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Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 1 Coerência e Coesão Brasília-DF, 2009. Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 2 Elaboração: Marcelo Whately Paiva Avaliação e revisão: Equipe Técnica do CETEB Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 3 Sumário Apresentação........................................................................................................................................ 04 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa ................................................................................ 05 Organização da Disciplina ................................................................................................................... 06 Introdução ............................................................................................................................................ 07 Unidade I – Coerência ......................................................................................................................... 09 Capítulo 1 – Introdução ao Tema ................................................................................................. 14 Capítulo 2 – Tipos de Coerência .................................................................................................. 18 Capítulo 3 – Texto e Coerência ................................................................................................... 23 Unidade II – Coesão ............................................................................................................................ 27 Capítulo 4 – Introdução à Coesão ................................................................................................ 27 Capítulo 5 – Mecanismos de Coesão ........................................................................................... 30 Capítulo 6 – Coerência e Coesão – Seu Papel na Compreensão e na Produção Textual ................ 43 Referências ........................................................................................................................................... 45 Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 4 Caro aluno, Bem-vindo ao estudo da disciplina Coerência e Coesão. Este é o nosso Caderno de Estudos e Pesquisa, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos. Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade. A carga horária desta disciplina é de 40 (quarenta) horas, cabendo a você administrar o tempo conforme a sua disponibilidade. Mas, lembre-se, há um prazo para a conclusão da disciplina, incluindo a apresentação ao seu tutor das atividades avaliativas indicadas. Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades avaliativas do curso; serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina. Lembre-se de que, apesar de distantes, podemos estar muito próximos. A Coordenação do PosEAD Apresentação Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Apresentação: Mensagem da Coordenação do PosEAD ao cursista. Organização da Disciplina: Apresentação dos objetivos e da carga horária das unidades. Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido por você na disciplina, indicando a importância desta para sua formação acadêmica. Ícones utilizados no material didático Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada dísciplina. Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina, para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão, sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal. Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões. Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão. Referências: Bibliografia consultada para a elaboração do curso. Você poderá consultá-la também. Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 6 Organização da Disciplina Ementa: Conceito de coerência e de coesão. Tipos de coerência. Texto e coerência. Mecanismos de coesão. Coerência e coesão e seu papel na compreensão e produção de textos. Objetivos: • Desenvolver no participante a capacidade de perceber e produzir adequadamete textos com coerência. • Ampliar o conhecimento dos mecanismos corretos de elementos coesivos. Unidade I – Coerência Carga horária: 20 horas Conteúdo Capítulo Introdução ao Tema 1 Tipos de Coerência 2 Texto e Coerência 3 Unidade II – Coesão Carga horária: 20 horas Conteúdo Capítulo Introdução à Coesão 4 Mecanismos de Coesão 5 Coerência e Coesão – Seu Papel na Compreensão e na Produção Textual 6 Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 7 Introdução Bem-vindo ao curso Coerência e Coesão. Sem dúvida, disciplina de muita importância para quem atua com interpretação, produção, revisão e ensino de nosso idioma. Percebi a relevância do tema após minha primeira pós-graduação. Tudo se tornou bem mais simples em diversos aspectos relacionados a texto. Por isso, espero que você possa se sentir estimulado a aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto e aperfeiçoar sua percepção no desenvolvimento de sua atividade acadêmica e profissional. Procurei organizar o material didático com conceitos bem fundamentados e muita prática. Bom curso e boa participação nas aulas! Marcelo Paiva Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 8 Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 9 Coerência Unidade I Coerência Unidade I Os temas “coesão” e “coerência” estão longe de uma definição clara. Na conversação, a coesão não pode ser definida em termos estritamente formais, pois o texto se produz dialogicamente, concorrência de dois ou mais agentes. A coerência não é uma unidade de sentido, e sim uma dada possibilidade interpretativa resultante localmente. Dois interlocutores se entendem, não só são coerentes no que dizem, mas principalmente, porque sabem do que se trata em cada caso. E quando não sabem, manifestam seu desentendimento de modo a integrá-lo como parte efetiva no próprio texto. (Marcuschi) Conceitos nucleares da linguística textual, que dizem respeito a dois fatores de garantia e preservação da textualidade. Coerência é a ligação em conjunto dos elementos formativos deum texto; a coesão é a associação consistente desses elementos. Estas duas definições literais não contemplam todas as possibilidades de significação destas duas operações essencias na construção de um texto e nem sequer dão conta dos problemas que se levantam na contaminação entre ambas. As definições apresentadas constituem apenas princípios básicos de reconhecimento das duas operações (note-se que o fato de designarmos a coerência e a coesão como operações pode ser inclusive refutável). A distinção entre estas duas operações ou factores de textualidade está ainda em discussão quer na teoria do texto quer na linguística textual. Entre os autores que apenas se referem a um dos aspectos, sem qualquer distinção, estão Halliday e Hasan, que, em Cohesion in English (1976), defendem ser a coesão entre as frases o fator determinante de um texto enquanto tal; é a coesão que permite chegar à textura (aquilo que permite distinguir um texto de um não texto); a coesão obtém-se em grande parte a partir da gramática e também a partir do léxico. Por outro lado, autores como Beaugrande e Dressler apresentam um ponto de vista que partilhamos: coerência e coesão são níveis distintos de análise. A coesão diz respeito ao modo como ligamos os elementos textuais numa sequência; a coerência não é apenas uma marca textual, mas diz respeito aos conceitos e às relações semânticas que permitem a união dos elementos textuais. A falta de coerência em um texto é facilmente deduzida por um falante de uma língua, quando não encontra sentido lógico entre as proposições de um enunciado oral ou escrito. É a competência linguística, tomada em sentido lato, que permite a esse falante reconhecer de imediato a coerência de um discurso. A competência linguística combina-se com a competência textual para possibilitar certas operações simples ou complexas da Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 10 Coerência Unidade I escrita literária ou não literária: um resumo, uma paráfrase, uma dissertação a partir de um tema dado, um comentário a um texto literário, etc. Coerência e coesão são fenômenos distintos porque podem ocorrer numa sequência coesiva de fatos isolados que, combinados entre si, não têm condições para formar um texto. A coesão não é uma condição necessária e suficiente para constituir um texto. Por exemplo: A Joana não estuda nesta Escola. Ela não sabe qual é a Escola mais antiga da cidade. Esta Escola tem um jardim. A Escola não tem laboratório de línguas. O termo lexical “Escola” é comum a todas as frases e o nome “Joana” está pronominalizado, contudo, tal não é suficiente para formar um texto, uma vez que não possuímos as relações de sentido que unificam a sequência, apesar da coesão individual das frases encadeadas (mas divorciadas semanticamente). Pode ocorrer um texto sem coesão interna, mas a sua textualidade não deixa de se manifestar em nível da coerência. Seja o seguinte exemplo: O Paulo estuda Inglês. A Elisa vai todas as tardes trabalhar no Instituto. A Sandra teve 16 valores no teste de Matemática. Todos os meus filhos são estudiosos. Este exemplo mostra-nos que não é necessário retomar elementos de enunciados anteriores para conseguir coerência textual entre as frases. Além disso, a coerência não está apenas na sucessão linear dos enunciados mas numa ordenação hierárquica. O último enunciado reduz os anteriores a um denominador comum e recupera a unidade. A coerência não é independente do contexto no qual o texto está inscrito, isto é, não podemos ignorar fatores como o autor, o leitor, o espaço, a história, o tempo etc. O exemplo seguinte: O velho abutre alisa as suas penas. É um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen que só pode ser compreendido uma vez contextualizado (pertence ao conjunto “As Grades”, in Livro Sexto, 1962): o “velho abutre” é uma metáfora sutil para designar o ditador fascista Salazar. Não é o conhecimento da língua que nos permite saber isto, mas o conhecimento da cultura portuguesa. A coesão textual pode conseguir-se mediante quatro procedimentos gramaticais elementares, sem querermos avançar aqui com um modelo universal mas apenas definir operações fundamentais. Substituição: quando uma palavra ou expressão substitui outras anteriores: O Rui foi ao cinema. Ele não gostou do filme. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 11 Coerência Unidade I Reiteração: quando se repetem formas no texto: “E um beijo?! E um beijo do seu filhinho?! ”— Quando dará beijos o meu menino?! (Fialho de Almeida) A reiteração pode ser lexical (“E um beijo”) ou semântica (“filhinho”/”menino”). Conjunção: quando uma palavra, expressão ou oração se relaciona com outras antecedentes por meio de conectores gramaticais: O cão da Teresa desapareceu. A partir daí, não mais se sentiu segura. A partir do momento em que o seu cão desapareceu, a Teresa não mais se sentiu segura. Concordância: quando se obtém uma sequência gramaticalmente lógica, em que todos os elementos concordam entre si (tempos e modos verbais correlacionados; regências verbais corretas, gênero gramatical corretamente atribuído, coordenação e subordinação entre orações): Cheguei, vi e venci. Primeiro vou lavar os dentes e depois vou para a cama. Espero que o teste corra bem. Esperava que o teste tivesse corrido bem. Estava muito cansado, porque trabalhei até tarde. Os vários modelos teóricos sobre coesão textual preveem uma rede mais complexa de procedimentos, muitos deles coincidentes e redundantes: Halliday e Hasan (1976) propõem cinco procedimentos: a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e o léxico; Marcushi (1983) propõe quatro fatores: repetidores, substituidores, sequenciadores e moduladores; Fávero (1995) propõe três tipos: referencial, recorrencial e sequencial. A coerência de um texto depende da continuidade de sentidos entre os elementos descritos e inscritos no texto. A fronteira entre um texto coerente e um texto incoerente depende em exclusivo da competência textual do leitor/alocutário para decidir sobre essa continuidade fundamental que deve presidir à construção de um enunciado. A coerência e a incoerência revelam-se não direta e superficialmente no texto mas indiretamente por ação da leitura/audição desse texto. As condições em que esta leitura/audição ocorre e o contexto de que depende o enunciado determinam também o nível de coerência reconhecido. O estudo dialético da literariedade – literário versus não literário – é acompanhado pelos mesmos problemas da definição da coerência e da coesão de um texto. Seja dado o seguinte exemplo: ! Experimenta falar pela minha boca, assoar-te pelo meu nariz... Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 12 Coerência Unidade I Esse texto poderá ser considerado literário? Em caso afirmativo, como definir a sua literariedade? Poderemos dizer que é coerente? Poderemos dizer que é coeso? Se o texto estiver assinado por um autor reconhecido por uma comunidade interpretativa como escritor (o que significa invariavelmente: criador de textos literários), tal circunstância pode afetar o nosso juízo sobre a literariedade, a coerência e a coesão desse texto? Tal questão é equivalente a outra: Até que ponto a identificação autoral de um texto pode influenciar a determinação ou o reconhecimento da sua literariedade, da sua coerência ou da sua coesão? A primeira reação de um leitor comum é a de não reconhecer qualquer elemento específico que permita concluir tratar-se de um texto literário, mesmo que seja possível reconhecer nele coesão (o enunciado está construído linearmente e respeita todas as regras gramaticais de conexão). O que nos faz duvidar da literariedade (e da textualidade) desse “texto” é a sua aparente falta de sentido na relação entreo sinal gráfico de exclamação, centralizado como um título, e o enunciado subjetivo. De certeza, muitos resistirão inclusive à aceitação de tal texto como um texto e dirão tratar-se de uma "aberração linguística", um "capricho semântico", uma "construção acidental de palavras e sinais", ou qualquer outra coisa semelhante. Um leitor mais exigente poderá argumentar que tal construção é de fato um texto literário, cuja literariedade e textualidade estão associadas à combinação intencional entre um signo gráfico e signos linguísticos, com o objetivo de produzir uma relação significativa simbólica – existirá, portanto, uma certa coerência. A explicitação de tal relação significativa variará naturalmente de leitor para leitor, conforme a sensibilidade literária de cada um. Neste segundo caso, em que se procura uma significação literária para uma construção aparentemente não literária, dificilmente poderíamos defender a pretensa literariedade e a textualidade com argumentos lógicos para todos os leitores, o que nos leva a concluir que, o que faz a literariedade e a textualidade de um texto é, em primeiro lugar, o reconhecimento geral dessa propriedade por toda uma comunidade interpretativa. A coerência do texto, ou seja, a negação de poder ser considerado um absurdo, segue o mesmo critério de aceitação. Contudo, mesmo essa regra, que parece satisfatória, está sujeita a exceções incômodas. Seja o exemplo, entre muitos outros, do poema O de marítima de Álvaro de Campos. Quando foi publicado pela primeira vez, no Orpheu (1915), produziu escândalo na comunidade interpretativa da época, não sendo reconhecido como texto literário mas como pura "pornografia", "alienação", "literatura de manicômio" e outros epítetos do gênero – todos apontando a falta de coerência do texto e não, certamente, a sua falta de coesão. Todas as obras artísticas de vanguarda respeitam de alguma forma a exigência de provocação, que quase invariavelmente redunda em anátema. Isto significa que o princípio de aceitação universal da literariedade, da textualidade e da coerência de um texto está sujeito também a um certo livre-arbítrio. Todas as declarações de guerra à sintaxe tradicional que as literaturas de vanguarda costumam fazer são, logicamente, guerras à coesão gramatical dos textos literários de vanguarda. Contudo, não deixam de ser literários por essa falta de coesão, uma vez que a sua literariedade e a sua textualidade se conquista em nível da coerência. Poderá a revelação da identidade autoral do texto, em particular, levar a uma outra conclusão? Se eu tivesse apresentado o texto como um poema do autor surrealista Alexandre O'Neill, que pertence à série "Divertimento com sinais ortográficos", in Abandono Vigiado (1960), alguém duvidaria por um momento que se tratava não só de um texto coerente como de um texto literário? O que nos pode dizer o título "Divertimento com sinais ortográficos"? Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 13 Coerência Unidade I O fato de o autor intitular a sua criação como "Divertimento" inspira-nos uma nova pista para o reconhecimento da literariedade e da coerência textual: um texto será literário se contiver sinais, sugestões ou elementos que revelem o gozo (no sentido da lacaniana jouissance) que o seu autor experimentou ao criá-lo. A criação de um texto literário é a mais erótica de todas as criações textuais. A coerência de certos textos-limite só pode ser avaliada por este lado. Mas será que um texto não literário não pode arrastar consigo sinais de gozo de quem o criou? Roland Barthes admitiu em "Theory of the Text” (artigo inicialmente publicado em Encyclopaedia Universalis, 1973), que qualquer texto "textual" conduz pela sua essência criativa à jouissance do autor, seja literário ou não, isto é, conduz, necessariamente, não só a um prazer de escrita como a própria escrita ou texto produzido é uma espécie de clímax sexual – um têxtase. Se reduzíssemos esse princípio de textualidade e decidíssemos que qualquer tentativa de levar o erotismo criativo da escrita para além de certos limites significa entrar de imediato no limiar do literário (=textualmente coerente), então teremos encontrado um critério de definição da literariedade e da textualidade. Do texto que seja resultado de um têxtase, diremos ser literário; mas também que é possível medir macrotextualmente o seu nível de coerência a partir dessa descoberta. O princípio do têxtase textual está naturalmente sujeito ao livre-arbítrio do leitor, como o está a detecção do grau de coerência textual. Ora, a teoria literária distingue-se das ciências exatas precisamente porque é intrinsicamente inexata, dispensando o enunciado de leis universais de resolução de problemas. Em Teoria