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www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 1 DIREITO PENAL PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Trata-se do primeiro artigo do Código Penal que assim estabelece: “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” Encontra-se, também, inserto no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal brasileira, o que significa dizer que, tal princípio, estando no rol dos direitos e garantias fundamentais, é acobertado pelo rol das cláusulas pétreas, nos termos do art. 60, §4º, IV, da respectiva Carta. A legalidade é um princípio que exige uma lei escrita, certa e anterior, nos termos em que seguem: 1º LEI ESCRITA: Significa dizer que os costumes não podem definir a conduta criminosa e estabelecer uma respectiva sanção penal. Tal entendimento, porém, não retira a característica dos costumes como fonte do direito. O que não é possível é os costumes sejam fontes de incriminação penal. O papel dos costumes, enquanto fonte do direito, é o de influir na interpretação da legislação penal. A analogia não pode definir conduta criminosa e cominar respectiva sanção penal. Válido ressaltar que a analogia é perfeitamente aplicável na órbita penal, desde que seja benéfica ao réu. É o que a doutrina denomina de analogia in bonam partem. Não cabe, assim, uma analogia em malam partem, ou seja, não será cabível uma interpretação analógica que venha a prejudicar o réu. Exemplificando: no direito penal, a união estável se equipara ao casamento? Depende. Serão aplicados os institutos do casamento à união estável se esta analogia vier a beneficiar o réu. Por exemplo, nos crimes patrimoniais sem violência ou grave ameaça praticados entre cônjuges na constância do casamento e se a vítima não tiver idade superior a 60 anos, haverá a chamada escusa absolutória, ou seja, é crime, mas não há a respectiva pena. Neste caso, a união estável é perfeitamente aplicável a tal instituto, haja vista trata-se, aqui, de uma analogia in bonam partem, já que o réu será beneficiado. Em contrapartida, uma pessoa casada que, sem desconstituir o primeiro vínculo conjugal, torna a se casar, comete o crime de bigamia. Mas se o sujeito é casado e, sem desfazer esse primeiro vínculo matrimonial, passa a viver em união estável com uma segunda pessoa, também praticará a bigamia? Não. Por que, neste caso, a comparação da união estável ao casamento seria prejudicial ao réu (analogia em malam partem). 2º LEI CERTA: Também chamado de princípio da taxatividade, princípio da certeza ou, ainda, princípio do mandado de certeza. De acordo com esse princípio a lei penal não poderá ter incriminações vagas, imprecisas. Não é possível que haja lei, por exemplo, que estabeleça como crime “violar a ordem pública e os bons costumes”. O que seria a ordem pública? Tratar-se-ia de uma incriminação vaga, sujeita à livre discricionariedade do julgador. 4º LEI ANTERIOR: Princípio da anterioridade é uma decorrência direta da legalidade. Legalidade sem anterioridade não faz sentido. Isso porque, a idéia da anterioridade é a de limitar o poder de punir do Estado e dar a certeza ao cidadão de que ele não será punido www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 2 senão por uma circunstância previamente estabelecida em lei. Portanto, a lei, necessariamente, deverá ser anterior, ou seja, ela não poderá retroagir para incriminar um fato passado. O princípio da anterioridade pode também ser chamado de princípio da irretroatividade da lei penal ou de princípio da retroatividade benéfica da lei penal. Lembrando que a lei penal só retroage para beneficiar o réu. Importante destacar que, quando falamos em princípio da anterioridade, estamos nos referindo à lei no sentido material ou formal. Não pode, por exemplo, haver decreto, resolução, portaria, medidas provisórias, etc., que definam condutas criminosas. Acerca do tema, a Constitucional Federal, no art. 62, prevê, expressamente, que Medida Provisória não pode tratar de direito penal. Doutrinariamente há quem entenda que medidas provisórias poderiam ser aplicadas na esfera penal desde que venha a beneficiar o réu (é o posicionamento, por exemplo, de Luiz Flávio Gomes), mas trata-se de um entendimento minoritário. Ainda sobre o princípio da anterioridade, cumpre lembrar que no Brasil a lei retroage para beneficiar o réu a qualquer tempo! Inclusive após o trânsito em julgado de uma eventual condenação. Exceto quando a pena já foi extinta, nesse caso, não há mais de se falar em retroatividade da lei benéfica, porque não há mais punibilidade. Lembre-se que ocorre a abolitio criminis quando a lei deixa de considerar determinada conduta como criminosa. Não devemos confundir, contudo, a abolitio criminis com a revogação de tipo penal. Por exemplo: até 2009, o art. 213 do Código penal tinha a seguinte redação para o crime de estupro: “constranger mulher, por violência ou grave ameaça, a manter conjunção carnal”. E o art. 214, que tratava do atentado violento ao pudor, previa que: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Em 2009, o tipo penal do atentado violento ao pudor foi revogado e o art. 213 passou a ter a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”: Assim, aquilo que era atentado violento ao pudor também se tornou estupro. Então, houve abolitio criminis do atentado violento ao pudor? Não! Abolitio criminis é quando a conduta deixa de ser criminosa. No caso em tela, houve a revogação do tipo penal atentado violento ao pudor, mas a conduta não deixou de ser criminosa. Assim, a conduta que outrora se chamava atentado violento ao pudor hoje é uma das hipóteses de estupro. A abolitio criminis ocorreu, por exemplo, com o adultério, a sedução, o rapto consensual. O adultério era crime até 2005. Isso não significa dizer que o adultério foi legalizado. Ele apenas deixou de ser um ilícito penal, continuando a ser um ilícito de natureza cível, por exemplo. Surge, então, a seguinte indagação: qual a conseqüência da abolitio criminis? A abolitio criminis faz cessar os efeitos penais da condenação! Atenção: é possível que caia na prova que a abolitio criminis faz cessar todos os efeitos da condenação. Essa afirmação não está www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 3 correta! A abolitio criminis faz cessar os efeitos PENAIS de uma eventual condenação. Assim, se o sujeito estava sendo investigado em inquérito policial por conduta posteriormente abolida do ordenamento penal, esse inquérito será encerrado. Se ele respondia ação penal, o processo será extinto (trata-se de hipótese de extinção da punibilidade prevista no art. 107 do Código Penal). Se ele já foi condenado e está aguardando julgamento de recurso, da mesma forma, haverá extinção desse processo. Contudo, se o sujeito já foi condenado e a sentença penal condenatória já tiver transitado em julgado, ou seja, se o processo já estiver em fase de execução penal, sobrevindo a abolitio criminis, a aplicação da lei nova quebeneficia o réu ficará a cargo do juiz da execução. Frise-se que não é o juiz que sentenciou, e sim, o juiz da execução penal, conforme preleciona o Súmula 611 do STF: “TRANSITADA EM JULGADO A SENTENÇA CONDENATÓRIA, COMPETE AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES A APLICAÇÃO DE LEI MAIS BENIGNA”. Pensemos na hipótese em que, já na fase de execução, sobreveio a abolitio criminis do adultério. Como visto, a abolitio criminis cessa os efeitos penais. O primeiro dos efeitos penais é o cumprimento da pena (se o sujeito estivesse preso, seria posto em liberdade, se fosse obrigado a pagar multa, seria extinta essa exigência etc.). Outro efeito penal da abolitio criminis é o de que o sujeito volta a ser portador da primariedade, ou seja, se ele praticasse um novo fato delituoso não seria considerado reincidente. Os efeitos extrapenais da condenação não cessam! Um dos principais efeitos extrapenais da condenação é o de tornar certa a obrigação de indenizar a vítima. Esse efeito não cessa, por ter natureza cível, logo, por ser extrapenal. DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO a) Teoria da Atividade b) Teoria do resultado c) Teoria da ubiqüidade. 1. DO TEMPO DO CRIME O tempo do crime, no direito penal brasileiro, é o tempo da atividade, ou seja, é o tempo da ação ou omissão. Assim, não se aplica a teoria do resultado no que se refere ao tempo do crime, tão pouco a teoria da ubiqüidade, vez que esta, diz respeito ao lugar, não ao tempo. 2. DO LUGAR DO CRIME O art. 6º do Código Penal assim dispõe: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Portanto, no que se refere ao lugar do crime, o art. 6º do Código penal não aderiu à teoria da atividade e nem à teoria do resultado e sim, à teoria da ubiquidade. Assim, no que se refere ao lugar do crime, é importante ter conhecimento de quando se considera ocorrido o crime. A teoria da ubiquidade é aplicada nos crimes à distância. Crimes à distância, por sua vez, é aquele em que a ação é realizada em um país, e o resultado ocorre em outro. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 4 Os manuais de direito penal costumam exemplificar a teoria da ubiqüidade, no caso de uma pessoa que mora em Brasília e manda uma carta bomba para Buenos Aires. Nesse caso, qual o local do crime? O Brasil (onde ocorreu a ação) e a Argentina (onde se produziu, ou deveria se produzir o resultado). Outro exemplo, é quando uma pessoa, no Brasil, ameaça de morte outra pessoa que está na Argentina. Do mesmo modo, com base na teoria da ubiquidade, o lugar do crime será o Brasil (onde ocorreu a ação) e a Argentina (onde se produziu o deveria se produzir o resultado). CONCEITO ANALÍTICO OU EXTRATIFICADO DO CRIME A doutrina majoritária no Brasil trabalha com um conceito tripartido, no qual divide o crime em três elementos, fato típico, antijurídico e culpável. Mas há alguns autores que defendem o critério bipartido, no qual crime seria fato típico e ilícito. Para esses autores, culpabilidade não seria elemento do crime e sim, mero pressuposto de punibilidade. Portanto, para a doutrina majoritária crime possui três elementos: fato típico, ilícito e culpável. Importante observar que ilicitude e antijuridicidade são consideradas elementos sinônimos para o Direito Penal! 1º DOS ELEMENTOS DO FATO TÍPICO 1. Conduta humana penalmente relevante: Será uma ação ou omissão, dolosa ou culposa. 2. Resultado: a conduta humana deverá produzir um resultado. 3. Nexo causal: Também chamado de relação de causalidade: É o elo entre a conduta e o resultado. 4. Tipicidade 2° EXCLUDENTES DO FATO ILÍCITO. Antes de tudo é importante termos em mente que o fato típico é presumivelmente ilícito. Ocorre que essa presunção é relativa. Assim, o fato típico deixa de ser ilícito se estiverem presentes algumas de suas excludentes. Quais sejam: O estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal, o exercício regular de um direito. Essas excludentes estão previstas no art. 23 do Código penal. Mas há, ainda, uma causa supralegal: o consentimento do ofendido. 1. Estado de necessidade 2. Legítima defesa 3. Estrito cumprimento do dever legal 4. Exercício regular de direito 5. Consentimento do ofendido – causa supralegal. 3º DOS ELEMENTOS DA CULPABILIDADE 1. Imputabilidade 2. Exigibilidade de conduta diversa. 3. Potencial consciência da ilicitude. Observações: Lembrando que a coação moral irresistível ou a obediência hierárquica são modalidade da inexigibilidade de conduta diversa. E o erro de proibição é uma excludente da potencial consciência da ilicitude. Excludentes da culpabilidade que serão analisados adiante. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 5 1. FATO TÍPICO E SEUS ELEMENTOS: A) CONDUTA HUMANA - CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS: Dolo e culpa constituem elementos subjetivos da conduta humana. Também chamados de elementos, psicológicos, volitivos, de vontade etc. Dolo é a vontade de praticar a conduta e de produzir o resultado. A culpa se diferencia porque a intenção não é a de produzir o resultado, apenas a de praticar a conduta. Dolo é elemento subjetivo por excelência. Culpa é elemento subjetivo por exceção. Ou seja, quando o tipo penal descreve a conduta, ali está descrita uma conduta dolosa. Porque o dolo é elemento subjetivo por excelência, é a regra. Assim, quando o art. 121 explana “matar alguém”, trata-se de tipificação de uma conduta dolosa. Conduta culposa é a exceção. Só existe crime na modalidade culposa quando houver expressa disposição na lei. Assim, há homicídio na modalidade culposa porque o art. 121, no § 3º dispõe acerca dessa possibilidade. Mas, por exemplo, o Código penal não prevê o crime de furto na modalidade culposa. A.1) DOLO: O código penal divide o dolo em dolo direto e dolo eventual. Dolo direto Dolo direto de 1º grau Dolo direto de 2º grau Dolo Indireto Dolo Indireto eventual Dolo indireto alternativo a) DOLO DIRETO DE 1º GRAU: É o dolo clássico, que se divide em dois binômios: consciência e vontade. Consciência do que se está fazendo e vontade de produzir o resultado. b) DOLO DIRETO DE 2º GRAU: Ocorre quando o agente não quer, diretamente, praticar o resultado, mas a sua conduta torna o resultado inevitável. c) DOLO INDIRETO EVENTUAL: O código diz que ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado. Em direito penal, “assumir riscos” significa ser indiferente para com o resultado. O lema do dolo eventual é: “der no que der, não deixo de agir”. Logo, no dolo eventual, o agente é indiferente ao resultado, apesar de não ter certeza exata de qual será o resultado de sua conduta, por isso se afirma que ele assume o risco de produzir o resultado. Risco, então, é zona de incerteza. d) DOLO INDIRETO ALTERNATIVO: é uma classificação que muitos autores já não trabalham. É hoje considerada uma espécie de dolo eventual. Dolo alternativo ocorre quando o agente tem mais de um resultado possível e qualquer deles o satisfaz. Exemplificando: o agente atira nas costas do seu desafeto. Qualquer que sejao resultado (se a vítima morrer ou se ficar tetraplégica, por exemplo) o satisfaz. A.2) DA CULPA Culpa consiste na inobservância de um dever objetivo de cuidado. Ou seja, culpa significa que o sujeito não adotou as cautelas devidas. Essa inobservância dos deveres objetivos de cuidado pode ocorrer mediante Imprudência, Negligência ou Imperícia. Logo, podemos afirmar que imprudência, negligência e www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 6 imperícia são modalidades de inobservância dos deveres objetivos de cuidado. a) IMPRUDÊNCIA: É a inobservância de um dever objetivo de cuidado que ocorre por meio de uma ação. Assim, imprudente é aquele que fez o que não deveria fazer. b) NEGLIGÊNCIA: É o contrário da imprudência. Nessa modalidade, o agente não fez aquilo que deveria fazer. Então, negligente é, por exemplo, o pai que, de forma descuidada, não adota as cautelas devidas para retirar a arma do alcance do filho menor. c) IMPERÍCIA: Poderá ocorrer mediante ação ou omissão. Trata-se da inobservância de um dever objetivo de cuidado que diga respeito à arte, ofício ou profissão. Um erro médico, por exemplo. A culpa poderá ser inconsciente ou consciente. Primeiramente, é importante afirmar que, para que haja culpa, o resultado deverá ser sempre previsível. Logo, se o resultado é imprevisível não há de se falar em dolo ou culpa. Cite-se, como exemplo, um motorista de trânsito que está dirigindo de acordo com todas as normas previstas, (respeitando o limite de velocidade, obedecendo a sinalização, com o cinto de segurança, etc.) e uma pessoa se atira diante do carro com a intenção de suicidar-se. Nesse caso, não há de se falar em dolo ou culpa, porque, de acordo com a conduta do agente, não é previsível se que se espere um resultado criminoso. Assim, se não é possível se vislumbrar o resultado, não há de se falar em dolo ou culpa. Lembrando, ainda, que dolo e culpa integram a conduta humana, (já que conduta humana é, por sua vez, toda ação ou omissão dolosa ou culposa), e que, esta, encontra-se dentre os elementos do fato típico. Dessa forma, a ausência de dolo ou culpa torna o fato atípico. Então, para que haja culpa o resultado deverá ser previsível. Ser previsível não é a mesma coisa que previsto. Se o fato foi PREVISTO, a culpa é consciente. Se não foi previsto, a culpa será inconsciente. Imaginemos o exemplo de uma pessoa que passa todos os dias por determinada rodovia com um limite de velocidade superior ao permitido em lei, não havendo radares que controlem essa conduta e que essa prática seja comum dentre todos os motoristas que por ali trafegam. Ocorre que, em determinado dia, esse agente atropela e mata uma pessoa. Esse fato é previsível. Mas é previsto? Não. Porque o sujeito fazia esse trajeto todos os dias há anos, nessa mesma velocidade, e em momento algum imaginou que haveria a possibilidade de matar alguém. Trata-se, pois, de hipótese de culpa inconsciente. Já na culpa consciente o resultado é previsto, mas não é aceito, ou seja, o agente não assume o risco de produzir o resultado. Logo, na culpa consciente, o agente sabe da possibilidade de produzir determinado resultado, mas acredita que poderá evitá-lo. É o caso, por exemplo, de um atirador de facas. Ele tem consciência de que poderá atingir a pessoa (o resultado é previsto), mas acredita que, com suas habilidades, esse resultado não irá se consumar. Perceba que há uma linha muito tênue entre a culpa consciente e o dolo eventual. Na culpa consciente o agente acha que poderá evitar o resultado. Já no dolo eventual o agente é indiferente para com o resultado. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 7 A.3) DO CRIME PRETERDOLOSO É a junção do dolo e da culpa: preterdolo ocorre quando o agente possui dolo na conduta e dano no resultado, ou seja, ele queria praticar a conduta, mas não tinha a intenção de que sua conduta produzisse determinado resultado. É o caso, por exemplo, da lesão corporal seguida de morte. O agente não tinha a intenção de matar a vítima, mas tinha a intenção de praticar a lesão corporal. Outro exemplo é o aborto quando há morte da gestante. Ou a tortura seguida de morte. B) RELAÇÃO DE CAUSALIDADE É também chamada de relação causal, ou nexo causal. Trata-se do elo entre a conduta e o resultado. Estudar a relação de causalidade é analisar qual foi o motivo que acarretou em determinado resultado. Lembrando que resultado, no direito penal, pode também ser chamado de evento. No que concerne à relação de causalidade, o Código Penal, no caput do seu art. 13, adotou a TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES, também chamada de teoria da conditio sine qua non. De acordo com essa teoria, causa é tudo aquilo que contribuiu para a ocorrência do resultado. Assim, o Código Penal não adotou a teoria da concausa. Já que tudo aquilo que contribuiu para o evento é causa. Então para saber se determinada conduta é a causa do evento danoso devemos trabalhar com o critério de eliminação hipotética. Ou seja, para saber se a conduta é causa do resultado, vamos eliminar determinada circunstância e nos perguntar se o resultado teria ocorrido com essa eliminação. Assim, imagine que A matou B: Antes de A matar B, adquiriu a arma, a munição e, antes de chegar na residência da vítima, ele parou para almoçar. Chegando à residência de B, A armou uma emboscada e deflagrou os disparos. Nesse caso, devemos nos perguntar: o que é causa do resultado? De acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes, tudo o que contribuiu para que o resultado tivesse ocorrido, é causa. Então, devemos eliminar hipoteticamente cada uma das circunstâncias a fim de chegarmos à causa. Então, vejamos: 1. Se A n tivesse comprado a arma, o resultado teria ocorrido da forma como ocorreu? Não. É possível que A tivesse matado B, mas não com aquela arma. Ou seja, se A não tivesse comprado a arma o resultado não teria ocorrido da forma como ocorreu. Assim, podemos afirmar que “comprar a arma”, é causa que contribuiu para o resultado. O mesmo raciocínio se aplica à compra de munição, já que, sem esta, A não teria efetuado os disparos. 2. Parar para almoçar não é causa do resultado, já que essa ação não teve qualquer influência no crime. 3. Se ele não tivesse armado a emboscada o resultado não teria ocorrido da forma como ocorreu. Importante lembrar, inclusive, que emboscada é causa qualificadora do crime de homicídio. 4. Sem os disparos o resultado também não teria ocorrido da forma como ocorreu. O grande problema dessa teoria é que, ao afirmar que tudo o que contribuiu para o resultado é causa, poderá haver o REGRESSUS AD INFINITUM, já que, por exemplo, se o fabricante de armas não tivesse feito aquela arma utilizada por A, o crime não teria ocorrido da forma como ocorreu. Da mesma forma, se a mãe de A, não o tivesse www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 8 gerado, o crime também não teria ocorrido da forma como ocorreu, e assim, sucessivamente. Então, para não chegarmos ao infinito, essa teoria precisa de um limite que seria os ELEMENTOS SUBJETIVOS DOLO OU CULPA. Dessa forma, por que a mãe de A não vai responder pelocrime? Porque o fabricante da arma não vai responder pelo crime? Por que estes não tiveram o elemento subjetivo (dolo ou culpa) necessários para influírem no resultado. Importante destacar, ainda, que a teoria da equivalência dos antecedentes possui uma exceção. A exceção reside na causa relativamente independente e superveniente. Da Causa relativamente independente e superveniente: Trata-se de uma causa que acontece depois da conduta. O exemplo mais emblemático é aquela hipótese em que, um sujeito deflagra um disparo em alguém e essa pessoa é socorrida. Ocorre que, no caminho para o pronto socorro a ambulância acaba colidindo com algum outro veículo e a pessoa que estava sendo socorrida morre em razão desse acidente. Perceba que o acidente com a ambulância é uma causa independente ao disparo e superveniente a este. Quando há uma causa relativamente independente e superveniente a teoria da condição sine qua non não será aplicada. Se essa teoria fosse aplicada a linha de raciocínio seria: se o agente não tivesse atirado, a vítima não estaria na ambulância logo, não sofreria com o acidente de trânsito e não morreria. Assim, esse agente responderia penalmente pelo homicídio consumado. O que não ocorre. O art. 13, § 1º do Código Penal, ao tratar da causa relativamente independente e superveniente, adotou a TEORIA CAUSALIDADE ADEQUADA. Perceba que a regra para a averiguação do nexo de causalidade é a teoria da condição sine qua non, a exceção é a teoria da causalidade adequada, esta, só será aplicada nos casos em que houver uma causa relativamente independente e superveniente. Pela teoria da Causalidade Adequada, só é causa aquilo que produziu o resultado “por si só”, ou seja, causa é aquilo que, isoladamente, produziu o resultado. Dessa forma, o art. 13, § 1º afirma que, ocorrendo a causa relativamente independente e superveniente que, por si só produziu o resultado, o agente responde apenas pelos atos até então praticados. “Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Portanto, no exemplo da ambulância, o agente responderia, apenas pelos disparos por ele efetuados, ou seja, pela tentativa de homicídio. Importante destacar, contudo, que há situações em que não se aplica a causa relativamente independente e superveniente. Por exemplo: um agente efetuou disparos e a vítima foi levada até o hospital, mas, por conta do grande engarrafamento, acaba falecendo antes de ser socorrido. Nesse caso, não podemos afirmar www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 9 que o agente faleceu por conta do engarrafamento, ou seja, não é possível se falar em causa relativamente independente e superveniente. O mesmo raciocínio se aplica no caso de a vítima contrair uma infecção hospitalar, após ser vítima de disparos. Nesse caso, há um desdobramento natural da conduta criminosa, logo, o agente responderia por homicídio consumado, aplicando-se, pois a regra da teoria da condição sine qua non. INSTITUTOS RELACIONADOS AO ITER CRIMINIS Iter Criminis, literalmente, seria o “itinerário do crime”, o caminho produzido pelo crime. Trata- se, pois, das fases do crime. O crime passa por até cinco fases. Nem todos os crimes vão passar pelas cinco. 1ª FASE: Cogitatio ou, simplesmente, cogitação – É o planejamento do crime. Cogitatio não pode ser punida. A simples vontade de praticar um crime não significa praticá-lo. 2ª FASE: Preparação – Em regra, os atos de preparação também não são punidos. Diga-se “em regra”, por que há vezes em que os atos de preparação são tão graves que a lei os considera como crimes autônomos. Por exemplo, adquirir arma de fogo é um ato preparatório para um homicídio, mas, se o sujeito não tiver porte de arma, ele já praticou um crime. A emissão de moedas falsas é um crime, mas a utilização de instrumentos para a falsificação de moeda (o que se classificaria como ato preparatório), já é outro crime. 3ª FASE: Execução – Em regra a punibilidade se inicia nos atos de execução. 4ª FASE: Consumação – Ocorre quando todos os elementos do tipo penal estão preenchidos. 5ª FASE: Exaurimento – Ocorre quando o tipo penal prevê uma hipótese além da consumação. Por exemplo, crime de corrupção de funcionário público: o funcionário público que solicita vantagem indevida já praticou, por si só, um crime. Logo, se ele receber aquilo que solicitou estará apenas exaurindo um crime que já estava consumado. Existem cinco institutos relacionados ao Iter Criminis, quais sejam: 1. Tentativa 2. Desistência voluntária 3. Arrependimento eficaz 4. Arrependimento posterior 5. Crime impossível 1. CRIME TENTADO Ocorre quando, iniciado os atos de execução, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Assim, há a tentativa quando o indivíduo inicia a terceira fase (fase de execução), mas não alcança a quarta fase (de consumação) em razão de circunstâncias alheias à sua vontade. A consequência do crime tentado: O Código Penal nos diz que quando o crime é tentado o juiz vai aplicar a pena do crime consumado diminuindo-a de 1/3 a 2/3, salvo nos casos previstos em lei. Excepcionalmente, porém, o Código (ou a legislação extravagante) prevê um crime em que a consumação e a tentativa possuem a mesma pena. São os chamados crimes de atentado ou crime de empreendimento. Como exemplo, podemos citar o crime eleitoral de “votar ou tentar votar no lugar de outrem”. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 10 Nesse caso, a consumação e a tentativa possuem a mesma penalidade. A natureza jurídica da tentativa é a de causa de diminuição de pena prevista na parte geral do Código Penal. Classificação doutrinária da tentativa: a) TENTATIVA BRANCA OU INCRUENTA – É aquela em que a vítima sai ilesa. Exemplo: o agente deflagra disparos de arma de fogo na vítima, mas não a atinge. b) TENTATIVA VERMELHA OU CRUENTA – É aquela em que a vítima sai lesionada. c) TENTATIVA PERFEITA, TENTATIVA ACABADA OU CRIME FALHO – Ocorre na hipótese em que o agente exauriu a sua potencialidade lesiva e, ainda assim, não conseguiu consumar o crime. Por exemplo, o agente deflagrou todo o arsenal que possuía, ou utilizou de toda a dose veneno de que dispunha, enfim, ele fez tudo o que estava ao seu alcance para consumar o crime. d) TENTATIVA IMPERFEITA: O sujeito não exauriu a sua potencialidade lesiva, ele não fez tudo o que estava ao seu alcance. Por exemplo, ele deflagrou o primeiro disparo, mas a vítima conseguiu fugir ou alguém o conteve. e) TENTATIVA ABANDONADA – Muito cuidado com essa classificação por que, o que a doutrina denomina de tentativa abandonada, em verdade, é a desistência voluntária. f) TENTATIVA INIDÔNEA – Trata-se, na verdade, do crime impossível! Nesta, não há a possibilidade de haver efetivação do delito. DAS INFRAÇÕES PENAIS QUE NÃO ADMITEM A TENTATIVA 1. As contravenções penais. Primeiramente, é importante lembrarque as infrações penais são gênero, cujas espécies são os crimes e as contravenções. O Decreto – lei nº 3688/1941 (lei de contravenções penais) dispõe expressamente que não há a possibilidade de tentativa nas contravenções. Trata-se, então, de uma opção do legislador. 2. Crimes omissivos próprios (ou omissivos puros): são aqueles em que o tipo penal prevê a possibilidade de omissão. A ação pode ser fracionada em vários atos, a omissão, por sua vez, é um ato só, o agente praticou ou não praticou. No crime de omissão de socorro, por exemplo, o agente não tem como “tentar não prestar o socorro”. 3. Crimes Unissubsistente: É aquele em que a ação, ou omissão, não pode ser fracionada. Os crimes omissivos são unissubsistentes. Contudo, há crimes comissivos que também não podem ser fracionados, é o caso, por exemplo, dos crimes praticados verbalmente, a exemplo da ofensa à honra. Perceba que os crimes de ofensa a honra praticados por escrito podem ser fracionados, por exemplo, o agente pode mandar um email calunioso e a vitima não recebê-lo por que está com a sua caixa de email lotada. Nesse exemplo, houve o crime contra a honra em sua modalidade tentada, já que não houve a consumação por razões alheias à vontade do agente. 4. Crimes culposos: Tentativa pressupõe dolo! Por que, de acordo com a definição de tentativa, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, logo, o agente tinha a intenção (dolo) de produzir o resultado. Existe uma exceção a essa regra nos casos de CULPA IMPRÓPRIA (por extensão ou por assimilação). A culpa imprópria (que será estudada mais a frente) nada mais é do que a culpa que deriva do erro de tipo. Nesse caso, caberá a tentativa. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 11 5. Crimes pretedolosos: crime preterdoloso é aquele em que há dolo na conduta e culpa no resultado. Se o resultado é produzido culposamente, não há de se falar em tentativa. Obs.: Existe uma divergência doutrinaria acerca da possibilidade de cabimento da tentativa nos crimes de dolo eventual. A maior parte da doutrina entende que a tentativa só é cabível para os casos de dolo direto, não se aplicando, pois, ao dolo eventual. Obs. 2: Há quem diga que não cabe a tentativa nos crimes de empreendimento ou crime de atentado (aquele em que a consumação e a tentativa são punidos da mesma forma). Na verdade, a questão é que, nos crimes de empreendimento a tentativa não possui nenhuma aplicabilidade prática, já que será punida da mesma forma. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA É também chamada, doutrinariamente, de tentativa abandonada. Contudo, a desistência voluntária se difere da tentativa por que nesta, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Já na desistência voluntária, o ato não se consuma por vontade do agente, ou seja, ele pode prosseguir na execução do crime, mas desiste de fazê-lo. Franklin, um teórico alemão, cunhou uma fórmula para distinguir a tentativa da desistência voluntária, qual seja: Tentativa – Quero, mas não posso prosseguir na execução. Desistência Voluntária – Posso prosseguir na execução, mas não quero. Válido ressaltar que a desistência é voluntária, mas não necessariamente ela é espontânea! Por exemplo, o agente pode ser aconselhado a não prosseguir no crime. O espontâneo, como se percebe, é mais do que o voluntário, por que não apenas exige um ato de vontade como essa vontade deve partir do agente, sem interferências externas ou de terceiros. Conseqüência da desistência voluntária: Diz o art. 15 do Código Penal que, na desistência voluntária o agente responde apenas pelos atos praticados até o momento dessa desistência. Ou seja, ele não responde pela tentativa (que diminui a pena de 1/3 a 2/3). Assim, se, por exemplo, o agente está apontando a arma para a vítima, mas desiste de atirar, ele responderá pelo crime de ameaça. Se esse mesmo agente, podendo matar a vítima, desiste de fazê-lo, e atira apenas em seu braço, ele não responde por tentativa de homicídio e sim, por lesão corporal. ARREPENDIMENTO EFICAZ Nesta, o agente já exauriu toda a sua potencialidade lesiva, ou seja, ele não pode mais desistir por que ele já fez tudo o que podia para consumar o crime. A diferença está que, após fazer todos os atos necessários para consumar o crime, o agente se arrepende, e evita, de todos os modos, a consumação. Por exemplo, ocorre o arrependimento eficaz se o agente, após desferir disparos na vítima, a leva ao hospital e a salva. Perceba, portanto, que o arrependimento deverá ser eficaz! Ou seja, os esforços do agente para evitar a consumação devem surtir efeitos. Caso contrário, o arrependimento será ineficaz e o agente reponderá pela conduta delitiva. No www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 12 exemplo narrado, ele responderia pelo crime de homicídio. Conseqüência do arrependimento eficaz: É a mesma da desistência voluntária, ou seja, o agente responderá apenas pelos atos praticados até aquele momento. Desistência voluntária: O agente pode prosseguir, mas não quer. Arrependimento eficaz: O agente prossegue no ato (exaure a sua potencialidade lesiva) e depois se arrepende e envida esforços para evitar o resultado. Natureza Jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz: Em outras palavras, o que significam esses institutos para o direito? Primeiramente é importante lembrar que, a natureza jurídica da tentativa é a de uma causa de diminuição de pena prevista na parte geral. Para a doutrina majoritária, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz constituem CAUSA DE ATIPICIDADE RELATIVA DA CONDUTA! Atipicidade é quando o fato deixa de ser típico. Essa atipicidade poderá ser absoluta, (quando a conduta era criminosa e passou a não ser), como poderá ser relativa, quando a conduta seria um crime e passou a ser outro. Nesses termos, se, por exemplo, a intenção inicial do agente era a de matar a vítima, mas, desiste (ou se arrepende eficazmente), a conduta típica deixa de ser a de homicídio e passa a ser a de ameaça. ARREPENDIMENTO POSTERIOR (art. 16 do Código Penal) Não devemos confundir arrependimento eficaz com arrependimento posterior. Dos 05 (cinco) institutos do inter criminis, o arrependimento posterior é o único em que há a consumação. Só é cabível o arrependimento posterior para os crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa. Ex.: furto, estelionato, apropriação indébita, crime de dano, corrupção, etc. Nessas hipóteses, o sujeito irá reparar o dano, ou restituir a coisa, antes do recebimento da denúncia ou queixa crime. Conseqüência do arrependimento posterior: será a mesma conseqüência da tentativa, ou seja, haverá uma diminuição da pena de 1/3 a 2/3. É importante destacar que, no arrependimento posterior também há uma conduta voluntária do agente, mas não necessariamente espontâneo. Natureza jurídica: é a mesma natureza jurídica da tentativa, qual seja, a de CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NA PARTE GERAL DO CÓDIGO. Há casos, porém, em que a própria lei concede um benefício maior do que o arrependimento posterior. Cite-se, como exemplo, o crime tributário, se o agente pagar o tributo antes da denúncia ou queixa, haverá a extinção da punibilidade.Perceba que, nesse caso, não se aplica o arrependimento posterior por que a própria lei concede um benefício maior ao agente. Outro exemplo em que a lei concede um tratamento mais benéfico é o caso do peculato culposo, neste, se o agente se arrepende e restitui a coisa até a sentença, haverá a extinção da punibilidade. Portanto, nesses casos, não há de se falar em arrependimento posterior por que a lei foi mais benéfica do que esse instituto. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 13 CRIME IMPOSSÍVEL (art. 17, do Código Penal). Ocorre quando é impossível se consumar o crime, e é por isso que doutrinariamente esse instituto é chamado de tentativa inidônea. É impossível se consumar o crime por: Absoluta impropriedade do objeto material do tipo penal. ou ineficácia do meio. 1) Absoluta impropriedade do objeto material: Objeto material é a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa. Diferencia-se, assim, do objeto jurídico do crime, este, refere- se ao bem jurídico. Por exemplo, no crime de homicídio, o objeto jurídico é a vida humana e o objeto material é a pessoa que foi morta. No furto, o objeto jurídico é o patrimônio, o objeto material é a coisa subtraída. Falar-se em absoluta impropriedade do objeto material significa dizer que o objeto material não existe. Ou seja, a pessoa ou a coisa sobre a qual recairia a conduta criminosa não existem! À exemplo de um agente que dispara tiros sobre uma pessoa que já estava morta. Nesse caso, o objeto material, no caso, a pessoa que seria assassinada, não existe, por que não há mais vida humana. Recentemente a OAB cobrou uma questão que tratava de um caso em que o agente, na intenção de roubar um cadáver (crime de vilipêndio a cadáver), descobre, ao abrir o caixão, que não havia corpo. Trata-se de mais um exemplo de crime impossível, em razão da absoluta impropriedade do objeto. 2) Absoluta ineficácia do meio Trata-se do meio empregado para a prática do crime. A doutrina costuma citar o exemplo de um agente que tenta matar uma pessoa envenenada e, sem saber, acaba ministrando- lhe açúcar, ao invés do veneno. Obs.: Perceba-se que só há crime impossível quando a impropriedade do objeto ou a ineficácia do meio são absolutas. Se forem relativas, não podemos falar em crime impossível e sim, em tentativa!!! A relativa impropriedade do objeto material é quando o objeto material existe, mas ele não é alcançado. Então, se, por exemplo, um agente tenta furtar uma pessoa, colocando a mão em seu bolso, e não encontrar nada, será uma hipótese de crime impossível por absoluta impropriedade do objeto. Porém, se essa pessoa possuía bens no outro bolso, a impropriedade do objeto é relativa, por que a coisa sobre a qual recairia a conduta criminosa existe, mas não foi alcançada. Nesse caso, não é crime impossível e sim, hipótese de tentativa. A relativa ineficácia do meio ocorre quando o meio empregado naquele caso concreto não conseguiu consumar o crime, mas poderia ter consumado. É o caso de o agente ter ministrado veneno na vítima, contudo a dose não foi a suficiente para matá-la, nesse caso, não há crime impossível e sim, tentativa. SÚMULA 145 DO STF: FLAGRANTE PREPARADO – ocorre quando o policial provoca o agente para que este pratique o crime para poder prendê-lo, o STF entende esse crime seria impossível, por que nesse caso, há uma absoluta ineficácia do meio. “NÃO HÁ CRIME, QUANDO A PREPARAÇÃO DO FLAGRANTE PELA POLÍCIA TORNA IMPOSSÍVEL A SUA CONSUMAÇÃO”. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 14 Fim do inter criminis!!! HIPÓSTESES DE EXCLUDENTES DE ILICITUDE O Código Penal, no seu art. 23, previu 04 hipóteses de excludentes de ilicitude, quais sejam: 1. Estado de necessidade 2. Legítima defesa 3. Estrito cumprimento de um dever legal 4. Exercício regular de direito O Consentimento do ofendido é considerado uma causa supralegal, já que o Código Penal não fez menção a tal instituto. As excludentes de ilicitude são também chamadas de JUSTIFICANTES ou CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO. 1) DO ESTADO DE NECESSIDADE (art. 24) Há duas teorias que versam acerca do estado de necessidade: a) Teoria unitária (adotada pelo Código Penal) b) Teoria diferenciadora (adotada pelo Código Penal Militar) a) TEORIA UNITÁRIA: Para esta, toda hipótese de estado de necessidade é justificante, ou seja, é uma excludente de ilicitude. b) TEORIA DIFERENCIADORA: Esta diferencia o estado de necessidade entre justificantes e exculpante, ou seja, ela pode excluir a ilicitude ou a culpabilidade. O art. 24 define o estado de necessidade dizendo que, “em estado de necessidade está quem atua, para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade e nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio cujo sacrifício, naquelas circunstâncias, não era razoável exigir-se.” 1. Salvar de perigo atual: Uma das grandes diferenças entre o estado de necessidade e a legítima defesa é que, na primeira, a intenção do agente é salvar de PERIGO. Na legítima defesa o agente quer repelir uma agressão. Agressão é um ato de violência humana, ao passo que perigo, não se relaciona à uma conduta humana. Na situação de perigo, portanto, não há um ato de violência humana, poderá ser ato produzido por um animal, por um evento da natureza ou, até mesmo, uma conduta humana que, indiretamente, possa vir a afetar a esfera de direitos de outrem, mas não há uma agressão direta, um ato de violência humana dirigida diretamente contra alguém. Assim, se um cão raivoso avança sobre uma pessoa e esta mata o animal, ela comete um fato típico (maus tratos aos animais constitui uma infração penal, de acordo com a lei de crimes ambientais), mas recairá na excludente de ilicitude “estado de necessidade”. Diferentemente, se uma pessoa vier para agredir outra e esta ultima a repele, será o caso de legítima defesa. Importante destacar também, que o perigo deverá ser ATUAL (cuidado na hora da prova, por que, na legitima defesa o Código fala em “agressão atual ou iminente”). 2. Que não provocou por sua vontade: nesse trecho, leia-se: perigo que não provocou dolosamente! Então, se, por exemplo, no caso dos náufragos, o agente provocou o naufrágio da embarcação e, depois, matou outrem para salvar-se, não incorrerá em estado de www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 15 necessidade por que, em que pese o perigo ser atual, foi produzido dolosamente pelo agente. Contudo, se o perigo foi provocado culposamente, poderá caber o estado de necessidade. 3. Nem podia de outro modo evitar: Ou seja, o agente não tinha alternativa para salvar- se. Se havia alternativa, ou seja, em havendo outro meio de se evitar o resultado, não há de se falar em estado de necessidade. Assim, se, por exemplo, um cão raivoso avança sobre uma pessoa que está dentro do carro com a porta aberta, basta apenas fechar a porta, ou seja, há uma alternativa para salvar-se, portanto, se, nessa hipótese, o agente matar o animal, não incorrerá em estado de necessidade. 4. Direito próprio ou alheio: Caberá estado de necessidade de terceiro. Por exemplo, o agente dispara tiros sobre o cão raivosoque avança sobre outra pessoa. 5. Cujo sacrifício, naquelas circunstâncias, não se poderia exigir. No estado de necessidade, basicamente, a pessoa sacrifica algum bem jurídico para salvaguardar outro. Um exemplo clássico ocorre quando, em um naufrágio de navio, e tendo apenas uma tábua para salvar-se, uma pessoa mata a outra. Importante destacar que, para que haja exclusão da ilicitude o bem jurídico sacrificado deverá ser de igual ou menor importância se comparado ao bem que se deseja salvar. Assim, não há estado de necessidade quando o bem jurídico sacrificado é mais importante do que o salvaguardado. Por exemplo, é possível haver o sacrifício de uma vida para salvar outra, ou de um patrimônio para salvar a vida. Contudo, não é possível o sacrifício de uma vida para se salvar um patrimônio, neste ultimo caso, não haverá excludente de ilicitude amparada no estado de necessidade, mas poderá haver uma hipótese de diminuição de pena. O § 1º do art. 24 estabelece que “aquele que tem o dever legal de enfrentar o perigo não pode invocar o estado de necessidade”. 2) DA LEGITIMA DEFESA Está em legítima defesa quem repele agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, utilizando-se, moderadamente dos meio necessários. 