[footnoteRef:27821]. Para o autor, o CDC reflete o reconhecimento da vulnerabilidade estrutural do consumidor, estabelece mecanismos de reparação e prevenção de abusos e consolida princípios jurídicos que orientam toda a interpretação normativa, tornando-se um instrumento essencial para a justiça social e o equilíbrio nas relações de consumo. [27821: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] 1.3 Princípios da Vulnerabilidade e da Proteção O conceito de vulnerabilidade do consumidor é central no ordenamento jurídico brasileiro, sendo reconhecido como condição estrutural e inerente às relações de consumo. A Lei nº 8.078/1990 (CDC)[footnoteRef:12412] estabelece que a proteção ao consumidor deve considerar sua hipossuficiência em relação aos fornecedores, reconhecendo o desequilíbrio informacional, econômico e técnico existente. Essa vulnerabilidade, longe de ser apenas circunstancial, constitui um elemento permanente das relações de consumo, justificando a criação de normas específicas que assegurem o equilíbrio contratual e a efetividade dos direitos do consumidor. [12412: BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília: Planalto, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm.] O princípio da vulnerabilidade, segundo Marques (2005, p. 35)[footnoteRef:28472], fundamenta não apenas a elaboração de normas protetivas, mas também orienta a interpretação do Código de Defesa do Consumidor. Dessa forma, cada dispositivo legal deve ser compreendido à luz da função social do consumo e da necessidade de compensar as assimetrias de poder entre consumidor e fornecedor. A vulnerabilidade é, portanto, o eixo de todas as medidas de proteção, permeando desde a concepção de práticas comerciais até a atuação do Poder Judiciário em casos concretos. [28472: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. SãoPaulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.] A proteção jurídica conferida pelo CDC é multifacetada. Não se limita à defesa patrimonial do consumidor, abrangendo também aspectos informativos, preventivos e reparatórios. Esse enfoque amplia o conceito de proteção, transformando o consumidor em sujeito ativo na relação de consumo, com instrumentos legais capazes de equilibrar desigualdades estruturais. Além disso, o CDC incorpora princípios de boa-fé objetiva, transparência e equilíbrio contratual, que atuam como mecanismos de compensação da vulnerabilidade. Tartuce et al., (2021, p. 65)[footnoteRef:14843] afirmam que: [14843: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. ISBN 978-65-596-4026-3.] “A boa-fé objetiva impõe limites à atuação do fornecedor, exigindo conduta ética e responsável, enquanto a transparência assegura a divulgação clara de informações, elementos essenciais para que o consumidor exerça escolhas conscientes e equilibradas”. Esses princípios são reforçados pelo artigo 6º do CDC[footnoteRef:750], que estabelece direitos fundamentais do consumidor, incluindo a proteção contra publicidade enganosa e a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais abusivas. [750: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor, estabelecendo direitos fundamentais, incluindo proteção contra publicidade enganosa e revisão de cláusulas abusivas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm ] A interpretação principiológica do CDC, permite que as normas sejam aplicadas de forma dinâmica e adaptável às mudanças sociais e tecnológicas. Por exemplo, em contextos como o comércio eletrônico, as plataformas digitais devem fornecer informações detalhadas sobre produtos e serviços, políticas de cancelamento e proteção de dados, refletindo o princípio da vulnerabilidade e garantindo a efetividade do direito à informação. O caráter sistêmico do CDC garante que a proteção ao consumidor seja compreendida de forma integrada, prevenindo abusos e assegurando a função social do consumo. A vulnerabilidade também justifica mecanismos processuais diferenciados. O CDC prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor quando verificada a hipossuficiência técnica ou econômica, conforme previsto no art. 6º, VIII[footnoteRef:15164]. [15164: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor, estabelecendo direitos fundamentais, incluindo proteção contra publicidade enganosa e revisão de cláusulas abusivas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm ] Segundo Theodoro Jr. (2023, p. 120)[footnoteRef:6856]: [6856: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] “A inversão do ônus da prova é medida essencial para equilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, especialmente em casos que envolvem informações técnicas complexas ou relações de consumo de massa, onde o consumidor dificilmente tem condições de