Literária, não é possível dizer: "Tenho a solução para este problema." Todas as soluções definitivas são absolutamente discutíveis, portanto, não há soluções definitivas, tal como não há leitores peritos. Todo o texto literário, enquanto cemitério de sentidos mortos-vivos, é uma ameaça constante para o leitor que se julgue perito nesse texto. Não há equações que permitam concluir com exatidão a coerência textual. Não se deve esquecer ainda que qualquer texto pode resistir à tentativa de controlar a sua organização interna, isto é, pode resistir a qualquer delimitação do seu nível de coerência. Nisso se distingue da coesão, que possui um grau de resistência menor. A coerência está mais sujeita à interpretação do que a coesão. Se não é possível determinar uma taxonomia textual, porque não é possível sistematizar processos de resolução hermenêutica, já é possível determinar regras gramaticais de coesão e sistematizar processos de construção textual. Para além da linguística textual, podemos discutir os conceitos de coesão e, sobretudo, o de coerência no âmbito da textualidade puramente literária, por exemplo, na construção de uma narrativa. Tradicionalmente, todas as formas naturais (para distinguir das formas subversivas de vanguarda) de literatura ambicionam a produção de textos coesos e coerentes, por exemplo, no caso do romance, com personagens integradas linearmente numa narrativa, com uma intriga de progressão gradual controlada por uma determinada lógica, com acções interligadas numa sintaxe contínua, com intervenções do narrador em momentos decisivos etc. Por outro lado, nunca ficará claro que todas as formas de antiliteratura possam ser desprovidas de coesão e de coerência. As experiências textuais que tendam a contrariar as convenções de escrita e/ou até mesmo as regras da gramática tradicional também podem distinguir-se por uma forte coesão ou coerência dos seus elementos. Adaptado de: Almeida Faria (www2.fcsh.unl.pt/edtl/.../C/coerencia_coesao.htm) Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 14 Coerência Unidade I Capítulo 1 – Introdução ao Tema Grande parte de nosso material didático foi elaborado por Vicente Martins, mestre em educação brasileira pela UFC, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Ceará. Ao analisar diversos materiais, considerei sua abordagem sobre o assunto bem sintetizada e fundamentada. Pretendemos, neste tema, trabalhando com os conceitos de coerência e coesão, mostrar o papel e a importância de cada um desses mecanismos não só para a leitura e a compreensão de textos, como também para sua produção. A coerência e a coesão contribuem para conferir textualidade a um conjunto de enunciados. Assim, a coerência, manifestada em grande parte no nível macrotextual, é o resultado da possibilidade de se estabelecer alguma forma de unidade ou relação entre os elementos do texto. E a coesão, manifestada no nível microtextual, refere-se ao modo como os vocábulos se ligam dentro de uma sequência. Ao analisar esses mecanismos, mostramos, por meio de exemplos, as formas em que podemocorrer. Ao mesmo tempo, procuramos fazer com que os usuários saibam empregar adequadamente cada mecanismo não só para depreender o sentido de um texto, como para produzir textos com sentido, estabelecendo uma continuidade entre as partes, de modo a instaurar entre elas uma unidade, ou seja, a coerência. É importante também lembrar que a coesão pode auxiliar no estabelecimento da coerência, embora, às vezes, a coesão nem sempre se manifeste explicitamente por meio de marcas linguísticas, o que faz concluir que pode haver textos coerentes mesmo que não tenham coesão explícita. Este tema será, portanto, desenvolvido com o objetivo de mostrar aos usuários da língua que: 1) mais importante que conhecer os conceitos de coerência e coesão é saber de que maneira esses fenômenos contribuem para tornar um texto inteligível; 2) a coerência (conectividade conceitual) e a coesão (conectividade sequencial) são requisitos fundamentais para a elaboração de qualquer tipo de texto; 3) enquanto a coerência se fundamenta na continuidade de sentidos, a coesão pode-se apresentar por meio de marcas linguísticas, observadas na gramática ou no léxico; 4) é necessário perceber como coerência e coesão se completam no processo de produção e compreensão do texto. Coerência No nosso dia a dia, são comuns comentários do tipo: Isto não tem coerência. Esta frase não tem coerência. O seu texto está incoerente. O que leva as pessoas a fazerem tais observações, provavelmente, é o fato de perceberem que, por algum motivo, escapa a elas o entendimento de uma frase ou de todo o texto. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 15 Coerência Unidade I Coerência está, pois, ligada à compreensão, à possibilidade de interpretação daquilo que se diz ou escreve. Assim, a coerência é decorrente do sentido contido no texto, para quem ouve ou lê. Uma simples frase, um texto de jornal, uma obra literária (romance, novela, poema...), uma conversa animada, o discurso de um político ou do operário, um livro, uma canção ..., enfim, qualquer comunicação, independente de sua extensão, precisa ter sentido, isto é, precisa ter coerência. A coerência depende de uma série de fatores, entre os quais vale ressaltar: a) o conhecimento do mundo e o grau em que este conhecimento deve ser ou é compartilhado pelos interlocutores; b) o domínio das regras que norteiam a língua – isso vai possibilitar as várias combinações dos elementos linguísticos; c) os próprios interlocutores, considerando a situação em que se encontram, as suas intenções de comunicação, suas crenças, a função comunicativa do texto. Portanto, a coerência estabelece-se numa situação comunicativa; ela é a responsável pelo sentido que um texto deve ter quando partilhado por esses usuários, entre os quais existe um acordo preestabelecido, que pressupõe limites partilhados por eles e um domínio comum da língua. A coerência se manifesta nas diversas camadas da organização do texto. Ela tem uma dimensão semântica – caracteriza-se por uma interdependência semântica entre os elementos constituintes do texto. Tem principalmente uma dimensão pragmática – é fundamental, no estabelecimento da coerência, o nosso conhecimento de mundo, e esse conhecimento é acumulado ao longo de nossa existência, de maneira ordenada. Ainda com respeito ao conhecimento partilhado de mundo, devemos dizer que a ele se acrescentam as informações novas. Se estas forem muito numerosas, o texto pode-se tornar incoerente devido à não familiaridade do ouvinte/leitor com essa massa desconhecida de informações. É isto que acontece, por exemplo, quando lemos um texto muito técnico, de uma área na qual somos leigos. Na verdade, quando dizemos que um texto é incoerente, precisamos esclarecer que motivos nos levaram a afirmar isso. Ele pode ser incoerente em uma determinada situação porque quem o produziu não soube adequá-lo ao receptor, não valorizou suficientemente a questão da comunicabilidade, não obedeceu ao código linguístico, enfim, não levou em conta o fato de que a coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto. Embora nosso objetivo não seja teorizar em demasia o conceito de coerência, achamos necessário retomar algumas afirmações feitas por Koch e Travaglia (1989), como pontos de partida para o trabalho com textos que se segue: “A coerência é profunda, subjacente à superfície textual, não linear, não marcada explicitamente na estrutura de superfície. (...) Ela tem a ver com a produção do texto, à medida que quem o faz quer que seja entendido por seu interlocutor. (...) A coerência diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos. (...) A coerência, portanto, longe de constituir mera qualidade ou propriedade do texto, é resultado de uma construção feita pelos interlocutores, numa situação de interação dada pela atuação conjunta de uma série de fatores de ordem cognitiva, situacional, sociocultural e interacional.” Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 16 Coerência Unidade I Observe o grupo de frases abaixo, consideradas do ponto de vista estritamente referencial. O homem construiu uma casa na floresta. O pássaro fez o ninho. O lenhador derrubou a árvore. O trabalhador acompanhou o noticiário criticamente. As árvores estão plantadas no deserto. A árvore está grávida. Podemos notar que as quatro primeiras não oferecem qualquer problema de compreensão. Dizemos, então, que elas têm coerência. Já não ocorre o mesmo em relação às duas últimas. Em As árvores estão plantadas no deserto, há duas ideias opostas, uma contrária a outra. Em A árvore está grávida, há uma restrição na combinatória ser vegetal + grávida, o que não ocorre em A mulher está grávida, em que temos a combinatória possível ser racional + grávida. Examinemos agora as frases: a) O pássaro voa. b) O homem voa. A frase a tem um grau de aceitação maior do que a frase b, que depende de uma complementação para esclarecer qual o meio utilizado pelo homem para voar – O homem voa de asa-delta, por exemplo. A combinação de homem com voa tem outras significações no plano da conotação: O homem sonha, o homem delira, o homem anda rápido. Neste plano, muitas outras combinações são possíveis: a) As nuvens estão prenhes de chuva. b) Sua boca cuspia desaforos. Observe os três pares que se seguem: 1. a) Todo mundo destrói a natureza menos eu. b) Todo mundo destrói a natureza menos todo mundo. 