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Edição digital baseada no livro de João Dias de Araújo, Inquisição Sem Fogueiras, 2ª Edição, Instituto Superior de Estudos da Religião, Rio de Janeiro, 1982. A presente versão não é final, pois podem haver possíveis erros de digitação no texto. Por isso, solicitamos que sejam enviadas as observações, sugestões e outras opiniões para endereço eletrônico: luisclaudio@click21.com.br. Capa: Júlio César de Oliveira. ÍNDICE O Autor 4 Siglas 5 Apresentação da 1ª Edição 6 Apresentação da 2ª Edição 8 Apresentação da Edição Digital 9 Introdução 13 Retrospecto Histórico 17 Inquisição Sem Fogueiras 22 Início da Radicalização Conservadora 31 A Extinção da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana 35 Pressões sobre Pastores e Leigos Preocupados com Problemas Sociais 43 Impacto do Concílio Vaticano II 49 Ecumenismo 54 A Revolução de 1964 61 Expurgos nos Seminários 69 Crise em São Paulo 79 Templo com Correntes e Cadeados 85 Dissoluções e Despojamentos na Bahia 91 Dissolução do Sínodo Espírito-Santense 99 Voz Profética dos Presbitérios de Vitória e de Colatina 104 Expurgos e Isolacionismo 114 Considerações Sociológicas 121 Considerações Teológicas 130 Perspectivas Para o Futuro 134 Bibliografia 138 O AUTOR João Dias de Araújo nasceu num seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), em Campinas, SP, onde seu pai estudava para o ministério da Palavra. Retornou àquele seminário na década de quarenta para cumprir sua própria vocação. Após sua ordenação, pastoreou por sete anos a Igreja Presbiteriana de Itacira, no Presbitério de Campo Formoso, da IPB. Lá, no centro geográfico do Estado da Bahia, desenvolveu ministério fecundo, aconselhou obreiros e pacientes do Grace Memorial Hospital, professores e alunos na Escola de Auxiliares de Enfermagem e no Instituto Ponte Nova, e ajudou a organizar o Instituto Bíblico Waddell. Escreve para vários periódicos, e seu artigo sobre os Manuscritos do Mar Morto foi o primeiro sobre este assunto a ser publicado em português. Foi chamado pelo Supremo Concílio da IPB para ser professor de Teologia Sistemática e Ética Cristã no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), em Recife, PE. Fez pós-graduação no Seminário Teológico de Princeton, nos EE.UU. da A., e bacharelou-se em Direito, em Recife. Como representante do Fundo de Educação Teológica, viajou ao Exterior repetidas vezes, visitando seminários em países do Terceiro Mundo. Após doze anos de cátedra no SPN, saiu de Recife para ser diretor do Colégio 2 de Julho, em Salvador, BA, talvez o educandário evangélico mais conhecido no nordeste do País. Muito conhecido como conferencista e professor de Bíblia, João Dias de Araújo é ministro da Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), atualmente responsável por um novo projeto de educação teológica para leigos no Estado da Bahia. Publicou quatro livros: Escondendo-se na Luz, São Paulo, 1952; Portas Cor de Rosa, São Paulo, 1959; O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964; Sê Cristão Hoje, Recife, 1970. J. N. W. 19.11.82 SIGLAS AIPRAL Associação de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina AIRB Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil ASTE Associação de Seminários Teológicos Evangélicos do Brasil BP Brasil Presbiteriano CD Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil CPJ Colégio Dois de Julho CEB Confederação Evangélica do Brasil CES Comissão Especial de Seminários CE/SC Comissão Executiva do Supremo Concílio CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço CE/SSP Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo CGT Comando Geral dos Trabalhadores CI Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil CIIC Conselho Internacional de Igrejas Cristãs CIP Conselho Inter-Presbiteriano CMI Conselho Mundial de Igrejas CMP Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil COEMAR Comissão de Missão e Relações Ecumênicas da Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América FECICS Fundação Educacional Cícero e Cecília Siqueira FENIP Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas ICCR Igreja Cristã de Confissão Reformada ICR Igreja Cristã Reformada IPB Igreja Presbiteriana do Brasil IPC Igreja Presbiteriana Conservadora IPF Igreja Presbiteriana Fundamentalista IPI Igreja Presbiteriana Independente do Brasil IPR Igreja Presbiteriana Renovada IPRJ Igreja Presbiteriana na Cidade do Rio de Janeiro IPS Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos IPU Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América ISER Instituto Superior de estudos da Religião JMN Junta de Missões Nacionais MPBC Missão Presbiteriana do Brasil Central PBH Presbitério de Belo Horizonte POMN Presbitério Oeste de Minas PSP Presbitério de São Paulo PSVD Presbitério de Salvador PVSF Presbitério do Vale do São Francisco SAF Sociedade Auxiliadora Feminina SBH Sínodo Belo Horizonte SBS Sínodo Bahia-Sergipe SC Supremo Concílio SES Sínodo Espírito-Santense SES-RJ Sínodo Espírito Santo - Rio de Janeiro SFC Seminário Presbiteriano do