produzir provas por conta própria”. Esse instrumento processual reflete a compreensão de que a vulnerabilidade do consumidor é estrutural, e não meramente circunstancial. Nesse contexto, Benjamin (2015, p. 32)[footnoteRef:25705] sustenta que a tentativa de limitar a responsabilidade civil no transporte aéreo não se compatibiliza com o sistema protetivo do CDC, que parte da premissa da vulnerabilidade do consumidor e da necessidade de tutela efetiva contra riscos e danos. A proteção preventiva inclui a regulamentação da publicidade, padrões de qualidade e segurança de produtos e serviços, bem como a exigência de informações claras sobre contratos, taxas e garantias. Esse enfoque evidencia que o CDC não se limita à correção de desequilíbrios passivos, mas busca promover relações de convívio no consumo, elemento central da proteção ao consumidor, também reflete a aplicação do princípio da vulnerabilidade. [25705: BENJAMIN, Antônio Herman V. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 100, ano 24, p. 23-37, 2015.] Segundo Mazza (2020, p. 435)[footnoteRef:1966]: [1966: MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.] A responsabilidade objetiva no direito administrativo baseia-se na teoria do risco administrativo, dispensando a prova de culpa do Estado. Essa concepção dialoga com o regime do Código de Defesa do Consumidor, que também adota a responsabilidade objetiva do fornecedor como forma de equilibrar a vulnerabilidade estrutural do consumidor diante do poder econômico e técnico do fornecedor. Essa responsabilização objetiva reforça a ideia de que o CDC é uma legislação de tutela reforçada, orientada pela proteção integral do consumidor. A interpretação sistemática do CDC também se manifesta na promoção de mecanismos de tutela coletiva. Theodoro Jr. (2023, p. 123)[footnoteRef:15594] enfatiza que: [15594: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] “A defesa dos interesses coletivos do consumidor, por meio de ações civis públicas e instrumentos de intervenção coletiva, consolida a função social da lei, permitindo que grupos vulneráveis tenham acesso à proteção jurídica de forma eficiente e proporcional”. Esse aspecto evidencia que a vulnerabilidade não é apenas individual, mas também coletiva, reforçando o caráter estruturante da proteção ao consumidor no Brasil. Por fim, a aplicação dos princípios da vulnerabilidade e da proteção deve ser contextualizada nas novas formas de consumo, incluindo o comércio eletrônico, serviços digitais e práticas de marketing avançadas. Esse enfoque reafirma que o CDC é um instrumento vivo, capaz de acompanhar transformações sociais, tecnológicas e econômicas, mantendo a proteção do consumidor como objetivo central do ordenamento jurídico. 1.4 Interpretação do CDC e Aplicação dos Princípios Jurídicos A interpretação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) deve ser compreendida sob a perspectiva principiológica, ou seja, orientada pelos fundamentos estruturantes que guiam toda a legislação consumerista brasileira. Entre esses princípios, destacam-se a vulnerabilidade do consumidor, a boa-fé objetiva, a transparência e o equilíbrio contratual, que constituem instrumentos essenciais para garantir a justiça nas relações de consumo (Marques et al., 2021, p. 38)[footnoteRef:30231]. Estes princípios não apenas fornecem diretrizes interpretativas, mas também operam como ferramentas concretas para a proteção do consumidor em contextos diversos, desde o comércio tradicional até as plataformas digitais emergentes. [30231: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] O princípio da boa-fé objetiva, central no CDC, impõe aos fornecedores a obrigação de atuar com lealdade, honestidade e diligência, prevenindo práticas que possam causar desequilíbrio ou dano ao consumidor. Conforme Theodoro Jr. (2023, p. 120)[footnoteRef:19981]: [19981: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] “A boa-fé objetiva requer que o fornecedor forneça informações claras e precisas, respeite os direitos do consumidor e adote condutas que minimizem os riscos de prejuízos, promovendo, assim, a equidade nas relações de consumo”. Esse princípio orienta decisões judiciais e administrativas, assegurando que o poder econômico do fornecedor não se sobreponha à vulnerabilidade estrutural doconsumidor. A transparência nas relações de consumo, outro princípio estruturante, exige a divulgação adequada e acessível de informações relativas a produtos, serviços, preços e condições contratuais. Tartuce et al., (2021, p. 72)[footnoteRef:29814] destacam que: [29814: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. ISBN 978-65-596-4026-3.] “A transparência é requisito indispensável para que o consumidor possa tomar decisões informadas, especialmente