2. a) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não. b) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não ouvi o sabiá cantar. 3. a) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta sobrevive. b) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta não tem muitas árvores. As frases de letra a de cada par são facilmente compreendidas, têm coerência; as frases de letra b de cada par apresentam problema de compreensão. 1 a) Todo mundo destrói a natureza menos eu. o vocábulo menos indica exclusão de uma parte do grupo, portanto, neste caso, pode ser combinado com o pronome eu. 1 b)Todo mundo destrói a natureza menos todo mundo. há uma restrição, porque o vocábulo menos indica exclusão de uma parte do grupo, portanto, neste caso, não pode ser combinado com todo mundo, que indica o grupo inteiro. 2 a)Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não. mas introduz uma ideia oposta, que é perfeitamente aceitável, porque todo mundo se diferencia de eu. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 17 Coerência Unidade I 2 b) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não ouvi o sabiá cantar. mas introduz uma ideia oposta, que é inaceitável porque o conteúdo da ideia introduzida por mas nãoé o contrário da ideia anterior. Assim, a primeira parte Todo mundo viu o mico-leão não pode ser combinada com eu não ouvi o sabiá cantar por intermédio do vocábulo mas. 3 a) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta sobrevive. o uso de apesar de pressupõe a presença de ideias contrárias, qualquer que seja a ordem: negativa/positiva, positiva/negativa. 3 b) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta não tem muitas árvores. o uso de apesar de pressupõe a presença de ideias contrárias, qualquer que seja a ordem: negativa/positiva, positiva/negativa. Daí a incoerência da frase b, em que ocorrem duas negativas simultâneas. Estas observações mostram que a coerência de uma frase, de um texto, não se define apenas pelo modo como elementos linguísticos se combinam; depende também do conhecimento do mundo partilhado por emissor e receptor, bem como do tipo de texto em questão. Podemos ainda dizer que, nas frases de letra b, os elementos de coesão não foram usados de forma adequada, por isto, não contribuíram para estabelecer a coerência. Observe o que se segue. Assim como milhões de brasileiros, os habitantes da Mata Atlântica estão sentindo na pele os efeitos da crise econômica. As verbas são curtas, a fiscalização é pouca, e, com isso, as leis de proteção nem sempre são respeitadas. Resultado: mesmo sendo uma das mais importantes florestas tropicais do mundo – portanto, essencial à sobrevivência do planeta – pouco a pouco a Mata Atlântica vai desaparecendo do mapa. O trecho mostra as dificuldades sentidas pelos habitantes da Mata Atlântica como consequência da crise econômica. O sentido do texto é viabilizado pela combinação dos elementos presentes numa progressão harmoniosa. Veja como este sentido vai sendo construído a partir da ocorrência de vocábulos relacionados entre si. Por exemplo: milhões de Brasileiros habitantes mundo planeta mapa curta pouca Mata Atlântica florestas tropicais importante essencial proteção sobrevivência verbo fiscalização lei e portanto (conectores) com isso Observe finalmente: Se está difícil sobreviver aí na cidade, imagine aqui. Numa primeira leitura, esta mensagem parece vaga: aqui aponta para várias possibilidades de significação, entretanto cada uma elas claramente se opõe à "cidade". Mas, se situarmos esta frase como introdutória ao texto sobre a Mata Atlântica, o sentido fica mais explícito, sobretudo se a frase for acompanhada da imagem de um habitante da Mata Atlântica. Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 18 Coerência Unidade I Capítulo 2 – Tipos de Coerência Em obra na qual discutem as estratégias cognitivas de compreensão do discurso, Van Dijk e Kintsch (1983) falam de coerência local e de coerência global. Enquanto a primeira se refere a partes do texto, a segunda se refere ao texto como um todo. Embora já tenha sido dito anteriormente que a coerência diz respeito à intenção comunicativa do emissor, interagindo, de maneira cooperativa, com o seu interlocutor, acontece de, em um mesmo texto, ocorrerem partes ou passagens com problemas de incoerências – incoerências locais no caso – que acabam por perturbar a compreensão daquela passagem. A presença de uma incoerência local pode não prejudicar a compreensão do texto, mas, é claro que assim não será, se houver um grande número de problemas desse tipo. Ainda na obra citada, os autores apontam alguns tipos de coerências a saber, coerência semântica, coerência sintática, coerência estilística, coerência pragmática. Coerência Semântica Refere-se à relação entre os significados dos elementos das frases em sequência; a incoerência aparece quando esses sentidos não combinam, ou quando são contraditórios. Exemplos: 1) ... ouvem-se vozes exaltadas para onde acorreram muitos fotógrafos e telegrafistas para registrarem o fato. O uso do vocábulo telegrafista é inadequado neste contexto, pois o fato que causa espanto será documentado por fotógrafos e, talvez, por cronistas, que, depois, poderão escrever uma crônica sobre ele, mas certamente telegrafistas não são espectadores comuns nessas circunstâncias. Ao lado deste, há um outro problema, de ordem sintática: trata-se do emprego de para onde, que teria vozes exaltadas como referente, o que não é possível, porque esse referente não contém ideia de lugar, implícita no pronome relativo onde. Cabe ainda uma observação quanto ao tempo verbal de ouvem-se e acorreram, presente e pretérito perfeito, respectivamente. Seria mais adequado os dois verbos estarem no mesmo tempo. 2) O governo principalmente não corresponde de uma maneira correta em relação ao nível de condições que para muitos seriam uma decisão óbvia. Nesta frase, há duas incoerências semânticas. A primeira decorre do uso inadequado de corresponder – corresponder em relação ao nível – que poderia ser substituído por responder, mas, mesmo assim, o complemento teria que ser modificado, para resolver o problema da incoerência sintática – corresponder a (alguma coisa). A segunda está na expressão nível de condições. O vocábulo nível é desnecessário, podendo-se dizer simplesmente em relação às condições. 3) Educação, problema universal que por direito todo indivíduo deve ter acesso. A inadequação, parece-nos, deve-se ao fato de não ficar claro qual é o antecedente do pronome que. Da maneira como foi escrita a frase, o antecedente é problema universal, e, neste caso, a incoerência semântica está na não combinação entre os sentidos de ter acesso e problema. Um problema precisa ser resolvido, solucionado, mas não ser alcançado, que é o sentido de ter acesso. É muito mais provável que o autor desta frase tenha pensado que todo indivíduo deve ter acesso à educação, mas, da forma como ordenou as palavras, causou ambiguidade com relação ao antecedente do que. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 19 Coerência Unidade I Ainda dentro desse tipo de coerência, lembramos que o pouco domínio do sentido dos vocábulos e das restrições combinatórias podem também gerar frases com problemas de compreensão, como as que seguem: O jardim que circula a casa estava maltratado. Entramos em um círculo de mudanças. O rei quis obter as luxúrias que sua posição oferecia. ... sendo este o dominador comum das mudanças. O Brasil é um país em alta-rotatividade. O que existe é um apontamento dos erros do vestibular. A televisão transmite lazer. Não deu asas ao pensamento, obviamente com medo de aferir a opinião dos outros. Isto acontece quando você está batendo uma conversa informal. O quarto era o maior ambiente do barraco. Minhas suspeitas se atrapalham. O sol deixa um rastro de cor reflexada na água. A audiência no Maracanã é grande quando jogam Vasco e Flamengo. ... vencendo a oscilação que repousava em sua mente. Jamais fui a uma igreja seja ela de qual raça ou costume. O tempo nos proporciona muitos sacrifícios. O armário estava desarrumado, com as gavetas afogadas de tantas roupas dispersivas. Coerência Sintática Refere-se aos meios sintáticos usados para expressar a coerência semântica: conectivos, pronomes etc. Exemplos: 1) Então as pessoas que têm condições procuram mesmo o ensino particular. Onde há métodos, equipamentos e até professores melhores. A coerência deste período poderia ser recuperada se duas alterações fossem feitas. A primeira seria a troca do relativo onde, específico de lugar, para no qual ou em que (ensino particular, no qual/em que há métodos ...), e a segunda seria a substituição do ponto por vírgula, de maneira que a oração relativa não ocorresse como uma oração completa e independente da anterior. Teríamos a seguinte oração, sem problemas de compreensão: Então as pessoas que têm condições procuram mesmo oensino particular, no qual há equipamentos e até professores melhores. 