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ANÁLISE DE CASOS CLÍNICOS 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Renato Staevie Baduy 
 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Em conteúdos anteriores, detivemo-nos exclusivamente aos textos de 
Freud, tomando como base trabalhos célebres de seus escritos sobre a técnica, 
para nos aproximarmos do fazer clínico do psicanalista. Os textos trabalhados – 
Sobre o início do tratamento (1913), Lembrar, repetir e perlaborar (1914) e 
Construções em análise (1937) são leituras fundamentais e indispensáveis aos 
que se pretendem psicanalistas. Dessa forma, o conteúdo abordado até aqui não 
se pretendeu esgotar as possíveis leituras desses textos, mas apresentá-los de 
forma simples, sucinta, direta e prática, partindo de um caso clínico. 
A partir desta etapa, mergulharemos em trabalhos mais contemporâneos, 
que lançam luz ao contexto cultural em que estamos inseridos, ou seja, ao laço 
social, na tentativa de pinçar, aí, casos clínicos que chegam aos consultórios 
cotidianamente que demandam leituras atuais para que nosso fazer esteja 
alinhado com este tempo. Dessa forma, faremos leituras de importantes 
psicanalistas brasileiros que, com muito rigor, não perdem de vista a psicanálise 
com sua história, mas não abrem mão de uma “brasilidade”, digamos assim. 
Nesta etapa, trabalharemos uma temática bastante atual, que tem se 
mostrado presente em diversos círculos psicanalíticos: o homem em análise. 
Para tanto, uma vinheta clínica será utilizada; nossa abordagem ao caso se 
pretende generalista, no sentido de abordar as questões do caso a partir de 
problemáticas do laço social, sem abrir mão da psicanálise. 
De antemão, é imprescindível dizer que esse tema se insere em um 
delicado campo de estudos sobre as masculinidades, por se demonstrar uma 
problemática interseccional, a qual não esgotaremos: atravessado por questões 
de gênero, raça, etárias e classe social e seus campos de estudos correlatos, 
como as teorias feministas, de negritude e branquitude e decoloniais etc. a que 
algumas psicanálises estão atentas. Logo, o caso clínico trabalhado nos coloca 
diante de escolhas e formas de abordar. Vejamos. 
TEMA 1 – VINHETA CLÍNICA 
O paciente chega ao consultório via plano de saúde. O primeiro contato 
para agendamento passa pelo sistema do próprio plano e a secretaria da clínica 
conveniada, o que traz específicas contribuições ao manejo da transferência e 
das contratações iniciais: diferente de quando o valor é compactuado entre 
 
 
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analista e analisante, e de quando o analisante vem por indicação (de quem? 
qual?). 
Em sua primeira sessão, o paciente vem e conta que é sua primeira 
experiência com profissional psi – com psicólogo(a) ou psicanalista –, mas conta 
que sentia que estava precisando, mesmo sem saber muito o porquê. 
Questionado sobre o que o traz até ali, ele relata rapidamente uma crise de meia 
idade. O paciente estava prestes a completar 50 anos, então, o analista 
pergunta: Como é chegar aos 50? O que significa crise de meia idade? 
Nesse momento, o paciente relata conflitos em relação ao trabalho: sentia 
medo de ser mandado embora, porque a empresa em que trabalha estava 
passando por uma reestruturação devido a novas demandas sociais em sua 
área. Esse medo, segundo o paciente, diz respeito a diferentes questões: desde 
sua capacidade profissional, dada sua idade, e a juventude que vem se inserindo 
no mercado, até ao manejo econômico de sua família: como manter a qualidade 
de vida dos filhos e esposa? 
Sua família é composta de uma filha de seu primeiro casamento, já na 
casa dos vinte e poucos anos, com relativa independência; um enteado, filho de 
sua atual esposa, com 18 anos; um filho, com a atual esposa, de 8 anos; e, 
finalmente, sua esposa. Ele relata que seu trabalho é a única fonte de renda do 
momento, a não ser por sua filha mais velha, que já trabalha, mas que o paciente 
ainda a auxilia. 
Seus conflitos, nesta sessão, são relativos a como garantir aos filhos um 
ensino de qualidade, uma vida confortável, estando próximo dos 50 anos, com 
um medo de demissão. O paciente, nesse instante, faz contas e pensa que vai 
precisar de mais uns 15 anos bem inserido no mercado de trabalho, tendo em 
vista o tempo que o filho mais novo tem para se formar e começar a trabalhar, 
demonstrando assim, certa angústia diante dessa posição de pai provedor e 
mantenedor do estilo de vida da família. 
Ainda na primeira sessão, quando questionado sobre o motivo de sua 
vinda, o paciente, por fim, inclui um momento de sua história, já há alguns anos, 
o qual, diante desse medo da demissão, tem ressurgido em suas lembranças. 
Ele havia ficado seis meses desempregado logo após o nascimento de seu filho 
mais novo e, mesmo com um dinheiro reservado para atravessar esse momento, 
se viu muito angustiado, sem forças para sair de casa, ir se exercitar na 
academia do prédio, ou, até mesmo, ir à piscina do condomínio. Ele conta que 
 