Centenário SPN Seminário Presbiteriano do Norte SPS Seminário Presbiteriano de Campinas UCEB União Cristã de Estudantes do Brasil UPH União Presbiteriana de Homens APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO Era necessária documentar os fatos que se desenrolaram dentro de uma instituição religiosa brasileira, para servir de advertência e se constituir num brado de alerta à comunidade ecumênica do século XX. O que está acontecendo na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) pode acontecer em qualquer outro lugar deste planeta. Os aspectos patológicos da vida religiosa que se manifestaram nestas últimas décadas dentro de uma Igreja de pouco mais de um século de existência, atraíram a atenção dos estudiosos do fenômeno religioso no Brasil e causaram espanto aos observadores religiosos protestantes da Europa e dos Estados Unidos da América. Entre os grupos que estudam a religião no Brasil está o Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER) que reúne professores, clérigos, ex-clérigos, leigos, sociólogos e teólogos, formando uma equipe ecumênica voltada à pesquisa e ao estudo da situação religiosa brasileira. A crise na IPB, que sempre era mencionada nos seminários do ISER, merecia um tratamento mais detalhado. Estimulado e encorajado pelos companheiros do ISER, o autor desta pesquisa resolveu fazer m estudo histórico descritivo e interpretativo, numa tentativa de documentar e de compreender o que está acontecendo mim dos mais significativos e expressivos grupos protestantes que floresceram no Brasil, na segunda metade do século XIX - o presbiterianismo. O ISER possibilitou a realização desta pesquisa, fornecendo os meios para que ela fosse discutida e publicada. O autor apresenta aqui seu agradecimento aos colegas que cooperaram, com esta pesquisa e que ainda poderão oferecer criticas para a melhor compreensão dessa síndrome religiosa - o inquisitorialismo. O trabalho é imperfeito e incompleto. O autor diria, imitando a última frase de Euclides da Cunha em Os Sertões: “É que ainda não existe um Alexandre Herculano para historiar a origem e o estabelecimento da Inquisição Protestante.” J. D. A. Recife, dezembro de 1975. APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO Após sete anos tenho a oportunidade de ver esta pesquisa novamente publicada. Neste ano também tive a alegria de ver este trabalho publicado em inglês, com a título: Inquisition Without Burnings. Agradeço as sugestões e críticas que recebi de vários leitores, amigos colegas, no sentido de corrigir e melhorar a lª edição,que está agora corrigida e parcialmente atualizada. Infelizmente, a situação da IPB continua a mesma. Fatos semelhantes aos descritos neste estudo continuam acontecendo. Alguns otimistas chegaram a profetizar que, com a proposta de “abertura democrática” feita pelo governo militar brasileiro, a IPB passaria para uma posição mais cordial e democrática. Puro engano. O regime militar decretou a anistia, reintegrando punidos e banidos ao convívio da sociedade brasileira. O regime eclesiástico, no entanto, nem cogita de compaixão e magnanimidade para com seus perseguidos e cassados. A cúpula da IPB não só foi a precursora de golpes neste País mas também a mantenedora de regimes golpistas. Todas as propostas de abertura feitas por vários setores da IPB foram solene e drasticamente rechaçadas por aqueles que ainda detêm o poder na Igreja. E ainda oportuna a publicação desta 2ª edição porque a memória do nosso povo é muito fraca, especialmente a do povo presbiteriano. Presbiterianos já estão esquecendo os fatos destas duas décadas que marcaram profundamente a Igreja que um dia foi implantada em nossa Pátria pelo ardente coração do jovem Ashbel Green Simonton. Volta e meia amigos e colegas de denominações presbiterianas irmãs indagam sobre os acontecimentos inquisitoriais na IPB, preocupados em que tais barbaridades não venham a se repetir em suas respectivas greis. Nutro a esperança de que este estudo venha a contribuir positivamente para evitar repetições que tais. Tenho agradecimentos especiais nesta 2ª edição. Ao tradutor para o inglês, Jaime Wright, à sua esposa Alma pelo rastreamento das referências bibliográficas e siglas, e à filha de ambos, Anita, pela sugestiva ilustração de capa. E ao Comitê de Defesa de Direitos Humanos no Cone Sul (CLAMOR) por ter cedido sua máquina para este serviço. J. D. A. Wagner (ex-Ponte Nova, ex-Itacira), BA, novembro de 1982. APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO DIGITAL Algumas palavras devem ser ditas, hoje, sobre o que significou a obra de João Dias de Araújo para o protestantismo e presbiterianismo brasileiros. Quando Jaime Wright verteu-o para o inglês, acrescentando uma preciosa bibliografia, subtitulou-a: Vinte anos de história da Igreja Presbiteriana no Brasil: 1954-1974. O campeão dos direitos humanos, conhecido como o mais importante entre os gigantes do presbiterianismo brasileiro, rendeu-lhe um tributo merecido. O teólogo presbiteriano- unido, escorraçado pela IPB, registrou um momento dos mais importantes do protestantismo