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ENR5512 – Hidrologia e Climatologia Prof. Luiz C.P. Martini ENR/CCA/UFSC 4 Anotações de aula da disciplina Hidrologia e Climatologia 3. BACIAS HIDROGRÁFICAS O ciclo hidrológico tanto pode ser estudado em escala global como em porções territoriais limitadas que permitem controle maior das variáveis envolvidas. A porção mais indicada para essa finalidade é a bacia hidrográfica, entidade geográfica ideal para estudo dos processos hidrológicos. Por definição, bacia hidrográfica ou de drenagem é uma área natural limitada por divisores de água e drenada por um sistema conectado de cursos de água, de modo que toda a vazão efluente seja descarregada por uma única saída ou exutório (também denominada foz, desembocadura ou barra). Os divisores de água são linhas demarcatórias que separam as precipitações que caem em bacias contíguas, encaminhando o escoamento superficial resultante para um ou outro sistema fluvial. Divisores de água são também chamados de interflúvios e linhas de cumeada. A Figura 3.1 exibe os principais elementos de uma bacia hidrográfica. Figura 3.1 Bacia hidrográfica esquemática. A definição de bacia hidrográfica é a mesma independente da escala, isto é, tanto é válida para bacias de grande porte – como as bacias dos rios Amazonas, Nilo ou Paraná, por exemplo – como para bacias de córregos que drenam pequenas extensões de terra. Um termo freqüentemente utilizado na área técnica é o de microbacia rural, que além de remeter à idéia de pequenas bacias situadas no meio rural possui um conceito operacional específico: é a porção de espaço geográfico em que serão executadas ações voltadas ao controle de processos adversos ao meio, tais como medidas de controle da erosão do solo, manejo de poluentes de origem agrícola e proteção de matas ciliares. A microbacia não possui uma área ideal, mas será suficientemente pequena para que sejam mantidas ao longo dela algumas identidades físicas e de ocupação, como tipos de solos, relevo predominante, vegetação, atividades agrícolas principais e aspectos comunitários. Para efeitos de noção dimensional, em Santa Catarina foram desenvolvidos projetos institucionais desde meados dos anos 1980 em mais de 80 microbacias com área variando entre 250 até cerca de 12000 hectares, com média de 3000 hectares. Para fins hidrológicos, pode-se adotar para microbacia o mesmo o conceito tradicional usado para de pequena bacia hidrográfica: é aquela em que o escoamento de água pode ser modelado assumindo que a precipitação é constante no espaço e no tempo. Deve-se apontar que políticas públicas aplicadas em microbacias envolvem ações que integram diversas propriedades agrícolas, num reconhecimento que os efeitos da ocupação das terras ultrapassam os limites arbitrários da propriedade e devem ser tratados preferencialmente nas comunidades, ao invés da opção convencional de intervenção localizada. As bacias pequenas normalmente deságuam em outras de porte maior ou se juntam com outras com dimensões equivalentes para formarem gradativamente bacias maiores. O processo é cumulativo, em que pequenos cursos d’água se reúnem para formar rios com vazão cada vez maior. Em geral, diz-se que uma bacia é afluente de outra quando sua vazão natural é inferior àquela da bacia receptora. De acordo com o escoamento global, Christofoletti (1974) apresenta uma classificação que separa as bacias em exorreicas, quando o escoamento das águas se faz de modo contínuo até o mar ou oceano; endorreicas, quando as drenagens são internas e não possuem escoamento até o mar, desembocando em lagos, dissipando-se nas areias de desertos ou dunas ou perdendo-se nas depressões cársicas (formadas em terrenos calcáreos); arreicas, quando não há nenhuma estruturação em bacias hidrográficas, como nas áreas desérticas onde a precipitação é negligenciável e a atividade dunária é intensa, obscurecendo as linhas e os padrões de drenagem; e criptorreicas, quando as bacias são subterrâneas, como nas áreas cársicas. O primeiro passo para estudo de uma bacia hidrográfica é sua individualização. O