 
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mandava currículo diariamente e que não se permitia fazer outra coisa por que, 
em sua cabeça, era inconcebível sem estar empregado. 
Nesse período, ele relembra, havia lido uma conversa de WhatsApp de 
sua esposa com outro homem, um antigo colega de faculdade. Narra que isso o 
fez se sentir traído, mas, muito mais que isso, o entristeceu e mexeu muito com 
sua autoestima. Consequentemente, o casamento atravessa um momento de 
tensão. Dessa forma, diante do desemprego, somado a essa conversa, o 
paciente faz um quadro deprimido e constrói um cenário de impossibilidades: a 
que ele se deve? 
Na segunda sessão, o paciente chega e conta de outra situação que tem 
vivenciado. Relata que está apaixonado por outra mulher, uma colega de 
empresa que mora em outra cidade, onde os encontros acontecem em suas 
viagens a trabalho e diz que vem mantendo um relacionamento com ela há 
meses. Diz que sua esposa descobriu há algum tempo e que ele prometeu não 
ficar mais com a colega, mas que mantém a relação mesmo assim. Narra que 
isso trouxe uma grande crise em seu casamento, quase resultando em divórcio, 
mas que conseguiram suportar. O paciente conta ainda que, por sua esposa ser 
bissexual, tem plena crença de que eles poderiam formar um trisal e expandir a 
família. O que, nesse momento, ganha intensidade na conversa entre ele e sua 
esposa, mostrando-se como uma possibilidade real, já que ela tem se aberto a 
isso, topando um encontro para conhecer a mulher. 
Assim, seguem as sessões: o paciente vai narrando os últimos 
acontecimentos dessa relação a três: os desafios, os namoros, a relação a 
distância, a separação da nova mulher com seu marido, a inclusão dos filhos 
nesse cenário, os medos, enfim. Sobretudo, um medo específico o atormenta: e 
se, um dia, a esposa descobrir que ele nunca deixou de se encontrar com a nova 
companheira? Será que ele conta ou não? Como será? Essas perguntas o 
inquietam bastante, ora o impedindo de desfrutar os encontros, ora sendo uma 
pequena “pulga atrás da orelha” e, ora não se fazendo presente. 
Diversas sessões se passam, até a descoberta da esposa de que o caso 
dos dois nunca havia sido interrompido, causando o rompimento do trisal e 
trazendo um severo conflito ao casamento. Desse modo, as sessões que se 
seguem trazem grandes inquietações, aumentando o nível da angústia e 
causando muita confusão ao paciente: será que o casamento vai acabar? Será 
que eu sou culpado? Será que me separo para continuar com o romance? Será 
 
