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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS – UEMG CAMPUS DE FRUTAL CURSO DE DIREITO A BOA-FÉ OBJETIVA E A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO AUGUSTO STUCHI ROMERA Frutal (MG) 201 1 Augusto Stuchi Romera A BOA-FÉ OBJETIVA E A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito à Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG – Campus de Frutal, sob a orientação do Professora Loyana de Lima Tomaz. Frutal (MG) 2015 2 ROMERA, Augusto Stuchi. A boa-fé objetiva e a função social do contrato de seguro. / Augusto Stuchi Romera. – Frutal: EDITOR, 2015. xx f.; il. Orientadora: Loyana de Lima Tomaz. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) – Universidade do Estado de Minas Gerais, UEMG. Campus de Frutal. Direito, 2015. 1. Contratos. 2. Seguros. 3. Função Social. 4. Boa-fé objetiva I. TOMAZ, Loyana de Lima. II. A boa-fé objetiva e a função social do contrato de seguro. 3 UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS – UEMG CAMPUS DE FRUTAL CURSO DE DIREITO A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). A BOA-FÉ OBJETIVA E A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO. Elaborada por AUGUSTO STUCHI ROMERA como requisito parcial para obtenção de Bacharel em Direito. Frutal, ___ de Novembro de 2015. ________________________ Prof. Dr. Glauber Camacho Gimenez Garcia Coordenador do Curso BANCA EXAMINADORA __________________________________ Profª. Mª. Loyana de Lima Tomaz. Profª. Orientadora __________________________________ Prof(a). --------------------------------- Membro da Banca Examinadora __________________________________ Prof(a). --------------------------------- Membro da Banca Examinadora 4 DEDICATÓRIA A minha família, principal provedora de toda minha felicidade e conhecimento de vida, aos amigos e a Deus. 5 AGRADECIMENTOS Primeiro à minha mãe, Carlota de Cássia Stuchi, principal provedora de todos os elementos essenciais para a minha mantença, bem como a pessoa que me ensinou o sentido da palavra ‘dedicação’, me mostrando qual o melhor caminho a seguir, sempre com muito empenho, amor e carinho. Segundo ao meu irmão André Stuchi Romera que me ensinou o valor de buscar o conhecimento em defesa do justo, bem como por todo companheirismo e preocupação a mim dado. Terceiro ao meu pai, José Romera Filho, que mesmo não estando mais no plano presente, sempre buscou me confortar com afeto paternal. Ao Estado de Minas Gerais que me deu a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosa, me acolhendo da melhor maneira. Posteriormente, estendo o mesmo sentimento de gratidão às amizades, que sempre foram tão leais durante meu período acadêmico: Carolina Cavasana de Paula e Silva, que sempre esteve ali nos momentos que mais precisei; e aos amigos Fernando Augusto Miranda Arcain, Hugo Santos de Oliveira, José Augusto Madi Pinheiro Alves e Luis Henrique Sescão Paulino, que compartilharam comigo momentos importantes de angústia e felicidade. Por fim, a Deus, que sempre me guiou e protegeu. 6 RESUMO A presente monografia visa apresentar uma visão panorâmica das relações securitárias em consonância com a estrutura econômica presente em nossa sociedade. Este trabalho apresenta algumas problemáticas que se alojam entre os princípios da boa-fé objetiva bem como o da função social dos contratos, tais como dignidade da pessoa humana e sob a luz dos dispositivos legais a respeito do tema. A partir do método dedutivo e histórico foram analisadas várias jurisprudências e obras sobre o tema, para que, a partir deste estudo, ganhe mais subsídios para futuras pesquisas e discussões. Palavras-chave: Contratos. Seguro. Função Social. Boa-fé objetiva. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO DE SEGURO .................................... 11 1.1 Surgimento do contrato de seguro ............................................................................. 11 1.2 O contrato de seguro após a Renascença ................................................................... 12 1.3 Evolução do seguro no Brasil .................................................................................... 13 2 ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE SEGURO ............................................. 14 2.1 Conceito e natureza jurídica ...................................................................................... 14 2.1.1 Teoria geral dos contratos................................................................................... 14 2.1.2 Do contrato de seguro ......................................................................................... 16 2.2 A vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor ............................................... 19 2.3 Contrato de seguro de adesão .................................................................................... 21 2.3.1 Cláusulas limitativas nos contratos de seguro .................................................... 23 2.3.2 Breve análise crítica do contrato de seguros de adesão ...................................... 25 3 ELEMENTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DO CONTRATO DE SEGURO .... 28 3.1 Elementos subjetivos ................................................................................................. 28 3.1.1 Segurador ............................................................................................................ 28 3.1.2 Segurado ............................................................................................................. 30 3.1.3 Estipulante .......................................................................................................... 32 3.1.4 Beneficiário ........................................................................................................ 33 3.2 Elementos objetivos ................................................................................................... 33 3.2.1 Prêmio ................................................................................................................. 33 3.2.2 Risco ................................................................................................................... 39 3.2.3 Indenização ......................................................................................................... 46 3.2.4 Franquia .............................................................................................................. 50 4 A BOA-FÉ OBJETIVA E A FUNÇÃO SOCIAL dO CONTRATO DE SEGURO . 52 4.1 A boa-fédas partes contratantes ................................................................................ 52 4.1.1 Deveres anexos à boa-fé objetiva ....................................................................... 52 4.1.2 A positivação da boa-fé objetiva no Brasil ......................................................... 53 4.1.3 A boa-fé objetiva nos contratos de seguro.......................................................... 55 4.2 A função social do contrato de seguro frente o liberalismo econômico .................... 58 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 66 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa elaborar um aprofundado estudo sobre as delimitações da função social do contrato de seguro. Assim, o estudo esclarecerá aos consumidores os seus devidos direitos, conquanto adquirentes de um serviço de seguradora, bem como agentes sociais, realizando uma análise ampla sobre a referida problemática, havendo, assim, a pretensão de enquadrar as questões técnicas e específicas do contrato de seguro. Portanto, trata-se de uma pesquisa com o intuito de chegar o mais próximo possível de se conseguir conclusões à cerca do problema envolvido, demonstrar as possíveis violações dos direitos pertencentes a esses consumidores amparados pelo Código de Defesa do Consumidor e também as responsabilidades dos fornecedores no âmbito civil e penal, para que haja um provável auxílio aos segurados ao adquirir o serviço e, não obstante, uma consequente diminuição de violações contratuais por parte das seguradoras. O contrato de seguro surgiu no Direito Medieval, sendo um instituto do Direito que traz tranquilidade e segurança ao contratante, visto que concerne a um instrumento que, ao ocorrer uma situação de risco prevista e coberta pelo seguro, o prejuízo sofrido pelo segurado será sustentado pela seguradora contratada. Porém, não apenas de benefícios os consumidores se deparam ao contratar tal serviço. É importante que se ressalte que o contrato de seguro, em sua maior parte, é consequentemente um contrato de adesão, no qual as cláusulas contratuais são preestabelecidas unilateralmente pela seguradora e impostas ao segurado, dando, dessa forma, abertura e liberdade o suficiente para que aquela abuse contratualmente desta. Trata-se, portanto, de um complexo estudo de um importante tema para a sociedade e as suas respectivas relações de consumo. É de ressaltada complexidade devido a sua demasiada particularidade, já que se trata de consulta documental, doutrinária e jurisprudencial. É de suma importância, pois se trata de um assunto pertinente aos dias atuais, visto que se lida com contratos de grande utilidade à sociedade, havendo, assim, uma imensa quantidade de contratações por esse serviço e um consequente aumento de casos que são levados à apreciação do Judiciário. O desequilíbrio resultante da concentração de forças econômicas e de capitais do monopólio nas relações de consumo desencadeou sérios problemas de cunho contratual, havendo a necessidade de interferência do Estado, como uma ação protetora das partes. 