procedimento básico é a identificação da rede de drenagem e dos respectivos divisores de água. A rede de drenagem é formada pelos cursos de água existentes na bacia, que podem ser desde os mais simples canais naturais (artificiais, em alguns casos) destinados ao escoamento das chuvas até os canais que mantém fluxo permanente de água superficial. As cabeceiras ou porções mais a montante dos cursos de água situam-se junto aos divisores de água da bacia, limites topográficos que separam as águas incidentes sobre uma região em bacias contíguas. Os divisores e a rede de drenagem podem ser observados nas Figuras 3.1 e 3.2. Vale ressaltar que as bacias hidrográficas são delimitadas pelos divisores de água topográficos, isto é, que separam as águas superficiais. Contudo, os divisores das águas sub-superficiais ou subterrâneas nem sempre coincidem com os topográficos, principalmente em locais com estratificação geológica. A Figura 3.3 exemplifica uma situação em os dois tipos de divisores não coincidem. No entanto, a delimitação Curso d’água Foz Divisor d’água ENR5512 – Hidrologia e Climatologia Prof. Luiz C.P. Martini ENR/CCA/UFSC 5 sempre é feita pelos divisores topográficos, uma vez que é muito complicado obter os divisores sub-superficiais com precisão adequada. A identificação correta do traçado dos cursos e divisores de água pode ser obtida por dois meios geralmente disponíveis na maioria dos locais: cartas topográficas ou geográficas e fotografias aéreas. Também é possível obter os limites de uma bacia hidrográfica automaticamente em computadores, desde que se disponha de modelo digital do terreno trabalhado em sistemas de informações geográficas (SIG) Por cartas, delimitam-se as bacias hidrográficas empregando-se a representação padrão do relevo simbolizada pelas curvas de nível. Conforme a escala da carta, essas curvas poderão estar traçadas com um desnível de 10 metros - escala 1:25.000, 20 metros - escala 1:50.000, 50 metros - 1:100.000 e assim por diante. Evidentemente, quanto maior a escala, maior o nível de detalhamento, maior precisão nas medidas. A Figura 4 exibe partes de cartas do IBGE (escala 1:50.000) em que está demarcada a bacia do Itacorubi, Florianópolis, SC. A partir de cartas há certos macetes a serem seguidos para proceder a demarcação de uma bacia hidrográfica. O Apêndice 1 apresenta alguns desses macetes. Pode-se demarcar bacias hidrográficas utilizando-se fotografias aéreas verticais obtidas em vôos apropriados. Apesar de a base cartográfica existente ter sido obtida com o auxílio das técnicas de fotogrametria e fotointerpretação sobre fotos aéreas, a demarcação das bacias diretamente sobre as fotos é mais intuitiva, principalmente quando se utiliza o recurso da estereoscopia, pois a localização dos divisores de água e outros elementos da paisagem tornam-se evidentes. Santa Catarina possui um levantamento aerofotográfico executado em 1978 que recobre todo o estado, em uma escala aproximada de 1:25.000. Esse levantamento constitui a base primária para demarcação de qualquer bacia hidrográfica catarinense. Em certos pontos do estado existem levantamentos aerofotográficos mais recentes e, muitas vezes, em escala maior. Figura 3.2 Bacia do Itacorubi, Florianópolis, SC. Fonte: Cartas do IBGE, escala 1:50.000, junção de Florianópolis – Folha SG-22-Z-DV-2 MI-2909/2 com Lagoa – Folha SG-22-Z-D-VI- 1 MI-2910/1. divisor divisor curvas de nívelrios 6948 UTM Norte 74 2 U TM Le st e 6942 UTM Norte 74 8 U TM Le st e ENR5512 – Hidrologia e Climatologia Prof. Luiz C.P. Martini ENR/CCA/UFSC 7 Figura 3.3 Exemplo de situação em que os divisores topográficos não coincidem os divisores de água subterrâneos. As áreas hachuradas correspondem a camadas mais permeáveis (aqüíferos). Adaptado de Hewlett (1982). BIBLIOGRAFIA CHRISTOFOLETTI, ANTÔNIO. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher/Edusp, 1974. 149p. HEWLETT, JOHN D. Principles of forest hydrology. Athens, Georgia: University of Georgia Press, 1982. 