 
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que o romance também acabou? Muitas cenas transcorrem, a outra mulher 
retorna ao seu casamento, e a relação do paciente com sua esposa se 
encaminha para a separação. 
Mesmo com as sessões tendo como conteúdo esse amontoado de 
questões, demandando um trabalho de organização ao analista e analisando, de 
suporte à angústia, o percurso analítico continuava sendo trilhado. Em certa 
sessão, o analista questiona o paciente: por que você ficou e continuou ficandocom a fulana? 
Ele conta que, na época, sua esposa havia engordado consideravelmente 
e que vinha de um momento mais deprimido e, assim, não o procurava 
sexualmente, por se sentir feia e gorda. Isso impactava, ele diz, em sua 
autoestima, não se sentindo desejado. Foi quando, em uma viagem a trabalho, 
uma mulher muito atraente do trabalho demonstrou interesse por ele, sendo 
difícil para ele resistir. Relata ainda que, desde o início, assim que a conheceu, 
pensou que sua esposa gostaria dela também, que isso poderia trazer ânimo a 
ela, tirando-a do estado deprimido, podendo formar um trisal. Justifica, assim, 
que sua intenção sempre foi a de ampliar a família. 
É importante dizer que isto já havia acontecido anteriormente, o casal, há 
alguns anos, havia se interessado por outra mulher, na tentativa de formar um 
trisal. A moça em questão, após alguns encontros e viagens conjuntas, declinou 
da ideia. Desde então, paciente e esposa não haviam encontrado mais ninguém 
de mútuo interesse para ocupar esse lugar (Qual?). 
Na sequência, ainda nessas sessões de elaboração e construção da 
separação, o paciente fica muito angustiado quando começa a pensar em contar 
para os filhos sobre o término do casamento: principalmente, ao filho mais novo. 
Então, ele tem uma lembrança, relacionando essa angústia, a quando o pai 
morreu, ainda em sua infância; por ser o filho mais velho, assumiu um papel de 
cuidado da casa e dos irmãos junto à mãe. Dessa forma, relaciona essa 
lembrança à sensação de culpa e falha ao pensar em contar aos filhos. 
Algumas poucas sessões depois o paciente conta ao seu filho mais novo, 
que fica bastante triste e choroso por alguns dias. Então, entra em cena toda sua 
preocupação de com quem passará o Natal e Ano Novo, após 15 anos em 
família. Até que, antes mesmo nas festas chegarem, o tratamento é interrompido: 
o paciente é desligado da empresa e, consequentemente, perde seu plano de 
saúde, optando por esperar ter um plano novamente para retomar a análise. 
 
 
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TEMA 2 – MASCULINIDADES 
O debate sobre masculinidades tem ganhado cada vez mais espaço nas 
pautas envolvendo questões de gênero. Credor de uma herança epistemológica 
dos discursos feministas, que localizam problemas vinculados aos 
comportamentos e à lógica de poder e opressão masculinas, as discussões se 
fazem presentes nos mais diversos contextos: filmes, livros, eventos, produção 
cultural, teórica, ativista etc. 
Contudo, quando se indica um debate sobre masculinidades, afinal de 
contas, de que se trata? Seguimos com esta fala de Tulio Custódio em texto 
escrito para o livro Cartografias da masculinidade, organizado por Pedro Ambra 
(2021, p. 106): 
Tenho insistido no uso do termo Homem com H maiúsculo para 
denotar, de modo explícito, que estamos falando de uma categoria que 
marca, como ideia, uma existência. Não de “humanidade” (como 
insistiram em usar muitos autores num passado não tão remoto), mas 
de gênero: o Homem como uma forma de existência que marcaria, 
idealmente, tudo o que se atribui a esse gênero. A partir desse Homem, 
e da lógica de padrão que informa a construção de imagens no 
contexto de uma sociedade patriarcal capitalista dependente da 
superioridade racial branca como a nossa, podemos enxergar a 
possibilidade e a potencialidade de um debate sobre masculinidades. 
Dessa forma, o debate sobre masculinidades está fixado sobre duas 
premissas: que os homens revejam seus comportamentos e, também, que 
outras masculinidades sejam construídas (Custódio, 2021). 
Quanto ao campo da psicanálise, as questões de gênero têm uma 
presença significativa na base de sua construção teórica, mesmo que de maneira 
velada. Não nos interessa, nesse momento, o resgate de como as questões de 
gênero estão no centro da construção teórico-clínica da psicanálise, mas resta 
nos lembrarmos de que a psicanálise é forjada diante dos sintomas femininos da 
época freudiana: por que será? O que os sintomas de uma época dizem de seu 
contexto sócio-histórico? Na esteira deste questionamento dos sintomas de uma 
época, também podemos localizar porque agora, mais de cem anos depois da 
questão freudiana – o que querem as mulheres? –, pudemos forjar a seguinte 
pergunta: o que querem os homens?1 
 
 
1 Quanto a essa questão, remetemos ao recém lançado livro de Vinicius Lima: Homens em 
análise: travessias da virilidade (2024). 
 