9 Contudo, possui o objetivo de ser um instrumento de suma importância para um melhor aperfeiçoamento das relações de consumo, buscando um equilíbrio entre as partes da relação, tão quanto uma segurança jurídica ao consumidor, sempre visando sua vulnerabilidade. Portanto, faz-se necessário a ressalva de que na maioria das vezes, o contrato de seguro acaba sendo, por consequência, um contrato de adesão, no qual as cláusulas já são preestabelecidas unilateralmente pelas seguradoras, competindo apenas ao contratante aceitá- las, e, dessa forma, ficam sob a égide da proteção Contratual do Código de Proteção do Consumidor – no qual exemplifica as hipóteses de cláusulas abusivas em seu artigo 51 – e acabam, por isso, fazendo-se merecer por uma apreciação acerca do tema proposto. Por conseguinte, o presente estudo trata das relações de direito securitário entre o consumidor contratante de serviço de seguro (segurado) e o fornecedor (seguradora) no âmbito do abuso contratual exercido pela mesma. Logo, surge-se a proposição no qual o presente estudo se volta, questionando-se quais seriam os meios de interpretação de tais cláusulas. É de se evidenciar que o presente estudo terá a possibilidade de trazer contribuições teóricas acerca do tema, relativos a uma provável confirmação sobre o cerne do problema dentro de sua função social, além das praticáveis sugestões de mudanças dentro do direito securitário, ligado com uma observância analítica da realidade econômica, social e política em que o Brasil se insere. Além disso, haverá a pretensão de fazer uma análise sob os casos específicos nos diversos tipos de contratos, tão quanto os principais e variados tipos de seguradoras (de automóvel, transporte, habitacional, saúde, pessoas, etc.), além de jurisprudências proferidas sobre o tema, para que, dessa forma, se obtenha um estudo com uma maior riqueza de detalhes e um proveniente amparo aos vulneráveis consumidores brasileiros vítimas de poderosos agentes econômicos, donos de um antigo e necessário mercado, que evolui de forma cada vez mais progressiva em nossa sociedade. Portanto, o estudo que se faz presente, tem por justificativa a falta de conhecimento mais detalhada por parte dos consumidores a respeito deste tipo de contrato, que resultará, possivelmente, na maior parte das vezes, num completo descumprimento legal por parte das seguradoras frente a luz do Código de Defesa do Consumidor e do Princípio da Função Social do Contrato. Até o ano de 1990, os problemas relacionados ao consumo eram decididos de acordo com o Código Civil. Assim, devido a sua ineficácia na resolução de tais problemas, o mesmo foi substituído pela Lei n. 8078/90 que cria o Código de Defesa do Consumidor, cujo cunho de seu conteúdo é justamente as relações de consumo, garantindo uma segurança jurídica 10 aos consumidores e uma clara imposição de deveres aos fornecedores de mercadorias e serviços. Desta forma, as seguradoras, configuradas como prestadoras de serviço pelo próprio Código (Art. 3º, § 2), não se excluem da submissão imposta pelo ordenamento, tão quanto qualquer outro fornecedor produtos ou prestador de serviço. Portanto, o objeto de estudo é a desordem e o descumprimento legal frente ao Código de Defesa do Consumidor por parte das seguradoras em suas relações de consumo, no que tange ao contrato de adesão com cláusulas abusivas imposto ao consumidor; além de suas devidas responsabilidades e os respectivos direitos assegurados aos consumidores em face ao descumprimento da função social do contrato. 11 1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO DE SEGURO 1.1 Surgimento do contrato de seguro Apesar das várias teorias à cerca do surgimento do contrato de seguro, ainda é desconhecido o exato período do primeiro negócio jurídico que teve como objeto o seguro de um bem. Assim, a título de elucidar o presente trabalho, faz-se necessário uma breve demonstração das duas principais teorias à cerca do tema, quais sejam: os Cameleiros Nômades e os Fenícios em alto-mar. Os cameleiros nômades eram obrigados a viajar em regiões desérticas em situações insalubres que não facilitavam a sobrevivência de seus camelos. Assim, já contando com risco de perdê-los e evitar que osefeitos dessa perda fossem assumidos apenas a um dos integrantes, os cameleiros do grupo prestavam assistência ao prejudicado como forma de cooperação mútua, diminuindo, dessa forma, o prejuízo advindo dos riscos da viagem. Quanto aos donos de embarcações Fenícios, exímios comerciantes da época, com a intenção de salvaguardar o lucro advindo dos produtos de suas embarcações e temendo os riscos e dificuldades das longas viagens em alto-mar, pactuavam entre si, que, se porventura algum prejuízo fosse sofrido por um dos integrantes do grupo, o dano seria recomposto através da participação de todos os proprietários de navios em certo percentual previamente ajustado. Em Roma, também há relatos de institutos basilares do seguro, como PEDRO ALVIM (1999, p.3.), em obra clássica, expõe: Na Roma antiga, sob a denominação de sodalitia ou collegia, reuniam, em geral, os indivíduos mais pobres ou pertencentes a classes humildes, com o propósito de angariar meios para a assistência médica aos doentes, despesas de funeral, sepultura honrosa etc. Posteriormente, os collegia adquiriram maior importância no meio social romano.1 Portanto, a precaução humana deu espaço para o seguro se formar, sendo moldado conforme as necessidades e anseios da sociedade, se adequando cada vez mais à diversidade cultural e à evolução mercantil. Assim, fica claro que a formação do seguro se respalda sobre a égide da cooperação mútua e do trabalho, sendo aplicadas nos movimentos de proveito mercantil, permeando-se nesse molde até os dias atuais. Nesse sentido: 1 ALVIM, Pedro, O Contrato de seguro, 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.3. 12 A função das empresas de seguros é por isso uma função de repartição: repartem entre aqueles que são designados pela sorte, pelo fogo, pela saraiva, ou pela morte, a cobrarem de todos os que se achavam ameaçados pelo mesmo perigo, e que procuram defender-se dele por meio do seguro.2 À vista disso, o indivíduo, como ser social que é, fora tomando para si direitos e obrigações num crescente que se consubstanciava conforme a história se moldava, desenvolvendo, dessa forma, as relações de direito privado. Nesse diapasão, bem explica Ivan de Oliveira Silva ao dizer: Nessa simetria de direitos e obrigações pautados na ajuda mútua, o seguro encontra a sua razão de existir com o propósito de enfocar a impossibilidade de uma existência estritamente individual e distante dos naturais ajuntamentos sociais. (2012, p.33).3 Deste modo, observa-se que o mutualismo, um dos principais elementos do seguro, adaptou-se à conjuntura social, sendo encontrado nos mais diversos tipos de relação cultural. Assim, fica evidente a evolução do instituto do seguro conforme se desenvolve as relações mercantis, ganhando cada vez mais espaço no cotidiano, envolvendo quase todas as atividades humanas. Nessa lógica, “entendemos que o homem e seguro, como instituto de preservação sociocultural, caminham juntos em prol do bem comum”. (SILVA, 2012, p. 32). 1.2 O contrato de seguro durante após a Renascença Passada a fase da concretização da concepção de mutualismo, ainda no século XIV, durante a evolução histórica da Renascença, têm-se registro de que fora realizado os primeiros pactos de apólices de seguro que se tem conhecimento, ganhando grande aceitabilidade do público mercantil, tendo o instituto grande desenvolvimento de magnitude econômica durante esse período. A aceitabilidade do seguro durante essa fase supracitada ensejou a criação de seguros destinados à cobertura de outros riscos que sobrevinham das necessidades consequentes da transfiguração social a qual passava a Europa no século XVII, ensejando a modalidade de seguro terrestre, mais precisamente o seguro contra incêndio, devido à fatídica tragédia do 2 Cesare Vivante. Instituições de direito comercial. Trad. J. Alves de Sá. 3. Ed. São Paulo: Livraria C. Teixeira, 1928, p.218. 