em relações de consumo complexas ou tecnológicas, onde a assimetria de informação é mais acentuada”. A aplicação deste princípio tem se mostrado crucial em casos de comércio eletrônico, em que o consumidor muitas vezes não tem contato direto com o fornecedor, tornando a clareza das informações um fator decisivo para a proteção de seus direitos. O equilíbrio contratual, previsto no CDC, atua como mecanismo de mitigação de abusos contratuais e cláusulas desequilibradas, impondo limites à liberdade de estipulação do fornecedor. Nesse sentido, a jurisprudência brasileira tem adotado uma interpretação sistemática, privilegiando a proteção do consumidor em situações de desequilíbrio econômico, técnico ou informacional. A aplicação prática dos princípios do CDC é observada em diversos setores, incluindo transporte, saúde, serviços financeiros e comércio eletrônico. No setor de transporte, por exemplo, decisões judiciais têm reconhecido que atrasos, cancelamentos e falta de informações adequadas sobre direitos do passageiro configuram violação de princípios como a transparência e a boa-fé objetiva (Marques et al., 2023, p. 101)[footnoteRef:3965]. Já no comércio eletrônico, a obrigação de fornecer informações claras sobre políticas de devolução, segurança de dados e prazos de entrega reflete a adaptação do CDC às novas formas de consumo. [3965: MARQUES, Cláudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 145, n. 32, p. 295-316, jan./fev. 2023.] O diálogo entre normas nacionais e internacionais fortalece a interpretação do CDC. A lei brasileira incorporou elementos do direito comparado, como os princípios de proteção reforçada do consumidor, responsabilidade objetiva do fornecedor e defesa coletiva dos direitos (Marques et al., 2021, p. 40)[footnoteRef:5219]. Esse diálogo permite que a interpretação do CDC se mantenha atualizada frente às mudanças sociais, tecnológicas e econômicas, garantindo uma proteção eficiente e adaptável às necessidades contemporâneas. [5219: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] Em termos processuais, o CDC prevê mecanismos que reforçam a aplicabilidade de seus princípios. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, é exemplo de medida que fortalece a posição do consumidor, especialmente em casos de relações complexas ou quando há desigualdade informacional (Theodoro Jr., 2023, p. 125)[footnoteRef:27396]. Essa previsão evidencia que a proteção do consumidor não se limita à esfera normativa, mas se estende à execução prática de seus direitos, assegurando efetividade e reparação integral. [27396: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] O princípio da vulnerabilidade, em especial, possui um alcance amplo, influenciando não apenas a interpretação das normas, mas também a elaboração de políticas públicas e instrumentos de tutela coletiva. Theodoro Jr. (2023, p. 126)[footnoteRef:11319] enfatiza que: [11319: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] “A vulnerabilidade do consumidor, entendida como uma condição estrutural, justifica a criação de mecanismos legais que permitam a proteção individual e coletiva, garantindo o equilíbrio das relações de consumo e a função social da lei”. A proteção coletiva, por meio de ações civis públicas, autoriza órgãos de defesa do consumidor e Ministério Público a intervir em situações que afetam grupos de consumidores, reforçando a dimensão social do CDC. A jurisprudência tem consolidado o entendimento de que a aplicação dos princípios do CDC deve ser flexível, adaptando-se ao contexto de cada relação de consumo. Marques (2005, p. 104)[footnoteRef:7741] destaca que: [7741: MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.] “Os tribunais têm aplicado uma leitura integrada e dinâmica do CDC, considerando as peculiaridades do caso concreto, a vulnerabilidade do consumidor e a função social do contrato, de forma a assegurar a justiça e a equidade na relação de consumo”. Essa orientação reforça que a interpretação do CDC não é rígida, mas deve buscar soluções que atendam aos objetivos centrais da lei: proteção, equilíbrio e prevenção de abusos. Outro aspecto relevante é a integração entre direitos individuais e coletivos do consumidor. A atuação de entidades civis, associações e órgãos de defesa do consumidor é essencial para aplicar os princípios do CDC de maneira ampla e eficaz. A tutela coletiva representa, portanto, uma extensão natural da interpretação principiológica, ampliando o alcance da proteção aos consumidores. A interpretação do CDC também deve considerar os impactos da globalização e da digitalização das relações de consumo. O comércio eletrônico, plataformas de streaming, aplicativos de transporte e serviços financeiros digitais impõem desafios inéditos