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João Dias de Araújo - Inquisição sem fogueiras-brasil.pdf

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Edição digital baseada no livro de João Dias de Araújo, Inquisição Sem Fogueiras, 
2ª Edição, Instituto Superior de Estudos da Religião, Rio de Janeiro, 1982. 
 
 
A presente versão não é final, pois podem haver possíveis erros de digitação no 
texto. Por isso, solicitamos que sejam enviadas as observações, sugestões e outras 
opiniões para endereço eletrônico: luisclaudio@click21.com.br. 
 
 
Capa: Júlio César de Oliveira. 
ÍNDICE 
 
O Autor 4 
Siglas 5 
Apresentação da 1ª Edição 6 
Apresentação da 2ª Edição 8 
Apresentação da Edição Digital 9 
Introdução 13 
Retrospecto Histórico 17 
Inquisição Sem Fogueiras 22 
Início da Radicalização Conservadora 31 
A Extinção da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana 35 
Pressões sobre Pastores e Leigos Preocupados com Problemas Sociais 43 
Impacto do Concílio Vaticano II 49 
Ecumenismo 54 
A Revolução de 1964 61 
Expurgos nos Seminários 69 
Crise em São Paulo 79 
Templo com Correntes e Cadeados 85 
Dissoluções e Despojamentos na Bahia 91 
Dissolução do Sínodo Espírito-Santense 99 
Voz Profética dos Presbitérios de Vitória e de Colatina 104 
Expurgos e Isolacionismo 114 
Considerações Sociológicas 121 
Considerações Teológicas 130 
Perspectivas Para o Futuro 134 
Bibliografia 138 
O AUTOR 
 
João Dias de Araújo nasceu num seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), 
em Campinas, SP, onde seu pai estudava para o ministério da Palavra. Retornou 
àquele seminário na década de quarenta para cumprir sua própria vocação. Após 
sua ordenação, pastoreou por sete anos a Igreja Presbiteriana de Itacira, no 
Presbitério de Campo Formoso, da IPB. Lá, no centro geográfico do Estado da 
Bahia, desenvolveu ministério fecundo, aconselhou obreiros e pacientes do Grace 
Memorial Hospital, professores e alunos na Escola de Auxiliares de Enfermagem e 
no Instituto Ponte Nova, e ajudou a organizar o Instituto Bíblico Waddell. Escreve 
para vários periódicos, e seu artigo sobre os Manuscritos do Mar Morto foi o primeiro 
sobre este assunto a ser publicado em português. Foi chamado pelo Supremo 
Concílio da IPB para ser professor de Teologia Sistemática e Ética Cristã no 
Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), em Recife, PE. Fez pós-graduação no 
Seminário Teológico de Princeton, nos EE.UU. da A., e bacharelou-se em Direito, 
em Recife. Como representante do Fundo de Educação Teológica, viajou ao Exterior 
repetidas vezes, visitando seminários em países do Terceiro Mundo. Após doze 
anos de cátedra no SPN, saiu de Recife para ser diretor do Colégio 2 de Julho, em 
Salvador, BA, talvez o educandário evangélico mais conhecido no nordeste do País. 
Muito conhecido como conferencista e professor de Bíblia, João Dias de Araújo é 
ministro da Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), atualmente 
responsável por um novo projeto de educação teológica para leigos no Estado da 
Bahia. Publicou quatro livros: Escondendo-se na Luz, São Paulo, 1952; Portas Cor 
de Rosa, São Paulo, 1959; O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964; 
Sê Cristão Hoje, Recife, 1970. 
 
J. N. W. 
19.11.82 
SIGLAS 
 
AIPRAL Associação de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina 
AIRB Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil 
ASTE Associação de Seminários Teológicos Evangélicos do Brasil 
BP Brasil Presbiteriano 
CD Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil 
CPJ Colégio Dois de Julho 
CEB Confederação Evangélica do Brasil 
CES Comissão Especial de Seminários 
CE/SC Comissão Executiva do Supremo Concílio 
CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço 
CE/SSP Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo 
CGT Comando Geral dos Trabalhadores 
CI Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil 
CIIC Conselho Internacional de Igrejas Cristãs 
CIP Conselho Inter-Presbiteriano 
CMI Conselho Mundial de Igrejas 
CMP Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana 
CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil 
COEMAR Comissão de Missão e Relações Ecumênicas da Igreja Presbiteriana 
Unida nos Estados Unidos da América 
FECICS Fundação Educacional Cícero e Cecília Siqueira 
FENIP Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas 
ICCR Igreja Cristã de Confissão Reformada 
ICR Igreja Cristã Reformada 
IPB Igreja Presbiteriana do Brasil 
IPC Igreja Presbiteriana Conservadora 
IPF Igreja Presbiteriana Fundamentalista 
IPI Igreja Presbiteriana Independente do Brasil 
IPR Igreja Presbiteriana Renovada 
IPRJ Igreja Presbiteriana na Cidade do Rio de Janeiro 
IPS Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos 
IPU Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América 
ISER Instituto Superior de estudos da Religião 
JMN Junta de Missões Nacionais 
MPBC Missão Presbiteriana do Brasil Central 
PBH Presbitério de Belo Horizonte 
POMN Presbitério Oeste de Minas 
PSP Presbitério de São Paulo 
PSVD Presbitério de Salvador 
PVSF Presbitério do Vale do São Francisco 
SAF Sociedade Auxiliadora Feminina 
SBH Sínodo Belo Horizonte 
SBS Sínodo Bahia-Sergipe 
SC Supremo Concílio 
SES Sínodo Espírito-Santense 
SES-RJ Sínodo Espírito Santo - Rio de Janeiro 
SFC Seminário Presbiteriano do Centenário 
SPN Seminário Presbiteriano do Norte 
SPS Seminário Presbiteriano de Campinas 
UCEB União Cristã de Estudantes do Brasil 
UPH União Presbiteriana de Homens 
APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO 
 
Era necessária documentar os fatos que se desenrolaram dentro de uma instituição 
religiosa brasileira, para servir de advertência e se constituir num brado de alerta à 
comunidade ecumênica do século XX. 
 
O que está acontecendo na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) pode acontecer em 
qualquer outro lugar deste planeta. 
 
Os aspectos patológicos da vida religiosa que se manifestaram nestas últimas 
décadas dentro de uma Igreja de pouco mais de um século de existência, atraíram a 
atenção dos estudiosos do fenômeno religioso no Brasil e causaram espanto aos 
observadores religiosos protestantes da Europa e dos Estados Unidos da América. 
 
Entre os grupos que estudam a religião no Brasil está o Instituto Superior de Estudos 
da Religião (ISER) que reúne professores, clérigos, ex-clérigos, leigos, sociólogos e 
teólogos, formando uma equipe ecumênica voltada à pesquisa e ao estudo da 
situação religiosa brasileira. 
 
A crise na IPB, que sempre era mencionada nos seminários do ISER, merecia um 
tratamento mais detalhado. 
 
Estimulado e encorajado pelos companheiros do ISER, o autor desta pesquisa 
resolveu fazer m estudo histórico descritivo e interpretativo, numa tentativa de 
documentar e de compreender o que está acontecendo mim dos mais significativos 
e expressivos grupos protestantes que floresceram no Brasil, na segunda metade do 
século XIX - o presbiterianismo. 
 
O ISER possibilitou a realização desta pesquisa, fornecendo os meios para que ela 
fosse discutida e publicada. O autor apresenta aqui seu agradecimento aos colegas 
que cooperaram, com esta pesquisa e que ainda poderão oferecer criticas para a 
melhor compreensão dessa síndrome religiosa - o inquisitorialismo. 
 
O trabalho é imperfeito e incompleto. 
 
O autor diria, imitando a última frase de Euclides da Cunha em Os Sertões: 
 
“É que ainda não existe um Alexandre Herculano para historiar a origem e o 
estabelecimento da Inquisição Protestante.” 
 
J. D. A. 
Recife, dezembro de 1975. 
APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO 
 
Após sete anos tenho a oportunidade de ver esta pesquisa novamente publicada. 
Neste ano também tive a alegria de ver este trabalho publicado em inglês, com a 
título: Inquisition Without Burnings. 
 
Agradeço as sugestões e críticas que recebi de vários leitores, amigos colegas, no 
sentido de corrigir e melhorar a lª edição,que está agora corrigida e parcialmente 
atualizada. 
 
Infelizmente, a situação da IPB continua a mesma. Fatos semelhantes aos descritos 
neste estudo continuam acontecendo. Alguns otimistas chegaram a profetizar que, 
com a proposta de “abertura democrática” feita pelo governo militar brasileiro, a IPB 
passaria para uma posição mais cordial e democrática. Puro engano. O regime 
militar decretou a anistia, reintegrando punidos e banidos ao convívio da sociedade 
brasileira. O regime eclesiástico, no entanto, nem cogita de compaixão e 
magnanimidade para com seus perseguidos e cassados. A cúpula da IPB não só foi 
a precursora de golpes neste País mas também a mantenedora de regimes 
golpistas. Todas as propostas de abertura feitas por vários setores da IPB foram 
solene e drasticamente rechaçadas por aqueles que ainda detêm o poder na Igreja. 
 
E ainda oportuna a publicação desta 2ª edição porque a memória do nosso povo é 
muito fraca, especialmente a do povo presbiteriano. Presbiterianos já estão 
esquecendo os fatos destas duas décadas que marcaram profundamente a Igreja 
que um dia foi implantada em nossa Pátria pelo ardente coração do jovem Ashbel 
Green Simonton. 
 
Volta e meia amigos e colegas de denominações presbiterianas irmãs indagam 
sobre os acontecimentos inquisitoriais na IPB, preocupados em que tais 
barbaridades não venham a se repetir em suas respectivas greis. Nutro a esperança 
de que este estudo venha a contribuir positivamente para evitar repetições que tais. 
 
Tenho agradecimentos especiais nesta 2ª edição. Ao tradutor para o inglês, Jaime 
Wright, à sua esposa Alma pelo rastreamento das referências bibliográficas e siglas, 
e à filha de ambos, Anita, pela sugestiva ilustração de capa. E ao Comitê de Defesa 
de Direitos Humanos no Cone Sul (CLAMOR) por ter cedido sua máquina para este 
serviço. 
 