3 LOPES, Serpa, Curso de direito civil: fonte das obrigações – contratos. 4. Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993, p.388. 13 Grande Incêndio Londrino em 1966. Assim, na Inglaterra, durante esse ano, como aponta Serpa Lopes, deu-se a criação das primeiras companhias de seguros, “a Fire Office e a Royal Exchange, surto esse que se espalhou por outros países como Estados Unidos, Alemanha e França, onde [...] se refletiu no Código Napoleônico [...]”4. Desse modo, podemos afirmar que o desenvolvimento dos seguros terrestres foi mais rápido que o marítimo, não só na Inglaterra, como em outros países. Contudo, foi a partir do século XVIII que o seguro passou a ser gerenciado com parâmetros técnicos, em virtude dos avanços científicos do século anterior, abandonando os critérios de especulações unicamente empíricos, possibilitando, dessa forma, o êxito dos investidores do mercado securitário com o pulsar da Revolução Industrial. 1.3 Evolução do seguro no Brasil Quanto a evolução do seguro no Brasil, podemos elucidar que, embora as primeiras embarcações seguradas que chegaram em solo brasileiro ocorreram em 1500, apenas em 1850 é que fora realizada a inauguração do conjunto de normas próprias do comércio brasileiro, o Código Comercial, onde se encontra no Artigo 666 a primeira referência ao instituto do Seguro, mais precisamente o Marítimo, deixando, dessa forma, o livre arbítrio entre os contraentes nos contratos relativos aos seguros terrestres. Art. 666 - O contrato de seguro marítimo, pelo qual o segurador, tomando sobre si a fortuna e riscos do mar, se obriga a indenizar ao segurado da perda ou dano que possa sobrevir ao objeto do seguro, mediante um prêmio ou soma determinada, equivalente ao risco tomado, só pode provar-se por escrito, a cujo instrumento se chama apólice; contudo julga-se subsistente para obrigar reciprocamente ao segurador e ao segurado desde o momento em que as partes se convierem, assinando ambas a minuta, a qual deve conter todas as declarações, cláusulas e condições da apólice.5 Porém, cabe fazer a ressalva que a vacância legislativa não impediu a criação de sociedades para a exploração do mercado de seguros, sendo as primeiras companhias a serem criadas: Boa Fé (1808); Conceito Público (1808) e Indemnidade (1810). (SILVA, 2012, p.38). 4 SILVA, Ivan de Oliveira, Curso de Direito do Seguro, 2.Ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 33. 5 Artigo 666 do Código Comercial Brasileiro – Lei n. 556/1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L0556-1850.htm> Acesso em 13 de julho de 2015. 14 Contudo, mesmo diante da crescente aceitação do mercado securitário no Brasil, com exceção do seguro marítimo, os contratos de seguro, até o Código Civil de 1916, eram regidos pelas normas gerais dos contratos. Não obstante, é no Século XX que a atividade securitária passou a ser usado principalmente pelas grandes sociedades empresárias, formadas unicamente para esta finalidade, ensejando, portanto, a necessidade de matizes publicistas, bem como com uma complexa conjuntura de leis do sistema de Seguridade Social, tal qual conhecemos atualmente. Portanto, depreende-se que essa evolução tecnológica e científica tenha contribuído de forma expressiva para o real progresso e a devida credibilidade ao instituto do seguro. 2 ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE SEGURO 2.1 Conceito e natureza jurídica Desde os tempos mais remotos, o homem, direta ou indiretamente, está intimamente ligado a algum negócio jurídico proveniente de uma relação contratual. Essencial,portanto, afirmar que os contratos fazem parte da estrutura da sociedade neoliberalista. Diante disso, forçoso se faz a conceituação do contrato e, não obstante, a delimitação do contrato de seguro para melhor aprofundamento do presente estudo. 2.1.1 Teoria geral dos contratos A conceituação do contrato lato sensu se faz necessário afim de abarcar a sua teoria geral, bem como delinear a real direção das manifestações de vontade sedimentadas em nosso ordenamento jurídico, buscando, portanto, na visão de Ivan de Oliveira Silva (2012, p.73) “[...] atender os anseios do reconhecimento de que os atos humanos passíveis de exteriorização de vínculos jurídicos devem acenar para o princípio da função social”6. Portanto, é preciso que a vontade pactuada entre os indivíduos tenha sustentação na função social dos contratos, bem como na boa-fé objetiva, tal qual preceitua nosso Código Civil em seu artigo 421, vez que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”7, assim como o ordenado pelo artigo 2.035 do mesmo código: 6 SILVA, Ivan de Oliveira, 2012, p.73. 7Artigo 421 do Código Civil de 2002 – Lei n° 10.406 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 23 de julho de 2015. 15 Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.8 Contudo, com respaldo basilar constitucional e respeitando de forma minuciosa a égide da teoria geral dos contratos, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho bem conceituam: O contrato [...] é um negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir determinados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da função social.9 Dessarte, ao passo que a o Direito Civil passa pelo processo de constitucionalização, a observância do respeito função social da propriedade passa a nortear a forma que o contrato é conduzido, sempre em referência à dignidade da pessoa humana. Portanto, como bem explica Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p.52), o contrato somente atenderá a função social do contrato quando respeitar a dignidade da pessoa humana e admitir a relativização do princípio da igualdade das partes contratantes, assim como consagrar uma cláusula implícita de boa-fé objetiva dos deveres anexos da lealdade, confiança, assistência, confidencialidade e informação10. Em epítome, Ivan de Oliveira Silva (2012, p.74) finaliza sua conceituação em consonância com o acima exposto: [...] o contrato, seja na forma verbal ou escrita, é compreendido como uma espécie de negócio jurídico, submisso ao princípio da função social, em que duas ou mais pessoas vinculam suas vontades para o fim de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações de cunho econômico.11 8Artigo 2.035 do Código Civil de 2002 – Lei n° 10.406 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 23 de julho de 2015. 9 STOLZE, Pablo, Novo Curso de Direito Civil – Contratos: Teoria Geral, 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p .52. 10 STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo, 2013, p.52. 11 SILVA, Ivan de Oliveira, 2012, p.74. 16 Quanto a interpretação dos contratos, especialmente os advindos de relações consumeristas, relevante registrar que os mesmos devem valorizar a intenção das partes contratantes do que o sentido literal da linguagem. Ou seja, é mais importante que a interpretação recaia sobre o real interesse das partes do que a linguagem escrita propriamente dita, de forma que se respeite os limites da boa-fé objetiva, assim como a função social e os costumes do lugar onde fora realizado o contrato. Além disso, as interpretações das cláusulas devem ser de maneira mais benéfica ao consumidor, conforme o que preceitua o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor e os artigos 112 e 113 do Código Civil: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.12 Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos e costumes do lugar de sua celebração.13 A mesma lógica se aplica em relação aos contratos de adesão, modalidade contratual inserida nos contratos de seguro, devendo a interpretação observar a regra na qual dispõe o Código Civil: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. ” 2.1.2 Do contrato de seguro Destarte, passada a conceituação do contrato bem como as delimitações de sua teoria geral, passamos ao estudo do conceito do contrato de seguro. Com efeito, sob a ótica basilar das premissas limitativas da autonomia da vontade, podemos dizer que o contrato de segura se baseia na convenção entre duas ou mais pessoas com o objetivo de criar, modificar e extinguir direitos e obrigações entre si, atendida a sua função social e a boa-fé objetiva. Assim, respeitado os ditos limites, o Código Civil de 2002 optou por registrar o conceito da seguinte maneira: 12 Artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> Acesso em 24 de julho de 2015. 