e da opção calvinista e ecumênica, realçando o papel do grande mestre da Reforma Protestante, matriz do ecumenismo que conhecemos e aplaudimos, hoje (Zwínglio M. Dias). Significativamente, é influenciado pelo movimento Igreja e Sociedade na América Latina, impactado por uma teologia nova, social e politicamente realista, seu livro rebela-se contra a religiosidade “eqüidistante,” sem engajamento e definitivamente decidida a ficar em cima do muro vendo o trem da história passar, enquanto a América Latina se transformava, e o Brasil com ela. Um protestantismo presbiteriano infiel à Reforma se estabelecia como irremovível, inclinado ao pietismo e ao fundamentalismo, sem comprometer-se com as lutas contra a miséria, a fome, a doença, o trabalho negado; contra o distanciamento referente à cobrança de dívidas sociais, políticas; contra a afirmação dos direitos humanos e do exercício democrático de cidadania; contra as lutas do reconhecimento do ecumenismo histórico, do impedimento à comunhão com as tradições cristãs diversas, e até contra a discriminação de expressões do pluralismo religioso, evangelical ou afro-brasileiro, a ponto de ser classificada, a ala libertária dentro da IPB, de “modernista e comunista”. Pejorativamente, sem dúvida. A ala da qual João Dias de Araújo fazia parte arriscou-se na experiência da solidariedade diante da necessidade de fazer o presbiterianismo histórico original, reformado, calvinista de fonte, essencialmente confessional, mais que um presbiterianismo denominacional. Esforçou-se por fazer vigorar características latino- americanas em suas lutas libertárias do colonialismo religioso, político, econômico e cultural dentro do presbiterianismo e do protestantismo de fontes terciárias, ideológico, culturalmente tendencioso e arrogante; defensor de uma falsa originalidade reformada, como foi chamado no protestantismo das missões norte- americanas. Como comunidade de testemunho, propôs a resistência ao autoritarismo religioso, enquanto se debatia contra o autoritarismo político da ditadura militar. Sofreu, esse movimento presbiteriano libertário, a humilhação de ser declarado pelos próprios presbiterianos de serem falsos teólogos, hereges, indignos da Igreja Presbiteriana, sob as conseqüências da retirada de direitos pastorais de muitos ministros; retirada de validade da ordenação de ministros, presbíteros, diáconos, inclusive. O presente relato não corresponde a interesses internos das igrejas presbiterianas no Brasil, certamente refere-se à grande crise do protestantismo conservador, que reage simultaneamente nas duas frentes: ecumenismo irrestrito e missão da Igreja nas profundas transformações que ocorriam na América Latina. Responsabilidade social é a chave de tudo. Mas não se exclui a luta pelo resgate do presbiterianismo original, passando por João Calvino e João Knox, na Reforma Suíça e na Reforma Escocesa, respectivamente.Numa conferência proferida recentemente, João Dias dizia estas palavras: Havia já algum tempo que alguns teólogos presbiterianos estavam fazendo observações sobre o tipo de calvinismo que era valorizado no Brasil, especialmente pela IPB, mostrando que houve um afastamento histórico da fonte eclesial de Genebra e da eclesiologia de Calvino. Emil G. Leonard em sua obra clássica “O Protestantismo Brasileiro” preocupou-se com essa característica do Presbiterianismo de segunda mão. Escrevendo sobre o calvinismo dos primeiros missionários americanos que plantaram o presbiterianismo no Brasil, diria: “Do ponto de vista doutrinal, o calvinismo que (os missionários) acreditavam difundir já era uma diluição de diluições anteriores; o presbiterianismo americano já era ele mesmo uma adaptação do presbiterianismo britânico que por sua vez, através de um século de lutas contra o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado longamente do pensamento de Calvino. E, quase sempre acontece com as Igrejas distantes de sua fonte de inspiração – e, por isso mesmo mais ortodoxas em vontade que em espírito,o que era importante para estes missionários era a adesão aos textos denominacionais sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de Fé de Westminster (1647).” Este trabalho reflete alguma coisa a mais, no entanto. A teologia presbiteriana brasileira teve sua origem na teologia presbiteriana do século XIX, nos Estados Unidos. A teologia do presbiterianismo norte americano provinha, não só do puritanismo inglês, mas também do calvinismo escocês, onde se define o presbiterianismo sistemático, eclesiológico, organizacional, que ganhou o mundo. Infelizmente, diz o próprio João Dias, os teólogos americanos que formaram os missionários que atuariam no Brasil estavam mais preocupados com a polêmica anti-liberal do que com o aprofundamento e a criatividade na teologia. Observemos que Princeton, o grande reduto do presbiterianismo norte-americano, foi dominado pelo fundamentalismo até os anos 40, no século passado. John Mackay revolucionou esse grande centro teológico restaurando a tradição reformada representada pela presença de Karl Barth, Emil