1. Repele agressão injusta: Agressão, como já vimos, é um ato de violência humana. Ela deverá ser injusta, assim entendida como aquela agressão que não possui um fundamento idôneo para legitimá-la. A legítima defesa, por exemplo, é uma agressão justa, por que há um fundamento jurídico idôneo que a legitima. E é por esse motivo que não cabe, em regra, a legítima defesa da legítima defesa, salvo se houver excesso por parte daquele que está repelindo a agressão. Importante destacar que, conforme vimos, não é cabível a “legítima defesa real da legítima defesa real”. Contudo, é perfeitamente cabível a “legítima defesa real da legítima defesa putativa”. Putare é imaginar, logo, legítima defesa putativa significa legítima defesa imaginária. Ocorre a legítima defesa putativa naquela hipótese em que o sujeito imagina estar em legítima defesa quando, na verdade, não há agressão. Cite-se, como exemplo, uma pessoa www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 16 que dispara tiros em outra achando que esta possuía uma arma em mãos, mas na verdade, a vítima não havia sacado uma arma e sim, sua carteira. Neste caso, a legítima defesa é putativa e a vítima poderá repeli-la já que, para ela, há uma agressão injusta. Esse seria um caso de legítima defesa real de uma legítima defesa putativa. Não devemos confundir o direito de repelir uma agressão injusta com o direito de revidar, de revanche. O direito que existe é o de apenas se defender. Se a vítima repele a agressão e continua a reagir, será hipótese de excesso, não havendo mais de se falar em legítima defesa, vez que o excesso é punível no Direito Penal. Esse excesso, por sua vez, poderá ser: a) Doloso ou culposo b) Extensivo ou intensivo: o excesso extensivo é aquele em que a reação de estende, se protrai. Por exemplo, se um agressor tentar bater na vítima e esta, a fim de repelir a agressão, revida e continua a agressão quando não há mais necessidade. Excesso intensivo é uma reação que não se estende, ela é imediata, contudo, é muito mais gravosa do que o necessário para repelir a agressão. Ocorre, por exemplo, quando uma pessoa franzina agride um campeão de vale- tudo e este, podendo repelir a agressão tranquilamente, se excede e dispara tiros contra o agressor. 2. Agressão atual ou iminente: Não existe legítima defesa de agressão pretérita. Do mesmo modo, não existe legítima defesa de agressão futura, salvo o futuro iminente. Iminente é o futuro imediato, que está prestes a ocorrer. Na agressão iminente a pessoa não tem tempo de recorrer ao Estado. Ocorre agressão futura, por exemplo, quando um sujeito liga para a casa do outro o ameaçando de morte. Essa ameaça não dá o direito de a pessoa matar quem a ameaçou alegando legítima defesa. 3. Direito próprio ou alheio: Da mesma forma que existe o estado de necessidade próprio ou de terceiro, também existe a legítima defesa própria ou de terceiro. 4. Moderação e necessidade: Significa o emprego dos meio que estão à disposição da vítima da agressão e que sejam suficientes para fazer cessar a agressão. Moderação significa “a exata medida do repelir”. Uma reação imoderada é aquela que extrapola o que seria suficiente para repelir a agressão. No Brasil, era muito comum, por exemplo, a “legítima defesa da honra”, em que a pessoa matava a outra por motivo de adultério. Hoje, tal legítima defesa não se aplica no ordenamento jurídico, por que não há necessidade e nem moderação. 3) ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL Primeiramente, é importante que se diga que o Código Penal não definiu o estrito cumprimento do dever legal, há apenas menção dessa hipótese de exclusão da ilicitude. Dessa forma, coube a doutrina definir tal espécie de excludente. Para o entendimento majoritário, o estrito cumprimento do dever legal é uma hipótese de exclusão da ilicitude aplicada apenas aos funcionários públicos! Estrito cumprimento do dever legal é aquele dever imposto em lei ou em ato infralegal. Portanto, haverá estrito cumprimento do dever legal não só para as leis em sentido estrito como também, por exemplo, no cumprimento www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 17 de decretos, portarias etc. Logo, o dever legal, enquanto excludente de culpabilidade, poderá ser interpretado de forma ampla. Não devemos confundir: pelo princípio da legalidade, a norma penal incriminadora deverá ser uma lei em sentido material e formal, ou seja, decretos ou portarias, por exemplo, não poderão definir uma conduta criminosa e cominar a respectiva sanção penal. Ocorre que, no estrito cumprimento do dever legal o que se objetiva é definir norma NÃO INCRIMINADORA, uma norma permissiva, nesse caso, a legalidade não precisa ser estrita. No estrito cumprimento do dever legal (assim como em qualquer excludente de ilicitude) o excesso será punível! Por exemplo: o policial possui o dever legal de prender em flagrante e, para isso, ele poderá utilizar-se da violência NECESSÁRIA para fazer cumprir o seu dever legal. Neste caso, portanto, a violência será um fato típico, mas não será ilícito, pois incorrerá na excludente de ilicitude do “estrito cumprimento do dever legal”. Contudo, se esse policial vier a se exceder, responderá pelo crime. Não há de se falar em estrito cumprimento do dever legal no caso de troca de tiros entre policial e algum criminoso. Nesse caso, haverá hipótese de excludente de ilicitude amparada na legítima defesa. 4) EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO A conduta é típica, mas ao praticá-la, a pessoa estará exercendo um direito. Explica-se: por que o boxeador não responde por lesão corporal? Por que as práticas esportivas constituem um exercício regular de direito, desde que nos limites das regras do esporte e da necessidade. O pai que castiga o filho. Ele está no exercício regular de direito, desde que amparado nos limites da necessidade e da razoabilidade. Espancar o filho é excesso, o pai será responsabilizado penalmente. OFENDÍCULOS: São aqueles instrumentos colocadospara a proteção da propriedade. Ex: cerca eletrificada. A doutrina majoritária entende que a utilização de ofendículos é uma hipótese de exercício regular de direito. Para que a utilização de ofendículo caracterize exercício regular de direito é imprescindível que esse proprietário torne esse ofendículo VISÍVEL! 5) CONSENTIMENTO DO OFENDIDO – CAUSA SUPRA LEGAL DE EXCLUDENTE DA ILICITUDE. REQUISITOS: 1. Bem jurídico Disponível: Ninguém pode consentir a lesão a um bem jurídico indisponível. Por exemplo, não é possível que haja o consentimento do ofendido ao bem jurídico “vida”. Cite-se como exemplo uma pessoa que pede para que a matem. Quem cometeu o homicídio poderá alegar consentimento do ofendido e, assim, excluir a sua culpabilidade? Não. Por que a vida é um bem jurídico indisponível. Já o patrimônio, por exemplo, é um bem jurídico disponível. Logo, se uma pessoa autoriza outra a destruir o seu carro, não haverá crime de dano, por que houve consentimento do ofendido. A integridade física, para a doutrina majoritária, é um bem jurídico disponível no caso de lesões leves. A exemplo do tatuador. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 18 2. Que haja manifestação anterior ou concomitante à conduta criminosa: O consentimento após a prática do fato não exclui a ilicitude. 3. Capacidade para consentir: A liberdade sexual, por exemplo, é um bem disponível. Porém, o menor de 14 anos não possui a capacidade para dispor de sua liberdade sexual. Importante destacar que essa capacidade não está ligada à capacidade civil. Ela será analisada de acordo com o caso concreto. 4. Legitimidade para consentir: Só haverá excludente de ilicitude se o consentimento for realizado pelo titular do bem jurídico. Assim, por exemplo, só o dono do patrimônio poderá consentir que o depredem. 5. Esse consentimento deverá ser manifestado sem vícios, ou seja, sem erro, dolo ou coação. CULPABILIDADE Trata-se do terceiro elemento do crime. Lembrando que há uma parcela minoritária da doutrina que defende que a culpabilidade não é elemento do crime, mas apenas mero pressuposto para a aplicação da pena. A culpabilidade é um juízo de reprovação que recai sobre o autor do fato típico e ilícito. Esta culpabilidade é constituída por 03 elementos: 1. Imputabilidade 2. Exigibilidade de conduta diversa 3. Potencial consciência da ilicitude 1. DA IMPUTABILIDADE Imputar é “atribuir algo a alguém”. Imputável é aquele a quem eu posso atribuir alguma coisa. Como aqui estamos falando em “imputabilidade penal”, podemos dizer que imputável é aquele a quem podemos atribuir uma responsabilidade penal. Hipóteses de exclusão da imputabilidade (ou seja, hipóteses em que não é possível se atribuir uma responsabilidade penal ao indivíduo): a) Menoridade b) Doença mental c) Embriaguez completa e fortuita. a) Menoridade: Menor de 18 anos é inimputável, ainda que ele tenha sido emancipado civilmente. Isso quer dizer que o critério para a aferição da imputabilidade, de acordo com a idade, é puramente biológico, também chamado de cronológico ou etário. Em alguns países o critério para se definir a idade é biopsíquico, em que há o limite etário, contudo, há a possibilidade de se fazer exames psicológicos no indivíduo para saber se ele possui imputabilidade psíquica, hipótese em que caberia a imputabilidade do menor. No Brasil isso não ocorre, o critério é puramente etário, não psicológico. Logo, quando o sujeito é menor de 18 anos a lei presume que ele não possui aptidão psíquica. Trata-se de uma presunção absoluta (já que beneficia o réu), não admitindo, portanto, prova em sentido contrário. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 19 Importante destacar que o critério etário da imputabilidade está previsto no Código Penal e na Constituição Federal, no art. 228. Assim, perceba que um projeto de lei não pode reduzir a maior idade penal. Para a doutrina majoritária uma emenda constitucional poderia prever tal redução. De acordo com essa corrente, a diminuição etária da imputabilidade não é inconstitucional por que ela não estaria abolindo um direito, mas apenas reduzindo-o. Como a menoridade é uma hipótese de exclusão da imputabilidade, podemos afirmar que menor não comete crime e sim, ato infracional equiparado a crime. Por que o menor não pratica crime? Porque ele pratica fato típico, ilícito, mas não possui culpabilidade já que, por ser menor, não é imputável e, imputabilidade, como vimos, é um dos 03 elementos que integram a culpabilidade. Com base no mesmo raciocínio, não se aplica pena ao menor e sim, medida educativa. b) Doença Mental (art. 26) O critério para aferir a inimputabilidade por doença mental é diferente do critério etário. Isso por que, o critério para aferir a menoridade é puramente biológico (também chamado de etário ou cronológico), já para a aferição de doença mental, o critério é biopsíquico Inimputável é aquele que, por doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico ou etiológico) não era, ao tempo da ação ou omissão, capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psíquico). Perceba que no caso da doença mental o critério não é puramente biológico, ele é biopsíquico. Não há como se dizer, a priori, qual a doença mental que vai ensejar a inimputabilidade. Para saber se o sujeito é inimputável, ou não, devemos analisar o caso concreto. Perceba que a doença mental, por si só, não é o suficiente para se afirmar que a pessoa é inimputável ou não. É necessário, então, que haja a doença mental (critério biológico) e, em razão dela, tal pessoa não possa entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psíquico). Por isso é fundamental que se faça uma perícia no caso concreto. Obs.: o semi-imputável (também chamado, doutrinariamente, de fronteiriço) é aquele que, por perturbação mental (perceba que o Código não fala em doença mental), ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era, ao tempo da ação ou omissão, INTEIRAMENTE capaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento. Portanto, o semi-imputável tem parcial capacidade de entendimento! O inimputável não é condenado, já que não comete crime. Aplica-se, a ele, a medida de segurança! A sentença que reconhece a inimputabilidade por doença mental é absolutória. O juiz reconhece a inimputabilidade por doença mental, absolvendo o indivíduo e aplicando a medida de segurança. Trata-se da chamada SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. A semi-imputabilidade, por sua vez, é uma causa de diminuição de pena. O juiz reconhece a semi-imputabilidade, condena o indivíduo (logo, nesse caso, a sentença será condenatória) e aplica uma pena, diminuindo-a. Contudo, o Código nos diz que o juiz poderá converter essa pena em medida de segurança se entender que essa conversão é mais www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 20 conveniente para o tratamento do semi- imputável. Antes da reforma de 1984 vigoravao sistema do duplo binário. Era um sistema que permitia aplicar, ao semi-imputável, a pena cumulada com a medida de segurança. Nosso sistema atual deixou de ser duplo binário e passou a ser o VICARIANTE. Pelo sistema Vicariante aplica-se, ao semi- imputável, a pena OU a medida de segurança! Não é possível que haja a cumulação. MEDIDA DE SEGURANÇA No Brasil, só se aplica a medida de segurança nos casos de inimputabilidade por doença mental. O fundamento da medida de segurança é a periculosidade do inimputável. O Estado não impõe a medida de segurança por reprovação (se não há culpabilidade, não há de se falar em “reprovabilidade”), e sim, por inaptidão mental do indivíduo para o convívio em sociedade. Existem dois tipos de medidas de segurança: 1. Medida de internação: nesta, o sujeito fica internado no HCT (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico). Essa internação possui um prazo mínimo de 01 a 03 anos. Portanto, a sentença fixará o prazo mínimo e, passado esse prazo, o sujeito será submetido a uma nova perícia, se essa perícia atestar que cessou a periculosidade do indivíduo, a medida de segurança será extinta. Perceba que a medida de segurança não possui um prazo máximo. A dúvida é, e se a periculosidade do indivíduo não cessar? Em que pese a lei não ter previsto o prazo máximo para a medida de segurança, o STF entende que, quando a Constituição fala que “são proibidas as penas de caráter perpétuo” ela quis dizer que são proibidas as sanções penais de caráter perpétuo, e não apenas as penas (interpretação extensiva). E sanção penal é gênero, que possuem como espécies, as penas e as medidas de segurança. Dessa forma, o STF empregou como limite máximo para o cumprimento da medida de segurança o prazo de 30 anos, por conta de uma aplicação analógica do art. 75 do Código Penal que, por sua vez, afirma que o limite máximo para o cumprimento da pena é de 30 anos. 2. Medida de tratamento ambulatorial: nesta, o tratamento psiquiátrico não necessita de internação. d) Inimputabilidade por embriaguez completa e fortuita Primeiramente é importante destacar que quando o Código Penal trata da embriaguez, ele não se refere apenas à embriaguez decorrente do álcool e sim, de qualquer substância que afete a capacidade psicomotora do indivíduo. Doutrinariamente há 05 (cinco) modalidades de embriaguez, quais sejam: 1) Embriaguez preordenada 2) Embriaguez voluntária (ou dolosa) 3) Embriaguez involuntária (ou culposa) 4) Embriaguez fortuita 5) Embriaguez patológica www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 21 Ao falar em embriaguez, é imprescindível que se mencione a TEORIA DA AÇÃO LIVRE NA CAUSA (ou teoria da actio libera in causa): quando falamos em culpabilidade, devemos analisar se o agente tinha o livre arbítrio (o doente mental, por exemplo, não possuía livre arbítrio, por isso ele é inimputável), dessa forma, o sujeito que está totalmente embriagado provavelmente não sabe o que está fazendo. A grande questão é que, no que tange à embriaguez, o livre arbítrio do agente não deve ser aferido no momento da prática do fato e sim no momento em que ele ingeriu a substância. Actio libera in causa significa saber se no momento em que o agente ingeriu a substância ele era livre, se poderia agir de outro modo. 1) Embriaguez preordenada: é aquela em que o sujeito quer ingerir a substância, quer se embriagar e quer praticar o crime. Na embriaguez preordenada a culpabilidade não será excluída, por que, conforme dispõe a teoria da ação livre na causa, o agente era livre para ingerir a substância, ele tinha a possibilidade de não ingeri-la, logo, não será caso de inimputabilidade penal. A embriaguez preordenada além de não excluir a culpabilidade, agrava a pena é, pois, causa agravante!! 2) Embriaguez voluntária (ou dolosa): é aquela em que o sujeito quer ingerir a substância, quer se embriagar, mas não quer praticar o crime. Nesse caso, também de acordo com a teoria da ação livre na causa, não haverá a exclusão da culpabilidade por que, o ato de ingerir a substância e de se embriagar (ou seja, a causa que deu ensejo ao crime) foi de livre vontade do agente. 3) Embriaguez culposa: O agente quer ingerir a substância, mas não quer se embriagar e, muito menos, cometer o crime. Também não haverá de se falar em exclusão da culpabilidade por que a ação do agente (ingerir a substância) foi livre. 4) Embriaguez fortuita: É aquela em que o sujeito não quer ingerir a substância. É aquela hipótese em que alguém coloca drogas na substância do agente, ou alguém o obrigou a ingerir a substância. A embriaguez fortuita vai excluir a culpabilidade quando, além de fortuita, ela é completa! 5) Embriaguez patológica: É o vício do álcool ou da droga. É considerada uma doença mental. Portanto, para se averiguar a inimputabilidade do indivíduo que possui a embriaguez patológica devemos analisar o caso concreto. Por que, como vimos, a doença mental só será causa de exclusão da culpabilidade quando, em razão dela, o sujeito não é capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Importante destacar que é possível que haja exclusão da culpabilidade do embriagado patológico ainda que este não esteja sobre o efeito da substância, por que se trata de hipótese de excludente da imputabilidade em razão de doença mental, não em razão da embriaguez propriamente dita. Cite-se, como exemplo, um dependente químico que esteja www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 22 em estado de abstinência e que, para conseguir a substância, agride o pai. Encerramos o estudo das excludentes da imputabilidade que, como vimos, é um dos elementos da culpabilidade. Passaremos agora para o segundo elemento da culpabilidade, qual seja, a exigibilidade de conduta diversa. 