13 Artigos 112 e 113 do Código Civil de 2002 – Lei n° 10.406 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 24 de julho de 2015. 17 Artigo 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.14 Isto posto, afim de elucidar de forma completa o presente trabalho, aferimos a leitura da redação do Artigo 1° do Projeto de Lei n. 3.555/2004 que estabelece normas gerais em contratos de seguro privado e revoga dispositivos do Código Civil, do Código Comercial Brasileiro e do Decreto-Lei nº 73 de 1966 ao qual se nota bastante semelhança com o atual diploma, porém, mostra-se mais abrangente de modo que “inclui o segurador como um garantidor dos interesses legítimos tanto do segurado como do beneficiário do seguro”15, senão vejamos: Art. 1° - Pelo contrato de seguro, a seguradora se obriga, mediante o recebimento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado ou do beneficiário contra riscos predeterminados.16 No entanto, devemos ressalvar que, por mais que a visão legal do texto normativo seja abrangente, ela não é exaustiva, já que há um grande rol das modalidades securitárias que são regidas por leis próprias, sendo esse aspecto reconhecido pelo Código Civil em seu artigo 777, inserido no capítulo XV que versa sobre o Seguro no qual diz que “o disposto no presente Capítulo aplica-se,no que couber, aos seguros regidos por leis próprias”. Assim, podemos citar como exemplo de seguros regidos por leis próprias o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (Lei n. 6.194/74), bem como o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por embarcações ou por sua carga (Lei n. 8.374/91). Consoante o exposto, observa-se que o legislador se preocupou em garantir o interesse legítimo do segurado, implicando dessa forma que as obrigações primordiais das sociedades securitárias se baseiem na garantia dos interesses patrimoniais (ou extrapatrimoniais) dos sujeitos passivos dessa relação. Ou seja, o conceito legal recai sobre a garantia do interesse – no sentido mais puro dessa palavra – deixando por entender, portanto, que o objeto do contrato de seguro não é a coisa em si, mas sim que o contrato realize a garantia a qual se prestou a cumprir. Nesse aspecto, bem conceitua Ivan de Oliveira Silva (2012, p.84): 14 Artigo 757 do Código Civil de 2002 – Lei n° 10.406 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 27 de julho de 2015. 15 SILVA, Ivan de Oliveira, 2012, p. 83 16 Artigo 1° do Projeto de Lei n. 3.555/2004 – Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=3D857DADECB3670919C1C58A2 53B0D02.proposicoesWeb2?codteor=1279376&filename=PL+3555/2004>. 18 [...] o contrato de seguro é a convenção em que um ente específico, o segurador, se obriga, mediante a paga de prêmio, a garantir legítimo interesse do segurado, concentrado em pessoa ou coisa, contra riscos advindos de circunstâncias adversas.17 No mesmo sentido, também conceitua observando a garantia do interesse legítimo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p.491) que o contrato de seguro é: [...] o negócio jurídico por meio do qual, mediante o pagamento de um prêmio, o segurado, visando a tutelar interesse legítimo, assegura o direito de ser indenizado pelo segurador em caso de consumação de riscos predeterminados.18 Portanto, Silva (2012, p.84) observa que o contrato de seguro não se enquadra em nenhuma das categorias obrigacionais, quais sejam a de dar, de fazer e de não fazer, sugerindo que se desdobra numa espécie de outro tipo: a obrigação de garantia. Assim, denota-se que o segurador se presta a cumprir uma obrigação de garantia ao segurado e, se assim não o fizer de forma contratualmente devida, aquele estará em mora com este. Dessa forma, bem explica Ivan de Oliveira Silva a real expectativa do segurado ao realizar o negócio jurídico a qual se prestou a contratar: Por meio da obrigação de garantia constante no contrato de seguro, o segurado terá direito a gozar de tranquilidade, uma vez que seu interesse legítimo sobre pessoa ou coisa está protegido contra os riscos determinados nas exatas condições do pacto securitário. Em termos contratuais específicos, mediante o pagamento do prêmio, o segurador, que aceitou o risco, estará obrigado a garantir o interesse legítimo do segurado nos exatos termos do contrato. Caso o segurador não cumpra a sua obrigação de garantia, estará ele em mora.19 Assim, independente da ocorrência do sinistro ou não, o segurador deve cumprir a ocupar a condição de salvaguardar o interesse legítimo do segurado durante todo o tempo de vigoração do contrato. Em suma, o segurador toma para si, por consequência, uma obrigação certa a ser realizada durante o lapso temporal pré-estabelecido contratualmente. Portanto, compreendido os limites da conceituação, depreende-se que se torna impossível a vida moderna em sociedade sem o contrato de seguro e a concretização de seu 17 SILVA, Ivan de Oliveira (2012, p.83) 18 STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo (2013, p.491) 19 SILVA, Ivan de Oliveira (2012, p.84) 19 conceito, seja para melhor abarcar as mais distintas formas de seguro, seja para garantir a segurança jurídica do instituto. 2.2 A vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor nas relações de contrato de seguro Se demonstra importante trazer à tona ao presente estudo a análise da reconhecida vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor. À luz da Constituição Federal, o legislador da carta consumerista tratou de garantir o princípio da Isonomia, verificado em seu artigo 4°, I e 6°, VIII, onde se observa a pretensão de proteger o consumidor na medida em que este não tem acesso aos devidos recursos para se igualar ao poderio do fornecedor. Assim, o Código de Defesa preceitua: Art.4° A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;20 Destarte, doutrinariamente, depreende-se que a presunção dessa fraqueza se consubstancia sob a égide da ordem técnica e outra de caráter econômico, tornando o consumidor a parte mais fraca dessa relação jurídica de consumo. Nesse sentido, Rizzato Nunes (2012, p.674-675) bem delimita esses dois aspectos ao dizer: O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está referindo apenas aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte, que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido. [...] O segundo aspecto, o econômico, diz respeito à maior capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. É 20 Artigo 4 e 6 do Código de Defesa do Consumidor – Lei n° 8.078/90 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2015. 20 fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas essa é a exceção da regra geral.21 Diante disso, numa relação contratual, fica claro que o consumidor é, da mesma maneira, a parte hipossuficiente para contratar, isso porque o mesmo não possui conhecimento técnico suficiente para compreender devidamente as cláusulas inseridas, principalmente os contratos de adesão, que reforçam ainda mais esse desequilíbrio perante o fornecedor. Nessa acepção, a Lei Processual Civil estabelece circunstâncias que determina o ônus da prova entre autor e réu, como dispõe o art. 333 do Código de Processo Civil. Vejamos: Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor [...]22 Ao contrário, o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6, VIII, preconiza: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos,inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;23 Assim, o legislador atribui ao julgador que, diante de uma situação concreta onde o consumidor não tenha a possibilidade de produzir a prova necessária para sustentar suas alegações devido sua hipossuficiência, munido de seu poder-dever, deve determinar a inversão do ônus probatório. Porém, o CDC não foi criado com a intenção de proporcionar uma demasiada proteção ao consumidor, perpassando o fornecedor à falta da devida tutela jurisdicional. Busca, pois então, um equilíbrio no liame processual de maneira a propiciar a conformidade condignas das relações consumeristas. Em vista disso, é pacífica a pátria jurisprudência ao dizer que a inversão do ônus probatório em ações envolvendo relações de consumo não é automática, devendo restar demonstrado, no caso concreto, a hipossuficiência do consumidor para a realização da prova, sendo necessária ao deslinde da lide, ou a verossimilhança da pretensão deduzida na ação. 21 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p 674. 