J. D. A. 
Wagner (ex-Ponte Nova, ex-Itacira), BA, novembro de 1982. 
 
 
APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO DIGITAL 
 
Algumas palavras devem ser ditas, hoje, sobre o que significou a obra de João Dias 
de Araújo para o protestantismo e presbiterianismo brasileiros. Quando Jaime Wright 
verteu-o para o inglês, acrescentando uma preciosa bibliografia, subtitulou-a: Vinte 
anos de história da Igreja Presbiteriana no Brasil: 1954-1974. O campeão dos 
direitos humanos, conhecido como o mais importante entre os gigantes do 
presbiterianismo brasileiro, rendeu-lhe um tributo merecido. O teólogo presbiteriano-
unido, escorraçado pela IPB, registrou um momento dos mais importantes do 
protestantismo e da opção calvinista e ecumênica, realçando o papel do grande 
mestre da Reforma Protestante, matriz do ecumenismo que conhecemos e 
aplaudimos, hoje (Zwínglio M. Dias). 
 
Significativamente, é influenciado pelo movimento Igreja e Sociedade na América 
Latina, impactado por uma teologia nova, social e politicamente realista, seu livro 
rebela-se contra a religiosidade “eqüidistante,” sem engajamento e definitivamente 
decidida a ficar em cima do muro vendo o trem da história passar, enquanto a 
América Latina se transformava, e o Brasil com ela. 
 
Um protestantismo presbiteriano infiel à Reforma se estabelecia como irremovível, 
inclinado ao pietismo e ao fundamentalismo, sem comprometer-se com as lutas 
contra a miséria, a fome, a doença, o trabalho negado; contra o distanciamento 
referente à cobrança de dívidas sociais, políticas; contra a afirmação dos direitos 
humanos e do exercício democrático de cidadania; contra as lutas do 
reconhecimento do ecumenismo histórico, do impedimento à comunhão com as 
tradições cristãs diversas, e até contra a discriminação de expressões do pluralismo 
religioso, evangelical ou afro-brasileiro, a ponto de ser classificada, a ala libertária 
dentro da IPB, de “modernista e comunista”. Pejorativamente, sem dúvida. 
 
A ala da qual João Dias de Araújo fazia parte arriscou-se na experiência da 
solidariedade diante da necessidade de fazer o presbiterianismo histórico original, 
reformado, calvinista de fonte, essencialmente confessional, mais que um 
presbiterianismo denominacional. Esforçou-se por fazer vigorar características latino-
americanas em suas lutas libertárias do colonialismo religioso, político, econômico e 
cultural dentro do presbiterianismo e do protestantismo de fontes terciárias, 
ideológico, culturalmente tendencioso e arrogante; defensor de uma falsa 
originalidade reformada, como foi chamado no protestantismo das missões norte-
americanas. Como comunidade de testemunho, propôs a resistência ao 
autoritarismo religioso, enquanto se debatia contra o autoritarismo político da 
ditadura militar. Sofreu, esse movimento presbiteriano libertário, a humilhação de ser 
declarado pelos próprios presbiterianos de serem falsos teólogos, hereges, indignos 
da Igreja Presbiteriana, sob as conseqüências da retirada de direitos pastorais de 
muitos ministros; retirada de validade da ordenação de ministros, presbíteros, 
diáconos, inclusive. 
 
O presente relato não corresponde a interesses internos das igrejas presbiterianas 
no Brasil, certamente refere-se à grande crise do protestantismo conservador, que 
reage simultaneamente nas duas frentes: ecumenismo irrestrito e missão da Igreja 
nas profundas transformações que ocorriam na América Latina. Responsabilidade 
social é a chave de tudo. Mas não se exclui a luta pelo resgate do presbiterianismo 
original, passando por João Calvino e João Knox, na Reforma Suíça e na Reforma 
 
 
Escocesa, respectivamente.Numa conferência proferida recentemente, João Dias 
dizia estas palavras: Havia já algum tempo que alguns teólogos presbiterianos 
estavam fazendo observações sobre o tipo de calvinismo que era valorizado no 
Brasil, especialmente pela IPB, mostrando que houve um afastamento histórico da 
fonte eclesial de Genebra e da eclesiologia de Calvino. Emil G. Leonard em sua obra 
clássica “O Protestantismo Brasileiro” preocupou-se com essa característica do 
Presbiterianismo de segunda mão. 
 
Escrevendo sobre o calvinismo dos primeiros missionários americanos que 
plantaram o presbiterianismo no Brasil, diria: “Do ponto de vista doutrinal, o 
calvinismo que (os missionários) acreditavam difundir já era uma diluição de 
diluições anteriores; o presbiterianismo americano já era ele mesmo uma adaptação 
do presbiterianismo britânico que por sua vez, através de um século de lutas contra 
o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado longamente do pensamento de 
Calvino. E, quase sempre acontece com as Igrejas distantes de sua fonte de 
inspiração – e, por isso mesmo mais ortodoxas em vontade que em espírito,o que 
era importante para estes missionários era a adesão aos textos denominacionais 
sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de Fé de Westminster (1647).” 
 
Este trabalho reflete alguma coisa a mais, no entanto. A teologia presbiteriana 
brasileira teve sua origem na teologia presbiteriana do século XIX, nos Estados 
Unidos. A teologia do presbiterianismo norte americano provinha, não só do 
puritanismo inglês, mas também do calvinismo escocês, onde se define o 
presbiterianismo sistemático, eclesiológico, organizacional, que ganhou o mundo. 
Infelizmente, diz o próprio João Dias, os teólogos americanos que formaram os 
missionários que atuariam no Brasil estavam mais preocupados com a polêmica 
anti-liberal do que com o aprofundamento e a criatividade na teologia. Observemos 
que Princeton, o grande reduto do presbiterianismo norte-americano, foi dominado 
pelo fundamentalismo até os anos 40, no século passado. John Mackay 
revolucionou esse grande centro teológico restaurando a tradição reformada 
representada pela presença de Karl Barth, Emil Brunner, Joseph Horomadka, e 
dando grande força à teologia norte-americana representada por Richard e 
Reinhold Niebuhr, Paul Lehman e outros. Esta fase, porém, só vai refletir-se na 
década de 60, especialmente coma presença no Brasil do teólogo precursor da 
Teologia da Libertação Richard Shaull. 
 
“A história da teologia presbiteriana nos Estados Unidos, no século passado, foi 
marcada pelo conservantismo, pelo anti-liberalismo e pela volta ao Escolasticismo 
Protestante do século XVII. Essas ênfases foram iniciadas pelo teólogo norte 
americano Jonatham Dickinson, que na primeira metade do século XVIII, escreveu 
um livro para defender o calvinismo radical. O historiador missionário Paul E. Pierson 
enumera três características da teologia das Igrejas que enviaram missionários para 
o Brasil: Denominacionalismo; falta de interesse por uma teologia científica; 
preocupação com a disciplina e a retidão de caráter,” acrescenta o teólogo João 
Dias na citada conferência. 
 
O fundamentalismo formou correntes teológicas reacionárias à teologia libertária que 
brotava, e João Dias, extremamente próximo de Richard Shaull, desde a famosa 
Conferência do Nordeste, onde o protestantismo brasileiro foi sacudido pela atuação 
da ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Resultou num documento 
importantíssimo também conhecido como Compromisso Social, “assumido” pela IPB 
 
 
(1962). Contra a importância histórica do cristianismo primitivo acentuada na 
libertação religiosa (História da Salvação); contra a pesquisa histórica da pessoa de 
Jesus de Nazaré; contra o criticismo documental e hermenêutico das ênfases 
neotestamentárias sobre a identidade real da comunidade primitiva, 
fundamentalistas expressavam, como acontece ainda hoje, uma reação à 
modernidade com extrema virulência. O debate público para a restauração do 
passado ideal onde a autoridade religiosa não era questionada, uma espécie de 
contra-reforma dentro do próprio protestantismo brasileiro, tomava corpo. Seus 
conteúdos abrangiam as igrejas e as famílias, a autoridade do varão, do pai; a 
autoridade de um governo central capaz de impor normas de conduta moral quanto 
ao aborto, a homossexualidade, o feminismo, e em geral contra a secularização das 
escolas públicas e dos cerimoniais nacionais que afirmavam o apoio e a presença 
divina em todos os atos públicos do governo. No plano internacional, apóia o 
intervencionismo estadunidense, como ainda se vê. 
 
Afirmava-se, entre presbiterianos, os cinco pontos inegociáveis com a modernidade: 
1. Da inerrância da Bíblia, inclusive a literalidade dos escritos bíblicos, donde 
surgiram traduções comentadas sob inspiração fundamentalista e do biblicismo 
literalista idolátrico das Escrituras (como o legalismo neotestamentário) ; 2. Do 
nascimento virginal do Salvador; sua mãe terrena, em acordo com o integrismo 
católico-romano, que concebeu e deu à luz como virgem, preservando a concepção 
humana mas sem pecado, e a divindade de Cristo, enquanto homem de Nazaré, 
concomitantemente; 3. Do sacrifício vicário substitutivo: na cruz, em nosso lugar, 
confirmando o entendimento medieval da "satisfação" da justiça divina em um único 
escolhido e determinado; Cristo sempre foi divino, no entanto invulnerável à 
condição humana; 4. Da ressurreição física e concreta de Jesus, sem discutirem-se 
as demais ressurreições citadas nos evangelhos e nos escritos apostólicos; 5. Da 
volta iminente de Cristo para julgar os pecadores, quando os salvos seriam 
arrebatados ainda em vida. Confirmavam-se teorias como a "dispensação da Lei" e 
a "dispensação da Graça", separadamente, mas ainda em vigor. A Lei condiciona a 
Graça, é o seu entendimento final. Fica patenteada a negação da teologia da 
Reforma, portanto, e a restauração da escolástica medieval. 
 
Talvez, à primeira vista, tal a familiaridade que temos com o fundamentalismo, nem 
nos damos conta dos significados desse "pontos fundamentais," uma vez que eles 
fazem parte indiscutível do que ensinaram os missionários fundadores do 
protestantismo no Brasil e também da pregação fundamentalista na maioria absoluta 
dos púlpitos presbiterianos e evangelicais; e da negação da necessária releitura da 
Bíblia. Quantos professam essa mesma concepção e não o confessam? 
 