Brunner, Joseph Horomadka, e dando grande força à teologia norte-americana representada por Richard e Reinhold Niebuhr, Paul Lehman e outros. Esta fase, porém, só vai refletir-se na década de 60, especialmente coma presença no Brasil do teólogo precursor da Teologia da Libertação Richard Shaull. “A história da teologia presbiteriana nos Estados Unidos, no século passado, foi marcada pelo conservantismo, pelo anti-liberalismo e pela volta ao Escolasticismo Protestante do século XVII. Essas ênfases foram iniciadas pelo teólogo norte americano Jonatham Dickinson, que na primeira metade do século XVIII, escreveu um livro para defender o calvinismo radical. O historiador missionário Paul E. Pierson enumera três características da teologia das Igrejas que enviaram missionários para o Brasil: Denominacionalismo; falta de interesse por uma teologia científica; preocupação com a disciplina e a retidão de caráter,” acrescenta o teólogo João Dias na citada conferência. O fundamentalismo formou correntes teológicas reacionárias à teologia libertária que brotava, e João Dias, extremamente próximo de Richard Shaull, desde a famosa Conferência do Nordeste, onde o protestantismo brasileiro foi sacudido pela atuação da ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Resultou num documento importantíssimo também conhecido como Compromisso Social, “assumido” pela IPB (1962). Contra a importância histórica do cristianismo primitivo acentuada na libertação religiosa (História da Salvação); contra a pesquisa histórica da pessoa de Jesus de Nazaré; contra o criticismo documental e hermenêutico das ênfases neotestamentárias sobre a identidade real da comunidade primitiva, fundamentalistas expressavam, como acontece ainda hoje, uma reação à modernidade com extrema virulência. O debate público para a restauração do passado ideal onde a autoridade religiosa não era questionada, uma espécie de contra-reforma dentro do próprio protestantismo brasileiro, tomava corpo. Seus conteúdos abrangiam as igrejas e as famílias, a autoridade do varão, do pai; a autoridade de um governo central capaz de impor normas de conduta moral quanto ao aborto, a homossexualidade, o feminismo, e em geral contra a secularização das escolas públicas e dos cerimoniais nacionais que afirmavam o apoio e a presença divina em todos os atos públicos do governo. No plano internacional, apóia o intervencionismo estadunidense, como ainda se vê. Afirmava-se, entre presbiterianos, os cinco pontos inegociáveis com a modernidade: 1. Da inerrância da Bíblia, inclusive a literalidade dos escritos bíblicos, donde surgiram traduções comentadas sob inspiração fundamentalista e do biblicismo literalista idolátrico das Escrituras (como o legalismo neotestamentário) ; 2. Do nascimento virginal do Salvador; sua mãe terrena, em acordo com o integrismo católico-romano, que concebeu e deu à luz como virgem, preservando a concepção humana mas sem pecado, e a divindade de Cristo, enquanto homem de Nazaré, concomitantemente; 3. Do sacrifício vicário substitutivo: na cruz, em nosso lugar, confirmando o entendimento medieval da "satisfação" da justiça divina em um único escolhido e determinado; Cristo sempre foi divino, no entanto invulnerável à condição humana; 4. Da ressurreição física e concreta de Jesus, sem discutirem-se as demais ressurreições citadas nos evangelhos e nos escritos apostólicos; 5. Da volta iminente de Cristo para julgar os pecadores, quando os salvos seriam arrebatados ainda em vida. Confirmavam-se teorias como a "dispensação da Lei" e a "dispensação da Graça", separadamente, mas ainda em vigor. A Lei condiciona a Graça, é o seu entendimento final. Fica patenteada a negação da teologia da Reforma, portanto, e a restauração da escolástica medieval. Talvez, à primeira vista, tal a familiaridade que temos com o fundamentalismo, nem nos damos conta dos significados desse "pontos fundamentais," uma vez que eles fazem parte indiscutível do que ensinaram os missionários fundadores do protestantismo no Brasil e também da pregação fundamentalista na maioria absoluta dos púlpitos presbiterianos e evangelicais; e da negação da necessária releitura da Bíblia. Quantos professam essa mesma concepção e não o confessam? De qualquer forma, não corre o risco, esta versão eletrônica, de fazer citações que não possam ser sustentadas documentalmente. Enquanto não se publica este trabalho, materiais novos, pesquisa mais recente, têm chegado ao nosso ambiente de estudos. Cito três, entre os mais importantes: O Novo Rosto da Missão, de Luiz Longuini Neto, Ultimato, 2002 – Uma abordagem de grande interesse teológico, pesquisa científica de valor incalculável que relata grande parte dos acontecimentos desde o período chamado Protestantismo de Missões, passando pelos albores do movimento ecumênico, Igreja e Sociedade na América Latina – ISAL, e as reações do movimento evangelical que o julgava demasiado interessado na revolução social. Esse trabalho recente valoriza as propostas eclesiológicas e teologias que alcançam a realidade latino-americana que encontram um campo fértil de