 
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TEMA 3 – MASCULINIDADES E PSICANÁLISE: O OPERADOR LÓGICO 
A partir do Seminário XX: mais, ainda (1972-1973), Lacan faz um esforço 
para despersonificar as identidades de gênero, localizando-as como permeadas 
por lógicas distintas em relação ao falo. Dessa forma, ele passa a situar duas 
modalidades de gozo em relação à lógica fálica: gozo fálico e gozo Outro. O 
primeiro estaria localizado ao lado homem da tábua da sexuação, e funcionaria 
como um operador lógico, no qual todo homem está inscrito na função fálica. 
Porém, esse operador, para funcionar, comportaria em si uma contradição 
fundamental: algum homem não está inscrito na função fálica (Ambra, 2015). 
É nesse momento que Lacan retornará, em seu trabalho de condensar 
em fórmulas seu ensino, o texto freudiano Totem e Tabu, pois nele já haveria 
uma formalização do tipo de exterioridade que o pai da horda primitiva 
representa a todos os homens: teria havido um homem que possuiu em usufruto 
todas as mulheres, sendo a exceção à regra. 
Pedro Ambra (2015) retoma esse trabalho lacaniano e inclui algo valioso 
para se pensar a masculinidade em nossa época. Ele faz um recurso à História, 
especificamente ao surgimento e desenrolar da ideia de virilidade e sua 
associação com o que se compreende por homem no Ocidente. Pensando as 
fórmulas da sexuação, a precisa inclusão de Ambra é de como uma virilidade 
ideal, que comporta diversas nuances ao decorrer da História, obviamente e, de 
partida, perdida, serviria para pensar logicamente como operadora da 
masculinidade. Leia-se: 
Parece-nos que a História pode fornecer um modelo cuja formalização 
seria ainda mais próxima daquela necessária às fórmulas. Em vista do 
apresentado, é defensável que o quantificador existencial máximo, 
∃x.¬ x, refere-se mais precisamente não ao pai da horda primeva, mas 
a uma virilidade ideal, localizada no passado e perdida. É, de fato, 
possível encontrar em diferentes momentos da história da 
masculinidade no Ocidente, muitos elementos relativos a fantasias de 
criação da civilização, de uma virilidade localizada alhures ou em uma 
era onde o refreamento sexual não operava. No entanto, foi só a partir 
de uma construção gradual, iniciada no século XVI com a nostalgia do 
ideal de cavalaria e que atingiu seu ápice no início do século XX, que 
todos esses elementos concentraram-se em algo que pode ser 
denominado como mito viril. (Ambra, 2015, p. 137) 
É necessário, então, fazer uma distinção e, ao mesmo tempo, traçar o 
entrecruzamento, da forma como Ambra (2015) trabalha seu texto, entre a 
virilidade e a masculinidade. Para o autor, a virilidade é sinônimo das 
representações de um suposto passado sem leis, quando um homem todo-
 
 
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poderoso teria existido. O mito viril corresponderia, desse modo, nas fórmulas 
da sexuação, ao algum homem que não estaria submetido às leis que produzem 
o homem masculino (∃x.¬Φx). Por sua vez, a construção da masculinidade seria 
uma resposta à virilidade perdida (∀x.Φx), que, sobre si, faria função de suporte 
ao masculino. Isto é: 
a masculinidade se referirá, daqui em diante, ao conjunto de 
representações, vivências e discursos que o todo homem ocidental 
teria no que diz respeito ao seu sexo, o que é indissociável do ideal de 
civilização no qual ele se encontra. A masculinidade, ∀x.Φx, será assim 
tanto baseada quanto assombrada pela virilidade, ∃x.¬Φx, que a 
sustenta, ao mesmo tempo em que, ao se afirmar como função 
operante para o conjunto homem, fundará esse mesmo mito viril. 
(Ambra, 2015, p. 138)É posto, então, um operador lógico para aqueles que se identificam e se 
constituem subjetivamente como homens, compondo o conjunto Homem no laço 
social, em resposta a uma lógica operada em relação ao falo: uma virilidade 
perdida alhures. Contudo, poderíamos indagar: essa lógica operaria da mesma 
forma levando em consideração marcadores de raça, classe, etários e 
capacitistas? 
TEMA 4 – MASCULINIDADES E PATERNIDADES: NOMEAR-SE PAI NO LAÇO 
SOCIAL 
O que está em jogo no ato de adoção2 de uma criança? Mais 
especificamente, o que está em jogo no ato de se nomear pai de alguém? Ainda: 
Qual a relação da entrada da posição parental paterna e seu correlato lógico, 
mas não tão óbvio – a masculinidade? 
Thais Garrafa (2020), em seu artigo “Os primeiros tempos da 
parentalidade”, demonstra como se nomear pai e mãe é exigente, do ponto de 
vista de um trabalho psíquico que implica assumir uma posição na família e 
diante do filho, por óbvio. Mas também na sociedade, na cultura e na história, 
em uma relação complexa de como a sociedade e a cultura compreendem estes 
termos (pai e mãe) e, ao mesmo tempo, como a história de cada um narra tais 
papéis. Cabe ainda, situar certo conflito posto, diante da realidade social 
brasileira, que as paternidades não coincidem logicamente, nem garantem, 
 