De qualquer forma, não corre o risco, esta versão eletrônica, de fazer citações que 
não possam ser sustentadas documentalmente. Enquanto não se publica este 
trabalho, materiais novos, pesquisa mais recente, têm chegado ao nosso ambiente 
de estudos. Cito três, entre os mais importantes: O Novo Rosto da Missão, de Luiz 
Longuini Neto, Ultimato, 2002 – Uma abordagem de grande interesse teológico, 
pesquisa científica de valor incalculável que relata grande parte dos acontecimentos 
desde o período chamado Protestantismo de Missões, passando pelos albores do 
movimento ecumênico, Igreja e Sociedade na América Latina – ISAL, e as reações 
do movimento evangelical que o julgava demasiado interessado na revolução social. 
Esse trabalho recente valoriza as propostas eclesiológicas e teologias que alcançam 
a realidade latino-americana que encontram um campo fértil de experimentos 
 
 
pastorais mais próximos da diaconia sugerida pela idéia da Missão Integral, ou 
Missio Dei (Missão de Deus). 
 
Os outros dois, referem-se ao trabalho do extraordinário teólogo Richard Shaull. Um 
deles Surpreendido pela Graça, Record,2003, uma biografia assinada pelo referido 
autor, traduzida por Waldo César. O último é de autoria do teólogo Eduardo 
Galasso, Fé e Compromisso, ASTE, 2002. É um trabalho resumo da teologia e 
trajetória de Richard Shaull no Brasil. Cito as três obras por sua relação direta com 
a Teologia da Libertação, inequivocamente inaugurada pelo grande teólogo R. 
Shaull, compartilhada por João Dias de Araújo e outros teólogos como Joaquim 
Beato, Jovelino Ramos, Claude Emanuel Labrunie, Zwínglio Mota Dias, e outros 
presbiterianos, que gerou um movimento de busca da igreja confessional 
reformada, mais que denominacional, com forte apoio no ecumenismo reformado, 
historicamente sustentador e apoiador das mais importantes idéias libertárias dentro 
da comunhão das igrejas provindas da revolucionária Reforma Protestante. 
 
Não temos que afirmar o projeto eclesiástico presbiteriano triunfalmente, desde as 
bases, para reformar uma Igreja que por natureza é reformata semper reformanda. É 
preciso evitar o que está em andamento, no entanto. Hoje, seguramente, nem tudo 
que se diz “evangélico” é, de fato, evangélico. O evangelicalismo pluralista, 
dispersivo, faz absoluta questão de esquecer o caráter protestante do 
presbiterianismo calvinista , receoso, talvez, do universalismo ecumênico que ele 
representa. Concentração de poder pode ser solução para as igrejas autoritárias, 
conservadoras, fundamentalistas. Não é solução para uma igreja que propôs 
renovar o protestantismo brasileiro enquanto se renovava a si mesma, dirá João 
Dias de Araújo nesta obra magistral. Esse princípio calvinista jamais permitirá que o 
presbiterianismo brasileiro pudesse considerar-se um projeto fechado, acabado. Não 
se pode abandoná-lo, em seus conceitos libertários. Precisamos anular a ideologia 
evangelical em nosso meio, e apostar na Igreja Protestante e Reformada, 
“reformada sempre se reformando” (Calvino). 
 
Ela, a Igreja Presbiteriana, em alguns setores, já fez por merecer nossa confiança de 
que vai dar certo para nossos filhos, assim como deu certo para nós que brotamos 
de igrejas autoritárias e sempre prezamos a liberdade e o diálogo. Ela ama a 
hospitalidade, malgrado a hostilidade de seu governo ao ecumenismo e as novas 
teologias, ao mesmo tempo em que exercita sua criatividade diante dos desafios de 
comunidades novas, ecumênicas, proféticas, diaconais. Na verdade, crises de 
identidade não se resolvem com políticas concentradoras de poder, como na IPB 
legalista e fundamentalista. A história comprova que o poder concentrado consome-
se por si mesmo. As novas comunidades, como a IPU, também não se livraram 
desse interesse autoritário. De fato, é muito difícil viver sobgovernos conciliares, 
consensuais, onde as bases eclesiásticas das igrejas locais, o laós (povo) da Igreja, 
se pronunciem e façam parte das decisões da igreja toda bem como de auto 
determinação sobre suas políticas eclesiásticas. 
 
Derval Dasilio∗ 
 
∗ Professor da Faculdade de Teologia Richard Shaull / IPU. Filiado à ASETT (Associação Ecumênica 
de Teólogos/as do Terceiro Mundo) 
 
- 13 - 
INTRODUÇÃO 
 
No ano de 1954 inaugurava-se uma época de profunda crise política no Brasil, com 
o suicídio inesperado do presidente Getúlio Vargas. Nesse mesmo ano, a Igreja 
Presbiteriana do Brasil (IPB) resolve ser mais rígida e menos democrática. 
 
Logo depois, um professor foi expulso do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) 
em Recife, por questões doutrinárias. Era um missionário da “Junta de Nova York”. 
 
O movimento “fundamentalista” penetra nos arraiais presbiterianos e cria, pela 
primeira vez na história do cristianismo brasileiro, uma equipe de “caçadores de 
heresias”. 
 
O movimento da Mocidade Presbiteriana, que era a vanguarda do presbiterianismo 
nacional, dissolvido com o ato da extinção da Confederação Nacional da Mocidade 
Presbiteriana (CMP), promulgado pela Comissão Executiva do Supremo Concílio da 
IPB (CE/SC). Os jovens mais dinâmicos e os futuros líderes são lançados no 
ostracismo. 
 
O jornal Mocidade, que durante 14 anos vinha debatendo os mais variados assuntos 
que preocupavam os moços, está interditado, proibido de circulação, e sua diretoria 
está dissolvida. 
 
A direção da IPB exerce fortes pressões contra pastores e líderes que se preocupam 
com problemas sociais do Brasil. Vários são perseguidos e repelidos porque 
denunciaram males estruturais da realidade brasileira. 
 
O diretor do jornal oficial da igreja, Brasil Presbiteriano, foi pressionado a deixar a 
direção do jornal porque debate assuntos políticos, sociais e econômicos. 
 
Editorial do Brasil Presbiteriano recomenda que um seminarista de Campinas deve 
“usar batina”, porque chamou os católicos de “nossos irmãos”. 
 
Vários pastores escrevem artigos nos quais opinam que os esforços do movimento 
ecumênico não passam de “laços de Satanás”, manobras astutas de Roma... 
 
Vários pastores são despojados (expulsos do ministério) porque participam de 
cerimônias ecumênicas, ao lado de sacerdotes católicos. 
 
Estão proibidas as seguintes práticas ecumênicas: casamentos ecumênicos e 
participação de padres nos púlpitos presbiterianos, mesmo que fiquem em silêncio. 
 
Fica decidido que concílios que não punem pastores e presbíteros que participam de 
cerimônias ecumênicas proibidas, devem ser punidos. 
 
O Supremo Concílio (órgão máximo da IPB) considera passíveis de disciplina 
eclesiástica os membros de igrejas que aceitam ser testemunhas em casamentos 
realizados pela Igreja Católica. 
 
 
- 14 - 
A IPB tem participação no golpe militar da direita, apoiando o novo regime e, através 
de seus juristas elabora atos institucionais para a ditadura. 
 
Vários pastores, presbíteros, professores de seminários e jovens estudantes são 
perseguidos pelas lideranças da IPB e acusados de comunistas, subversivos e 
modernistas. Foi proposto, no jornal Brasil Presbiteriano, um expurgo dentro da 
Igreja. 
 
Um jovem é elogiado pela Comissão Executiva do Suprem Concílio (CE/SC) porque 
serviu como espião do presidente do SC e denunciou vários preletores e muitos 
participantes do VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana. 
 
Foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES) para expulsar professores e 
alunos que eram favoráveis ao no movimento ecumênico e que se preocupam com 
problemas sociais. 
 
São expulsos cinco professores e trinta e nove alunos do Seminário Presbiteriano de 
Campinas (SPS), porque não aceitaram a investigação da CES. 
 
É fechado o Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), em Vitória, no estado do 
Espírito Santo, e expulsos todos os professores e alunos porque não estão de 
acordo com a teologia e a estratégia da direção da IPB. 
 
Foram expulsos quatro professores e vários alunos do SPN, porque eram favoráveis 
ao movimento ecumênico e a participação da Igreja na solução dos problemas 
sociais e econômicos do nordeste. 
 
Foram dissolvidos o Sínodo Bahia-Sergipe e o Presbitério de Salvador e pastores 
foram despojados porque não apoiavam os desmandos da direção da Igreja. Outros 
presbitérios foram dissolvidos pelo mesmo motivo, no sul do país, porque, como os 
da Bahia, participavam do movimento ecumênico e da luta pela libertação do 
homem. 
 
Cerca de cinqüenta pastores são despojados, e outros renunciam o pastorado 
durante esta crise. 
 
O Sínodo Espiritossantense foi dissolvido e dois de seus presbitérios foram 
transferidos ilegalmente para a jurisdição do Sínodo de São Paulo. 
 
Uma igreja é fechada com pesadas correntes e cadeados, porque seus membros 
elegeram um pastor que não é aceito pela direção da IPB. O templo só foi pelas 
autoridades judiciais. 
 
O SC dá ultimato à Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América (IPU), 
exigindo a transferência incondicional das propriedades e instituições à IPB antes de 
qualquer nova reunião entre as duas Igrejas. 
 
Quatro missionários da IPU são considerados inimigos da IPB, e dois deles são 
denunciados Perante os órgãos de segurança. 
 
 
- 15 - 
A CE/SC resolve fazer um dossiê das atividades e pronunciamentos dos 
missionários da IPU. 
 
A IPB rompe, unilateralmente, as relações com a IPU, a Igreja que mandou os 
primeiros missionários presbiterianos para o Brasil. 
 
Foram rompidas as relações da IPB com a Associação dos Seminários Teológicos 
Evangélicos (ASTE), com a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), com a Associação de 
Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (AIPRAL), com a Aliança 
Mundial de Igrejas Reformadas (AMIR), com o Dia Mundial de Oração e, com todas 
as organizações que mantêm qualquer vínculo com o Conselho Mundial de Igrejas 
(CMI). 
 
É rejeitada uma grande oferta a crianças órfãs do Nordeste, enviada pela Igreja 
Reformada da Holanda, pelo fato de ser enviada através de um órgão do CMI. 
 
São retirados dos seminários teológicos quase todos os professores que têm cursos 
de doutorado, mestrado, e pós-graduação, ficando em seus lugares pastores de 
pouca preparação teológica. 
 