183p. Apêndice 1 - Demarcação de Bacias Hidrográficas a Partir de Cartas Geográficas Bacia hidrográfica é definida como uma área natural limitada por divisores de água e drenada por um sistema conectado de cursos de água, de forma que toda a vazão efluente seja descarregada por uma única saída ou exutório. Portanto, um dos primeiros passos para estudo desse elemento da paisagem consiste na sua demarcação ou definição de seus contornos. Antes de se passar para a demarcação propriamente dita, é de interesse tomar algumas definições geográficas do terreno. Denominam-se flancos ou vertentes de um acidente orográfico (relevo altimétrico) toda superfície compreendida entre a linha do vértice e a da base. Chama-se vale a superfície formada pela reunião de duas vertentes opostas e talvegue ou álveo a intersecção destas mesmas vertentes – por elas escoam as águas reunidas no vale. Divisor de águas são linhas de separação que dividem as precipitações que caem em bacias contíguas, encaminhando o escoamento superficial resultante para um ou outro sistema fluvial. O talvegue é formado pelo seguimento dos pontos mais baixos de um vale; o divisor de águas pelo dos pontos mais elevados. Chamam-se vertentes esquerda e direita de um vale as que ficam à mão esquerda e direita respectivamente do observador colocado com a frente para a foz do curso de água. Cabeceiras são as partes mais elevadas dos vales, nas quais iniciam os cursos de água. As bacias hidrográficas possuem uma diversidade muito grande quanto ao tamanho. Podem ser tão grandes como a amazônica, na ordem de centenas de milhares de km², ou pequenas a ponto de englobar apenas uma pequena propriedade com poucos hectares. Uma bacia pode ser dividida em sub-bacias, tantas quantas forem os afluentes do rio principal. Por sua vez, estas sub-bacias podem ser subdivididas em outras e assim por diante. Para fins práticos, a menor bacia demarcável é aquela que inclui um curso de água primário, sem afluentes. A demarcação de bacias hidrográficas pode ser realizada a partir de mapas topográficos ou cartas geográficas que contenham levantamento altimétrico (curvas de isoaltitude ou de nível) ou a partir de fotos aéreas, utilizando-se princípios de estereofotogrametria. De posse de uma carta em escala apropriada, o primeiro passo para demarcação de uma bacia é destacar o curso de água principal dessa bacia e seus afluentes – a demarcação deve incluí-los na totalidade de seus comprimentos. Uma demarcação dessa forma subestima a área de drenagem, pois sempre há uma porção de superfície além das cabeceiras dos cursos de água mais afastados. Portanto, um traçado mais preciso é obtido contornando-se os divisores de água, o que pode ser feito a partir das curvas de nível da carta. Para efetuar esta tarefa, foram desenhadas as figuras abaixo para exemplificar o método. Divisores e talvegues A primeira coisa que deve ser observada é a diferença de altitude entre curvas. Na figura esquemática abaixo, esta diferença é de 20 metros. Também deve ser observado que quanto mais próximas forem as curvas, maior é declividade ou mais acidentado é o terreno. Na figura, onde se localiza(m) o(s) divisor(es) de água? Observe-se que um divisor de água corresponde a uma convexidade do terreno. Tome-se o ponto A localizado entre as curvas de 200 e 180 metros. Qual sua altitude? Deve ser um valor menor do que 200 metros e maior do que 180 metros; logo, um valor mais alto do que nos pontos A1 e A2. Portanto, a água escoará de A para A1 e A2, formando uma convexidade e, dessa forma, constituindo-se num divisor (ou linha de cumeada). Já o ponto B, que possui uma altitude inferior a 180 metros e superior a 160 metros, encontra-se mais baixo que os pontos B1 e B2, posicionados na curva de 180 m. Logo, constitui-se numa concavidade e num vale ou talvegue. Assim, na figura pode haver um curso de água no talvegue representado pela linha pontilhada central. Observe que nos divisores as cotas menores envolvem as maiores, enquanto que nos talvegues as cotas maiores envolvem as menores. 140 160 180 200 220 A1 A2 A B1 B2 B Curso d’água Curso d’água Nascente Divisor topográfico Divisores subterrâneos
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