para a aplicação dos princípios de boa-fé, transparência e equidade contratual. Segundo Tartuce et al., (2021, p. 61-62)[footnoteRef:28100], a boa-fé objetiva funciona como um padrão de conduta que exige lealdade e transparência, assegurando equilíbrio nas relações de consumo. [28100: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. ISBN 978-65-596-4026-3.] Assim, o CDC se consolida como um instrumento dinâmico, capaz de acompanhar as transformações sociais e econômicas. Finalmente, é possível afirmar que a interpretação do CDC e a aplicação de seus princípios jurídicos constituem o núcleo da proteção do consumidor no Brasil. Cada dispositivo legal, cada cláusula contratual e cada decisão judicial devem ser analisados à luz dos princípios de vulnerabilidade, boa-fé, transparência e equilíbrio. 1.5 O CDC na Sociedade Contemporânea A sociedade contemporânea, marcada pela globalização, digitalização e intensa transformação econômica, trouxe novas configurações às relações de consumo, exigindo do Código de Defesa do Consumidor (CDC) uma abordagem dinâmica e adaptativa. O avanço tecnológico, a expansão do comércio eletrônico e a proliferação de serviços financeiros digitais criaram situações inéditas de vulnerabilidade para os consumidores, exigindo que os princípios fundamentais do CDC — vulnerabilidade, boa-fé objetiva, transparência e equilíbrio contratual — sejam aplicados de maneira contextualiza (Silva,2021, p.77)[footnoteRef:3731]. [3731: SILVA, João Carlos. "Os Desafios da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor em Face das Novas Tecnologias". Revista de Direito Digital e Tecnologia, v. 5, n. 2, 2021, p. 77-89.] O direito de arrependimento, previsto no art. 49 do CDC[footnoteRef:8580], constitui um exemplo concreto de adaptação normativa à sociedade contemporânea, permitindo ao consumidor desistir de compras realizadas fora do estabelecimento comercial, especialmente pela internet, dentro do prazo legal de sete dias. [8580: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 49. Estabelece o direito de arrependimento,permitindo ao consumidor desistir de compras realizadas fora do estabelecimento comercial, especialmente por meio eletrônico, no prazo de sete dias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm ] Segundo Kohls et al., (2017, p. 42)[footnoteRef:4643]: [4643: KOHLS, Elisangela; BARRETO, Marcelo. Relação de consumo do transporte aéreo: os limites e as possibilidades de aplicação do direito de arrependimento segundo o CDC. Santa Cruz do Sul: Faculdade Dom Alberto, 2017.] “O direito de arrependimento é expressão da tutela reforçada do consumidor moderno, garantindo liberdade e segurança nas transações digitais, onde a informação e a compreensão do produto ou serviço podem ser limitadas”. Esse dispositivo demonstra como o CDC consegue articular proteção efetiva frente às novas tecnologias, conciliando inovação e segurança jurídica. Outro aspecto relevante é a transparência na oferta de produtos e serviços, prevista nos arts. 6º, III e 31 do CDC[footnoteRef:27917], que impõe ao fornecedor o dever de disponibilizar informações claras, precisas e ostensivas sobre características, riscos, composição e condições de contratação. Tartuce et al., (2021, p. 67)[footnoteRef:11806] ressaltam que a transparência, materializada no direito à informação clara e adequada, é requisito essencial para a formação válida dos contratos de consumo. [27917: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Arts. 6º, III e 31. Estabelecem a obrigação do fornecedor de assegurar transparência na oferta de produtos e serviços, disponibilizando informações claras, precisas e ostensivas sobre características, riscos, composição e condições de contratação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm ] [11806: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. ISBN 978-65-596-4026-3.] A interpretação desse princípio na contemporaneidade exige uma leitura sistêmica que considere o contexto tecnológico e as potencialidades de vulnerabilidade do consumidor. A globalização trouxe também a necessidade de integração de normas e padrões internacionais na proteção do consumidor. Experiências de legislações europeias e norte-americanas influenciaram a consolidação de dispositivos no CDC que fortalecem direitos como a proteção contra práticas comerciais enganosas e cláusulas abusivas (Marques et al., 2021, p. 110)[footnoteRef:9928]. Essa influência externa reflete a capacidade do CDC de se manter atualizado frente a novos modelos de negócios, enquanto preserva princípios constitucionais fundamentais, como o art. 5º, XXXII, da CF/88, que consagra a defesa do consumidor como direito fundamental[footnoteRef:22854]. [9928: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p] [22854: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º, XXXII. Estabelece a defesa do consumidor como direito fundamental, impondo ao Estado a promoção dessa proteção. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm] O CDC atua também como instrumento de regulação social, impondo responsabilidade objetiva ao fornecedor e promovendo reparação integral de danos. O art. 12 do CDC, por exemplo, estabelece a responsabilidade do fabricante por danos causados por produtos defeituosos, independentemente da existência de culpa, demonstrando a prioridade dada à proteção do consumidor frente à assimetria de poder econômico[footnoteRef:3441]. [3441: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm] Nesse contexto, a aplicação dos princípios do CDC transcende a esfera individual, promovendo efeitos coletivos e sociais, inclusive em casos de consumo de massa ou serviços essenciais. A digitalização das relações de consumo introduziu novos desafios, como a proteção de dados pessoais, a segurança das transações eletrônicas e a responsabilização de plataformas digitais. O CDC, em conjunto com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018)[footnoteRef:29787], contribui para assegurar que fornecedores adotem medidas preventivas, garantindo que o consumidor esteja protegido em ambientes digitais complexos (Theodoro Jr., 2023, p. 233)[footnoteRef:25173]. [29787: BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 ago. 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm ] [25173: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle. ] Cunha (2019, p. 79)[footnoteRef:44] reforça que: [44: CUNHA, Marcio Felipe Lacombe da. Breves Considerações sobre a Nova Lei Geral das Agências Reguladoras: principais aspectos e inovações. Revista CEJ, Brasília, Ano XXIII, n. 78, p. 79-85, jul./dez. 2019.] “A legislação consumerista contemporânea deve ser interpretada em consonância com direitos fundamentais, visando não apenas reparar danos, mas prevenir situações de vulnerabilidade que podem decorrer de relações tecnológicas avançadas”. O princípio da equidade contratual, previsto no art. 51 do CDC[footnoteRef:2158], adquire especial relevância nas relações digitais, em que contratos de adesão e termos de serviço frequentemente contêm cláusulas preestabelecidas pelo fornecedor. [2158: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 51. Dispõe sobre a nulidade de pleno direito das cláusulas contratuais abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm] “A análise judicial e administrativa dessas cláusulas deve considerar a função social do contrato, a vulnerabilidade do consumidor e a boa-fé objetiva, evitando desequilíbrios que possam resultar em prejuízo unilateral”[footnoteRef:23050]. [23050: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm] A aplicação contemporânea desse princípio requer sensibilidade para as nuances tecnológicas e mercadológicas, garantindo justiça e proteção efetiva. Partindo desse contexto, o CDC promove a proteção coletiva do consumidor, conforme arts. 81 a 88,[footnoteRef:31202] que tratam de práticas abusivas, publicidade enganosa e ações civis públicas. [31202: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Arts. 81 a 88. Dispõem sobre a defesa coletiva dos interesses e direitos dos consumidores, abrangendo práticas abusivas, publicidade enganosa, ações coletivas e instrumentos processuais de tutela. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm ] Theodoro Jr. (2023, p. 236)[footnoteRef:508] enfatiza que: [508: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 11ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 129, Versão Kindle.] “A proteção coletiva é indispensável em um cenário contemporâneo marcado pelo consumo em massa, globalizado e digital,permitindo que órgãos de defesa do consumidor, associações e Ministério Público atuem preventivamente e corretivamente, garantindo efetividade dos direitos fundamentais”. A aplicação desses dispositivos é essencial para assegurar que a lei não seja apenas declaratória, mas atuante e adaptada à realidade social moderna. O CDC também se mostra adaptável frente à crescente complexidade econômica, como evidenciado na regulação de serviços financeiros digitais e fintechs. A interpretação sistemática de dispositivos como o art. 6º, IV[footnoteRef:27195], que assegura a proteção contra práticas abusivas e a moderação de cláusulas contratuais, demonstra que a legislação consumerista consegue atender às novas demandas do mercado sem perder sua função primordial de proteção. Conforme Tartuce et al., (2021, p. 70)[footnoteRef:15655], a vulnerabilidade do consumidor é o fundamento central da legislação consumerista, devendo orientar a interpretação e a aplicação de suas