experimentos pastorais mais próximos da diaconia sugerida pela idéia da Missão Integral, ou Missio Dei (Missão de Deus). Os outros dois, referem-se ao trabalho do extraordinário teólogo Richard Shaull. Um deles Surpreendido pela Graça, Record,2003, uma biografia assinada pelo referido autor, traduzida por Waldo César. O último é de autoria do teólogo Eduardo Galasso, Fé e Compromisso, ASTE, 2002. É um trabalho resumo da teologia e trajetória de Richard Shaull no Brasil. Cito as três obras por sua relação direta com a Teologia da Libertação, inequivocamente inaugurada pelo grande teólogo R. Shaull, compartilhada por João Dias de Araújo e outros teólogos como Joaquim Beato, Jovelino Ramos, Claude Emanuel Labrunie, Zwínglio Mota Dias, e outros presbiterianos, que gerou um movimento de busca da igreja confessional reformada, mais que denominacional, com forte apoio no ecumenismo reformado, historicamente sustentador e apoiador das mais importantes idéias libertárias dentro da comunhão das igrejas provindas da revolucionária Reforma Protestante. Não temos que afirmar o projeto eclesiástico presbiteriano triunfalmente, desde as bases, para reformar uma Igreja que por natureza é reformata semper reformanda. É preciso evitar o que está em andamento, no entanto. Hoje, seguramente, nem tudo que se diz “evangélico” é, de fato, evangélico. O evangelicalismo pluralista, dispersivo, faz absoluta questão de esquecer o caráter protestante do presbiterianismo calvinista , receoso, talvez, do universalismo ecumênico que ele representa. Concentração de poder pode ser solução para as igrejas autoritárias, conservadoras, fundamentalistas. Não é solução para uma igreja que propôs renovar o protestantismo brasileiro enquanto se renovava a si mesma, dirá João Dias de Araújo nesta obra magistral. Esse princípio calvinista jamais permitirá que o presbiterianismo brasileiro pudesse considerar-se um projeto fechado, acabado. Não se pode abandoná-lo, em seus conceitos libertários. Precisamos anular a ideologia evangelical em nosso meio, e apostar na Igreja Protestante e Reformada, “reformada sempre se reformando” (Calvino). Ela, a Igreja Presbiteriana, em alguns setores, já fez por merecer nossa confiança de que vai dar certo para nossos filhos, assim como deu certo para nós que brotamos de igrejas autoritárias e sempre prezamos a liberdade e o diálogo. Ela ama a hospitalidade, malgrado a hostilidade de seu governo ao ecumenismo e as novas teologias, ao mesmo tempo em que exercita sua criatividade diante dos desafios de comunidades novas, ecumênicas, proféticas, diaconais. Na verdade, crises de identidade não se resolvem com políticas concentradoras de poder, como na IPB legalista e fundamentalista. A história comprova que o poder concentrado consome- se por si mesmo. As novas comunidades, como a IPU, também não se livraram desse interesse autoritário. De fato, é muito difícil viver sobgovernos conciliares, consensuais, onde as bases eclesiásticas das igrejas locais, o laós (povo) da Igreja, se pronunciem e façam parte das decisões da igreja toda bem como de auto determinação sobre suas políticas eclesiásticas. Derval Dasilio∗ ∗ Professor da Faculdade de Teologia Richard Shaull / IPU. Filiado à ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) - 13 - INTRODUÇÃO No ano de 1954 inaugurava-se uma época de profunda crise política no Brasil, com o suicídio inesperado do presidente Getúlio Vargas. Nesse mesmo ano, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) resolve ser mais rígida e menos democrática. Logo depois, um professor foi expulso do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife, por questões doutrinárias. Era um missionário da “Junta de Nova York”. O movimento “fundamentalista” penetra nos arraiais presbiterianos e cria, pela primeira vez na história do cristianismo brasileiro, uma equipe de “caçadores de heresias”. O movimento da Mocidade Presbiteriana, que era a vanguarda do presbiterianismo nacional, dissolvido com o ato da extinção da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana (CMP), promulgado pela Comissão Executiva do Supremo Concílio da IPB (CE/SC). Os jovens mais dinâmicos e os futuros líderes são lançados no ostracismo. O jornal Mocidade, que durante 14 anos vinha debatendo os mais variados assuntos que preocupavam os moços, está interditado, proibido de circulação, e sua diretoria está dissolvida. A direção da IPB exerce fortes pressões contra pastores e líderes que se preocupam com problemas sociais do Brasil. Vários são perseguidos e repelidos porque denunciaram males estruturais da realidade brasileira. O diretor do jornal oficial da igreja, Brasil Presbiteriano, foi pressionado a deixar a direção do jornal porque debate assuntos políticos, sociais e econômicos. Editorial do Brasil Presbiteriano recomenda que um seminarista de Campinas deve “usar batina”, porque chamou os católicos de “nossos irmãos”. Vários pastores escrevem artigos nos quais opinam que os esforços do movimento ecumênico não passam de “laços de Satanás”, manobras astutas de Roma... Vários pastores