2 Em psicanálise, toda criança precisa ser adotada, mesmo nos casos de consanguinidade; 
este é o paradigma psicanalítico para se pensar o laço parental. 
 
 
9 
como se supõe por certo argumento biologicista, com os genitores (tampouco 
as maternidades). 
Especificamente à paternidade, é possível pinçar o discurso sobre as 
masculinidades, como resposta ao ideal viril, operando, neste trabalho árduo de 
tomar para si o significante “pai”. É claro que o resultado desse trabalho – o que 
o sujeito vai manejar para inventar aí a sua paternidade –, é de absoluta 
singularidade, apesar de elementos próprios ao laço social da época. 
O momento de se reconhecer ou ser reconhecido como homem, nos 
primórdios, desde que se espera um bebê, até os atravessamentos que a criança 
identificada como menino vai encontrando nos marcadores de gênero, compõe 
traços fundamentais na constituição subjetiva: e esse sujeito estará submetido a 
ideais e imperativos sobre o que é ser homem e como performar a sua 
masculinidade. 
Um correlato a esse processo constitutivo de ser nomeado como homem 
no laço social também se dá em relação à paternidade: e este pai também terá 
de se haver com o que a época exige e idealiza em relação à paternidade. Dessa 
forma, o nomear-se pai também diz respeito a um delicado processo de 
constituição subjetiva. 
Parece, assim, ser possível explorar certo mal-estar na paternidade, 
expresso e representado em diversos discursos que se recolhe em nossa cultura 
– como o pai provedor, o pai autoritário, o pai ausente, o pai que ajuda, o pai 
rede de apoio, o bom pai que é quase uma mãe etc. –, à luz desta chave de 
leitura: a masculinidade amparada pelo mito/ideal viril e seu ponto de encontro 
com a ideologia maternalista3. 
Como os pais estão sustentando e construindo a relação com seus filhos 
a partir dos modelos, das expectativas e exigências de nossa época em relação 
à paternidade? Como pensar o fenômeno brasileiro no qual quase 6%4 das 
crianças recém-nascidas são registradas sem o nome do pai, associando-o à 
ideologia maternalista e à padronização das masculinidades? 
 
 
3 Conforme Vera Iaconelli (2023). 
4 Dados da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) no período de 
cinco anos, entre 2016 e 2021. 
 
 
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TEMA 5 – RETORNANDO À VINHETA 
Antes de tudo, é preciso dizer que o caso apresentado demonstra um 
sujeito que está às voltas em como responder às demandas e expectativas 
sociais do que é ser homem e ser pai. Mesmo que não nomeando a problemática 
de forma específica, ou sem buscar a travessia das problemáticas de gênero ali 
colocadas de forma crítica, ele se apega aos parâmetros que guiam a 
masculinidade padrão: recobrir as fissuras do ideal viril. E isso o leva a um 
contínuo desmoronamento. 
Ainda que seja impossível reduzir o sofrimento do paciente a essas 
questões, sua angústia aponta para um padecer em relação a como se constituiu 
como sujeito a partir dos traços de masculinidade. 
Há aqui um primeiro marcador importante, que o localiza frente à fantasia 
familiar, quando relata ter assumido a responsabilidade pelos irmãos junto à 
mãe, após a morte do pai. Tal acontecimento se mostra paradigmático para 
pensar como o paciente se posiciona diante da demanda do Outro. 
Sua chegada para a análise sinaliza certa crise nessa posição subjetiva: 
o que será de mim e, consequentemente, da minha família, se eu perder o 
emprego e deixar de ser o provedor? Como se a maneira adequada de se fazer 
pai e marido correspondessem, unicamente, segundo os ideais de pai/homem 
que garante o sustento da casa pelo esforço do seu emprego. 
Claro, seu sofrimento é muito justo, apontando para uma certa falha do 
funcionamento sintomático. Sobretudo, e nos interessa para pensar os homens 
em análise, o caso evidencia como esse claudicar do sintoma está situado 
também em relação ao declínio do ideal viril: o sintoma se mostra falho quando 
o ideal de virilidade esmorece. 
A queda do ideal viril também está posta quando o paciente relata que 
sua autoestima ficou prejudicada por não ser procurado sexualmente pela 
esposa. Como se a falta de desejo sexual da esposa fosse em relação a ele, 
como se ela não o desejasse e, no limite, isso o fizesse menos homem. Há uma 
máxima que circula socialmente como dito popular de que o homem precisa de 
sexo. Talvez possamos hipotetizar que, diante da falta de desejo sexual das 
mulheres pelos homens, algo das masculinidades heterossexuais se fragilize. 
Especialmente neste ponto, mas não exclusivamente, chama a atenção a 
resposta diante dessa fragilidade: uma procura para recobrir a queda, retomar o 
 