Nenhum candidato ao ministério pode ser ordenado ao pastorado sem a aprovação 
da CES, negando assim os poderes natos dos presbitérios. 
 
Os pastores perseguidos e injustiçados pela IPB não podem pleitear suas causas na 
justiça secular, sem primeiro ficarem afastados de suas atividades, através de um 
pedido de “licença compulsória”. 
 
As igrejas locais que não estão de acordo com a administração da IPB são 
ameaçadas de perder seus templos e propriedades. 
 
Os pastores que foram despojados e os professores que foram expulsos dos 
seminários estão sem direito de defesa. 
 
Agora é prática normal denúncias contra pastores, missionários, e concílios perante 
os serviços de segurança. 
 
As arbitrariedades, perseguições, ódios e vinganças do presidente do SC são 
aprovados pelos seus auxiliares, que se desculpam dizendo que não podem 
contrariar o “Chefão”. 
 
Os concílios começam a agir e a funcionar mais como tribunais do que como 
concílios. O Código de Disciplina da IPB (CD) transforma-se em Código Penal. 
 
Dezenas de pastores despojados e professores de seminários expulsos ficaram em 
deplorável situação financeira porque perderam casas e salários. 
 
A ênfase na evangelização é substituída pelo zelo farisaico, pela pureza e pelas 
tradições da Igreja com armas para preservação do poder político-eclesiástico. 
 
 
- 16 - 
O medo domina muitas igrejas e pastores: as igrejas com medo de perder suas 
propriedades; os pastores, com medo de perder seus salários, suascasas e suas 
igrejas. O silêncio impera. 
 
Nunca, em toda a sua história, a IPB precisa de tantos advogados para defesas e 
acusações. Pela primeira vez ela é ré em dezenas de processos judiciais. 
 
Instalou-se, na Igreja Presbiteriana do Brasil, a “inquisição sem fogueiras”. 
 
 
 
 
- 17 - 
RETROSPECTO HISTÓRICO 
 
 
Na madrugada do dia 12 de agosto de 1859, um navio norte-americano aportou na 
Baía de Guanabara. Um dos passageiros era o jovem de 26 anos chamado Ashbel 
Green Simonton. Foi enviado pela Junta Missionária da Igreja Presbiteriana Unida 
dos Estados Unidos da América, Com sede em Nova York. 
 
A data da chegada de Simonton no Rio de Janeiro marca o início da Igreja 
Presbiteriana do Brasil. Não desconhecemos as outras duas tentativas feitas 
anteriormente para o estabelecimento do cristianismo evangélico calvinista no Brasil. 
A primeira foi realizada pela Igreja Reformada da França, no ano de 1555, quando 
foi iniciada a criação da França Antártica. A segunda foi efetuada pela Igreja 
Reformada da Holanda, no ano de 1624. Essas tentativas se frustraram e deixaram 
apenas vestígios em monumentos e em alguns aspectos culturais em Pernambuco e 
na Bahia. 
 
A figura de Ashbel Green Simonton, que morreu de febre amarela aos 34 anos e que 
teve um ministério de apenas 8 anos no Brasil, deixou indelével marca de 
pioneirismo. 
 
Seus trabalhos mais importantes merecem uma lembrança permanente nestas 
terras sul-americanas. Ele criou o primeiro curso de alfabetização para adultos, com 
o fim de popularizar a Bíblia (1860). Instalou, com o auxílio de outro missionário 
(Blackford), os primórdios da “Livraria Evangélica”, pois ambos eram colportores. 
Organizou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil (12.01.1862). Lançou o jornal 
Imprensa Evangélica (05.11.1864), órgão pioneiro do jornalismo evangélico em 
língua portuguesa em nossa pátria. Tomou parte na fundação da primeira “igreja 
filha”, em São Paulo (1863). Instalou o primeiro concílio presbiteriano: Presbitério do 
Rio de Janeiro (16.12.1865). Ordenou o primeiro pastor protestante brasileiro, o ex-
padre José Manuel da Conceição (1865). Fez publicar o livro de hinos, Cânticos 
Sagrados, de autoria do poeta Santos Neves (1867). Fundou simultaneamente a 
primeira escola mista de ensino primário no Brasil (chamada mais tarde de “Escola 
Americana”) e o primeiro seminário teológico da América Latina. 
 
Este início se desdobra em vários períodos de expansão e de organização do 
presbiterianismo no Brasil. 
 
Para fazermos um retrospecto histórico, usaremos o esboço do historiador Júlio 
Andrade Ferreira que divide a história da IPB em 5 períodos. 
 
1º Período (1859-1869) - Primeiros Esforços 
 
Este primeiro período marcou uma das tendências que irá percorrer toda a história 
do presbiterianismo brasileiro. Essa tendência se refletiu pela influência dos 
missionários da Junta de Nova York e pela atuação marcante do primeiro ministro 
presbiteriano brasileiro o ex-Padre José Manuel da Conceição. 
 
Foi uma fase pioneira, com já vimos pela lista dos principais trabalhos de Simonton. 
Estabeleceu-se a infra-estrutura tradicional da Igreja: (a) a escola dominical; (b) 
RETROSPECTO HISTÓRICO 
- 18 - 
distribuição de Bíblias; (c) as pregações evangelísticas; (d) a literatura devocional e 
de propaganda da fé; (e) o jornal da Igreja; (f) a educação teo1ógica; (g) a estrutura 
conciliar; (h) a hinódia; (i) a educação. 
 
Os primeiros convertidos que professaram a fé, filiando-se à IPB, foram dois 
estrangeiros: o norte-americano Henry Milford e o português Camilo Cardoso de 
Jesus. Simonton recebeu a cooperação de seu cunhado Alexander Latimer 
Blackford, que veio para o Brasil por motivo de saúde, mas que aqui foi ordenado e 
fez posteriormente um curso breve de teologia nos Estados Unidos. Outro 
colaborador foi o missionário Rev. Francis Joseph Christopher Schneider, que tentou 
trabalhar com os colonos alemães mas, diante do fracasso desse empreendimento, 
passou a trabalhar com Simonton, especialmente no seminário. 
 
Sobre a obra e a importância do grande José Manuel da Conceição falaremos mais 
adiante, quando tratarmos das relações da IPB com a Igreja Católica. 
 
2º Período (1869-1888) - Expansão Missionária até a organização do Sínodo 
Brasileiro 
 
No segundo período, o presbiterianismo brasileiro recebe outra influência com a 
chegada de missionários da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (IPS) 
enviados pela Junta de Nashville. A chegada desses missionários está relacionada 
com a emigração de norte-mericanos que vieram para o Brasil após a Guerra da 
Secessão nos Estados Unidos. Estavam descontentes com a situação política e 
econômica dos Estados Unidos e eram escravistas. Com os emigrantes vieram dois 
pastores, Emerson e Baird, que trabalharam somente com os colonos. Os dois 
missionários enviados pela Junta de Nashville, George Nash Morton e Edward E. 
Lane, se fixaram em Campinas. Morton se destacou com educador, no Colégio 
Internacional de Campinas. Lane se dedicou mais à evangelização nos arredores de 
Campinas e ao largo da Estrada de Ferro Mogiana. 
 
A IPS se interessou pelo Nordeste e enviou para Recife John Rockwell Smith, 
grande pioneiro e líder. Além de seus trabalhos de pregação, preparou os primeiros 
pastores da região: Belmiro de Araújo César, José Primênio, João Batista de Lima, 
William Calver Porter, cunhado de Smith. Foram companheiros de Smith os 
seguintes missionários que chegaram depois ao Nordeste: Delacey Wardlaw, 
George William Butler e John Boyle. Este último estranhou o clima quente e úmido 
do Recife e teve de ir para as paragens mais amenas do centro-sul, onde fez um 
intenso trabalho de evangelização, na Estrada de Ferro Mogiana e no Triângulo 
Mineiro. 
 
Outro feito importante deste período foi a recuperação do primitivo seminário no Rio, 
graças aos esforços de Blackford. Foram quatro os primeiros candidatos ao 
ministério: Modesto Perestrelo Barros de Carvalhosa, Antônio Bandeira Trajano, 
Miguel Gonçalves Torres e Antônio Pedro de Cerqueira Leite. Esses quatro são 
considerados pelo historiador Ferreira com “esteios do ministério nacional”. 
 
Em 1880, dois novos pastores foram ordenados, tendo obtido sua preparação na 
companhia dos missionários e dos primeiros pastores nacionais, num tipo de 
seminário ambulante: Zacarias de Miranda e Eduardo Carlos Pereira. Alguns anos 
RETROSPECTO HISTÓRICO 
- 19 - 
mais tarde foram ordenados: João Pinheiro de Carvalho Braga, Caetano Nogueira e 
Antônio Manuel de Menezes. 
 
Na Bahia o presbiterianismo chegou primeira que em Pernambuco, pois Schneider 
chegou a Salvador em 1871, onde demorou até 1877. Em Sergipe o pregador 
presbiteriano que primeiro chegou foi John Benjamin Kolb. 
 
George W. Chamberlain funda a Escola Americana em São Paulo. George A. 
Landes e Robert Lenington evangelizam o Paraná. Emmanuel Vanorden funda o 
trabalho no Rio Grande do Sul. 
 
No ano de 1888 havia no Brasil 20 missionários estrangeiros e 12 pastores 
nacionais. Havia 59 igrejas. Havia quatro presbitérios: do Rio de Janeiro, de 
Pernambuco, de Minas Gerais e de São Paulo. As sessões do 1º Sínodo foram 
realizadas na igreja do Rio de Janeiro, de 30 de agosto a 19 de setembro de 1888. 
 
3º Período (1888-1903) - Lutas eclesiásticas e a cisão de 1903 
 
Neste período, a Igreja recebeu a influência do grande líder Eduardo Carlos Pereira. 
Sua personalidade marcante dividiu a Igreja. 
 
Foi um período cheio de problemas. O primeiro foi o da febre amarela que dizimou 
grande parte dos missionários pioneiros. 
 
Além disso surgiram problemas internos na Igreja. 
 
O Sínodo criou o seminário, mas os missionários divergiam quanto à sua 
localização, por isso demoravam em organizá-lo. Apesar disso, novos candidatos 
estavam sendo preparados e ordenados pelo sistema de aulas avulsas:Álvaro Reis, 
Benedito Ferraz de Campos, Herculano Gouveia, João Vieira Bezarro, Bento Ferraz, 
Flamínio Rodrigues e Lino da Costa. 
 