são despojados (expulsos do ministério) porque participam de cerimônias ecumênicas, ao lado de sacerdotes católicos. Estão proibidas as seguintes práticas ecumênicas: casamentos ecumênicos e participação de padres nos púlpitos presbiterianos, mesmo que fiquem em silêncio. Fica decidido que concílios que não punem pastores e presbíteros que participam de cerimônias ecumênicas proibidas, devem ser punidos. O Supremo Concílio (órgão máximo da IPB) considera passíveis de disciplina eclesiástica os membros de igrejas que aceitam ser testemunhas em casamentos realizados pela Igreja Católica. - 14 - A IPB tem participação no golpe militar da direita, apoiando o novo regime e, através de seus juristas elabora atos institucionais para a ditadura. Vários pastores, presbíteros, professores de seminários e jovens estudantes são perseguidos pelas lideranças da IPB e acusados de comunistas, subversivos e modernistas. Foi proposto, no jornal Brasil Presbiteriano, um expurgo dentro da Igreja. Um jovem é elogiado pela Comissão Executiva do Suprem Concílio (CE/SC) porque serviu como espião do presidente do SC e denunciou vários preletores e muitos participantes do VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana. Foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES) para expulsar professores e alunos que eram favoráveis ao no movimento ecumênico e que se preocupam com problemas sociais. São expulsos cinco professores e trinta e nove alunos do Seminário Presbiteriano de Campinas (SPS), porque não aceitaram a investigação da CES. É fechado o Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), em Vitória, no estado do Espírito Santo, e expulsos todos os professores e alunos porque não estão de acordo com a teologia e a estratégia da direção da IPB. Foram expulsos quatro professores e vários alunos do SPN, porque eram favoráveis ao movimento ecumênico e a participação da Igreja na solução dos problemas sociais e econômicos do nordeste. Foram dissolvidos o Sínodo Bahia-Sergipe e o Presbitério de Salvador e pastores foram despojados porque não apoiavam os desmandos da direção da Igreja. Outros presbitérios foram dissolvidos pelo mesmo motivo, no sul do país, porque, como os da Bahia, participavam do movimento ecumênico e da luta pela libertação do homem. Cerca de cinqüenta pastores são despojados, e outros renunciam o pastorado durante esta crise. O Sínodo Espiritossantense foi dissolvido e dois de seus presbitérios foram transferidos ilegalmente para a jurisdição do Sínodo de São Paulo. Uma igreja é fechada com pesadas correntes e cadeados, porque seus membros elegeram um pastor que não é aceito pela direção da IPB. O templo só foi pelas autoridades judiciais. O SC dá ultimato à Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América (IPU), exigindo a transferência incondicional das propriedades e instituições à IPB antes de qualquer nova reunião entre as duas Igrejas. Quatro missionários da IPU são considerados inimigos da IPB, e dois deles são denunciados Perante os órgãos de segurança. - 15 - A CE/SC resolve fazer um dossiê das atividades e pronunciamentos dos missionários da IPU. A IPB rompe, unilateralmente, as relações com a IPU, a Igreja que mandou os primeiros missionários presbiterianos para o Brasil. Foram rompidas as relações da IPB com a Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE), com a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), com a Associação de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (AIPRAL), com a Aliança Mundial de Igrejas Reformadas (AMIR), com o Dia Mundial de Oração e, com todas as organizações que mantêm qualquer vínculo com o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). É rejeitada uma grande oferta a crianças órfãs do Nordeste, enviada pela Igreja Reformada da Holanda, pelo fato de ser enviada através de um órgão do CMI. São retirados dos seminários teológicos quase todos os professores que têm cursos de doutorado, mestrado, e pós-graduação, ficando em seus lugares pastores de pouca preparação teológica. Nenhum candidato ao ministério pode ser ordenado ao pastorado sem a aprovação da CES, negando assim os poderes natos dos presbitérios. Os pastores perseguidos e injustiçados pela IPB não podem pleitear suas causas na justiça secular, sem primeiro ficarem afastados de suas atividades, através de um pedido de “licença compulsória”. As igrejas locais que não estão de acordo com a administração da IPB são ameaçadas de perder seus templos e propriedades. Os pastores que foram despojados e os professores que foram expulsos dos seminários estão sem direito de defesa. Agora é prática normal denúncias contra pastores, missionários, e concílios perante os serviços de segurança. As arbitrariedades, perseguições, ódios e vinganças do presidente do SC são aprovados pelos seus auxiliares, que se desculpam dizendo que não podem contrariar o “Chefão”. Os concílios começam a agir e a funcionar mais como tribunais do que como concílios. O Código de Disciplina da IPB (CD) transforma-se em Código Penal. Dezenas de pastores despojados e professores