 
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ideal viril. Para tanto, o paciente lança uma demanda ao campo do Outro: me 
deseje. Neste caso, ele encontra uma nova mulher, que diz ser muito bonita e 
que isso lhe faz muito bem, hipotetizando, inclusive, que também faria bem à 
esposa e ao casamento: o que dá notícias dos traços narcísicos de onipotência 
e onipresença. 
É intrigante notar como as tentativas de recobrir as faltas estruturais do 
ser falante, utilizando-se da lógica fálica, tocam no impossível de maneira quase 
insuportável. É neste sentido que podemos pensar em desmoronamento. Diante 
da travessia de questões postas a sua masculinidade, pela via do sexual, do 
casamento e da paternidade, a forma de lidar com o que fragiliza se dá pela 
repetição e põe em risco seus laços sociais: desembocando, ao menos até 
agora, no fim do casamento e da relação amorosa. 
Em relação à paternidade e à função do paciente na dinâmica familiar, a 
construção familiar atual revela as constituintes vivências edípicas. Algo da 
posição que ele encontrou em sua família de origem se repete no laço familiar 
atual. Fica também evidente como as referências de masculinidade, paternidade 
e o papel do homem na família, marcam e fazem uma função de aderência, 
dando consistência ao imaginário, causando quase uma impossibilidade de 
pensar outras modalidades de ocupação destes papéis: Se não for pai provedor, 
o que resta? 
O momento da análise em que o paciente estava elaborando como contar 
ao filho mais novo sobre a separação e como a conversa se desenrolou, 
mostrou-se especialmente doloroso, trazendo claras sensações de culpa e de 
falha em manter o ideal de família. Nessas sessões, foi possível ao paciente se 
lembrar e falar da morte do pai e como encontrou um jeito de lidar e construir um 
lugar junto à dinâmica familiar a partir de então. Isso é atualizado e reaparece 
agora, no momento de sua separação, por meio de fragmentos edípicos, do 
declínio doideal viril e, sobretudo, como um luto a ser trabalhado. 
NA PRÁTICA 
Embora o cunho do conteúdo já se demonstre extremamente prático, o 
conteúdo traz significativas diferenças em comparação aos conteúdos 
anteriores. Se anteriormente nos detivemos exclusivamente sobre os textos 
freudianos e ao campo psicanalítico, agora expandimos nossas leituras. 
 
