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Anotações informais acerca do novo processo Nota 01 S U M Á R I O : 1. Considerações iniciais; 1.1. As razões para pluralidade nos polos processuais; 1.2. Conceito; 1.3. Características: o litisconsór- cio como cumulação subjetiva de demandas; 1.3. Fundamentos: economia processual, harmonia entre julgados e contraditório; 2. Classificações; 2.1. Quanto ao polo: ativo e passivo; 2.2. Quanto ao momento de formação: inicial e ulterior; 2.3. Quanto à obrigatoriedade: necessário e simples; 2.3.1. Litisconsórcio necessário por imposição negocial; 2.4. Quanto à uniformidade da sen- tença: unitário e simples; 3. Litisconsórcio even- tual, alternativo e sucessivo; 4. Regime jurídico do litisconsórcio: em primeiro e segundo grau de jurisdição; 4.1. Repercussão da decisão na es- fera dos litisconsortes; 4.2. Prazos no litiscon- sórcio; 4.3. Recursos e o litisconsórcio; 5. Con- clusão. 1. O processo civil é um instrumento que o Estado coloca à disposição dos litigantes, com o intuito de administrar a justiça (DINAMARCO. A instrumentalidade..., Malheiros, 1996, passim). Não se destina à mera definição de direitos na beligerância privada entre os contendores. Vai além. Atua, como há muito dissera BETTI (cf. Di- ritto processuale..., Giuffrè, 1932, p. 5), não no interesse de uma ou de O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 2 » outra parte, mas mediante o interesse de ambas. O desiderato de cada uma das partes é ter razão; a finalidade do processo é dar razão a quem efetivamente a tem. Isso, sem dúvidas, é um interesse público primário. 1.1. O “processo mais simples”, na expressão de MOACYR AMARAL DO SANTOS, tem por conteúdo uma lide entre dois sujeitos e, por isso, nele atuam um autor e um réu (cf. Primeiras linhas..., v.2, Saraiva, 2008, p. 2). Contudo, o processo nem sempre se conformará na presença de um único autor e um único réu. Enquanto relação jurídica complexa, cujos matizes são dados pela complexidade da própria sociedade, o processo tende a se ajustar as exigências fáticas. Nesse cenário, não raras vezes, exige-se a formação plural dos polos processuais. 1.2. Eis o litisconsórcio, cuja lapidar definição de DINA- MARCO nos serve bem: “Litisconsórcio é a situação caracterizada pela coexistência de duas ou mais pessoas no lado ativo ou no lado passivo da relação processual, ou em ambas as posições” (cf. Litis- consórcio..., Malheiros, p. 312; cf. também: GOLDSCHMIDT, Derecho..., p. 437; CARNELUTTI. Istituzioni..., v.I, 1951, p. 257). A definição é pre- cisa, explicando muito bem o fenômeno, razão pela qual é encon- trada mutatis mutandis nas mais diversas obras doutrinárias. 1.3. Embora sói relativamente claro que o litisconsórcio é a cumulação subjetiva de demandas, na medida em que basta a exis- tência plural de autores e/ou réus para que haja a verificação do fe- nômeno, formando verdadeiro processo cumulativo (expressão encon- trada em: GRECO. Instituições..., v.I, Forense, 2012, p. 416); deve-se destacar que importantes juristas buscam diferenciar o litisconsórcio da cumulação subjetiva de demandas. Os defensores do último enten- dimento obtemperam que a existência do litisconsórcio depende da afinidade (fática e jurídica) daqueles que se juntam no mesmo polo ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 01 « 3 » processual; do contrário, ter-se-á mera cumulação subjetiva de de- mandas (cf. MITIDIERO-OLIVEIRA. Curso..., v.1, Atlas, 2012, p. 177-8; MARINONI-ARENHART. Curso..., v.II, RT, 2008, p. 166). A doutrina também adverte que, em alguns casos, “os li- tisconsortes vêm conjuntamente ao processo baseados num mesmo e único direito e, assim, desaparece a cumulação de ações” (ARAKEN DE ASSIS. Cumulação..., RT, 2002, p. 159-160; cf. também: MAZZEI. Li- tisconsórcio..., Processo e Direito Material, JusPODIVM, 2009, p. 224). Apesar de o último entendimento sobrescrito ser defendido por juristas de escol e mercê de sólidos argumentos, não há como chancelá-lo – ao menos se tivermos como premissa a ideia de que a ação é um direito público subjetivo abstrato de invocar a tutela juris- dicional. A única forma de salvá-lo é através da adoção de uma pers- pectiva material de ação (pretensão material). Neste sentido, nem sempre a composição conjunta de, pelo menos, um dos polos da ação, implicará na pluralidade de “ações”, pois, apesar do aglome- rado subjetivo, o direito material controvertido pode ser o mesmo. É importante também ter em mente que o litisconsórcio não se restringe à principal relação jurídica processual. Pode haver litisconsórcio em incidentes processuais ou mesmo em um recurso (DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 449). 