normas. [27195: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 6º, IV. Estabelece como direito básico do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm ] [15655: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. ISBN 978-65-596-4026-3.] Por fim, é necessário destacar que a aplicação contemporânea do CDC não se limita à intervenção estatal ou judicial. A educação para o consumo, prevista no art. 6º, III,[footnoteRef:9383] constitui ferramenta preventiva fundamental, capacitando o consumidor para tomar decisões conscientes e equilibradas, reduzindo assim sua vulnerabilidade estrutural (Marques et al., 2021, p. 115)[footnoteRef:12031]. A combinação de tutela normativa, proteção individual e coletiva, bem como educação e conscientização, reflete a natureza multifacetada do CDC, que permanece como um instrumento central para equilibrar relações de consumo e garantir justiça social na sociedade contemporânea. [9383: BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 6º, III. Prevê como direito básico do consumidor a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, assegurando a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm ] [12031: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. (4. ed. do e-book) São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021. 2032 p.] CAPÍTULO II – AS AGÊNCIAS REGULADORAS E A FUNÇÃO PROTETIVA DO CONSUMIDOR Neste capítulo, examina-se o surgimento e o desenvolvimento das agências reguladoras no Brasil, especialmente a partir da reforma administrativa da década de 1990, com ênfase em sua função normativa e protetiva. Serão discutidos os limites constitucionais da delegação normativa e os riscos que essa transferência de competência pode acarretar para a proteção do consumidor. O papel da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) será destacado como estudo de caso, particularmente em relação à edição da Resolução nº 400/2016 e sua repercussão sobre o direito de arrependimento e as relações de consumo no transporte aéreo. Além de mapear os benefícios e fragilidades do modelo regulatório, busca-se problematizar se a atuação da agência garante efetivamente os princípios consagrados pelo CDC ou se contribui para a fragmentação da tutela, revelando possíveis tensões entre proteção do consumidor e interesses econômicos do mercado. 2.1 Histórico e Funções das Agências Reguladoras no Brasil O surgimento das agências reguladoras no Brasil está intrinsecamente ligado ao processo de Reforma do Estado, iniciado na década de 1990, que visava modernizar a administração pública, descentralizando funções e conferindo maior autonomia técnica e operacional a determinados órgãos. Este movimento, fortemente influenciado por modelos internacionais de regulação administrativa, tinha como objetivo assegurar uma regulação mais eficiente e especializada em setores estratégicos da economia, sem comprometer a supervisão do Estado sobre atividades essenciais à sociedade, como energia, telecomunicações, saúde, transportes e saneamento básico (Justen Filho, 2002, p. 45)[footnoteRef:22981]. [22981: JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Ed. Dialética, 2002.] Conforme argumentam Cunha e Goellner (2020, p. 250)[footnoteRef:18935]: [18935: CUNHA, Bruno Queiroz; GOELLNER, Isabella de Araujo. As agências reguladoras brasileiras no século XXI: enraizamento institucional e características organizacionais em perspectiva comparada. In: CAVALCANTE, Pedro Luiz Costa; SILVA, Mauro Santos (Org.). Reformas do Estado no Brasil: trajetórias, inovações e desafios. Rio de Janeiro: Ipea, 2020. v. 1. p. 247-271.] As agências reguladoras brasileiras emergiram como resultado de um processo de institucionalização que buscava conferir maior autonomia e especialização à gestão pública, permitindo ao Estado atuar de forma mais eficaz frente aos desafios da economia globalizada”, demonstrando que o fenômeno regulatório não se restringiu a uma questão de eficiência administrativa, mas também buscou garantir a proteção dos direitos dos consumidores, especialmente em setores caracterizados por monopólios naturais ou por forte presença do Estado. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabeleceu princípios fundamentais que guiam a administração pública — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência — e estes princípios orientaram diretamente a criação e a atuação das agências reguladoras (Brasil, 1988)[footnoteRef:29902]. [29902: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm?] As entidades foram concebidas como autarquias especiais, dotadas de autonomia administrativa e financeira, com competência para atuar em setores estratégicos, evitando interferências políticas que poderiam comprometer a imparcialidade e a eficácia de decisões técnicas que impactam diretamente a sociedade (Silva, 2021, p. 78)[footnoteRef:30478]. Nesse contexto, a autonomia conferida às agências não se limita a um caráter formal, mas se traduz em instrumentos de independência decisória, permitindo que possam exercer poderes normativos, fiscalizatórios e sancionatórios, essenciais para o funcionamento harmonioso do mercado e para a proteção do consumidor. [30478: SILVA, João Carlos. "Os Desafios da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor em Face das Novas Tecnologias". Revista de Direito Digital e Tecnologia, v. 5, n. 2, 2021, p. 77-89.] O conceito de agência reguladora surgiu como instrumento de administração indireta especializada, inspirado em modelos internacionais de regulação, sobretudo norte-americanos e britânicos, cujo objetivo era separar a função regulatória das atividades políticas tradicionais. No Brasil, a institucionalização dessas entidades se consolidou com a criação da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) em 1996, seguida pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), marcando o início de um modelo regulatório híbrido entre a administração pública e a lógica de mercado (Menezello, 2002, p. 45)[footnoteRef:2310]. [2310: MENEZELLO, M. D’A. C. Agências Reguladoras e o Direito Brasileiro. São Paulo: Ed. Atlas, 2002.] Thorstensen et al., (2020, p. 14)[footnoteRef:24471] destacam que: [24471: THORSTENSEN, Vera Helena; ARIMA JÚNIOR, Mauro Kiithi. Boas práticas regulatórias: a situação do Brasil como avaliada pelaOCDE. Working Paper 527 – CCGI nº 22. São Paulo: FGV EESP, 2020.] “A criação das agências reguladoras no Brasil não se limitou à modernização do Estado; representou também uma resposta à crescente complexidade econômica e à demanda por maior transparência, accountability e participação social nos processos decisórios”, evidenciando que a função das agências extrapola o caráter técnico e se insere também como mediadora entre interesses privados e direitos coletivos. A Lei nº 13.848/2019, conhecida como Lei Geral das Agências Reguladoras, consolidou o marco legal dessas entidades, estabelecendo diretrizes para gestão, organização, processo decisório e controle social. Essa legislação reforçou a importância da transparência e da participação popular, bem como a necessidade de governança baseada em evidências e boas práticas regulatórias (Brasil, 2019)[footnoteRef:20628]. [20628: BRASIL. Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019. Lei Geral das Agências Reguladoras. Diário Oficial da União, Brasília, 2019.https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13848.htm?] Pessoa (2022, p. 42)[footnoteRef:1039] complementa que: [1039: PESSOA, Átila Vinicius de Carvalho. Análise da Lei n° 13.848/2019 – Lei Geral das Agências Reguladoras. Brasília: Senado Federal, Instituto Legislativo Brasileiro – ILB, 2022.] “A nova Lei Geral institui mecanismos de coordenação interagências e instrumentos de avaliação de impacto regulatório, buscando mitigar conflitos setoriais e assegurar uniformidade na atuação regulatória federal”, destacando a tentativa do legislador de integrar a atuação das agências em um contexto de complexidade institucional e de múltiplos interesses em jogo. As agências reguladoras possuem natureza jurídica híbrida, sendo autarquias com atributos especiais de autonomia funcional e decisória, mas ainda vinculadas ao poder executivo por meio de mecanismos de supervisão e controle (Cavalcanti, 2000, p. 34)[footnoteRef:25745]. Esta autonomia possibilita que as agências exerçam poderes normativos, fiscalizatórios e sancionatórios de forma independente, promovendo estabilidade regulatória e assegurando a proteção do consumidor frente a práticas abusivas e à concentração de poder em determinados setores da economia. [25745: CAVALCANTI, F. de Q. B. A independência da função reguladora e os entes reguladores independentes. Revista de Direito Administrativo. v. 219. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, janeiro – março de 2000.] Em consonância, Araújo (2006, p. 57)[footnoteRef:31093] ressalta que: [31093: ARAÚJO, Luiz Eduardo Diniz. O poder normativo das agências reguladoras e o indivíduo como sujeito de direito. Revista IOB de Direito Administrativo, São Paulo, ano III, n. 33, set. 2006.] “O poder normativo das agências reguladoras transforma o indivíduo de mero destinatário de regras em sujeito de direito, reconhecendo sua posição ativa na relação regulatória”, evidenciando que o consumidor não é apenas um agente passivo, mas possui legitimidade para participar dos processos normativos, principalmente em setores estratégicos como energia, transporte e telecomunicações. Além disso, a atuação das agências está alinhada aos princípios do Estado