2) Na verdade, essa falta de leitura, de escrever, seja porque tudo já vem pronto, mastigado para uma boa compreensão, não precisando pensar. Há, nesta frase, vários problemas que prejudicam a sua coerência. O primeiro é o não paralelismo entre leitura (nome) e escrever (verbo); seria desejável, por exemplo, dizer falta de ler, de escrever, ou falta de leitura, falta de treino de escrita. Depois foi empregada a conjunção seja, que geralmente se usa para apresentar mais de uma alternativa: seja porque tudo já vem pronto, seja porque não há estímulo por parte dos professores; usada isoladamente, ela perde o seu sentido alternativo. Talvez o autor estivesse querendo dizer seja porque tudo já vem mastigado; a elipse Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 20 Coerência Unidade I da conjunção na segunda expressão foi inadequada. Percebemos, ainda, que o sujeito essa falta de leitura acabou não se juntando a nenhum predicado, e a frase ficou fragmentada. Por último, não foi explicitado o termo que pode preencher essa função. 3) O papel preponderante da escola, que seria de formar e informar, principalmente crianças e adultos, hoje não está alcançando esse objetivo. Esta frase apresenta o seguinte problema: ela é longa demais, por isso o predicado, muito distante do sujeito, acaba discordando dele, não gramaticalmente, mas pela inadequação do vocabulário. Pode-se dizer que há um cruzamento na estrutura da frase, o que causa uma incoerência sintática. O papel da escola X não está alcançando esse objetivo. A escola não está sendo cumprido. (As frases usadas como exemplos foram produzidas por alunos recém-ingressos na universidade). Coerência Estilística Percebemos, pelos exemplos citados abaixo, que esse tipo de coerência não chega, na verdade, a perturbar a interpretabilidade de um texto; é uma noção relacionada à mistura de registros linguísticos. É desejável que quem escreve ou lê se mantenha num estilo relativamente uniforme. Entretanto, a alternância de registros pode ser, por outro lado, um recurso estilístico. Leia este poema de Manuel Bandeira: Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você e te jurar uma paixão do tamanho de um bonde Se ele chorar Se ele ajoelhar Se ele se rasgar todo Não acredita não Teresa É lágrima de cinema É tapeação Mentira CAI FORA O autor procede como se estivesse falando, aconselhando alguém, advertindo sobre uma possível "cantada". Há mistura de tratamento (tu/você), mistura de registros, pois o autor utiliza várias expressões da língua oral, como "do tamanho de um bonde", "se ele se rasgar todo", "cai fora", ao mesmo tempo em que emprega o futuro do subjuntivo, tempo mais comum num registro mais cuidado. Agora leia este trecho, extraído de uma aula gravada: Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 21 Coerência Unidade I ... isso aí é um conceitozinho um pouco maior, é que nós sabemos que os cloretos, por decoreba, aquele negócio que eu falei, os cloretos e prata, chumbo são insolúveis, todos os outros cloretos são solúveis. Agora pergunto: aquilo lá não é uma cascata muito grande? Quando a gente agora está por dentro do assunto? O que o cara quer dizer com solúveis, muito solúveis, pouco solúveis? Apenas um conceito relativo. AgCl é considerado insolúvel porque o que fica de AgCl é um troço tão irrisório que a gente não considera ... Entendeu qual é a jogada? O que tem na solução daqueles íons não vai atrapalhar ninguém. Você pode comer quilos desse troço que a prata não vai te perturbar. (Corpus do Projeto NURC/RJ - UFRJ- Informante: Homem, 31 anos, Professor de química numa aula para o terceiro ano do Ensino Médio.) Nesta exposição, chamada, dentro do corpus do projeto, de elocução formal, o professor emprega uma grande variação de registro, movendo-se todo o tempo entre o formal, para explicar o conceito de solubilidade e o informal, servindo-se de gírias (troço, cascata, estar por dentro, jogada, decoreba, cara), talvez com o objetivo de tornar a explicação menos pesada e a exposição mais interessante para os alunos, aproximando-se deles ao usar essa maneira de falar. Portanto, nesta passagem, a mistura de registros, sem causar incoerência, pode ter uma causa objetiva. Coerência Pragmática Refere-se ao texto visto como uma sequência de atos de fala. Para haver coerência nesta sequência, é preciso que os atos de fala se realizem de forma apropriada, isto é, cada interlocutor, na sua vez de falar, deve conjugar o seu discurso ao do seu ouvinte. Quando uma pessoa faz uma pergunta a outra, a resposta pode-se manifestar por meio de uma afirmação, de outra pergunta, de uma promessa, de uma negação. Qualquer uma dessas sequências seria considerada coerente. Por outro lado, se o interlocutor não responder, virar as costas e sair andando, começar a cantar, ou mesmo dizer algo totalmente desconectado do tema da pergunta, estas sequências seriam consideradas incoerentes. Exemplo: A: Você pode me dizer onde fica a Rua Alice? B: O ônibus está muito atrasado hoje. Piadas podem ser elaboradas a partir de incoerências como no exemplo: No balcão da companhia aérea, o viajante perguntou à atendente: – A senhorita pode me dizer quanto tempo dura o voo do Rio a Lisboa? – Um momentinho. – Muito obrigado. Para quem fez a pergunta, não pareceu nem um pouco incoerente a resposta obtida. Entretanto, a frase de B não é a resposta, é simplesmente um pedido de tempo para depois dar atenção ao interlocutor A. Nós é que percebemos a incoerência da sequência e tomamos o conjunto como uma piada. Há ainda incoerências geradas a partir da desobediência a articulações de conteúdo. Se você ouvir a frase Meu irmão é filho único pode pensar que quem a pronunciou desconhece o sentido dos vocábulos usados, pois a sequência contém uma contradição. O sentido de irmão inclui o fato de que esse indivíduo tem, pelo menos, uma irmã ou irmão. Como último exemplo observe esta frase, ouvida recentemente em um programa de televisão: "Me inclui fora dessa." Parece que o emissor não conhece o sentido do verbo incluir, que certamente não pode ocorrer combinado com fora. Ou então, usa expressamente o advérbio fora para explicar sua intenção de não ser incluído em algum projeto. Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 22 Coerência Unidade I Capítulo 3 – Texto e Coerência A coerência e a coesão ocorrem nos diversos tipos de texto. Lembramos que cada tipo de texto tem sua estrutura própria, por isso os mecanismos de coerência e de coesão também vão se manifestar de forma diferente na superfície linguística, conforme se trate de um texto narrativo, descritivo ou dissertativo-argumentativo. No texto narrativo, a coerência existe em função, sobretudo, da ordenação temporal. Tomemos como exemplo o conhecido poema “A pesca”, de Affonso Romano de Sant’Anna, em que não há elementos coesivos. No entanto, há coerência em razão de uma sequência temporal depreendida não só da ordem em que foram colocados os substantivos, mas da escolha de vocábulos de campos semânticos relacionados à pesca. A pesca o anil o anzol o azul o silêncio o tempo o peixe a agulha vertical mergulha a água a linha a espuma o tempo a âncora o peixe a garganta a âncora o peixe a boca o arranco o rasgão aberta a água aberta a chaga aberto o anzol aquelíneo ágil-claro estabanado o peixe a areia o sol material anzol isca “agulha” linha peixe boca rasgão chaga garganta mar azul anil areia sol mergulhar A história infantil A Casa Sonolenta,um texto narrativo e descritivo, é mais um bom exemplo de como a sequência é fundamental para que se estabeleça a coerência textual. Disponível em: http://acd.ufrj.br/npead/tema09/textoecoerencia.html Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 23 Coerência Unidade I A Casa sonolenta Era uma vez uma casa sonolenta onde todos viviam dormindo Nessa casa tinha uma cama uma cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo. Nessa cama tinha uma avó, uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo. Em cima dessa avó tinha um menino, um menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo. Em cima desse menino tinha um cachorro, um cachorro cochilando, em cima de um menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo. Em cima desse cachorro tinha um gato um gato ressonando, em cima de um cachorro cochilando, em cima de um menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo. Em cima desse gato tinha um rato, um rato dormitando, em cima de um gato ressonando, em cima de um cachorro cochilando, em cima de um menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo. E em cima desse rato tinha uma pulga... Será possível? Uma pulga acordada, que picou o rato, que assustou o gato, que arranhou o cachorro, que caiu sobre o menino, que deu um susto na avó, que quebrou a cama, numa casa sonolenta, onde ninguém mais estava dormindo. A história estrutura-se com base em dois momentos: 1º momento – todos estão dormindo. 2º momento – todos acordam, cada um, por sua vez, movidos pela ação da pulga. A coerência, na primeira parte, se dá pela escolha de vocábulos do campo semântico de dormir – cama, sonolenta, aconchegante, roncando, sonhando, ressonando, dormitando, cochilando. Não houve repetição de nenhum verbo, e cada um deles foi combinado coerentemente com cada habitante da casa. O caráter descritivo desta parte se apoia em adjetivos (caracterizando os seres inanimados) e verbos no gerúndio e pretérito imperfeito (atribuídos aos seres animados). A segunda parte do texto apresenta a mudança desencadeada a partir da picada da pulga. Os verbos estão no pretérito perfeito, marcando a ação finalizada. Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 24 Coerência Unidade I casa sonolenta casa acordada dormindo roncando sonhando ressonando cochilando viviam tinha picou assustou arranhou caiu deu quebrou Lembramos, ainda, o título do conto de Carlos Drummond de Andrade – Flor, telefone, moça. Os três vocábulos juntos, aparentemente, não constituem título coerente para um conto. No entanto, a coerência advém do próprio conto, que se resume na seguinte história: uma moça, que tinha o costume de passear no cemitério, um dia, com um gesto distraído, arrancou uma flor de um túmulo, machucou-a com as mãos e depois jogou-a fora. A partir daí, passa a receber insistentes telefonemas feitos por uma voz que reclama de volta a sua flor. A família se envolve, tentando uma solução para os telefonemas que, a cada dia, deixam a moça mais nervosa e sem apetite. O caso termina em tragédia. A moça, sem ânimo para coisa alguma, acaba definhando e morrendo. Nunca mais houve telefonemas. Apenas os fatos narrados no conto justificam a ordem em que os vocábulos foram organizados no título. No texto descritivo, a coerência estabelece-se, sobretudo, por uma ordenação espacial. Quem descreve, procura percorrer os detalhes daquilo que descreve, seja uma pessoa, seja um cenário, seja um objeto, obedecendo a uma sequência, com a finalidade de auxiliar o leitor/ouvinte a compor o todo a partir dessas informações parciais. No trecho abaixo, extraído de "Vidas Secas", temos uma série de atos que, se alterada, prejudica a coerência do texto. “(Sinhá Vitória) Agachou-se, atiçou o fogo, apanhou uma brasa com a colher, acendeu o cachimbo, pôs-se a chupar o canudo de taquari cheio de sarro. Jogo longe uma cusparada, que passou por cima da janela e foi cair no terreiro. Preparou-se para cuspir novamente. Por uma extravagante associação, relacionou esse ato com a lembrança da cama. Se o cuspo alcançasse o terreiro, a cama seria comprada antes do fim do ano. Encheu a boca de saliva, inclinou-se – e não conseguiu o que esperava. Fez várias tentativas, inutilmente. O resultado foi secar a garganta. Ergueu-se desapontada. Besteira, aquilo não valia. Aproximou-se do canto onde o pote se erguia numa forquilha de três pontas, bebeu um caneco de água. Água salobra.” (GLACILIANO RAMOS, 1938) Com respeito a essa ordenação das informações num texto descritivo, é interessante assinalar que a ordem em que são percebidos os objetos ou os componentes de uma cena pode determinar a organização linear das sequências usadas para descrevê-los, como no parágrafo abaixo: O homem estava sentado num tamborete rústico, com os joelhos cruzados e a cabeça baixa. À sua direita havia uma mesinha de desarmar, entulhada de lápis de vários tipos e cores, folhas de papel em branco, borrachas, tesoura e um pouco de estopa. Havia ainda uma tabuleta em cima da pequena mesa, apoiando-se na pilastra onde estavam expostos seus trabalhos: fotografias coloridas de grandes personalidades e caricaturas também de grandes personalidades. (WANDER PIROLI, Trabalhadores do Brasil) Entretanto, isto pode não acontecer, ou seja, a ordenação é feita a partir da seleção das informações julgadas relevantes, como no texto abaixo: A cerimônia esteve muito concorrida. Presidiu o Presidente da República, que fez o discurso inaugural. Foi preciso esperar meia hora pelo Primeiro Ministro, que chegou, como sempre, atrasado e sorridente. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 25 Coerência Unidade I No texto dissertativo-argumentativo, é muito importante para a coerência a ordenação lógica das ideias. As possibilidades de correlacionar os argumentos decorrem dos operadores lógico-discursivos empregados. Há conectores específicos para se expressar as diferentes articulações sintáticas – causa, finalidade, conclusão, condição etc. – e eles devem ser usados adequadamente, de acordo com a relação que se quer exprimir ao desenvolver uma argumentação. É ainda muito importante, com respeito à coesão, uma combinação cuidosa dos tempos verbais empregados. Observe: Depois que um rolo compressor passou pelo cinema brasileiro, alijando-o intempestivamente do mercado, é bom saber que existem fórmulas ao alcance de diretores, produtores, roteiristas e artistas para retomar o diálogo. O mercado consumidor tem fôlego, mas tende, por distorção natural, a se voltar para o filme estrangeiro. Precisa de uma boa sacudida que o faça retomar o caminho de casa, desde que, evidentemente, o produto da casa satisfaça suas expectativas. Temos, neste parágrafo, os conectores mas (ideia adversativa) e desde que (condição), não podem ser substituídos por conectores de outro sentido, sob pena de alterar o que se quer expressar. As expressões, é bom saber, evidentemente têm a finalidade de introduzir e reforçar os argumentos. Finalmente, lembramos que o uso do conector desde que pede o emprego do verbo no modo subjuntivo, tempo presente, o que foi feito pelo autor do texto (desde que ... satisfaça). O mesmo se verifica na frase anterior: Precisa de boa sacudida que o faça (...) É importante, pois, escolher os conectores adequados, quando o objetivo é argumentar de maneira coerente e coesa. Universidade Gama Filho Co er ência e C oe sã o 26 Coesão Unidade II Coesão Unidade II Capítulo 4 – Introdução à Coesão São muitos os autores que têm publicado estudos sobre coerência e coesão. Apoiados nos trabalhos de Koch (1997), Platão e Fiorin (1996), Suárez Abreu (1990) e Marcuschi (1983), apresentamos algumas considerações sobre o conceito de coesão com o objetivo de mostrar a presença e a importância desse fenômeno na produção e interpretação dos textos. Koch (1997) conceitua a coesão como "o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentido." Para Platão e Fiorin (1996), a coesão textual "é a ligação, a relação, a conexão entre as palavras, expressões ou frases do texto." A coesão é, segundo Suárez Abreu (1990), "o encadeamento semântico que produz a textualidade; trata-se de uma maneira de recuperar, em uma sentença B, um termo presente em uma sentença A." Daí a necessidade de haver concordância entre o termo da sentença A e o termo que o retoma na sentença B. Finalmente, Marcuschi (1983) assim define os fatores de coesão: "são aqueles que dão conta da sequenciação superficial do texto, isto é, os mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos linguísticos do texto, relações de sentido." A coesão pode ser observada tanto em enunciados mais simples quanto em enunciados mais complexos. Observe. 1) Mulheres de três gerações enfrentam o preconceito e revelam suas experiências. 2) Elas resolveram falar. Quebrando o muro de silêncio, oito dezenas de mulheres decidiram contar como aconteceu o fato que marcou sua vida. 3) Do alto de sua ignorância, os seres humanos costumam achar que dominam a terra e todos os outros seres vivos. Nesses exemplos, temos os pronomes suas e que retomando mulheres de três gerações e o fato, respectivamente; os pronomes elas e sua antecipam oito dezenas de mulheres e os seres humanos, respectivamente. Estes são apenas alguns mecanismos de coesão, mas existem muitos outros, como veremos mais adiante. Vejamos agora a coesão num período mais complexo: Os amigos que me restam são da data mais recente; todos os amigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa. (MACHADO DE ASSIS, Dom Casmurro) Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 27 Coesão Unidade II Observemos os elementos de coesão presentes neste texto. No primeiro período, temos o pronome que remetendo a amigos, que é o sujeito dos verbos restam e são, daí a concordância, em pessoa e número, entre eles. Do mesmo modo, amigos é o sujeito de foram, na oração seguinte; todos e os se relacionam a amigos. Já no segundo período, em que o autor discorre sobre as amigas, os pronomes algumas, outras, todas remetem a amigas; os numerais duas, três também remetem a amigas, que, por sua vez, é o sujeito de datam, creem, fariam, falam; nela retoma a expressão na mocidade, evitando sua repetição; que representa a língua. E, para retomar muita vez, o autor usou a expressão sinônima tal frequência. Esses fatos representam mecanismos de coesão, assinalando relações entre os vocábulos do texto. Outros mecanismos marcam a relação de sentido entre os enunciados. Assim, os vocábulos mas (mas a língua que falam), e (e quase todos creem na mocidade, e tal frequência é cansativa) assinalam relação de contraste ou de oposição e de adição de argumentos ou ideias, respectivamente. Dessa maneira, por meio dos elementos de coesão, o texto vai sendo "tecido", vai sendo construído. A respeito do conceito de coesão, autores como Halliday e Hasan (1976), em obra clássica sobre coesão textual, que tem servido de base para grande número de estudos sobre o assunto, afirmam que a coesão é condição necessária, mas não suficiente, para que se crie um texto. Na verdade, para que um conjunto de vocábulos, expressões, frases seja considerado um texto, é preciso haver relações de sentido entra essas unidades (coerência) e um encadeamento linear das unidades linguísticas presentes no texto (coesão). Mas essa afirmativa não é categórica nem definitiva, por algumas razões. Uma delas é que podemos ter conjuntos linguísticos destituídos de elos coesivos que, no entanto, são considerados textos porque são coerentes, isto é, apresentam uma continuidade semântica, como vimos no texto "Circuito Fechado", de Ricardo Ramos. Um outro bom exemplo da possibilidade de haver texto, porque há coerência, sem elos coesivos explicitados linguisticamente, é o texto do escritor cearense Mino, em que só existem verbos. Como se conjuga um empresário Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-se. Barbeou-se. Enxugou-se. Perfumou-se. Lanchou. Escovou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou. Cumprimentou. Orientou. Controlou. Advertiu. Chegou. Desceu. Subiu. Entrou. Cumprimentou. Assentou-se. Preparou-se. Examinou. Leu. Convocou. Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou. Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou. Lucrou. Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu. Burlou. Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. Depositou. Depositou. Depositou. Associou-se. Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou. Repreendeu. Suspendeu. Demitiu. Negou. Explorou. Desconfiou. Vigiou. Ordenou. Telefonou. Despachou. Esperou. Chegou. Vendeu. Lucrou. Lesou. Demitiu. Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou. Beijou. Convidou. Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu. Gemeu. Fungou. Babou. Antecipou. Frustrou. Virou-se. Relaxou-se. Envergonhou-se. Presenteou. Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se. Chegou. Beijou. Negou. Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou. Sonhou. Sobressaltou-se. Acordou. Preocupou-se. Temeu. Suou. Ansiou. Tentou. Despertou. Insistiu. Irritou-se. Temeu. Levantou. Apanhou. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu. Dormiu. Acordou. Levantou-se. Aprontou-se ... Neste texto, a coerência é depreendida da sequência ordenada dos verbos com os quais o autor mostra o dia a dia de um empresário. Verbos como lesou, burlou, explorou, safou-se ... transmitem um julgamento de valor do autor do texto em relação à figura de um empresário. Podemos constatar que "Como se conjuga um empresário" não precisou de elementos coesivos para ser considerado um texto. Por outro lado, elos coesivos não são suficientes para garantir a coerência de um texto. É o caso do exemplo a seguir. Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 28 Coesão Unidade II As janelas da casa foram pintadas de azul, mas os pedreiros estão almoçando. A água da piscina parece limpa, entretanto foi tratada com cloro. A vista que tenho da casa é muito agradável. Finalizando, vale dizer que, embora a coesão não seja condição suficiente para que enunciados se constituam em textos, são os elementos coesivos que dão a eles maior legibilidade e evidenciam as relações entre seus diversos componentes. A coerência em textos didáticos, expositivos, jornalísticos depende da utilização explícita de elementos coesores. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 29 Coesão Unidade II Capítulo 5 – Mecanismos de Coesão São variadas as maneiras como os diversos autores descrevem e classificam os mecanismos de coesão. Consideramos que é necessário perceber como esses mecanismos estão presentes no texto (quando estão) e de que maneira contribuem para sua tecitura, sua organização. Todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementosque ocorrem na superfície textual podem ser encarados como instrumentos de coesão.” (Mira Mateus – 1983) Coesão Gramatical Faz-se por meio das concordâncias nominais e verbais, da ordem dos vocábulos, dos conectores, dos pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos definidos, de expressões de valor temporal. De acordo com o quadro antes apresentado, passamos a ver separadamente cada um dos tipos de conexão gramatical, a saber, frásica, interfrásica, temporal e referencial. Coesão Frásica Este tipo de coesão estabelece uma ligação significativa entre os componentes da frase, com base na concordância entre o nome e seus determinantes, entre o sujeito e o verbo, entre o sujeito e seus predicadores, na ordem dos vocábulos na oração, na regência nominal e verbal. Exemplos: 1) Florianópolis tem praias para todos os gostos, desertas, agitadas, com ondas, sem ondas, rústicas, sofisticadas. Concordância nominal praias desertas, agitadas, rústicas, sofisticadas (subst.) (adjetivos) todos os gostos (pron.) (artigo) (substantivo) Concordância verbal Florianópolis tem (sujeito) (verbo) 2) A voz de Elza Soares é um patrimônio da música brasileira. Rascante, oclusiva, suingada, é algo que poucas cantoras, no mundo inteiro, têm. Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 30 Coesão Unidade II Concordância nominal voz rascante, oclusiva, suingada poucas cantoras música brasileira mundo inteiro Concordância verbal voz é cantoras têm Com respeito à ordem dos vocábulos na oração, deslocamentos de vocábulos ou expressões dentro da oração podem levar a diferentes interpretações de um mesmo enunciado. Observe estas frases: a) O barão admirava a bailarina que dançava com um olhar lânguido. A expressão com um olhar lânguido, devido à posição em que foi colocada, causa ambiguidade, pois tanto pode se referir ao barão como à bailarina. Para deixar claro um ou outro sentido, é preciso alterar a ordem dos vocábulos. O barão, com um olhar lânguido, admirava a bailarina que dançava. O barão admirava a bailarina que, com um olhar lânguido, dançava. b) A moto em que ele estava passeando lentamente saiu da estrada. A análise deste período mostra que ele é formado de duas orações: A moto saiu da estrada e em que ele estava passeando. A qual das duas, no entanto, se liga o advérbio lentamente? Da forma como foi colocado, pode se ligar a qualquer uma das orações. Para evitar a ambiguidade, recorremos a uma mudança na ordem dos vocábulos. Poderíamos ter, então: A moto em que lentamente ele estava passeando saiu da estrada. A moto em que ele estava passeando saiu lentamente da estrada. Também em relação à regência verbal, a coesão pode ficar prejudicada se não forem tomados alguns cuidados. Há verbos que mudam de sentido conforme a regência, isto é, conforme a relação que estabelecem com o seu complemento. Por exemplo, o verbo assistir é usado com a preposição a quando significa ser espectador, estar presente, presenciar. Exemplo: A cidade inteira assistiu ao desfile das escolas de samba. Entretanto, na linguagem coloquial, este verbo é usado sem a preposição. Por isso, com frequência, temos frases como: Ainda não assisti o filme que foi premiado no festival, ou, A peça que assisti ontem foi muito bem montada (ao invés de a que assisti). No sentido de acompanhar, ajudar, prestar assistência, socorrer, usa-se com proposição ou não. Observe: O médico assistiu ao doente durante toda a noite. Os Anjos do Asfalto assistiram as vítimas do acidente. No que diz respeito à regência nominal, há também casos em que os enunciados podem se prestar a mais de uma interpretação. Se dissermos A liquidação da Mesbla foi realizada no fim do verão, podemos entender que a Mesbla foi liquidada, foi vendida ou que a Mesbla promoveu uma liquidação de seus produtos. Isso acontece porque o nome liquidação está acompanhado de um outro termo (da Mesbla). Dependendo do sentido que queremos dar à frase, podemos reescrevê-la de duas maneiras: A Mesbla foi liquidada no fim do verão. A Mesbla promoveu uma liquidação no fim do verão. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 31 Coesão Unidade II Coesão Interfrásica Designa os variados tipos de interdependência semântica existente entre as frases na superfície textual. Essas relações são expressas pelos conectores ou operadores discursivos. É necessário, portanto, usar o conector adequado à relação que queremos expressar. Seguem exemplos dos diferentes tipos de conectores que podemos empregar: a) As baleias que acabam de chegar ao Brasil saíram da Antártida há pouco mais de um mês. No banco de Abrolhos, uma faixa com cerca de 500 quilômetros de água rasa e cálida, entre o Espírito Santo e a Bahia, as baleias encontram as condições ideais para acasalar, parir e amamentar. As primeiras a chegar são as mães, que ainda amamentam os filhotes nascidos há um ano. Elas têm pressa, porque é difícil conciliar amamentação e viagem, já que um filhote tem necessidade de mamar cerca de 100 litros de leite por dia para atingir a média ideal de aumento de peso: 35 quilos por semana. Depois, vêm os machos, as fêmeas sem filhote e, por último, as grávidas. Ao todo, são cerca de 1000 baleias que chegam a Abrolhos todos os anos. Já foram dezenas de milhares na época do descobrimento, quando estacionavam em vários pontos da costa brasileira. Em 1576, Pero de Magalhães Gândavo registrou ter visto centenas delas na baía de Guanabara. Revista Veja, no 30, julho/97 b) Como suas glândulas mamárias são internas, ela espirra o leite na água. Revista Veja, no 30, julho/97 c) Ao longo dos meses, porém, a música vai sofrendo pequenas mudanças, até que, depois de cinco anos, é completamente diferente da original. Revista Veja, no 30, julho/97 d) A baleia vem devagar, afunda a cabeça, ergue o corpanzil em forma de arco e desaparece um instante. Sua cauda, então, ressurge gloriosa sobre a água como se fosse uma