1.3. Quanto aos seus fundamentos, o litisconsórcio está, em uma margem, pautado na economia processual e na promoção de harmonia entre os julgados (litisconsórcio facultativo); e, em outra, na necessidade de a tutela jurisdicional ser prestada perante os legí- timos contendores (litisconsórcio necessário). Não é demais, ou- trossim, rememorar que o direito fundamental ao contraditório tam- bém serve de sustentáculo ao litisconsórcio, assim como serve para o processo como um todo (cf. DINAMARCO. Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 205). 2. Aventadas as premissas básicas do instituto, cumpre, O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 4 » agora, classificá-lo. É necessário, nesta quadra, efetuar um corte ana- lítico, cujo escopo é atender às limitações inerentes ao presente es- crito, de modo que a exposição dos métodos de classificação do li- tisconsórcio seja feita de forma completa, porém cifrada. 2.1. No que se refere ao polo da relação jurídica proces- sual, o litisconsórcio poderá ser ativo, passivo ou misto. É ativo, o li- tisconsórcio de autores; é passivo, o de réus; e é misto, o de autores e réus. 2.2. Outra importante classificação diz respeito ao mo- mento de formação do litisconsórcio. Se o consórcio está indicado desde logo na petição inicial, será dito inicial. Do contrário, for- mando-se no decorrer do processo, o litisconsórcio é chamado de ul- terior. Segundo DINAMARCO, de três maneiras pode surgir o li- tisconsórcio ulterior: a) em razão de uma intervenção de terceiro; b) pela sucessão processual; c) pela conexão ou continência, se impuserem a reunião das causas para processamento simultâneo (Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 330). Há quem diga, com razão, que, em certas situações, a for- mação de um litisconsórcio ulterior poderá implicar em burla ao princípio do juiz natural (PORTO. Litisconsórcio..., Ajuris, n. 60, p. 33 e s.). 2.3. No que diz respeito a sua obrigatoriedade, o litiscon- sórcio poderá ser facultativo ou necessário. O litisconsórcio facultativo é aquele em que mais de um su- jeito de direitos compõem o mesmo polo da relação jurídica proces- sual com outro sujeito de direitos, por faculdade e não por obriga- ção. As partes poderiam litigar separadamente, mas optaram por o fazer em conjunto. Exige-se, em primeiro lugar, que se dê a legitimi- dade de todos os litisconsortes para a relação jurídica processual, ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 01 « 5 » respeitando-se a regra comum das legitimações (ordinárias ou ex- traordinárias). Não basta, entretanto, que se estabeleça a legitima- ção: é preciso atender às situações previstas no art. 113 do CPC/2015, quais sejam: (i) comunhão de direitos ou de obrigações; (ii) conexão de pedido ou de causa de pedir; (ii) ocorrer afinidade de questões: ponto comum de fato ou ponto comum de direito. A nãoformação do litisconsórcio facultativo acarreta a limitação dos efeitos da coisa julgada somente entre quem foi parte no processo (cf. art. 506 do CPC/2015). De relevo comentar a possibilidade de embaraços trazi- dos pelos litisconsortes facultativos ao desempenho da jurisdição, notadamente quando presentes em número elevado. Diz-se multitu- dinário o litisconsórcio que envolve, no mesmo polo da relação jurí- dica processual, elevado número de pessoas. Nesse caso, o litiscon- sórcio pode levar à dificuldade de condução do processo ou mesmo ao excessivo entrave do desenvolvimento da relação processual. Por essa razão, o juiz está autorizado a limitar a quantidade de litiscon- sortes (art. 113, § 1.