22 Artigo 333 do Código de Processo Civil – Lei n° 5.869/73 – Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em 14 de agosto de 2015. 23 Artigo 6 do Código de Defesa do Consumidor – Lei n° 8.078/90 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 14 de agosto de 2015. 21 Assim, cabe o questionamento de que se, o segurado, que foi assistido por um corretor de seguros será apontado como hipossuficiente ou não. Sobre esse questionamento, Martins (2002, p.141) entende que: A intermediação no contrato de seguro, com respaldo na legislação vigente, é fator preponderante na verificação da responsabilidade que emerge da falha da prestação do serviço. Neste conseguinte, o consumidor-segurado perde a condição de hipossuficiente que lhe empresta o Código de Defesa do Consumidor, quando assistido por um corretor na comercialização do negócio. Portanto, conclui-se que caso o segurador tenha sido assistido por um corretor de seguros, o mesmo passa a ter conhecimento suficiente para as peculiaridades do contrato que realizara com a Seguradora, afastando, desse modo, o instituto da hipossuficiência técnica a qual se presume antes de efetivar a relação contratual. Porém, se comprovado que o segurado não possui condições suficientes para rebater as alegações da seguradora quanto a um sinistro pré-existente, a inversão do ônus da prova será estabelecida. 2.3 Contrato de seguro de adesão A importância organizacional da prática de classificar as várias modalidades dos contratos de seguro se justifica pelo objetivo de distinguir as particularidades de cada modelo contratual. Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa (2013, p.421-422) explica que “de acordo com a espécie de contrato sob exame na prática jurídica, há distintas consequências com variadas formas de interpretação e enfoque da posição das partes e do objeto contratado. ”24 Assim, faz-se necessário a devida compreensão das particularidades e regras peculiares do contrato de seguro na modalidade de adesão, já que, como afirma Ivan de Oliveira Silva (2012, p.116) “Os contratos de seguro, pela orquestração da rotina securitária nacional, estão elencados como contratos de adesão” e, sendo assim, estabeleceu-se como a modalidade de maior execução entre a sociedade brasileira. Nesse retrospecto, a massificação dos negócios jurídicos ganhou força na economia moderna. Desse modo, a necessidade de cumprir a demanda dessa massificação deu origem a modalidade conhecida como contrato de adesão. Previsto no artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor, o contrato de adesão tem a seguinte redação: “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente 24 VENOSA, Silvio de Salvo, Teoria Geral das Obrigações e teoria geral dos contratos, 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2013, cit., p.421. 22 pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. 25 Importante trazer em tela o conceito do Contrato de Adesão na doutrina de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito. O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, objeto e do preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa apara adquirirem produtos ou serviços já receberão pronta e regulamentada a relação contratual e não poderão efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato. A inserção de cláusula no formulário, por exemplo, sobre o preço, condições, data da entrega e outras, não desfigura a natureza de adesão do contrato.26 Desse modo, entende-se que os contratos de adesão simplesmente acompanham a massificação da produção de bens e serviços, ensejado diante do crescimento da sociedade de consumo, sendo tanto a produção quanto o contrato em si decididos de forma unilateral e postos diante do consumidor que sabidamente possui a hipossuficiência técnica contratual. Nesse seguimento, entende Rizzato Nunes que: O crescimento da sociedade de consumo, com sua produção em série, estandardizada, homoneigizada, a contratação de operários em massa, especializadíssimos, o implemento da robótica, informática etc., exigiu a utilização dos contratos-formulário, impressos com cláusulas prefixadas para regular a distribuição e venda dos produtos e serviços de massa.27 Eis que surge o problema de como os contratos de adesão devem ser interpretados, já que, pela sua característica de limitar a liberdade contratual, a hermenêutica usada não poderia se igualar aos contratos tradicionais, devendo interpretar as cláusulas de forma minuciosa, observando devidamente se elas se caracterizam cláusulas abusivas ou não. Nesse aspecto, preconiza magistralmente Orlando Gomes, citado por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho: 25 Artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor – Lei n° 8.078/90 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 20 de agosto de 2015. 26 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p.800, apud SILVA, Ivan de Oliveira, 2012, p. 116 27 NUNES, Rizzato, 2012, p.678 23 A questão da natureza jurídica do contrato de adesão tem importância prática para a sua interpretação. Indaga-se, com efeito, se deve ser interpretado como a lei, ou como o contrato. Tido como expressão do poder normativo das empresas, é óbvio que se lhe não aplicam as regras de interpretação dos contratos. Mas, mesmo que possua natureza contratual, a singularidade da sua estruturação não permite seja interpretado do mesmo modo que os contratos comuns, porque é relação jurídica em que há predomínio categórico da vontade de uma das partes. É de se aceitar, como diretriz hermenêutica, a regra segundo a qual, em caso dedúvida, as cláusulas do contrato de adesão devem ser interpretadas contra a parte que as ditou. Cabe, no entanto, uma distinção à raiz de ponderações feitas por Dereux, entre as cláusulas essenciais, que são comumente datilografadas ou manuscritas, e as cláusulas acessórias, geralmente impressas. As primeiras estipulam-se particularizadamente e comportam, às vezes, certa margem de liberdade no seu ajuste e até alguma variação. As outras são inalteráveis e uniformes, razão por que a parte aderente, geralmente, conhece mal o seu teor e alcance. Acontece que frequentemente as cláusulas acessórias alteram profundamente a essência do contrato, tirando, muitas vezes, grade parte de sua utilidade, ou sendo muito rigorosas e, até, draconianas. Cabe ao juiz impedir que seus efeitos se produzam, não permitindo que desvirtuem o espírito das cláusulas essenciais ou que tenham eficácia se não forem conhecidas suficientemente pela parte aderente Aplica-se a regra de hermenêutica, segundo a qual devem ser interpretadas a favor do contratante que se obrigou por adesão. Outra regra a observar é que se houver incompatibilidade entre cláusulas impressas e cláusulas acrescentadas ao formulário, prevalecem estas. Não se conclua, daí que a intervenção judicial na aplicação dessas regras é livre. Se fosse, a insegurança dominaria os contratos de adesão. O poder do juiz – poder moderador – deve ser usado conforme o princípio de que os contratos devem ser executados de boa-fé, de tal sorte que só os abusos e deformações sejam coibidos. A exagerada tendência para negar força obrigatória às cláusulas impressas é, de todo em todo, condenável até porque não deve o juiz esquecer que certas cláusulas rigorosas são necessárias à consecução dos fins perseguidos pelos contratos de adesão em série.28 2.3.1 Cláusulas limitativas nos contratos de seguro Diante do exposto, cumpre destacar a importância da interpretação das cláusulas limitativas inseridas dentro do contrato de seguro, as quais implicam em algum tipo de limitação ou imposição obrigatória ao direito do consumidor contratante. Apesar do caráter de desequilíbrio que se mostra o dito instituto, a inserção de uma cláusula desse tipo em um contrato não é considerada abusiva, já que são permitidas pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 54, §4, no qual expõe que “(...) as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com des taque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. ” 28 GOMES, Orlando, Contratos, 24. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.126. apud STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo, 2013, p.219-220. 