 
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Esta etapa, então, especialmente quanto à análise do caso, ganha um 
cunho, por vezes, mais teórico do que clínico. Em comparação com as etapas 
anteriores, o manejo clínico e a direção do tratamento foram negligenciados em 
detrimento da problemática das masculinidades que o caso traz. 
Muitas vezes, a discussão apresentada no último tópico, no qual 
retornamos à vinheta, a análise ganha um caráter bastante teórico e hipotético, 
não tendo o contorno da própria fala do paciente, ou seja, alguns pontos do 
debate são elucubrações teóricas sobre as quais o caso nos faz pensar e não 
foram elaboradas em análise pela fala do paciente. Isso poderia nos levar a 
pensar em uma psicanálise selvagem, se tais conjecturas fossem comunicadas 
ao paciente como construção do analista, o que não foi o caso. 
De qualquer forma, essa advertência é de extrema importância para o 
nosso fazer clínico: quando, diante de um novo paciente, nada sabemos. É a 
partir desta constatação, de que um analista nada sabe sobre o paciente, que 
uma psicanálise pode ser (re)construída na radicalidade do um-a-um. Somente 
assim, a escuta pode captar o que há de mais singular no discurso do analisante. 
Assim sendo, há uma diferença abissal entre a escuta de sujeitos em 
análise e a escrita de casos clínicos: a primeira, o método da psicanálise e, a 
segunda, uma das formas de investigação e transmissão da psicanálise, traçada 
por meio da experiência de tratamento. Como escreve Dunker (2017, p. 7): 
A psicanálise é uma experiência que se transmite por muitos meios. 
Ela passa do analista ao analisante em sua longa jornada pelo divã. 
Ela se reconstrói a cada vez, por meio da escuta em supervisão clínica. 
Ela envolve um domínio peculiar, a um tempo prático e conceitual, do 
que os outros psicanalistas contam e escreveram sobre sua 
experiência. Se Freud definia a psicanálise como um método de 
tratamento (Behandlungsmethode), um método de investigação 
(Forschung), além de uma nova disciplina científica (neue 
wissenschaftliche Disziplin), no quadro dessa tripla partição, o caso 
clínico ocupa um lugar privilegiado, pois ele envolve e unifica estas três 
qualificações. Um caso clínico emerge de uma experiência de singular 
tratamento, ele constitui uma versão particular do método de 
investigação e pode aspirar, finalmente, a exprimir achados e 
evidências de uma linguagem universal, por meio de narrativas, 
conceitos ou matemas. Quando escutamos analisantes, não os 
colocamos na condição de um caso, no sentido de uma categoria, de 
procedência diagnóstica, que seria o gênero no qual aquele que ali se 
apresenta cai como uma espécie. Há sujeitos em análise, não há casos 
em análise. 
 
Essa tripartição nos ajuda a compreender como o campo da psicanálise 
se define e se constitui. Neste estudo, precisaremos nos localizar no intuito de 
manter o mais radical da ética da psicanálise. 
 
 
13 
FINALIZANDO 
A escolha sobre a temática, os homens em análise hoje, é contundente 
em nossa formação: cada vez mais as demandas decorrentes de certa “crise da 
masculinidade” chegam aos nossos consultórios. 
Dessa forma, para que o psicanalista esteja à altura de seu tempo, como 
nos interpela Lacan, a exclusividade ao campo psicanalítico se demonstra frágil 
para nossa formação. O psicanalista não se restringe ao campo psicanalítico, 
ele está situado em um contexto sócio-histórico-político. Assim, é preciso 
expandi-lo, dialogar com outras produções: das artes, da filosofia, da política, da 
sociologia, antropologia, da economia etc. Nesta etapa, pinçamos uma 
problemática localizada nos debates de gênero, parentalidade e conjugalidade. 
Nota-se, então, clara mudança na forma de construção do texto. Se, nas 
discussões de caso de conteúdos anteriores, a abordagem se fazia 
exclusivamente ao campo psicanalítico, aqui, o caso foi analisado de forma a 
circunscrevê-lo também ao contexto social de nossa época. 
 
 
 
 
14 
REFERÊNCIAS 
AMBRA, P. O que é um homem?: psicanálise e história da masculinidade no 
ocidente. 2. ed. São Paulo: Zagodoni, 2021. 
CUSTÓDIO, T. Padrão, padrão, padrão. In: AMBRA, P. Cartografias da 
masculinidade. São Paulo: Cult Editora, 2021. 
DUNKER, C. A construção de casos clínicos em psicanálise: método clínico 
e formalização discursiva. São Paulo: Annablume, 2017. 
IACONELI, V. Manifesto antimaternalista: psicanálise e políticas da 
reprodução. Rio de Janeiro: Zahar, 2023. 
GARRAFA, T. Os primeiros tempos da parentalidade. In: IACONELLI, V. 
Parentalidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. 
LACAN, J. (1972-1973) O seminário: Livro XX – Mais, ainda. Rio de Janeiro: 
Zahar, 2008. 
LIMA, V. Homens em análise: travessias da virilidade. São Paulo: Blucher, 
2024.

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