º, do CPC/2015). Obviamente, sendo o litiscon- sórcio facultativo unitário, dada a incindibilidade do objeto litigi- oso, não será possível a limitação. Mais complexa é a situação do litisconsórcio necessário. Aliás, a complexidade deste instituto não é exclusividade pátria, as- solando há muito também outros ordenamentos (cf. PISANI. Lezi- oni..., CEDEJ, 2002, p. 294 e ss.). O litisconsórcio será necessário em duas situações: (i) ante a impossibilidade de fracionamento da situação plurissubjetiva, o que o aquilata como um litisconsórcio unitário; (ii) ante a expressa imposição legal. Essa conclusão é alcançada pela leitura do art. 114 do CPC/2015. No entanto, o dispositivo não passa infenso às críticas, já O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 6 » que no trecho em que remete à “relação jurídica controvertida” o le- gislador indica que está a referir-se ao litisconsórcio unitário, que é o tipo de litisconsórcio definido a partir da relação jurídica litigiosa (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 452). Ao invés de se valer de um dos elementos caracterizadores de outra classe de litis- consórcio, o legislador poderia ter qualificado o litisconsórcio ne- cessário, também nesta hipótese, por sua imperiosidade de reunião de sujeitos em juízo para a prolação de uma sentença perante todos os legítimos sujeitos da relação jurídico-processual (cf. DINAMARCO. Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 159). Como se vê, o litisconsórcio necessário se apresenta como um caso de legitimação ad causam conjunta ou complexa (DI- NAMARCO. Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 142). Isso, pois, em de- terminadas situações, a citação de várias pessoas, para que integrem o processo, é imperiosa e eventual sentença prolatada na ausência de um litisconsorte necessário é inutiliter datur (dada inutilmente), ex vi dos arts. 114, parte final, CPC/2015. Deste modo, para que o juiz cumpra seu dever, o parágrafo único do art. 114 do CPC/2015 deter- mina que ele ordene à parte a promoção da citação de todos os litis- consortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de de- clarar extinto o processo. Nesta senda, a seguinte pergunta poderia ser levantada: existe litisconsórcio ativo necessário? Apesar de aparentemente sin- gela, a pergunta envolve acalorado debate doutrinário. Embora par- cela da doutrina entenda pela sua possibilidade (cf. MITIDIERO-AL- VARO DE OLIVEIRA. Curso..., v.1, Atlas, 2012, p. 187; NERY JR.-NERY. Código..., RT, 2013, p. 319; AMARAL SANTOS. Primeiras linhas..., v.2, Saraiva, 2008, p. 7; e mais restritivamente: DINAMARCO. Litisconsór- cio, Malheiros, 2001, p. 233-239); a redação do art. 115, parágrafo único, do CPC/2015, parece negá-la, acolhendo o pensamento de DI- ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 01 « 7 » DIER JR., para quem, como advertira o próprio DINAMARCO, acei- tando-se o litisconsórcio ativo necessário o autor teria duplo pro- blema: (i) não poderia fazê-lo individualmente porque o litisconsór- cio é necessário, e (ii) também não poderia compelir o autor faltante a vir a juízo. Em outros termos, a admissão da figura se equipararia a negar o acesso ao Poder Judiciário, ferindo o art. 5.º, XXXV, da CRFB/88 – seria uma restrição ao poder constitucional de agir em juízo (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 456 e s.; DINA- MARCO. Instituições..., v.II, Malheiros, p. 222-225). 2.3.1. Analisados os requisitos legais, e à luz de uma inter- pretação sistêmica do novel diploma, uma questão não pode passar crua de análises: um negócio jurídico processual poderia determinar a existência de um litisconsórcio necessário? Basta imaginar um ne- gócio jurídico processual em que o comprador se comprometa a aci- onar, peremptoriamente, o vendedor e o fornecedor da mercadoria. Nesta situação, ter-se-ia um litisconsórcio necessário oriundo de um negócio jurídico, e não da lei ou da unitariedade. Embora carecedora de autorização legal expressa, parece ser possível tal estipulação, pois, consentânea ao sistema jurídico processual (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 463-464). 