de seminários expulsos ficaram em deplorável situação financeira porque perderam casas e salários. A ênfase na evangelização é substituída pelo zelo farisaico, pela pureza e pelas tradições da Igreja com armas para preservação do poder político-eclesiástico. - 16 - O medo domina muitas igrejas e pastores: as igrejas com medo de perder suas propriedades; os pastores, com medo de perder seus salários, suascasas e suas igrejas. O silêncio impera. Nunca, em toda a sua história, a IPB precisa de tantos advogados para defesas e acusações. Pela primeira vez ela é ré em dezenas de processos judiciais. Instalou-se, na Igreja Presbiteriana do Brasil, a “inquisição sem fogueiras”. - 17 - RETROSPECTO HISTÓRICO Na madrugada do dia 12 de agosto de 1859, um navio norte-americano aportou na Baía de Guanabara. Um dos passageiros era o jovem de 26 anos chamado Ashbel Green Simonton. Foi enviado pela Junta Missionária da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos da América, Com sede em Nova York. A data da chegada de Simonton no Rio de Janeiro marca o início da Igreja Presbiteriana do Brasil. Não desconhecemos as outras duas tentativas feitas anteriormente para o estabelecimento do cristianismo evangélico calvinista no Brasil. A primeira foi realizada pela Igreja Reformada da França, no ano de 1555, quando foi iniciada a criação da França Antártica. A segunda foi efetuada pela Igreja Reformada da Holanda, no ano de 1624. Essas tentativas se frustraram e deixaram apenas vestígios em monumentos e em alguns aspectos culturais em Pernambuco e na Bahia. A figura de Ashbel Green Simonton, que morreu de febre amarela aos 34 anos e que teve um ministério de apenas 8 anos no Brasil, deixou indelével marca de pioneirismo. Seus trabalhos mais importantes merecem uma lembrança permanente nestas terras sul-americanas. Ele criou o primeiro curso de alfabetização para adultos, com o fim de popularizar a Bíblia (1860). Instalou, com o auxílio de outro missionário (Blackford), os primórdios da “Livraria Evangélica”, pois ambos eram colportores. Organizou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil (12.01.1862). Lançou o jornal Imprensa Evangélica (05.11.1864), órgão pioneiro do jornalismo evangélico em língua portuguesa em nossa pátria. Tomou parte na fundação da primeira “igreja filha”, em São Paulo (1863). Instalou o primeiro concílio presbiteriano: Presbitério do Rio de Janeiro (16.12.1865). Ordenou o primeiro pastor protestante brasileiro, o ex- padre José Manuel da Conceição (1865). Fez publicar o livro de hinos, Cânticos Sagrados, de autoria do poeta Santos Neves (1867). Fundou simultaneamente a primeira escola mista de ensino primário no Brasil (chamada mais tarde de “Escola Americana”) e o primeiro seminário teológico da América Latina. Este início se desdobra em vários períodos de expansão e de organização do presbiterianismo no Brasil. Para fazermos um retrospecto histórico, usaremos o esboço do historiador Júlio Andrade Ferreira que divide a história da IPB em 5 períodos. 1º Período (1859-1869) - Primeiros Esforços Este primeiro período marcou uma das tendências que irá percorrer toda a história do presbiterianismo brasileiro. Essa tendência se refletiu pela influência dos missionários da Junta de Nova York e pela atuação marcante do primeiro ministro presbiteriano brasileiro o ex-Padre José Manuel da Conceição. Foi uma fase pioneira, com já vimos pela lista dos principais trabalhos de Simonton. Estabeleceu-se a infra-estrutura tradicional da Igreja: (a) a escola dominical; (b) RETROSPECTO HISTÓRICO - 18 - distribuição de Bíblias; (c) as pregações evangelísticas; (d) a literatura devocional e de propaganda da fé; (e) o jornal da Igreja; (f) a educação teo1ógica; (g) a estrutura conciliar; (h) a hinódia; (i) a educação. Os primeiros convertidos que professaram a fé, filiando-se à IPB, foram dois estrangeiros: o norte-americano Henry Milford e o português Camilo Cardoso de Jesus. Simonton recebeu a cooperação de seu cunhado Alexander Latimer Blackford, que veio para o Brasil por motivo de saúde, mas que aqui foi ordenado e fez posteriormente um curso breve de teologia nos Estados Unidos. Outro colaborador foi o missionário Rev. Francis Joseph Christopher Schneider, que tentou trabalhar com os colonos alemães mas, diante do fracasso desse empreendimento, passou a trabalhar com Simonton, especialmente no seminário. Sobre a obra e a importância do grande José Manuel da Conceição falaremos mais adiante, quando tratarmos das relações da IPB com a Igreja Católica. 