O Colégio Internacional de Campinas foi transferido para Lavras. Novos missionários 
americanos surgem para substituir os falecidos. 
 
O seminário do Sínodo teve início em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro. 
Eduardo Carlos Pereira organizou o instituto teo1ógico em São Paulo. O Sínodo de 
1894 resolveu reunir essas duas escolas de teologia em São Paulo. 
 
Surge o problema do Mackenzie, dirigido por Horacio Lane. Eduardo Carlos Pereira 
era contra a orientação dos missionários em relação ao Mackenzie. Pereira queria a 
“educação dos filhos da Igreja pela própria Igreja”. Houve uma divisão de opiniões 
sobre a política missionária em relação ao destino das verbas enviadas pelas Igrejas 
norte-americanas. 
 
Desapareceu o jornal Imprensa Evangélica, fundado por Simonton. 
 
Em 1898 surge o problema da maçonaria. A pergunta era esta: “Pode o crente ser 
maçom?” Uma discussão amarga em que brasileiros e norte-americanos se 
desgastaram. 
RETROSPECTO HISTÓRICO 
- 20 - 
 
Quando o Sínodo se reuniu em 1903, três problemas agitavam a Igreja: a questão 
missionária, a questão maçônica e a questão educativa. Nesse Sínodo se deu a 
primeira cisão no protestantismo brasileiro. Sete ministros e catorze presbíteros se 
retiram da IPB no dia 31 de julho e fundam a Igreja Presbiteriana Independente do 
Brasil (IPI). 
 
4º Período (1903-1917) - Desde a origem da IPI até a criação da 
Comissão “Modus Operandi” 
 
No quarto período a figura de destaque é Erasmo Braga que é considerado com a 
maior expressão do protestantismo brasileiro. 
 
Vários fatos importantes aconteceram neste período. Houve crescimento tanto na 
IPB com na IPI. 
 
O seminário foi transferido para Campinas, em 1907. Foi também criado o Seminário 
do Norte, em Garanhuns, que foi transferido para o Recife em 1918. 
 
A missão em Portugal é incentivada por Álvaro Reis e Erasmo Braga. 
 
Foi um período de criação de grandes colégios. Em Natal, em Recife (Colégio Agnes 
Erskine), e “15 de Novembro” em Garanhuns, o Instituto Ponte Nova, no interior da 
Bahia. 
 
George W. Butler, em Pernambuco, e William A. Waddell, na Bahia, tornaram-se 
figuras legendárias, o primeiro na medicina e o segundo na educação. 
 
O presbiterianismo é estabelecida em Goiás com Franklin F. Graham, e em Mato 
Grosso com Philip S. Landes. O leste de Minas Gerais e o Espírito Santo tornam-se 
celeiro do evangelismo presbiteriano. O interior e o litoral de São Paulo são 
evangelizados. 
 
O grande pregador Álvaro Reis brilha no púlpito do Rio e se destaca na direção do 
jornal O Puritano que passou a ser órgão oficial da IPB. Surge outro jornal no norte: 
Norte Evangélico. 
 
Três sínodos formaram a Assembléia Geral (anos mais tarde, seria chamada, 
Supremo Concílio) da IPB em 1910: o Sínodo do Norte, o Sínodo do Sul e o Sínodo 
Central. 
 
O congresso ecumênico do Panamá, em 1916, contou com a participação de 
Erasmo Braga e Álvaro Reis. 
 
A nova política de relação entre a Igreja brasileira e as missões norte-americanas 
era aprovada pela Assembléia Geral em 1917, na qual se estabeleceu uma divisão 
de campos entre missionários e pastores brasileiros. Aqueles ficavam nos novos 
campos do interior e estes nos grandes centros e nas igrejas estabelecidas. Foi 
criada a Comissão “Modus Operandi”, composta por 3 representantes de cada 
entidade: da Junta de Nashville, da Junta de Nova York e da IPB. 
RETROSPECTO HISTÓRICO 
- 21 - 
 
5º Período (1917-1959) - Da Formação da Comissão “Modus Operandi” até a 
Campanha do Centenário 
 
Neste período há uma grande expansão dos campos missionários e uma 
proliferação de novos presbitérios. Por outro lado, a Igreja começa a debater 
seriamente a sua missão dentro da realidade brasileira, ao completar um século de 
existência. 
 
Criou-se a “Junta Mista de Missões Nacionais”, depois chamada Junta de Missões 
Nacionais (JMN), para os pontos estratégicos. 
 
A Missão em Portugal prospera. 
 
Foi criado o Seminário Unido no Rio que trouxe uma fase de debates desde 1918 
até 1932. Era uma tentativa interdenominacional que não se firmou. Houve 
fortalecimento do Seminário de Campinas, do Seminário do Norte e começaram os 
planos para a criação do Seminário do Centenário. 
 
O Instituto José Manuel da Conceição foi criado por Wandell nos subúrbios de São 
Paulo, em Jandira, para servir de preparação pré-teo1ógica. 
 
As senhoras presbiterianas tiveram a 1ª reunião da sua federação em Lavras, em 
1921. Os moços tiveram a 1ª reunião da sua federação, também em Lavras, em 
1938. 
 
Hospitais evangélicos são estabelecidos em Ponte Nova (Bahia), Rio Verde (Goiás), 
Curitiba (Paraná), e em outras localidades. Novos colégios presbiterianos surgem: 
Buriti, em Mato Grosso, 2 de Julho, na Bahia, Ginásio do Alto Jequitibá, em Minas 
Gerais. Organizações novas aparecem, como Instituto de Cultura Religiosa, União 
Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB) e a Casa Editora Presbiteriana. 
 
Finalmente, vem a Campanha do Centenário que inflamou a Igreja e que tinha com 
lema: “10 anos de gratidão por 1 século de bênçãos”. Houve grande ênfase na 
evangelização. Grande euforia e ufanismo. A Assembléia da Aliança Mundial de 
Igrejas Reformadas foi realizada pela 1ª vez no Brasil, de 7 de julho a 6 de agosto de 
1959, o ano do centenário. Foi planejada a formação do Museu Presbiteriano.1 
 
Na parte final deste período e nos 15 anos após a celebração do centenário houve 
grandes lutas na IPB. Os limites desta pesquisa estão entre os 20 últimos anos - 
1954 a 1974. 
 
1 Este retrospecto histórico foi baseado no livro do historiador do presbiterianismo brasileiro, Júlio 
Andrade Ferreira, Galeria Evangélica, Casa Editora Presbiteriana, São Paulo, 1952. 
 
- 22 - 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
 
 
“Os fundamentalistas não 
enxergam, nem com telescópio, 
as heresias de sua medieval e 
presumida ortodoxia que não 
queima fisicamente, mas levanta 
horríveis fogueiras morais, nas 
quais torturam muitos servos do 
Senhor.”1 
 
 
O objetivo desta pesquisa é documentar fatos que ocorreram durante vinte anos de 
história da Igreja Presbiteriana do Brasil, e continuam a ocorrer, mostrando o 
fortalecimento do espírito e das práticas inquisitoriais. No final tentaremos dar 
algumas explicações socio1ógicas; e teológicas; a essa expressão do fenômeno 
religioso. 
 
Várias instituições ecumênicas; e Igrejas dentro e fora do país estão espantadas e 
perplexas diante dos acontecimentos que estão se desenrolando dentro da IPB, que 
já foi considerada com a igreja protestante de maior importância e de maior 
influência na América Latina. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Presbiteriana 
da Coréia foram consideradas, pelo seu crescimento e pelo seu prestígio, com as 
mais importantes Igrejas do chamado “Terceiro Mundo”. 
 
Foi essa a Igreja plantada por Simonton no Brasil e que produziu vultos de projeção 
internacional como Eduardo Carlos; Pereira, Erasmo Braga, Álvaro Reis, Miguel 
Rizzo, Jerônimo Gueiros, José Borges dos Santos, Jr., Benjamin Moraes, Rubem 
Alves e tantos outros. Foi essa mesma Igreja que, desastrosamente nos últimos 
vinte anos, tomou atitudes medievais, causando preocupações na comunidade 
ecumênica atual. 
 
O ano de 1954 serve apenas como ponto de referência e marco simbólico da história 
que estamos escrevendo, porque foi nesse ano que o presidente Getúlio Vargas, no 
auge de uma crise política deu um tiro no coração, morrendo instantaneamente. 
Também foi nesse mesmo ano que a CE/SC publicou a seguinte resolução: “A 
nossa democracia é demasiado liberal e o espírito do século, que infelizmente às 
vezes nos contamina, adverte-nos que a nossa democracia deve ser maisautoritária. O governo presbiterial deve ser investido de autoridade mais 
rígida”.2 [grifos nossos] 
 
O título “Inquisição Sem Fogueiras” pode escandalizar alguns leitores protestantes. 
Muitos pensam que quando se fala em “inquisição” deve-se entender que foi uma 
prática instituída pela Igreja Católica Apostólica Romana, na Idade Média, e que os 
protestantes jamais foram inquisidores, pelo contrário, combateram essa 
monstruosidade. É puro engano. A história da Igreja mostra que os protestantes, 
 
1 Lima, Joel Oliveira, Brasil Presbiteriano, (BP), junho-julho de 1962, pg. 5. 
2 Resumo de Atas, 1954. pgs. 123, 124. 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 23 - 
desde a Reforma do século XVI, tiveram a sua inquisição e acenderam fogueiras 
para queimar hereges, e outras vezes praticaram métodos inquisitoriais, sem 
fogueiras, como acontece até o dia de hoje.3 
 
A palavra inquisição é derivada do verbo latino “inquirere”, que significa, em sentido 
eclesiástico: investigar, inquirir a retidão da fé dos membros da Igreja.4 Desde os 
primórdios da Igreja, membros cuja retidão da fé era posta em dúvida, eram 
submetidos à investigação e punição, para reconduzi-los à obediência. A união de 
Igreja e Estado trazia consigo a pergunta se este problema estava parcialmente na 
mão do Estado, tanto no Império Bizantino, como no Reino dos Carolíngios, 
Otomanos, etc., porque minar ou subverter a união da Igreja era também minar ou 
subverter a união do Estado. Daí que o Estado perseguia os hereges, pregadores de 
erros e suspeitos. A primeira condenação à morte por causa de uma heresia 
aconteceu no ano de 386. O herege foi condenado pela autoridade civil e não pela 
Igreja. Os padres apologetas defendiam a liberdade religiosa (livre da ingerência do 
Estado), declarando explicitamente e com ênfase os direitos inalienáveis da pessoa 
humana e impondo limites à competência do Estado. Santo Agostinho defendia 
inicialmente a liberdade religiosa, mas posteriormente admitia o uso de força “para 
remover a má vontade”. Foi nesta última posição de Santo Agostinho que está a 
base da evolução da inquisição na Idade Média. Formas muito antipáticas desse 
“obrigue a entrar” foram as Cruzadas internas da Europa, sobretudo contra os 
Valdenses, Albigenses e Cátaros. A comunidade da Idade Média estava 
fundamentada na unidade da religião e na íntima colaboração entre a autoridade 
civil e a religiosa. Eram dois aspectos da mesma realidade. A Igreja não aprova o 
uso da força contra os pagãos, mas a usa contra os hereges, dizendo que a heresia 
é subversão da ordem social estabelecida e que deve ser punida tanto como erro 
contra a religião como delito contra a sociedade civil. 
 