2.4. O litisconsórcio também se classifica quanto à exi- gência de uniformidade na sentença. Nessa quadra, ter-se-á litiscon- sórcio comum (ou simples) ou unitário. O litisconsórcio comum (ou simples) é aquele em que a de- cisão judicial pode ser díspar para cada um dos litisconsortes. Ocorre quando há uma pluralidade de relações jurídicas no processo ou quando a relação jurídica é fracionável. “O litisconsórcio simples é o que parece ser: cada um dos litisconsortes é tratado como parte autônoma” (DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 451). Lado outro, unitário será o litisconsórcio quando a de- O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 8 » manda tiver de ser julgada de maneira uniforme para todos os litis- consortes. É a natureza do libelo (pedido + causa de pedir) que de- termina a qualidade do litisconsórcio (MEDINA. Novo CPC..., RT, 2015, p. 124; BARBOSA MOREIRA. Litisconsórcio unitário, Forense, 1972, passim; referindo-se ao pedido, cf. PONTES DE MIRANDA, Co- mentários..., t. II, p. 30). Assim, obtempera FREDIE DIDIER JR.: “litis- consórcio unitário é a unidade da pluralidade: vários são considerados um; o litisconsórcio unitário não é o que parece ser, pois várias pessoas são tratadas no processo como se fossem apenas uma” (Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 450). A doutrina não vacila em apontar como fonte da unitari- edade a incindibilidade da situação jurídica posta como objeto liti- gioso (BARBOSA MOREIRA. Litisconsórcio unitário. Forense, 1972, p. 142; DINAMARCO. Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 91). Tema não muito apaziguado, porém, era o relativo a relação entre necessarie- dade e unitariedade. O Código Buzaid era fortemente criticado pela doutrina porque confundia as ideias de litisconsórcio necessário e unitário, trazendo, no art. 47, um emaranhado de disposições sem o devido rigor técnico. Chegou-se a supor que o litisconsórcio necessário era gênero do qual faria parte o litisconsórcio unitário. O dispositivo também induzia o leitor a pensar que o litisconsórcio necessário se- ria sempre unitário. Todas essas imprecisões foram cabalmente rebatidas pela doutrina à mercê de uma pletora de argumentos (cf. BARBOSA MOREIRA. Litisconsórcio..., Direito processual civil, Borsoi, 1972, p. 39 e s.; DINAMARCO. Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 122). Com efeito, do regime da unitariedade não dimana ser necessária ou facultativa a formação do litisconsórcio. Ele atua num “segundo momento” (cf. DINAMARCO. Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 160), posterior à ne- ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 01 « 9 » cessariedade de sua formação: depois de o litisconsórcio já encon- trar-se efetivamente formado,o regime da unitariedade o regula a partir do exame do objeto litigioso (cf. ROSENBERG. Tratado..., t.II, p. 105). Ratificando a melhor técnica, o novo sistema traz dispo- sitivo próprio à regulação do litisconsórcio unitário: arts. 116 e 117 do CPC/2015. Com isso, estanca-se qualquer confusão outrora exis- tente entre as figuras do litisconsórcio necessário e unitário. Malgrado não se possa afirmar que todo litisconsórcio unitário é necessário, tem-se que, em regra, o litisconsórcio unitário passivo será sim necessário. Isso, pois, o elemento “incindibilidade do objeto litigioso” acaba por compor também a fattispecie do litis- consórcio passivo necessário. Mas isto não significa que não exista litisconsórcio pas- sivo unitário facultativo. DIDIER JR. alerta que, embora sejam raros os exemplos, pode haver litisconsórcio unitário passivo facultativo nas seguintes hipóteses: “a) litisconsórcio formado entre réu-denun- ciante e denunciado à lide (art. 128, I, CPC); b) litisconsórcio for- mado entre réu-alienante de coisa litigiosa e adquirente da coisa li- tigiosa (art. 109, §2.º, CPC); c) litisconsórcio entre devedores solidá- rios de obrigação indivisível (art. 275, Código Civil)” (Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 453). Quanto ao litisconsórcio ativo unitário, será ele quase sempre facultativo, pois, salvo raríssimas exceções, inexiste litisconsórcio ativo necessário. Encerrando a análise do tema litisconsórcio unitário, im- pende analisar a relação entre a coisa julgada e o litisconsórcio fa- cultativo unitário. Há, basicamente, três correntes (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 465-466). A primeira entende que os casos de litisconsórcio facul- tativo unitário são, rigorosamente, casos de legitimação extraordiná- ria, pois alguém está autorizado a, em nome próprio, levar a juízo O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 10 » uma situação jurídica que não lhe pertence ou que não lhe pertence exclusivamente. Assim sendo, a coisa julgada estenderá os seus efei- tos aos demais colegitimados; seria hipótese