2. DA EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA De início, importante que se diga que o Código Penal não empregou a expressão “exigibilidade de conduta diversa”. Contudo, tal diploma trouxe duas hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa, muito embora também não utilize essa expressão. Essas hipóteses estão previstas no art. 22. Dessa forma, são causas de inexigibilidade de conduta diversa: a) A coação moral irresistível b) Obediência hierárquica. a) Coação irresistível: Coação é um dos vícios da vontade. Coação irresistível ocorre quando a vontade não é livre, quando o agente está sofrendo algum tipo de ameaça. O melhor exemplo de coação moral irresistível ocorre quando uma quadrilha, com o intuito de roubar um banco, seqüestra a família do gerente e o ameaça, exigindo que esse gerente entregue o dinheiro do banco. Perceba que, nesse exemplo, ninguém poderá exigir desse agente uma conduta diversa. Nesse caso, haverá exclusão da culpabilidade da pessoa que foi coagida. b) Obediência hierárquica: Nesta hipótese, o superior hierárquico profere uma ordem ao seu subordinado e esta ordem não é manifestadamente ilegal. Obviamente, se a ordem é manifestadamente ilegal, responderão pelo crime o superior e o subordinado. Um exemplo de obediência hierárquica é quando um policial invade uma residência imaginando que háum flagrante. Nesse caso, só quem responderá pela infração é o superior hierárquico. Nossa doutrina admite a existência de causas supralegais de inexigibilidade. São hipóteses em que, a depender do caso concreto, não se poderia exigir do agente outra conduta. Por exemplo, um empregador dá uma ordem não manifestadamente ilegal a seu empregado. Nesse caso, não podemos falar em obediência hierárquica por que a relação é de direito privado e a obediência hierárquica é um vínculo entre funcionários públicos. Passaremos agora para o terceiro elemento da culpabilidade. Vimos, então, a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e, agora, veremos, a potencial consciência da ilicitude. 4. POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE A ausência de potencial consciência da ilicitude ocorre quando o agente não tem como conhecer a ilicitude da conduta. Ou seja, esse agente sabe exatamente o que está fazendo, o seu erro não está em uma situação fática e sim www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 23 em uma situação jurídica. Ele acha que a sua conduta é lícita. A ausência de potencial consciência da ilicitude vai dar ensejo ao ERRO DE PROIBIÇÃO INEVITÁVEL. Erro de proibição é a ausência de potencial consciência da ilicitude. Já o erro de proibição inevitável é quando o agente não tem consciência da ilicitude e não tinha como saber que a sua conduta é ilícita. Cite-se, como exemplo, o costume indígena de matar, logo após o parto, crianças que tenham nascido com algum problema físico. Perceba que, nesse caso, o índio não integrado em sociedade não tem como saber da ilicitude de sua conduta. Trata-se do que Zaffaroni chama de “erro culturalmente condicionado”. Frise-se, mais uma vez, que o erro de proibição não repousa sobre a situação fática e sim, sobre a situação jurídica. Ou seja, o agente sabe o que está fazendo, tem consciência de sua conduta, o que ele não sabe (e não poderia saber) é que esta conduta é considerada ilícita pelo ordenamento jurídico. Erro de proibição é diferente de ERRO DE TIPO. Este último é um erro sobre a situação fática. Ou seja, o agente sabe que determinada conduta é criminosa, mas ele não sabe que está praticando a conduta. Um exemplo de erro de tipo ocorre quando uma pessoa pega o celular de alguém achando que está pegando o seu. Nesse caso, o agente sabe que furto é um ilícito penal, o que ele não sabe é que está cometendo o furto (subtraindo para si coisa alheia). Perceba que o erro de tipo recai sobre a situação fática, que é elementar do crime. O erro de proibição inevitável exclui a potencial consciência da ilicitude. Já o erro de tipo exclui o dolo e permite a condenação pela modalidade culposa se houver previsão para tanto. Se não houver previsão de modalidade culposa, não haverá conduta penalmente relevante e o fato será considerado atípico. No exemplo narrado acima, não há previsão legal de furto na modalidade culposa, logo, o fato será considerado atípico. Mas, se, por exemplo, um sujeito está em uma caçada, avistou um animal em um arbusto, dispara tiros e depois descobre que não era um animal, mas um ser humano esta será uma hipótese de erro de tipo, já que o agente tem consciência de que “matar alguém” é uma conduta típica, mas não sabe que está praticando esta conduta (é um erro sobre a situação fática). Nesse caso, como há previsão legal de homicídio na modalidade culposa, o dolo será excluído e essa pessoa responderá por homicídio culposo. Essa exclusão do dolo e condenação pela modalidade culposa, admitida no erro de tipo, é chamada de CULPA IMPRÓPRIA. Lembremos que não se admite a tentativa na sua modalidade culposa, salvo no caso da culpa imprópria, que é aquela que deriva do erro de tipo. Então, se, no caso narrado acima, a pessoa que sofreu os disparos sobreviver, o agente responderá por crime culposo (culpa imprópria) tentado. Portanto, a culpa imprópria é a única hipótese em que se admite a culpa na modalidade tentada!! ERRO SOBRE A PESSOA (ou error in personae) O agente, por engano, pratica o crime sobre pessoa diversa da qual ele pretendia. www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 24 Assim, o agente mata B acreditando estar matando A. Nesse caso, ele vai responder pela morte de A. É um caso de ficção jurídica. Ele responde pela morte de uma pessoa que, na verdade, está viva. Ou seja, no erro sobre a pessoa, o agente responde de acordo com o seu dolo, com a sua vontade. Cite-se, como exemplo, uma mãe que, sob influência do estado puerperal, vai ao berçário para matar o próprio filho. Ocorre que, ela se enganou e matou o filho de outra pessoa. Se essa mãe responder pela morte do recém- nascido, que ela de fato matou, incorrerá em homicídio qualificado (pena de 12 a 30 anos). Mas, como se trata de hipótese de erro sobre a pessoa, ela responderá como se tivesse matado o seu filho, ou seja, como se tivesse cometido infanticídio, cuja pena é de 02 a 06 anos. O erro sobre a pessoa não beneficia o réu em todos os casos. Veja o caso de uma pessoa que deseja matar o próprio pai, para ficar com a herança, mas se engana e mata o tio. Nesse caso ele responde como se tivesse matado o próprio pai, incorrendo em homicídio por motivo torpe. ERRO NA EXECUÇÃO (previsto no art. 73 do Código Penal e também chamado de aberratio ictos). Ocorre quando o agente erra na execução do crime. Por exemplo, o agente deseja atirar em A, mas erra o tiro e acerta B. O erro de execução tem a mesma conseqüência do erro sobre a pessoa! Ou seja, o agente responde como se tivesse atingido a pessoa que realmente queria atingir. Ele responde de acordo com a sua intenção. Um exemplo muito comum de erro na execução ocorre quando um policial, em troca de tiros, acaba acertando uma pessoa inocente que estava passando na rua. Nessa hipótese, haverá erro na execução e, em assim sendo, o policial responde como se tivesse atirado na pessoa que ele queria acertar, no caso, o bandido que também estava atirando nele. E, se ele tivesse acertado esse bandido, estaria em legítima defesa, excluindo assim, a ilicitude do fato. CONCURSO DE CRIMES Concurso de crimes (também chamado de concursos delictorum) se diferencia do concurso de pessoas (concursos deliquentium) por que, no primeiro, a pluralidade é objetiva, ou seja, diz respeito a mais de um crime. Já o concurso de pessoas diz respeito a mais de um criminoso, nesse caso, a pluralidade é subjetiva. O concurso de crimes pode ser: 1. Concurso material (ou concurso real) = mais de uma ação ou omissão 1.1. Homogêneo: Crimes iguais. Ex.: Dois homicídios 1.2. Heterogêneo: Crimes distintos. Ex. Homicídio e lesão corporal 2. Concurso formal (ou concurso ideal) = uma ação ou omissão 2.1. Homogêneo 2.2. Heterogêneo 2.3. Próprio: O agente não tinha a intenção de praticar mais de um crime 2.4. Impróprio: O agente tinha a intenção de praticar mais de um crime 3. Continuidade delitiva (ou crime continuado) www.cers.com.br ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS 2014 Direito Penal Fábio Roque 25 1. CONCURSO MATERIAL: Ocorre quando há mais de um crime mediante mais de uma ação ou omissão. Ex: estupro seguido de