24 Assim, entende-se que poderá ser prevista contratualmente a cláusula que implique o cerceamento de direitos ao consumidor, porém, desde que observados os requisitos legais, ou seja, que seja redigida em destaque, de modo em que permita a fácil compreensão, devendo ser inclusa na apólice com seu conteúdo de forma clara e transparente. No entanto, passada a contextualização das cláusulas limitativas, importante destacar que, como já exposto, não se trata de cláusula abusiva, já que se demonstra compatível com a letra da lei. Pelo contrário, a cláusula abusiva é nula de pleno direito. Nesse sentido, bem afirma Sérgio Cavalieri Filho (1996, p. 7) ao comentar a diferença entre cláusula limitativa do risco e cláusula abusiva nos contratos de seguros: Tenho sustentado que a principal diferença entre a cláusula limitativa do risc o e a cláusula abusiva está em que a primeira tem por finalidade restringir a obrigação assumida pelo segurador, enquanto a segunda objetiva restringir o u excluir a responsabilidade decorrente do descumprimento de uma obrigaçã o regularmente assumida pelo segurador, ou ainda a que visa a obter proveito sem causa. E, como todos sabemos, obrigação e responsabilidade são coisas distintas, que não podem ser confundidas. Em suma, a abusividade da cláusula contratual caracteriza-se pelo descompasso entre direitos e obrigações entre as partes, é uma unilateralidade excessiva que impede a realização total do objetivo contratual.29 Portanto, fica evidente a rejeição legal das cláusulas abusivas, leoninas ou iníquas as quais desequilibram a relação contratual entre as partes. Dessa forma, a legislação protege o aderente da dita relação - respeitando o princípio do in dubio pro aderente - diante da sabida superioridade das seguradoras frente o segurado contratante, já que essa estipula as referidas cláusulas interpondo-as àquele, assim como expressa o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa- fé ou a equidade;30 29FILHO, Sérgio Cavalieri. Visão panorâmica do Contrato de Seguro e suas controvérsias. São Paulo: Revista do Advogado, 1996. 30 Artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor – Lei n° 8.078/90 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em 07 de setembro de 2015. 25 No entanto, o problema em si reside no fato de que a maioria dos consumidores contraentes dos contratos de seguros os firmam sem o devido conhecimento do teor dos termos contratuais. Ou seja, não há oportunidade de o contratante analisar de forma minuciosa suas cláusulas, isso por que o mesmo só irá receber o contrato após a sua conclusão, ou pelo fato de que se encontra em local diverso de onde fora pactuado. Além disso, o contratante, munido de sua hipossuficiência técnica, encontra dificuldades na leitura do contrato, já que, na maioria das vezes o instrumento contratual é longo, com fonte textual pequena e linguagem técnica complexa, desmotivando a intenção do consumidor de ler integralmente o teor do contrato, confiando cegamente no que a seguradora informa durante essa fase. Portanto, as interpretações das cláusulas limitativas devem figurar sob a égide legal bem como o respeito à não abusividade da relação contratual acima mencionada. 2.3.2 Breve análise crítica do contrato de seguros de adesão O contrato de adesão, se devidamente enquadrado nas conformidades do princípio da função social do contrato e da boa-fé objetiva, demonstra-se de relevante importância social e econômica, pois configura-se como um célere instrumento durante sua fase de pactuação. Porém, devemos observar exatamente o ponto em que essa objetividade célere não ultrapasse o limite das conformidades legais e principiológicas da relação contratual. Nessa lógica, bem prepondera Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona ao dizer que: De fato, nos dias que correm, em que a massificação das relações contratuais subverteu radicalmente a balança econômica do contrato, a avença não é mais pactuada sempre entre iguais, mas converteu-se na grande maioria dos casos, em um negócio jurídico standardizado, documentado em um simples formulário, em que uma parte (mais fraca) incumbe aderir ou não à vontade da outra (mais forte), sem a possibilidade de discussão do seu conteúdo.31 Cabe a advertência da tentativa do Estado em intervir nas operações de seguros, buscando parear o equilíbrio contratual, não admitindo cláusula importantes no contrato sem a aprovação prévia de autoridade, das quais se levam em consideração a segurança do tutelado, bem como o interesse da coletividade. Não obstante, a redação da apólice obedece um modelooficial padronizado, não dando margem às partes em modifica-las, com exceção de cláusulas consideradas de menor importância. 31 STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo (2013, p.44.) 26 Contudo, ainda que proveniente a dita tentativa do Estado na busca da paridade contratual nas relações de seguro, não se mostra integralmente eficaz, visto que o contrato de adesão, ainda assim, relativiza o princípio da igualdade formal, princípio basilar da justiça. Isso por que a faculdade de aderência do contratante é o último dos entraves no processo de formação do contrato, já que a parte aderida é a principal construtora de todos seus percalços, moldando da forma mais conveniente a ela mesma, já que detém um vasto poderio econômico e monopólio técnico do serviço prestado. Assim, a autonomia da vontade, elemento essencial das relações contratuais, fica ocultada diante da conveniência da seguradora, levando o segurado a aderir, unicamente, pela forçosa necessidade de contratar. Nessa acepção, magistralmente expõe Georges Ripert (2000, p.122-113): .: Que há de contratual neste ato jurídico? É na realidade a expressão de uma autoridade privada. O único ato de vontade do aderente consiste em colocar- se em situação tal que a lei da outra parte venha a se aplicar. O aderente entra neste círculo estreito em que a vontade da outra parte é soberana. E, quando pratica aquele ato de vontade, o aderente é levado a isso pela imperiosa necessidade de contratar. É uma graça de mau gosto dizer-lhe isso: tu quiseste. A não ser que não viaje, que não faça um seguro, que não gaste água, gás ou eletricidade, que não use de transporte comum, que não trabalhe ao serviço de outrem, é –lhe impossível deixar de contratar.32 Desse modo, a aceitação se efetiva com referência em cláusulas e condições que nem sempre a parte mais fraca aceita de forma convicta, aderindo sem conhecer devidamente o contexto ou os limites do que está se aceitando, já que, como leciona Pedro Alvim (2000, p.135), “[...] o fato de ser o contrato redigido pelo segurador, aliado à sua natureza técnica pouco acessível ao segurado, deixou este praticamente à mercê daquele para impor um caráter quase unilateral ao negócio. A igualdade jurídica dissimula uma desigualdade de fato. ” Também nesse sentido, infere Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona filho: (...) o contrato de adesão, desde que concebido segundo o princípio da função social, e pactuado em atenção ao mandamento constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana, é um instrumento de contratação socialmente necessário e economicamente útil, considerando-se o imenso número de pessoas que pactuam, dia a dia, repetidamente, negócios da mesma natureza, com diversas empresas ou com o próprio poder público.33 32 RIPERT, Georges. A regra Moral nas Obrigações Civis, Campinas: Bookseller, 2000, p.122-113 33 STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo, 2013, p.45. 27 Logo, “são os abusos deste poder econômico que é necessário impedir”34. Na realidade, a nocividade do contrato de adesão reside no abuso desta técnica de contratação mais que propriamente à sua dinâmica. Portanto, depreende-se que é inevitável o uso dos contratos de adesão na maioria das relações contratuais de seguro, porém, deve sempre ser realizado nos moldes do princípio da função social e da boa-fé objetiva. 34 RIPERT, Georges. (2000, p.110.) 28 3 ELEMENTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DO CONTRATO DE SEGURO Afim de trazer uma melhor compreensão do estudo do contrato de seguro, importante trazer à tona os elementos subjetivos e objetivos que são intrínsecos ao assunto, objetivando, dessa forma, melhor sustentar a sua função perante a sociedade. 3.1 Elementos subjetivos Neste tópico, abordaremos os personagens que fazem parte dessa relação contratual, de modo a analisar suscintamente seus elementos caracterizadores bem como as questões implícitas a esses sujeitos. 