de extensão ultra partes dos efeitos da coisa julgada, relativizando a regra do art. 506 do CPC/2015 (neste sentido: BARBOSA MOREIRA, ADA PELLEGRINI GRI- NOVER e DIDIER JR.). A segunda corrente, buscando inspiração em LIEBMAN, advoga a extensão subjetiva da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, ela estende seus efeitos favoráveis aos não participantes, mas assim não o faz quanto aos desfavoráveis (neste sentido: GRECO; LI- EBMAN e MEDINA). É curial trazer à tona o fato de que o Código de 2015 passa a admitir, forte no art. 506, a extensão in utilibus da coisa julgada a terceiros. A terceira corrente defende que em nenhuma hipótese haverá a extensão subjetiva da coisa julgada, que somente opera inter partes (neste sentido: TALAMINI e MONIZ DE ARAGÃO). Essa corrente fincava-se na letra da lei passada, mas, hoje, como visto, o art. 506, admite a extensão in utilibus da coisa julgada a terceiros. 3. Acentuadas as classificações mais correntes acerca do tema, cumpre trazer à baila outras três, advindas do gênio de DINA- MARCO, a saber: litisconsórcio sucessivo, eventual e alternativo. O litisconsórcio eventual fundamenta-se na Eventualma- xime. Pouco explorado pela doutrina, o instituto oxigena-se, nota- damente, pela previsão do incidente de desconsideração da perso- nalidade jurídico no Código de 2015 (arts. 133-137). Nesta espécie de litisconsórcio, são colocadas em juízo duas (ou mais) pessoas, esta- belecendo-se uma ordem de preferência entre elas (um cúmulo ma- terial). Na eventualidade de ser infrutífera a demanda em face da pessoa escolhida com preferência, o pleito prossegue contra a outra (cf. DINAMARCO. Litisconsórcio, Malheiros, 1997, p. 390-391). Na mesma toada, o litisconsórcio alternativo se forma em ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 01 « 11 » hipóteses de dúvida, seja no polo ativo, seja no polo passivo. A título de exemplo, não podendo o autor saber a quem será imputada a res- ponsabilidade, ele move a ação contra os que entende responsáveis, sem expressar preferência, para que, na alternativa de um ser exone- rado, seja o outro considerado obrigado pela reparação. No polo ativo, poder-se-ia imaginar dois autores, na dúvida sobre qual deles seja o verdadeiro credor, demandando o adversário comum, em be- nefício de um dos dois (cf. DINAMARCO. Litisconsórcio..., Malheiros, 1997, p. 390-391). Enfim, o litisconsórcio sucessivo apresenta-se quando o segundo litisconsorte somente terá reconhecido o seu direito se, an- tes, o primeiro também o tiver. É o exemplo da ação alimentos com indenização de ressarcimentos de despesas do parto. 4. Estabelecidos os moldes do litisconsórcio, resta saber qual regime jurídico será aplicado. Nesta seara, dois são os regimes jurídicos a que se submetem os litisconsortes: o regime comum e o regime especial. O primeiro é aplicável ao litisconsórcio simples; o se- gundo, ao litisconsórcio unitário. O regime comum tem como nota característica a autono- mia entre os litisconsortes, forte no art. 117, primeira parte, do CPC/2015. A razão é simples e bem explicada por GIUSEPPE TARZIA: à independência das situações materiais afirmadas pelos litisconsor- tes no plano do direito material corresponde a independência no plano do direito processual (cf. Il litisconsorcio..., Giuffrè, 1972, p. 187). O regime especial, no entanto, segue lógica antagônica. Enquanto tributário da uniformidade, visando outorgar tutela juris- dicional à situação jurídica incindível, no processo em que se tem litisconsórcio unitário torna-se curial a existência de mecanismos de harmonização da conduta dos litisconsortes. Os mecanismos de harmonização giram em torno da ideia O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 12 » de “condutas determinantes” e “condutas alternativas”. A doutrina identifica, amparada na lei, as condutas determinantes como aque- las que levam, de forma inexorável, a uma situação desfavorável ao outro litisconsorte (v. g., confissão, revelia etc.). Já as condutas al- ternativas seriam aquelas pelas quais as partes buscam uma melhora em sua situação processual (v. g., fazer prova, recorrer etc.). É de bom alvitre destacar que BARBOSA MOREIRA não amealha essa divi- são, buscando afastar da semântica jurídica dos termos “condutas determinantes e alternativas” a ligação com situações