São três as causas que explicam essa praxe e também a origem da Inquisição: 
 
1. A influência do direito Justiniano que revive nas universidades da época (em 
529, Justiniano obrigava todos os súditos a “converter-se” ao cristianismo sob 
pena de confisco de bens e cassação dos direitos civis). Desta forma ele 
“converteu” 70.000 pagãos na Ásia. Bem diferente era a atitude do ostrogodo 
Teodorico, que concedia liberdade religiosa aos judeus. Dizia ele: “Não 
podemos impor a religião porque ninguém deve ser coagido a crer contra a 
sua vontade”. O herege Teodorico julgava melhor do que o católico 
Justiniano. 
 
2. O perigo da heresia dos Cátaros (séculos XI e XII) que condenavam o 
casamento, a propriedade privada, o trabalho manual, a legitimidade da 
autoridade civil, instaurando, de fato, perturbação e verdadeira anarquia na 
sociedade. 
 
3. Necessidade de impedir os suplícios, desde então aplicados aos hereges, 
com muito rigor. 
 
3 Baiton, Roland H., The Travail of Religious Liberty. The Westminster Press, Philadelphia, 1951, 
pg. 25. 
4 Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, vol. 1, 
Livraria Bertrand, Lisboa, 1852, pg. 69. 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 24 - 
 
Na evolução da Inquisição devemos distinguir 4 etapas: 
 
1) Inquisição episcopal - A repressão da heresia foi confiada aos bispos nas 
visitas pastorais inquisitoriais (1184). 
 
2) Inquisição legatícia - Exercida por legados. Os bispos se tinham mostrado 
um tanto “fracos e indulgentes” na repressão, e por isso ela é entregue a 
legados escolhidos pelo papa. Esse método evoluiu sob Inocêncio III que 
escolheu geralmente monges cistercienses da França. 
 
3) Inquisição monástica - Exercida por frades dominicamos e franciscanos, 
com missão permanente. Anteriormente a missão era confiada “ad tempus” 
ou “ad causam”, a fim de que nunca faltasse controle. Nomeava-se superiores 
provinciais para exercer esse controle. Esse método foi introduzido por 
Gregório IX. 
 
4) Inocêncio IV permite o uso de torturas que era praxe na época, no direito 
penal em vigor, embora já tivesse sido condenada por Nicolau I, no século IX, 
pois esse papa já previa os “incômodos” decorrentes dessa maneira de agir. 
 
MÉTODOS USADOS NA INQUISIÇÃO: (1) O inquisidor, ao chegar num 
determinado lugar, proclamava “um tempo de graça”: quem confessasse sua culpa 
poderia ser absolvido logo, e recebia apenas um castigo leve. (2) Esgotado esse 
tempo de graça, proclamava-se um novo “Edito de Fé”. Os súditos eram chamados 
ao tribunal. Em caso de confissão, deveriam ser absolvidos com imposição de 
punição razoável. Em caso de resistência e negação: era preciso ouvir testemunhas, 
que ficavam anônimas, mas as respostas eram publicadas. Para “facilitar” as 
confissões, usava-se a tortura: flagelação, fogo, cavalete, etc. (3) A sentença era 
dada pelo juiz eclesiástico, após ter ouvido “boni viri” (homens bons). Havia diversos 
tipos de sentenças: (a) absolvição; (b) punição: cárcere, peregrinação, certo sinal 
externo visível, e obra de caridade; (c) pena de morte: o herege era entregue ao 
braço secular, que então condenava à morte, em razão de delito contra a sociedade. 
A heresia era punida tanto como delito contra a religião como delito contra a 
sociedade, contra a ordem social e sujeito às leis da época. A Igreja não condenava 
à morte diretamente, mas é claro que, na maneira de agir, estava cooperando de 
perto para esse castigo supremo. 
 
As duas primeiras fases da inquisição (a episcopal e a legatícia) foram consideradas 
por alguns como indulgentes e por outros como envolvidas nas formas políticas e 
estatais porque os juizes inquisitoriais aplicavam o direito civil e o processo civil. Por 
esta razão o papa Gregório IX instituiu uma inquisição estritamente eclesiástica em 
1234, mas assumiu todas as práticas já introduzidas; antes daquele ano, e adotou 
as bases jurídicas do direito consuetudinário normando e franco. Por mandado 
eclesiástico procurava-se defeitos na retidão da fé, tanto dentro da Igreja como em 
relação a pessoas de outras convicções religiosas, mas morando em países 
cató1icos ou sob autoridades católicas. Fazia-se isso usando todos os meios, 
inclusive as torturas corporais mais duras, para conseguir a confissão do erro. Em 
casos de resistência à confissão, não se hesitava a aprovar a morte na fogueira e 
deixar a execução ao Estado. Mas a inquisição não julgava apenas delitos da fé, 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 25 - 
mas também delitos morais e sociais e chegou a se revestir de formas inimagináveis 
em relação aos supersticiosos e às bruxas. A inquisição católica falhou durante a 
época da Reforma, no século XVI, e se extinguiu na Alemanha e na Holanda. Mas 
na Espanha, em Portugal e na Itália conseguiu sobreviver até o início do século XIX. 
A forma antiga foi abandonada e a tarefa de proteger a retidão da fé foi entregue à 
Congregação da Inquisição, do Santo ofício, cujo nome foi mudado em 1967 e hoje 
tem a seguinte designação: Santa Congregação para a Doutrina daFé. 
 
Como sabemos, através da informação de Alexandre Herculano, “O ano de 1229 é a 
verdadeira data do estabelecimento da Inquisição”,5 embora o mesmo autor 
reconheça que a Constituição promulgada por Lúcio III, em 1184, tem sido 
considerado por alguns escritores como a origem e o germe da Inquisição. “Aquele 
ato do poder papal, expedido de acordo com os príncipes seculares, ordenava aos 
bispos que por si, pelos arcediagos, ou por comissão de sua nomeação visitem uma 
ou duas vezes por ano as respectivas dioceses a fim de descobrir os delitos de 
heresias, ou por fama pública ou por denúncias particulares”.6 
 
Vamos notar que nos últimos 20 anos da história da IPB houve casos semelhantes 
inspirados pelos “papas” protestantes. 
 
Mas convém que recordemos algumas técnicas usadas pela inquisição, tanto 
cató1ica como protestante, para que, ao longo da pesquisa, possamos identificar o 
que está ocorrendo nos arraias presbiterianos. 
 
G. G. Coulton, em seu livro Inquisition and Liberty, apresenta as seguintes 
características e práticas inquisitoriais: 
 
1. Absolvição de um condenado era quase desconhecida nos processos da 
inquisição. 
 
2. Os juízes da inquisição eram puramente eclesiásticos, isto é, membros dos 
partidos religiosos interessados. As autoridades civis tentaram sustentar seu 
direito de, pelo menos, consultar os documentos, mas foi em vão. Houve 
casos em que as autoridades civis eram ex-comungadas quando rejeitavam 
cumprir as leis contra os hereges. 
 
3. Os procedimentos eram secretos e os inquisidores zelosamente guardavam 
seus documentos para não serem vistos pelos de fora. 
 
4. Os nomes das testemunhas contra os hereges eram guardados em segredo 
sob a alegação de que havia necessidade de proteger essas testemunhas. 
 
5. Os hereges não tinham o direito de constituírem advogados para defendê-los. 
Essa medida foi decretada por Inocêncio III. 
 
6. Uma pequena discordância podia ser exagerada ao ponto de tornar-se um 
crime punível por morte. Às vezes somente ter em casa uma Bíblia na língua 
 
5 Ibidem, pg. 69. 
6 Ibidem, pg. 83. 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 26 - 
vernácula ou usar roupas proibidas pelas autoridades, eram motivos para ser 
levado à fogueira. 
 
7. Não havia lugar para a “heresia construtiva”. Qualquer aparente falta de 
respeito para com a Igreja podia formar uma base “prima facie” para suspeita. 
 
8. Apesar do fato do perseguidor Trajano ter proibido Plínio de procurar os 
cristãos ocultos, a inquisição compeliu cada cristão a ser espião dos segredos 
de seu irmão. Um herege que abjurava, e assim trocava a fogueira pela prisão 
perpétua, era obrigado a prometer primeiro que iria perseguir os hereges, 
dando informações contra eles e revelando o lugar onde eles se 
encontravam.7 
 
Sobre essa prática de denúncia, Alexandre Herculano informava que “a terça parte 
dos bens dos que eram condenados como hereges ficava pertencendo aos seus 
acusadores... desse modo os inquisidores vendiam aos desgraçados os bens e a 
vida a troco de traírem seus irmãos”.8 Foi um verdadeiro clima de terror implantado 
na Igreja e, “para que o terror não diminuísse, onde não podia achar culpados, 
queimavam os inocentes”.9 
 
A página da inquisição é tão negra que não tem sido totalmente estudada. Embora a 
inquisição protestante aparecida na época da Reforma fosse de proporção bem 
menor do que a Católica, os protestantes não estão isentos de culpa. 
 