3.1.1 Segurador O Estado, afim de garantir uma devida fiscalização durante a fase do início das atividades empresariais, incluem as seguradoras no rol das pessoas jurídicas que precisam de prévia autorização do Poder Executivo para seu devido funcionamento, devendo, dessa forma, obter autorização junto ao Ministério da Fazenda através da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), assim como regulamenta o Decreto-Lei n. 73/66: “Art. 74. A autorização para funcionamento será concedida através de Portaria do Ministro da Indústria e do Comércio, mediante requerimento firmado pelos incorporadores, dirigido ao CNSP e apresentado por intermédio da SUSEP”. Além disso, cabe dizer que a SUSEP participa de forma contundente na fiscalização das seguradoras, posto que a ela “compete verificar a higidez econômico-financeira dos mercados de seguros, resseguros, previdência complementar aberta e capitalização e das sociedades e entidades supervisionadas, o cumprimento da regulamentação aplicável, a adoção de princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos, e aplicar o regime repressivo”35. Além disso, a SUSEP tem completa autonomia para fiscalizar a constituição, funcionamento, organização e operações das sociedades empresárias de caráter securitário. Contudo, conforme dispõe o artigo 1.125 do Código Civil, é facultado ao Poder Público, a 35 Diretoria de Fiscalização. Diretora: Helena Mulim Venceslau. Disponível em: <http://www.susep.gov.br/menususep/susep4_8>. Acesso em 08 de outubro de 2015. 29 qualquer tempo, cassar a autorização concedida a sociedade nacional ou estrangeira que infringir disposição de ordem pública ou praticar atos contrários aos fins declarados no seu estatuto. Segundo Domingos Afonso Kriger Filho, importante mencionar que em caso de insuficiência de cobertura das reservas técnicas, pode a SUSEP, além de outras providências, poderá: [...] nomear por tempo indeterminado, um diretor-fiscal, com atribuições e vantagens que lhe forem indicadas pelo CNSP. Não surtindo efeito as medidas especiais impostas ou a intervenção, cabe a SUSEP encaminhar ao CNSP proposta de cassação da autorização para seu funcionamento, ficando os administradores suspensos do exercício de suas funções desde a instauração do processo crime relativo aos atos e fatos praticados na sua gestão. 36 Contudo, cabe esclarecer as obrigações do Segurado, que não recai única e exclusivamente sob o encargo de pagar a contraprestação referente ao prejuízo resultante do risco assumido e, conforme as circunstâncias, o valor total da coisa segura. Mais que isso, nosso legislador determina através do artigo 776 do Código Civil que o segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa. Além disso, o pagamento deve se ater ao valor real do bem. Assim, cabe indenização de forma integral caso a conjectura corresponda ao valor lídimo da coisa. Quanto ao segurador em mora, o artigo 772 do Código Civil determina que o mesmo pagará atualização monetária segundo os índices oficiais, sem prejuízo dos juros moratórios. No que diz respeito à interpretação restritiva do contrato, continua a prevalecer o entendimento do Código de 1916: “Quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro, não responderá por outros o segurador”. Portanto, não sobrevém aresponsabilidade ao segurador caso o dano decorra de um vício pré-existente sob o objeto segurado. Ou seja, de modo a visar o bem-estar coletivo, as sociedades seguradoras são submetidas à uma criteriosa fiscalização por parte do Estado, vez que as atividades empresariais, desde o início, sujeitam-se à autorização do Poder Público, tamanha sua importância frente a função social do instituto securitário, já que se, numa hipotética situação, se assim não fosse, estaríamos à mercê de interesses econômicos privados de uma atividade tão importante para a sociedade sem uma devida tutela estatal. Sendo assim, fica evidente a função regulatória da Administração 36 Kriger, Domingos Afonso Filho, O contrato de Seguro no Direito Brasileiro, 1ªEd. Rio de Janeiro: Labor Juris, 2000. P. 62. 30 do ponto de vista da delimitação de marcos de aplicação de seu “poder de polícia” exercido através da SUSEP. 3.1.1.1 Corretor de Seguros O corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros, admitidos pela legislação vigente, entre as Sociedades de Seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito publicou privado. Contudo, para que o corretor possa exercer sua profissão de modo legítimo, dependerá de prévia obtenção do título de habilitação, o qual será concedido através do Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização, além de observado os requisitos legais presentes no Artigo 3° da Lei N° 4.594/1964. Assim, aqui também fica claro a rígida fiscalização da Administração no que diz respeito em bem regulamentar o início das atividades empresariais securitárias frente ao corretor de seguros. 3.1.2 Segurado Com relação ao segurado, como entende Ivan de Oliveira Silva (2012, p.119), “é aquele que tem interesse sobre o bem da vida descrito no contrato de seguro. É ele que, segundo as condições previamente estabelecidas no contrato, transfere à empresa seguradora o risco de determinado evento danoso recair sobre a coisa ou pessoa de seu interesse legítimo”. De modo mais amplo, bem leciona Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2013, p. 500) ao dizer que o “Segurado é a pessoa física ou jurídica, consumidora da prestação de serviço da companhia seguradora, e que tem a precípua obrigação de pagar-lhe uma obrigação pecuniária denominada prêmio, visando acautelar legítimo seu”.37 Portanto, observa-se que o segurado, em suma, é o destinatário final da prestação do serviço securitário, sendo, portanto, parte consumidora de uma relação de consumo e, sendo assim, ficando sob a égide tutelar do Código de Defesa do Consumidor. Por se tratar de um instituto de grande relevância econômica, fica resguardado também a possibilidade do segurado ser pessoa natural ou pessoa jurídica, podendo esta última ser sociedade empresária ou não empresária de direito público interno ou externo, “sendo suscetível 37 STOLZE, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo, 2013, p. 500 31 de cobertura todo risco criado em qualquer gênero de atividade” (PEREIRA, 1994, p.335)38. Não obstante, também é resguardado figurar como parte no contrato de seguro o espólio, a massa falida e do condomínio. Quanto os efeitos do contrato de seguro celebrado com pessoa relativamente incapaz, ensina Washington de Barros (1958, p. 283) que “invalidado o ato jurídico, seu primeiro efeito é a recondução das partes ao estado anterior; o reconhecimento da nulidade opera retroativamente, volvendo os interessados ao status quo ante, como se o ato nunca tivesse existido. ”39 A amplitude que o seguro e suas técnicas adotaram para os contratos coletivos perfizeram uma estipulação frequente dos contratos de seguro por conta de terceiro. Assim, quanto esse contrato de seguro realizado em favor de terceiro, a lei prevê que o contratante segurado comprove que haja interesse nessa estipulação. Diante disso, o legislador do Código Comercial Brasileiro em seu artigo 677 estabelece que quem fizer o seguro, deve antes manifestar seu interesse. Portanto, nesse aspecto, é o entendimento jurisprudencial: [...] as relações jurídicas oriundas de um contrato de seguro não se encerram entre as partes contratantes, podendo atingir terceiro beneficiário, como ocorre com os seguros de vida ou de acidentes pessoais, exemplos clássicos apontados pela doutrina. II - Nas estipulações em favor de terceiro, este pode ser pessoa futura e indeterminada, bastando que seja determinável, como no caso do seguro, em que se identifica o beneficiário no momento do sinistro. III - O terceiro beneficiário, ainda que não tenha feito parte do contrato, tem legitimidade para ajuizar ação direta contra a seguradora, para cobrar a indenização contratual prevista em seu favor”. (REsp 401718/PARTE RÉ, 4ª Turma - Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA).40 Não obstante, faz-se necessário enfatizar alguns pontos importantes a respeito das obrigações do segurado. A princípio, cabe ao segurado prestar as informações ao segurador estribado na lealdade e boa-fé. Porém, a interpretação dessa subjetividade recai sob o juiz analisar. Ademais, conforme artigo 1.454 do Código Civil, é obrigação do segurado não agravar os riscos, salvo se o contrato o autorizou expressamente. Nesse sentido, caso agravado o risco, cabe ao segurado comunicar à seguradora “o quanto antes”, objetivando, dessa forma, a possibilidade tomar as devidas medidas afim de minimizar os riscos decorrentes desse sinistro, 38 PEREIRA, 1994, p.335, apud VENOSA, Silvio, 2015, p. 383. 39 MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil - Parte Geral. São Paulo, 1958. apud ALVIM, Pedro, 2000, p. 191. 40 Jurisprudência extraída do REsp 401718/PARTE RÉ, 4ª Turma - Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Disponível em: www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia. Acesso em 10 de outubro de 2015. 