favoráveis ou desfavoráveis aos demais litisconsortes (cf. Litisconsórcio unitário, Forense, 1972, p. 174). Apesar da fineza da construção, preferiu-se acolher, neste momento, a significação clássica, mais consentânea com o art. 117 do CPC/2015. Prosseguindo, tem-se que as condutas determinantes de um litisconsorte não podem prejudicar o outro, qualquer que seja o regime. No litisconsórcio unitário, a conduta determinante será so- mente será eficaz se todos os litisconsortes consentirem. No sim- ples, a conduta determinante é eficaz para o litisconsorte que a pra- ticou. De igual forma, no litisconsórcio simples, a conduta al- ternativa (aquela que gera benefícios) de um litisconsorte não apro- veita aos demais, ex vi do art. 117, primeira parte, do CPC/2015. Já no litisconsórcio unitário, em razão da imperiosidade de tratamento uniforme, a conduta alternativa de um litisconsorte estende os seus efeitos aos demais, forte no do art. 117, segunda parte, do CPC/2015. Por estas razões, tem-se que no regime simples cada liti- gante conduz com autonomia o seu processo, não prejudicando, nem sendo prejudicado;não beneficiando, nem sendo beneficiado. Já no litisconsórcio unitário, submetido a um regime especial, (i) a revelia de um ou alguns dos litisconsortes não produzirá os efeitos suscetíveis de pôr em risco a uniformidade da decisão (art. 345, I, do ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 01 « 13 » CPC/2015); (ii) estender-se-ão a todos os litisconsortes os efeitos do recurso interposto por um (ou alguns) deles (art. 1.005 do CPC/2015); (iii) os atos que importem disposição do direito litigioso só serão eficazes se praticados por todos ou em face de todos os li- tisconsortes (v. g., reconhecimento jurídico do pedido, transação ou renúncia ao direito – art. 487, III, a, b e c, do CPC/2015); (iv) a desis- tência do recurso (art. 998 do CPC/2015), a renúncia ao direito de recorrer (art. 999 do CPC/2015) ou a aceitação da decisão (art. 1.000 do CPC/2015) só serão eficazes se todos consentirem; (v) a confissão só será eficaz se todos os litisconsortes aquiescerem (art. 392 do CPC/2015). Apesar da disposição expressa do Código, parece mais correto entender que as condutas alternativas podem se espraiar mesmo aos litisconsortes não-unitários, desde que a situação in casu lhes seja comum. Esta parece ser a ratio que subjaz ao preceptivo do art. 1.005, parágrafo único, do CPC/2015, em que se estende os efei- tos favoráveis do recurso interposto por um devedor solidário aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns (li- tisconsórcio facultativo simples). Soluções parecidas também são encontradas na regra de comunhão da prova (art. 371 do CPC/2015) e da defesa ofertada por um litisconsorte submetido ao regime sim- ples que ataca ponto comum aos demais consortes, o que afastaria os efeitos da revelia de todos (art. 345, I, do CPC/2015). Independentemente do regime, cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo, e todos devem ser intimados dos respectivos atos (art. 118 do CPC/2015). 4.1. No que tange à repercussão da decisão na esfera dos litisconsortes, o Código Buzaid, tratando do litisconsórcio unitário necessário, dizia, em seu art. 47, que “a eficácia da sentença depen- derá da citação de todos os litisconsortes no processo”. O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 14 » O CPC/2015 trata de modo diverso os casos de litiscon- sórcio necessário unitário e necessário simples. Para o primeiro caso, o codex comina nulidade, e não ineficácia, à decisão, caso não citados aqueles que deveriam figurar como litisconsortes necessários unitá- rios. Já nos casos de litisconsórcio necessário simples, o diploma prevê a sentença será ineficaz com relação àqueles que deveriam fi- gurar como litisconsortes necessários simples. Dispõe o art. 115, parágrafo único, do CPC/2015 que, sendo o caso de formação de litisconsórcio necessário no polo pas- sivo, o juiz determinará que o autor requeira a citação de todos os litisconsortes necessários, sob pena de extinção do processo. É mis- ter destacar que o direito positivo brasileiro não admite a figura da intervenção iussu iudicis (isso é, por iniciativa do juiz) daquele que deve figurar como litisconsorte necessário (em sentido contrário: DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015; MARINONI-MITIDIERO. Código..., RT, 2014). No direito brasileiro, diante de recusa ou da inércia do autor em requerer a citação daquele que deve figurar como litisconsorte necessário, o juiz deverá extinguir o processo, sem resolução do mérito. Não pode o juiz extinguir o processo, con- tudo, sem antes oportunizar ao demandante o requerimento de ci- tação daqueles que devam figurar como litisconsortes necessários. 