Os pré-requisitos para a perseguição a hereges eram três: (1) o perseguidor deve 
crer que ele está certo; (2) que o ponto em questão é importante; (3) que a coerção 
será efetiva. Sobre esses três pontos, católicos e protestantes estão de acordo 
quando perseguem hereges.10 
 
Tanto os católicos como os protestantes perseguiam os hereges porque viam neles 
uma ameaça para a estrutura da Igreja e da sociedade. Argumentavam que os 
hereges danificavam e envenenavam as almas dos seus irmãos. Tanto os católicos 
com os protestantes concordavam que erradicar o erro através da morte ou da 
prisão do herege era uma obra benéfica à Igreja, e devia ser feita para a glória de 
Deus. 
 
Lutero, a princípio, procurou limitar a perseguição apenas aos blasfemos. Os 
hereges eram Poupados, mas depois houve a identificação da blasfêmia com a 
heresia. Calvino não fazia essa distinção sutil e consentiu que Miguel Serveto fosse 
queimado, acusando-o abertamente com herege. 
 
Dois argumentos a favor da perseguição foram usados por Calvino e fortaleceram a 
inquisição: (1) A gravidade de uma ofensa dependia do grau de importância da 
pessoa ofendida, logo uma ofensa contra a majestade de Deus era um crime de 
infinita depravação. (2) Já que pela doutrina da dupla predestinação as almas já 
estavam salvas ou perdidas, o propósito da perseguição aos hereges devia ser a 
 
7 Coulton, G. G., Inquisition and Liberty. Beacon Hill, Boston. 1959, pgs. 119-130. 
8 Herculano, op. cit., pg. 50. 
9 Bainton. op. cit., pg. 17. 
10 Ibidem, pg. 18. 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 27 - 
glória de Deus. “O propósito da perseguição não era alterar o decreto de Deus, mas 
vindicar sua honra”.11 
 
Sobre esses dois fundamentos Calvino tentou argumentar, justificando a 
perseguição. “Aquele que despreza e rebaixa a majestade de Deus é pior do que um 
bandido que corta a garganta de um viajante... E o Deus que nem mesmo poupou as 
crianças dos amalequitas requer que nós sejamos inexoráveis. Se essa exigência 
parece cruel para nós devemos ter certeza que Deus somente sofreria pelas 
crianças dos amalequitas se elas já não tivessem sido por Ele condenadas e 
destinadas para a morte eterna”.12 
 
Assim a doutrina da predestinação foi invocada para endurecer os homens contra 
qualquer brandura de sentimento. Por que deveria ser o homem mais compassivo 
do que Deus?13 
 
Veremos que o argumento da morte dos amalequitas continua vivo na ala 
inquisidora do presbiterianismo brasileiro: foi o texto usado para o sermão de 
abertura da reunião do Supremo Concílio em 1974, para justificar dissoluções de 
sínodos e despojamentos de pastores e outras perseguições. 
 
A inquisição protestante teve a sua casuística no Consistório de Genebra no tempo 
de Calvino. Sobre o despojamento de pastores havia a seguinte orientação: 
 
“Um ministro devia ser deposto por heresia, jogo de azar e baile, 
mas se ele fosse culpado de grosserias, obscenidade e avareza, 
bastaria uma admoestação fraternal”.14 
 
Sebastião Castéllio, contemporâneo e ex-cooperador de Calvino contestou essa 
casuística. “Por que”, perguntava Castéllio, “Calvino não efetua a morte dos 
hipócritas e dos avarentos? Ou será que ele pensa que os hipócritas são melhores 
do que os hereges? Ele afirma que os hereges destroem as almas. Mas a mesma 
coisa fazem os invejosos, os avarentos, e os orgulhosos. Mas se Calvino desejasse 
que todos os orgulhosos fossem punidos pelos magistrados, ninguém seria deixado 
para punir os magistrados”.15 
 
Todos nós sabemos que o clímax da inquisição protestante foi a condenação de 
Miguel, grande gênio do século XVI que foi queimado vivo, juntamente com seus 
livros, na cidade de Genebra. Seu acusador foi João Calvino. Serveto foi condenado 
porque disse a verdade que ele sinceramente julgava ser a verdade. Ele podia ter se 
retratado e falado contra a sua consciência. Ele podia ter fugido. Ele foi executado 
porque não quis mentir. Ele foi morto porque disse o que pensava.16 
 
Na sentença proferida pelo Conselho de Genebra podemos ver o verdadeiro objetivo 
da condenação: “Tu, Miguel Serveto, não te envergonhas nem horrorizas-te de te 
 
11 Ibidem, pg. 22. 
12 Ibidem, pg. 70. 
13 Ibidem, pg. 71. 
14 Ibidem, pg. 119. 
15 Ibidem, pg. 115. 
16 Ibidem,pg. 119. 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 28 - 
colocares contra a majestade de Deus e contra a Santa Trindade, e assim tu tens 
obstinadamente tentado infeccionar com o teu veneno fétido e herético... Por essas 
e outras razões, desejamos purificar a Igreja de Deus de tal infecção e amputar o 
órgão podre. Falando em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, nós escrevemos a 
sentença final e te condenamos, Miguel Serveto, a seres conduzido a Champel e lá 
seres amarrado num poste e seres queimado até às cinzas, com teus livros”.17 
 
Todos os protestantes mais tarde lamentaram esse ato assassino e se 
penitenciaram erguendo um monumento em homenagem a Serveto, mas os 
mecanismos que levaram o herege à fogueira não desapareceram. Um desses 
mecanismos já era usado na inquisição católica, quando os inquisidores não podiam 
queimar corporalmente o herege queimavam-no em efígie, isto é, faziam uma 
estátua representando o herege e a queimavam.18 
 
A inquisição protestante continuou. Os puritanos que vieram para a América em 
1620, no “Mayflower”, fugindo da inquisição anglicana, fundaram a colônia de 
Massachusets para gozarem de liberdade religiosa, que não tinham na Inglaterra. 
Mas, logo depois, instauraram uma verdadeira inquisição na nova colônia e 
expulsaram os que eram considerados hereges. Os deportados então fundaram a 
nova colônia de Rhode Island. Mas não parou aí, porque os puritanos continuaram a 
instaurar perseguições em outros lugares.19 
 
Esse espírito inquisitorial, sempre latente tanto no catolicismo como no 
protestantismo, ressurge em certas épocas. No caso que estamos considerando no 
Brasil, o espírito inquisitorial foi despertado e reativado pelo movimento 
“fundamentalista” que tem levado muitos irmãos às barras dos tribunais religiosos e 
seculares, usando as armas da difamação, da mentira, da calúnia e acendendo as 
fogueiras morais e espirituais contra seus irmãos que pensam diferente. 
 
Como resultado dessa perseguição, surgiu no meio presbiteriano um fenômeno 
interessante constatado em outras épocas. A tese de Castéllio era que a 
perseguição pode facilmente transformar um herege em um hipócrita. Isso 
aconteceu com David Joris, da Holanda (1501). Entre nós, na história da IPB, 
podemos distinguir os líderes que eram conservadores, mas não eram fariseus, de 
outros líderes que, além de conservadores, eram fariseus perseguidores e fanáticos. 
E muitos, para não perderem posições de privilégio, tornaram-se hipócritas. 
 
A inquisição sem fogueiras está em pleno funcionamento na IPB. 
 
Pastores e leigos são despojados e disciplinados sem oportunidade de defesa. 
 
Professores são expulsos dos seminários sem terem oportunidade de defesa das 
acusações que foram alegadas para sua expulsão. Alguns desses professores, pais 
de família numerosa, foram jogados na rua da amargura sem salário e 
desmoralizados perante a Igreja e a sociedade. 
 
 
17 Ibidem, pg. 119. 
18 Herculano, op. cit., pg. 89. 
19 Hicks, J. D., A Short History of American Democracy. Houghton Mifflin Co., Boston, 1943, pg. 16. 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 29 - 
Se tais professores recorrem à justiça secular são disciplinados pela “licença 
compulsória” (nova arma da inquisição) e são ameaçados de despojamento. Se a 
causa na justiça não termina dentro de dois anos, são despojados. Os inquisidores 
fazem tudo para que a causa demore, usando a baixeza das chicanas jurídicas. 
 
Um desses professores que recorreram à justiça secular estava sendo ajudado 
financeiramente pela igreja da qual era pastor, em “licença compulsória”. O sínodo 
da região mandou a igreja suspender a ajuda financeira sob ameaça de intervenção 
e dissolução do presbitério. Os inquisidores; queriam que o pastor passasse por 
privações econômicas e fosse reduzido à miséria. 
 
Outro professor, no ano em que ficou viúvo, foi jogado fora do seminário com seus 
filhos. Poucos meses depois era Natal. Ele não pode comprar, à prestação, 
presentes para os filhinhos órfãos da mãe porque a junta comercial da cidade foi 
avisada, pelo cartório, que o professor tinha sido demitido do seminário, portanto 
não tinha crédito. E quem avisou o cartório foi a direção do seminário. 
 
Dezenas de pastores que discordam da direção da Igreja passaram por dificuldades 
financeiras tremendas e humilhantes porque foram postos fora das igrejas e tiveram 
que procurar sustento em outro lugar. 
 
A 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte passou por uma situação dramática. As 
autoridades da IPB mandaram trancar o templo com correntes pesadas de ferro e 
cadeados enormes para que os crentes não entrassem para dar culto a Deus. 
Somente com o recurso da Justiça Civil os membros da igreja puderam reaver o 
direito ao templo. 
 
Presbitérios e sínodos foram dissolvidos de maneira mais absurda e contra todos os 
princípios democráticos. 
 
O jornal da Igreja, Brasil Presbiteriano, que era um órgão para informações e 
debates de opinião, foi reduzido a um tipo de Diário Oficial que publica as decisões 
dos concílios. Ninguém pode escrever artigo que contenha opinião diferente da do 
diretor do jornal que é, ao mesmo tempo, o presidente da Igreja. Na 1ª página saem 
as notícias de despojamentos de pastores, dissoluções de presbitérios e sínodos. 
 
E os pobres seminaristas e candidatos ao ministério? Se forem favoráveis aos 
desmandos; da direção da Igreja são elogiados e protegidos, mas se tomam 
posições contrárias são tratados desumanamente, expulsos, às dezenas, dos 
seminários. Há um verdadeiro clima de terror dentro dos seminários. Esse terror se 
espalha por toda a Igreja. 
 
Pastores e leigos são “denunciados” falsamente perante os órgãos de segurança. 
Missionários são expulsos e “acusados” de subversivos. 
 