Democrático de Direito, promovendo transparência, previsibilidade e participação social nas decisões regulatórias (Silva, 2002, p. 113)[footnoteRef:27618]. [27618: SILVA, F. Q. de. Agências reguladoras: a sua independência e o princípio do Estado Democrático de Direito. Curitiba: Ed. Juruá, 2002.] No mesmo sentido, Binenbojm (2005, p. 152)[footnoteRef:12847] acrescenta que: [12847: BINENBOJM, Gustavo. Agências reguladoras independentes e democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 147-167, 2005.] “A independência técnica das agências reguladoras é um instrumento de fortalecimento democrático, pois evita decisões pautadas exclusivamente por interesses políticos momentâneos”, destacando a relevância institucional das agências na consolidação da democracia e no equilíbrio entre poder público e mercado. As funções das agências reguladoras abrangem três dimensões principais: regulatória e normativa, fiscalizatória e sancionatória, e mediadora e consultiva. A dimensão regulatória e normativa envolve a elaboração de normas técnicas, regulamentos setoriais e padrões de qualidade, garantindo segurança e eficiência na prestação de serviços essenciais (Pereira Neto et al., 2020, p. 35)[footnoteRef:15573]. Já a dimensão fiscalizatória e sancionatória refere-se ao monitoramento do cumprimento das normas e à aplicação de sanções em casos de descumprimento, assegurando proteção ao consumidor e à concorrência (Moreira Neto, 2006, p. 149)[footnoteRef:5858]. A dimensão mediadora e consultiva atua na resolução de conflitos entre agentes econômicos e consumidores, por meio de ouvidorias, consultas públicas e audiências, promovendo accountability e participação social (Gabardo et al., 2020, p. 282)[footnoteRef:4911]. [15573: PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva; PRADO FILHO, José Inácio Ferraz de Almeida. Espaços e interfaces entre regulação e defesa da concorrência: a posição do CADE. Revista Direito GV, v. 12, p. 13-48, 2016.] [5858: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A regulação sob a perspectiva da nova hermenêutica. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 4, n. 13, p. 147-166, abr./jun. 2006.] [4911: GABARDO, Emerson; GRANER, Mateus Domingues. A importância da participação popular na análise de impacto regulatório pelas agências reguladoras federais brasileiras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 279, n. 3, p. 275-300, 2020.] No setor de saúde, por exemplo, a ANVISA desempenha papel crucial na regulamentação de medicamentos, alimentos e produtos de saúde, assegurando a qualidade e segurança dos produtos disponibilizados à população (Brasil, 2010)[footnoteRef:7264]. No setor de transporte aéreo, a ANAC regulamenta e fiscaliza a operação das companhias, incluindo a aplicação do direito de arrependimento em passagens adquiridas eletronicamente, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), garantindo que os direitos do consumidor sejam plenamente respeitados[footnoteRef:22584]. [7264: BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Legislação e Regulamentação. Brasília, 2010. https://antigo.anvisa.gov.br/legislacao] [22584: CDC – BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, 1990. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm?] Além disso, a atuação das agências reguladoras se conecta ao controle da concorrência, em interface com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), buscando harmonizar a competição de mercado com a proteção ao consumidor e evitando práticas anticoncorrenciais que possam prejudicar a coletividade (Pereira Neto et al., 2016, p. 30)[footnoteRef:8089]. A participação social é central na atuação das agências, promovida por meio de consultas públicas, audiências e análises de impacto regulatório, permitindo que a sociedade civil influencie a formulação de normas, fortalecendo a legitimidade das decisões (Lemos et al., 2013, p. 45)[footnoteRef:24720]. [8089: PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva; PRADO FILHO, José Inácio Ferraz de Almeida. Espaços e interfaces entre regulação e defesa da concorrência: a posição do CADE. Revista Direito GV, v. 12, p. 13-48, 2016.] [24720: LEMOS, Rafael Diogo D.; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Participação popular e eficiência nas agências reguladoras: fundamentos, limites e conflitos no âmbito do direito positivo. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, [S.l.], v. 3, n. 1, 2013.] Como destacam Gabardo e Graner (2020, p. 275)[footnoteRef:9564]: [9564: GABARDO, Emerson; GRANER, Mateus Domingues. A importância da participação popular na análise de impacto regulatório pelas agências reguladoras federais brasileiras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 279, n.