4.2. Os litisconsortes que tiverem diferentes procurado- res, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribu- nal, independentemente de requerimento (art. 229 do CPC/2015). A regra objetiva viabilizar o acesso ao processo para to- dos. No entanto, na prática, a regra poderia favorecer o abuso de di- reito daqueles que, a despeito de serem representados por uma mesma sociedade de advogados, constituíssem advogados distintos, porém dela integrantes, só para obter o benefício de dobra do prazo. Por isso, há a mudança: o novo critério é “sociedade de advogados ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 01 « 15 » distintas”, e não mais “advogados distintos”. Ademais, como no processo eletrônico todas as partes têm permanente acesso aos autos, as hipóteses de duplicação se tor- nam desnecessárias (art. 229, § 2.º, do CPC/2015). Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles (art. 229, §1.º, do CPC/2015). A restrição, à evidência, aplica-se somente a outros prazos, que não o da própria defesa. 4.3. O recurso interposto por um dos litisconsortes a to- dos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses (art. 1.005, caput, do CPC/2015). Havendo solidariedade passiva, o re- curso interposto por um devedor aproveitará aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns (art. 1.005, parágrafo único, do CPC/2015). Sobre a regra sobrescrita, conquanto alguns autores afir- mem que, no caso, incide o efeito expansivo dos recursos, parece mais correto afirmar, com FLÁVIO CHEIM JORGE, que, na verdade, se trata apenas de regra atinente à extensão subjetiva do efeito devolu- tivo (cf. Breves comentários..., RT, 2015, p. 2.231). 5. O Código de 2015, embora não tenha acertado por com- pleto (v. g., remanescendo a ideia de “natureza da relação jurídica controvertida” enquanto hipótese de cabimento do litisconsórcio necessário), buscou encerrar as polêmicas que se abrolharam da re- dação do Código antigo, que mesclava o litisconsórcio necessário e o unitário no mesmo dispositivo legal. Assim, regulou, no art. 115, que o litisconsórcio necessário ocorrerá quando, em decorrência de lei ou da natureza da relação jurídica, a eficácia da sentença depen- der da citação de todos os litisconsortes, independentemente do re- sultado ser ou não uniforme para todos. E o litisconsórcio unitário está disciplinado no art. 116, esclarecendo que ele ocorrerá quando o mérito da causa tiver de ser decidido de modo uniforme para todos O L I T I S C O N S Ó R C I O E A N O V A C O D I F I C A Ç Ã O « 16 » os litisconsortes, o que decorre da natureza da relação jurídica con- trovertida. O Código de 2015 objetivou, outrossim, apontar de modo mais claro os efeitos e as consequências da sentença proferida em cada caso quando não ocorrer a integração dos litisconsortes neces- sários. Segundo o art. 115, caso se trate de litisconsórcio unitário, a sentença será nula (inciso I), e caso se trate de litisconsórcio simples (ou comum), a sentença será ineficaz em relação aos que não forem citados (inciso II). Quanto ao parágrafo único, é repetida a regra do art. 47, parágrafo único, do CPC/1973, explicitando que tal conse- quência se aplica para o litisconsórcio passivo necessário, haja vista o entendimento doutrinário acerca da impossibilidade de obrigar al- guém a litigar no polo ativo. O regime jurídico adotado em cada litisconsórcio, bem como a influência dos atos e omissões entre os litisconsortes em pri- meiro e segundo grau mantiveram-se os mesmos, salvo pontuais mo- dificações, como as que tangenciam à duplicação de prazos. É lídimo, de todo modo, o incremento técnico da disci- plina do litisconsórcio. Resta saber, agora, como o abstrato da lei li- dará como as vicissitudesconcretas da prática forense cotidiana. LUCAS DE OLIVEIRA Juiz de Fora, Minas Gerais, 1.º de março de 2016.
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