Comissões especiais são constituídas com poderes superiores a todos os concílios 
e não dão satisfação aos concílios sobre as arbitrariedades, com foi o caso do 
fechamento do Seminário Presbiteriano do Centenário, em Vitória. 
 
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 
- 30 - 
Além de todos esses fatos, não devemos nos esquecer da inquisição interna, dentro 
das comunidades locais através da fiscalização rigorosa na vida dos crentes, através 
da censura dos atos dos membros das igrejas. Aquilo que Weber descrevia no 
calvinismo nascente, como “a mais insuportável forma de controle eclesiástico que 
pode existir”. 
 
Elter Maciel descreve esse controle nas igrejas brasileiras: “Isto significa que o 
legalismo e a fiscalização do comportamento individual chegam ao extremo da 
sugestão de exclusão (de jovens) por causa do pecado que consiste em ir ao 
cinema. ... Inúmeros exemplos como este vão mostrando e confirmando a 
fiscalização ‘insuportável’ e o controle eclesiástico a que chegam as congregações 
protestantes”.20 
 
Vários aspectos dessa situação serão examinados nos capítulos que se seguem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
20 Maciel, Elter, Pietismo no Brasil. Tese de Mestrado, Universidade de Goiás, pg. 152. 
 
- 31 - 
INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA 
 
 
A cristandade do século XX foi infelicitada pelo surgimento dos fariseus peripatéticos 
[aristotélicos] e turistas que atravessam os “sete mares”, espalhando por toda parte 
da terra as sementes da divisão, da cizânia [desarmonia, rixa, discórdia] e do ódio 
no meio das comunidades protestantes. Esses novos fariseus são chamados 
“fundamentalistas”. 
 
O “fundamentalismo”, como movimento, surgiu com a publicação de um série de 
livros na cidade de Chicago (1910) com o título: “The Fundamentals: A Testimony to 
the Truth”.1 Era um esforço sincero para combater o liberalismo do século XIX. O 
objetivo era defender as doutrinas preservadas pelos grupos conservadores, por 
isso os escritores da referida série de livros defendiam doutrinas básicas como:a 
divindade de Cristo, o nascimento virginal de Cristo, a inspiração da Bíblia, a 
ressurreição corporal de Cristo, e outras. 
 
Esse movimento começou a se degenerar depois da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) 
e chegou ao auge da degeneração depois da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), 
quando foi fundado o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (1948) para fazer 
oposição ao movimento ecumênico. 
 
Sob o pretexto de defender a ortodoxia, esses fariseus peripatéticos se ligaram 
indiretamente a todos os movimentos radicais da extrema direita política-social e a 
todos os fascismos nos Estados Unidos da América. Houve ligações obscuras com a 
“John Birch Society” e com os movimentos contrários à integração racial. A imprensa 
norte-americana denunciou que os fundamentalistas apóiam a “Ku Klux Klan”. 
Combateram ostensivamente o pastor Martin Luther King. Foram fervorosos 
defensores da Guerra do Vietnã, e até foram considerados suspeitos no complô para 
assassinar o presidente John F. Kennedy. Na América Latina, os fundamentalistas 
se apresentaram gratuitamente a governos militares da direita para serem espiões 
de seus irmãos e se prontificaram a denunciar todos os inimigos do capitalismo. 
 
Pelo que estamos vendo, o movimento fundamentalista procurou despertar dentro 
da IPB dois pontos: a) o fortalecimento do radicalismo conservador, combatendo as 
“novidades” daqueles que eles rotulam de “modernistas” e “ecumênicos”; b) 
defender ardorosamente o sistema capitalista e acusar de “comunista” todos aqueles 
que não se simpatizavam com o “fundamentalismo”. 
 
Depois do “1º Congresso Evangélico Pan-americano”, de 1961, a ofensiva 
fundamentalista foi intensa nos arraiais presbiterianos. 
 
Um velho missionário, Alexander Reese, que trabalhou várias décadas no Brasil, viu 
com tristeza, no final de sua carreira, os estragos do movimento fundamentalista. Ele 
escreveu: “Em apenas um ano, os métodos e atitudes dos fundamentalistas ... têm 
 
1 Neve, History of Christian Thought, vol. II, pg. 290. 
INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA 
- 32 - 
sido responsáveis por mais mentiras, injustiças e difamações do que eu tenho visto 
em uma geração inteira no Brasil.”2 
 
Nelson Bell, conhecido líder conservador norte-americano, visitou o Brasil para 
verificar se havia razões nas acusações dos fundamentalistas de que as igrejas 
evangélicas do Brasil estavam eivadas de modernismo. Após sua visita declarou que 
era “o mais flagrante caso de acusações mentirosas e injustas contra irmãos cristãos 
e instituições cristãs” que ele jamais tinha visto.3 
 
O velho pastor da IPB, Haroldo Cook, sempre conservador em suas doutrinas, 
escreveu um artigo no Brasil Presbiteriano intitulado “Advertência Necessária”, 
combatendo os métodos do fundamentalismo e afirmando: “Os métodos dos 
McIntiristas, para invadirem as outras denominações evangélicas a fim de desviarem 
os crentes incautos, são tão repreensíveis como os chamados ‘Testemunhas de 
Jeová’. Há falta de ética cristã nesses métodos que usam. ... Bem diz o Norte 
Evangélico: ‘É uma inovação separatista provocada pela semeadura da intriga, da 
discórdia, da difamação, e de suspeitas ruins, a serviço do movimento de McIntire e 
financiado por ele’.”4 
 
Missionários fundamentalistas vindos dos Estados Unidos para combater o 
modernismo, passaram vários meses no Nordeste visitando igrejas presbiterianas e 
ouvindo sermões, analisando a literatura das escolas dominicais e o ensino nos 
seminários e chegaram à conclusão de que o apelo de líderes fundamentalistas 
brasileiros para enviar missionários e verbas sob pretexto de modernismo, era um 
exagero ou havia outras intenções. Como explicou o pastor José Matos: “Eu creio 
firmemente que o verdadeiro problema não é ortodoxia, nem fundamentalismo, mas 
é o de liderança e prestígio”.5 
 
O que estava acontecendo nos anos da década de 50 é que os presbiterianos 
brasileiros discordavam apenas dos métodos fundamentalistas, mas louvavam o seu 
combate ao ecumenismo e sua defesa da ortodoxia. 
 
Um parágrafo do presbítero Davi Mendonça é significativo: “E é necessário que 
digamos, de passagem, que nesta oposição sistemática (ao movimento ecumênico) 
nada temos a ver com o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), do Sr. Carl 
McIntire, que também se opõe tenazmente ao tal movimento. ... Se o CIIC desfralda 
a bandeira de combate a esse ecumenismo indiscriminado e reivindica para a Bíblia 
seu caráter de autoridade única e infalível em Matéria de religião, parabéns a ele e 
que Deus o abençoe neste nobre tentâmen! [tentativa] [grifos nossos] Apenas 
lamentamos que os métodos por ele usados nesse combate nem sempre sejam 
louváveis, sendo às vezes até reprováveis. Nisto não o felicitamos. Está esclarecida, 
pois, nossa posição, que nada tem de compromisso com o CIIC, embora coincida 
em parte com o seu programa”.6 
 
 
2 Pierson, Paul E., A Younger Church in Search of Maturity. Trinity University Press, San Antonio, 
1974, pg. 209. 
3 Ibidem, pg. 211. 
4 Brasil Presbiteriano (BP), outubro de 1958, pg. 2. 
5 Norte Evangélico, outubro de 1956. 
6 BP, maio de 1962, pg. 2; e abril de 1967. pg. 2. 
INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA 
- 33 - 
Por enquanto a IPB não concordava com os métodos, mas depois acabou 
concordando. O que estou mostrando neste documentário é que o movimento 
fundamentalista veio despertar a tendência inquisitorial do protestantismo 
conservador. A inquisição sem fogueiras apareceu justamente na época em que o 
fundamentalismo triunfou na esfera mais alta da administração da IPB. 
 
Nesse ponto o sistema de governo presbiteriano adaptado pela IPB favorece esse 
tipo de inquisição. As igrejas locais estão sujeitas aos presbitérios, estes aos 
sínodos regionais e ao Supremo Concílio nacional. O governo presbiteriano tem 
suas bases populares, mas no ápice está à toda-poderosa Comissão Executiva do 
Supremo Concílio e a não menos poderosa Mesa do Supremo Concílio. Ora, a 
CE/SC é constituída dos 4 membros da Mesa e dos presidentes dos sínodos 
regionais. Durante os quatro anos de interregno das reuniões do Supremo Concílio, 
a CE/SC tem acesso a toda a vida da Igreja. Além dos documentos dos presbitérios 
e dos sínodos, sobem para esse órgão todos os assuntos dos seminários, das 
secretarias dos trabalhos da mocidade, dos homens e das senhoras, os assuntos 
patrimoniais e financeiros, as relações inter-eclesiásticas, e os demais problemas. É 
uma centralização administrativa que funciona razoavelmente numa época de 
calma. Quando surgem as crises, porém, a CE/SC tem se tornado ora deficiente, ora 
prepotente. A Mesa se reuniu em ocasiões de emergência para tomar decisões “ad 
referendum” à reunião da CE/SC. Quando esta tem a sua maioria a favor do 
presidente, esta facilmente faz prevalecer ditatorialmente a sua opinião que se 
reflete em toda a vida da Igreja. 
 
Há também os tribunais: os 4 concílios da IPB podem funcionar com tribunais, ou 
tem os seus tribunais. O conselho da igreja local pode funcionar com tribunal para 
julgar membros e oficiais daquela igreja. Os presbitérios podem funcionar com 
tribunais para julgar ministros, conselhos das igrejas locais e julgar, em grau de 
recurso, decisões de conselhos. Os sínodos e o Supremo Concílio também 
funcionam com tribunais de recursos. O mais alto tribunal da IPB é o Tribunal de 
Recursos do Supremo Concílio, que recebe recursos provindos de outros concílios. 
Acontece que, numa época de crise, esses tribunais funcionam de tal maneira 
partidária que, dificilmente, um acusado da ala da “oposição” ganharia uma causa. 
 
Ora, o espírito fundamentalista, entrando nessa máquina burocrática, faz muita coisa 
desagradável, como já estamos vendo ao longo deste trabalho, porque o 
fundamentalismo faz acionar os

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