32 conforme estabelece o artigo 771 do Código Civil: “Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências”. Além disso, quanto à comprovação do sinistro, muito bem explana Silvio Venosa (2013, p.396) ao dizer que: É obrigação básica do segurado, ademais, comprovar o sinistro perante o segurador. Há sinistros que se comprovam materialmente, mediante documentos expedidos pela autoridade pública ou por terceiros. Por vezes haverá, por exemplo, necessidade de certidão de boletins meteorológicos para comprovação de intempéries, por exemplo. Mesmo fatos notórios, no âmbito do seguro, devem, em princípio, ser comprovados. As causas de exclusão indenizatória na apólice devem ser examinadas caso por caso. Na dúvida, como vimos, interpreta-se em favor do segurado, mormente levando-se em conta os princípios do Código de Defesa do Consumidor. 41 Portanto, imperioso destacar que, conforme a economia liberal cresceu durante o decurso histórico da sociedade moderna, o contrato de seguro foi tomando destaque e, sendo assim, o rol de segurados capazes - em celebrar o contrato bem como em receber o benefício - também fora aumentando, sem, contudo, deixar de ser tutelado pela ordem jurídica estabelecida. 3.1.3 Estipulante Atualmente, a figura do estipulante tem merecido bastante destaque nas relações contratuais securitárias. Isso por que, em determinados casos, o contratante do seguro pode não ser o exatamente o segurado, podendo, nessa situação, ser o contrato firmado peloestipulante. O estipulante, portanto, como conceitua o Projeto de Lei n. 3.555/2004 em seu artigo 27, é aquele que atua em favor dos interesses dos segurados e beneficiários, pactuando com a seguradora os termos do contrato para adesão dos segurados. Elementar dizer que o estipulante, por via de regra, não possui legitimidade para figurar no polo passivo em processos de cobrança indenizatória que recaem sob as seguradoras, salvo nos casos em que se caracteriza comprovadamente a má-fé e os prejuízos ao segurado. Nesse sentido, a pátria jurisprudência salienta: SEGURO DE VIDA EM GRUPO. Indenização. Estipulante. Ilegitimidade passiva de parte. Ausência de prévia reclamação à seguradora. Falta de 41 VENOSA, Silvio, 2013, p.396-397 33 interesse processual. Extinção do processo. Apelação improvida. 1. O empregador, mero estipulante e mandatário do segurado no contrato de seguro de vida em grupo, é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação de cobrança da indenização. 2. Para a propositura da demanda, deve estar presente o interesse processual, ou seja, a necessidade de vir a juízo; impõe- se a extinção do processo quando o segurado vem a juízo antes mesmo de procurar a seguradora para reclamar a indenização” (TJSP, Ap. Cív. 831.634- 0/5, Catanduva, 26ª Câmara de Direito Privado, rel. Norival Oliva, j. em 18- 7-2005, v.u.). Portanto, a partir do entendimento acima, entende-se que o estipulante é visto como mero mandatário do segurado, não absorvendo para si todos os encargos e responsabilidades que recaem sob a figura deste. Porém, cabe fazer a ressalva de que parte da doutrina discorda desse entendimento. Como leciona Domingos Afonso Kriger (2000, p. 54), na maioria das situações, os beneficiários dessa relação são, muitas vezes, variados, ou seja, mudam de período em período, conforme o regime de trabalho dos mesmos. Sendo assim, o controle exclusivo do manejo desse contrato recai exclusivamente na figura do estipulante, no qual “assume a condição de segurado, firmando as cláusulas e condições do contrato com o segurador, competindo ao beneficiário que a ele anui apenas a atitude passiva de pagar o prêmio”.42 Desse modo, fica claro o prejuízo aos segurados que nosso Superior Tribunal de Justiça entende, já que não é harmônico o entendimento com a realidade jurídica a qual recai. Por se tratar de um abstruso instituto securitário, deve o Poder Judiciário se adequar devidamente à realidade, tutelando de forma condigna as partes dessa relação contratual, não deixando o segurado ao dissabor da parte hipersuficiente. 3.2 Elementos objetivos Neste tópico, abordaremos os elementos objetivos que fazem parte dessa relação contratual, de modo a analisar suscintamente seus componentes caracterizadores bem como as questões tácitas e expressas desses institutos. 3.2.1 Beneficiário 42 KRIGER, Domingos Afonso, 2000, p. 54 34 Por fim, mas não menos importante, a pessoa do beneficiário concorre nesse cenário jurídico, perfazendo também a análise de algumas questões relevantes a esse estudo. Assim, como conceitua Ivan de Oliveira Silva (2012, p.122), “o beneficiário é a pessoa física, jurídica, ou de personificação anômala, que desfruta dos benefícios concedidos pelo contrato de seguro. É, portanto, aquele que detém legítimo interesse sobre o bem da vida presenta na relação jurídica securitária”. Desse modo, não se pode confundir com a pessoa do segurado. Mesmo assim, é completamente cabível que o favorecido de uma cobertura securitária seja um indivíduo diferente do contratante, como é o caso dos seguros de vida, p.ex.. No mesmo sentido, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2013, p. 501) entendem que “o beneficiário não é, tecnicamente, parte, mas sim um terceiro que experimenta efeitos patrimoniais favoráveis decorrentes do contrato de seguro”. Portanto, entende-se que se trata de uma estipulação em favor de terceiro, não se confundindo com o seguro por conta de outrem. Nesse aspecto, leciona PEDRO ALVIM: Não se trata de uma estipulação em favor de terceiro da natureza daquela que ocorre no seguro de vida, onde o segurado dispõe livremente sobre o beneficiário do contrato. Os riscos transferidos ao segurador, neste caso, incidem sobre o estipulante. Contrata um negócio seu com o segurador, ao passo que no seguro por conta de quem pertencer o risco pesa não sobre o próprio estipulante, mas sobre interesses de outrem. Interfere, pois, o contratante, em negócio que não afeta seu patrimônio ou sua pessoa.43 Contudo, em benefício do bem-estar social, da preservação da ordem pública e dos bons costumes, a tutela legal delimita a autonomia da vontade no momento da indicação do beneficiário durante o contrato de seguro. Nesse fundamento, expõe o artigo 793 do Código Civil: “É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato”. Desse modo, fica desamparado o segurado que ‘tenta’ lançar o amante como beneficiário de um contrato de seguro de vida. Assim, apesar do reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar passível de proteção estatal, “a predita proteção não tem o propósito de aviltar sociedade conjugal anteriormente estabelecida” (Ivan de Oliveira Silva, 2012, p.123). Portanto, o que o Código Civil propõe é que, para que seja validado a indicação de um companheiro ao benefício securitário, requer que o segurado esteja, no mínimo, separado de forma efetiva. Sendo assim, deve imperar no caso concreto a análise de que se realmente a nova 43 ALVIM, Pedro, 2000, p. 206 35 relação afetiva, durante a fase de contratação do seguro, houvera sido pactuada enquanto preenchidos os requisitos de união estável pelo qual o mesmo Código consubstancia. Dessarte, a validade do contrato requer uma análise minuciosa de pontos subjetivos da relação afetiva do segurado com o beneficiário. Porém, por outro lado, nos casos de seguro de pessoas, presume-se de forma legal o legitimado interesse quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do policitante, assim como estabelece o parágrafo único do artigo 790 do Código Civil ao dizer que: “Até que prove o contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente”. Sendo assim, fica manifesto a preocupação do legislador em salvaguardar os direitos daquele beneficiário que deve ser o legítimo interessado na relação securitária. Desse modo, fica garantido ao beneficiário a participação do devido fluxo monetário pelo qual o estipulante segurado deve se propõe durante os percursos de sua vida. 3.2.2 Prêmio 3.2.2.1 Aspectos gerais O prêmio, a partir de sua acepção legal, é previsto expressamente no artigo 165 do Código Civil, onde diz que: “Salvo em disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio”. De forma clara e sucinta, Venosa explica (2013, p.525) que prêmio é “[...] o valor que o segurado deve pagar à seguradora, visando à cobertura do risco. Ademais, os prêmios dados pelos segurados e recebidos pela seguradora formam um fundo monetário para a efetivação das atividades do mercado securitário. Assim, “sem o prêmio, não haverá recursos suficientes para o pagamento dos sinistros, despesas de administração, dividendos para os acionistas das sociedades seguradoras etc.” (SILVA, Ivan de Oliveira, 2012, p.125)44.
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