enorme borboleta molhada. A coreografia dura segundos, porém tão grande é a baleia que parece um balé em câmara lenta. Revista Veja, no 30, julho/97 e) Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano presenciou uma cópula de jubartes, mas sabe- se que seu intercurso é muito rápido, dura apenas alguns segundos. Revista Veja, no 30, julho/97 f) A jubarte é engenhosa na hora de se alimentar. Como sua comida costuma ficar na superfície, ela mergulha e nada em volta dos peixes, soltando bolhas de água. Ao subir, as bolhas concentram o alimento num círculo. Em seguida, a baleia abocanha tudo, elimina a água pelo canto da boca e usa a língua como uma canaleta a fim de jogar o que interessa goela adentro. Revista Veja, no 30, julho/97 g) Várias publicações estrangeiras foram traduzidas, embora, muitas vezes, valha a pena comprar a versão original. Revista Veja, no 30, julho/97 h) Como guia de Paris, o livro é um embuste. Não espere, portanto, descobrir através dele o horário de funcionamento dos museus. A autora faz uma lista dos lugares onde o turista pode comprar roupas, óculos, sapatos, discos, livros, no entanto, não fornece as faixas de preço das lojas. Revista Veja, no 30, julho/97 Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 32 Coesão Unidade II i) Se já não é possível espantar a chicotadas os vendilhões do templo, a solução é integrá-los à paisagem da fé. (...) As críticas vêm não só dos vendilhões ameaçados de ficar de fora, mas também das pessoas que frequentam o interior do templo para exercer a mais legítima de suas funções, a oração. Revista Veja, no 30, julho/97 j) Na verdade,muitos habitantes de Aparecida estão entre a cruz e a caixa registradora. Vivem a dúvida de preservar a pureza da Casa de Deus ou apoiar um empreendimento que pode trazer benesses materiais. Revista Veja, no 30, julho/97 l) A Igreja e a prefeitura estimam que o shopping deve gerar pelo menos 1000 empregos. Revista Veja, no 30, julho/97 m) Aparentemente boa, a infraestrutura da Basílica se transforma em pó em outubro, por exemplo, quando num único fim de semana surgem 300 mil fiéis. Revista Veja, no 30, julho/97 n) O shopping da fé também contará com um centro de eventos com palco giratório. Revista Veja, no 30, julho/97 Conectores: e (exemplos a,d,f) – liga termos ou argumentos. porque (exemplo a), já que (exemplo a), como (exemplos b, f) – introduzem uma explicação ou justificativa. para (exemplos a, i), a fim de (exemplo f) – indicam uma finalidade. porém (exemplos c, d), mas (e) , embora (g) , no entanto (h) – indicam uma contraposição. como (exemplo d) , tão ... que (exemplo d), tão ... quanto (exemplo e) – indicam uma comparação. portanto (h) – evidencia uma conclusão. Depois (a) , por último (a), quando (a), já (a), ao longo dos meses (c), depois de cinco anos (c), em seguida (f), até que (c) – servem para explicar a ordem dos fatos, para encadear os acontecimentos. então (d) – operador que serve para dar continuidade ao texto. se (exemplo i) – indica uma forma de condicionar uma proposição a outra. não só ... mas também (exemplo i) – serve para mostrar uma soma de argumentos. na verdade (exemplo j) – expressa uma generalização, uma amplificação. ou (exemplo j) – apresenta um disjunção argumentativa, uma alternativa. por exemplo (exemplo m) – serve para especificar o que foi dito antes. também (exemplo n) – operador para reforçar mais um argumento apresentado. Pó s- Gr ad ua çã o a Di st ân ci a 33 Coesão Unidade II Ainda dentro da coesão interfrásica, existe o processo de justaposição em que a coesão se dá em função da sequência do texto, da ordem em que as informações, as proposições e os argumentos vão sendo apresentados. Quando isso acontece, ainda que os operadores não tenham sido explicitados, eles são depreendidos da relação que está implícita entre as partes da frase. O trecho abaixo é um exemplo de justaposição. Foi em cabarés e mesas de bar que Di Cavalcanti fez amigos, conquistou mulheres, foi apresentado a medalhões das artes e da política. Nos anos 20, trocou o Rio por longas temporadas em São Paulo; em seguida foi para Paris. Acabou conhecendo Picasso, Matisse e Braque nos cafés de Montparnasse. Di Cavalcanti era irreverente demais e calculista de menos em relação aos famosos e poderosos. Quando se irritava com alguém, não media palavras. Teve um inimigo na vida. O também pintor Cândido Portinari. A briga entre ambos começou nos anos 40. Jamais se reconciliaram. Portinari não tocava publicamente no nome de Di. (Revista VEJA, no 37, setembro/97) Há, neste trecho, apenas uma coesão interfrásica explicitada: trata-se da oração "Quando se irritava com alguém, não media palavras". Os demais possíveis conectores são indicados por ponto e ponto-e-vírgula. Coesão Temporal Uma sequência só se apresenta coesa e coerente quando a ordem dos enunciados estiver de acordo com aquilo que sabemos ser possível de ocorrer no universo a que o texto se refere, ou no qual o texto se insere. Se essa ordenação temporal não satisfizer essas condições, o texto apresentará problemas no seu sentido. A coesão temporal é assegurada pelo emprego adequado dos tempos verbais, obedecendo a uma sequência plausível, ao uso de advérbios que ajudam a situar o leitor no tempo (são, de certa forma, os conectores temporais). Exemplos: A dita Era da Televisão é, relativamente, nova. Embora os princípios técnicos de base sobre os quais repousa a transmissão televisual já estivessem em experimentação entre 1908 e 1914, nos Estados Unidos, no decorrer de pesquisas sobre a amplificação eletrônica, somente na década de vinte chegou-se ao tubo catódico, principal peça do aparelho de tevê. Após várias experiências por sociedades eletrônicas, tiveram início, em 1939, as transmissões regulares entre Nova Iorque e Chicago - mas quase não havia aparelhos particulares. A guerra impôs um hiato às experiências. A ascensão vertiginosa do novo veículo deu-se após 1945. No Brasil, a despeito de algumas experiências pioneiras de laboratório (Roquete Pinto chegou a interessar-se pela transmissão da imagem), a tevê só foi mesmo implantada em setembro de 1950, com a inauguração do Canal 3 (TV Tupi), por Assis Chateaubriand. Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos, já havia cerca de cem estações, servindo a doze milhões de aparelhos. Existem hoje mais de 50 canais em funcionamento, em todo o território brasileiro, e perto de 4 milhões de aparelhos receptores [dados de 1971]. (Muniz Sodré, A comunicação do grotesco) Temos, neste parágrafo, a apresentação da trajetória da televisão no Brasil, e o que contribui para a clareza desta trajetória é a sequência coerente das datas: entre 1908 e 1914, na década de 1920, em 1939, Após várias experiências por sociedades eletrônicas, (época da) guerra, após 1945, em setembro de 1950, nesse mesmo ano, hoje. Embora o assunto neste tópico seja a coesão temporal, vale a pena mostrar também a ordenação espacial que acompanha as diversas épocas apontadas no parágrafo: nos Estados Unidos, entre Nova Iorque e Chicago, no Brasil, em todo o território brasileiro. Coesão Referencial – neste tipo de coesão, um componente da superfície textual faz referência a outro componente, que, é claro, já ocorreu antes. Para esta referência são largamente empregados os pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais, Universidade Gama Filho Co er ên cia e C oe sã o 34 Coesão Unidade II advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos. Exemplos: a) Durante o período da amamentação, a mãe ensina os segredos da sobrevivência ao filhote e é arremedada por ele. A baleiona salta, o filhote a imita. Ela bate a cauda, ele também o faz. ela, a – retomam o termo baleiona, que, por sua vez, substitui o vocábulo mãe. ele – retoma o termo filhote ele também o faz – o retoma as ações de saltar, bater, que a mãe pratica. b) Madre Teresa de Calcutá, que em 1979 ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho com os destituídos do mundo, estava triste na semana passada. Perdera uma amiga, a princesa Diana. Além disso, seus problemas de saúde agravaram-se. Instalada em uma cadeira de rodas, ela mantinha-se, como sempre, na ativa. Já que não podia ir a Londres, pretendia participar, no sábado, de um ato em memória da princesa, em Calcutá, onde morava há quase setenta anos. Na noite de sexta-feira, seu médico foi chamado às pressas. Não adiantou. Aos 87 anos, Madre Teresa perdeu a batalha entre seu organismo debilitado e frágil e sua vontade de ferro e morreu vítima de ataque cardíaco. O Papa João Paulo II declarou-se "sentido e entristecido". Madre Teresa e o papa tinham grande afinidade. que, seu, seus, ela, sua referem-se a Madre Teresa. princesa retoma a expressão princesa Diana. papa retoma a expressão Papa João Paulo II. onde refere-se à cidade de Calcutá. Há ainda outros elementos de coesão, como Além disso, já que, que introduzem, respectivamente, um acréscimo ao que já fora dito e uma justificativa. c) Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia. Elas se reúnem em grupos de três a oito animais, sempre com uma única fêmea no comando. É ela, por exemplo, que determina a velocidade e a direção a seguir. Os machos vão atrás, na expectativa de ver se a fêmea cai na rede, com o perdão do trocadilho, e aceita copular. Como há mais