2º Período (1869-1888) - Expansão Missionária até a organização do Sínodo Brasileiro No segundo período, o presbiterianismo brasileiro recebe outra influência com a chegada de missionários da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (IPS) enviados pela Junta de Nashville. A chegada desses missionários está relacionada com a emigração de norte-mericanos que vieram para o Brasil após a Guerra da Secessão nos Estados Unidos. Estavam descontentes com a situação política e econômica dos Estados Unidos e eram escravistas. Com os emigrantes vieram dois pastores, Emerson e Baird, que trabalharam somente com os colonos. Os dois missionários enviados pela Junta de Nashville, George Nash Morton e Edward E. Lane, se fixaram em Campinas. Morton se destacou com educador, no Colégio Internacional de Campinas. Lane se dedicou mais à evangelização nos arredores de Campinas e ao largo da Estrada de Ferro Mogiana. A IPS se interessou pelo Nordeste e enviou para Recife John Rockwell Smith, grande pioneiro e líder. Além de seus trabalhos de pregação, preparou os primeiros pastores da região: Belmiro de Araújo César, José Primênio, João Batista de Lima, William Calver Porter, cunhado de Smith. Foram companheiros de Smith os seguintes missionários que chegaram depois ao Nordeste: Delacey Wardlaw, George William Butler e John Boyle. Este último estranhou o clima quente e úmido do Recife e teve de ir para as paragens mais amenas do centro-sul, onde fez um intenso trabalho de evangelização, na Estrada de Ferro Mogiana e no Triângulo Mineiro. Outro feito importante deste período foi a recuperação do primitivo seminário no Rio, graças aos esforços de Blackford. Foram quatro os primeiros candidatos ao ministério: Modesto Perestrelo Barros de Carvalhosa, Antônio Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres e Antônio Pedro de Cerqueira Leite. Esses quatro são considerados pelo historiador Ferreira com “esteios do ministério nacional”. Em 1880, dois novos pastores foram ordenados, tendo obtido sua preparação na companhia dos missionários e dos primeiros pastores nacionais, num tipo de seminário ambulante: Zacarias de Miranda e Eduardo Carlos Pereira. Alguns anos RETROSPECTO HISTÓRICO - 19 - mais tarde foram ordenados: João Pinheiro de Carvalho Braga, Caetano Nogueira e Antônio Manuel de Menezes. Na Bahia o presbiterianismo chegou primeira que em Pernambuco, pois Schneider chegou a Salvador em 1871, onde demorou até 1877. Em Sergipe o pregador presbiteriano que primeiro chegou foi John Benjamin Kolb. George W. Chamberlain funda a Escola Americana em São Paulo. George A. Landes e Robert Lenington evangelizam o Paraná. Emmanuel Vanorden funda o trabalho no Rio Grande do Sul. No ano de 1888 havia no Brasil 20 missionários estrangeiros e 12 pastores nacionais. Havia 59 igrejas. Havia quatro presbitérios: do Rio de Janeiro, de Pernambuco, de Minas Gerais e de São Paulo. As sessões do 1º Sínodo foram realizadas na igreja do Rio de Janeiro, de 30 de agosto a 19 de setembro de 1888. 3º Período (1888-1903) - Lutas eclesiásticas e a cisão de 1903 Neste período, a Igreja recebeu a influência do grande líder Eduardo Carlos Pereira. Sua personalidade marcante dividiu a Igreja. Foi um período cheio de problemas. O primeiro foi o da febre amarela que dizimou grande parte dos missionários pioneiros. Além disso surgiram problemas internos na Igreja. O Sínodo criou o seminário, mas os missionários divergiam quanto à sua localização, por isso demoravam em organizá-lo. Apesar disso, novos candidatos estavam sendo preparados e ordenados pelo sistema de aulas avulsas:Álvaro Reis, Benedito Ferraz de Campos, Herculano Gouveia, João Vieira Bezarro, Bento Ferraz, Flamínio Rodrigues e Lino da Costa. O Colégio Internacional de Campinas foi transferido para Lavras. Novos missionários americanos surgem para substituir os falecidos. O seminário do Sínodo teve início em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro. Eduardo Carlos Pereira organizou o instituto teo1ógico em São Paulo. O Sínodo de 1894 resolveu reunir essas duas escolas de teologia em São Paulo. Surge o problema do Mackenzie, dirigido por Horacio Lane. Eduardo Carlos Pereira era contra a orientação dos missionários em relação ao Mackenzie. Pereira queria a “educação dos filhos da Igreja pela própria Igreja”. Houve uma divisão de opiniões sobre a política missionária em relação ao destino das verbas enviadas pelas Igrejas norte-americanas. Desapareceu o jornal Imprensa Evangélica, fundado por Simonton. Em 1898 surge o problema da maçonaria. A pergunta era esta: “Pode o crente ser maçom?” Uma discussão amarga em que brasileiros e norte-americanos se desgastaram. RETROSPECTO HISTÓRICO - 20 - Quando o Sínodo se reuniu em 1903, três problemas agitavam a Igreja: a questão missionária, a questão maçônica e a questão educativa. Nesse Sínodo se deu a primeira cisão no protestantismo brasileiro. Sete ministros e catorze presbíteros se retiram da IPB no dia 31 de julho e fundam a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPI). 4º Período (1903-1917) - Desde a origem da IPI até a criação da Comissão “Modus Operandi” No quarto período a figura de destaque é Erasmo Braga que é considerado com a maior expressão do protestantismo brasileiro. Vários fatos importantes aconteceram neste período. Houve crescimento tanto na IPB com na IPI. O seminário foi transferido para Campinas, em 1907. Foi também criado o Seminário do Norte, em Garanhuns, que foi transferido para o Recife em 1918. A missão em Portugal é incentivada por Álvaro Reis e Erasmo Braga. Foi um período de criação de grandes colégios. Em Natal, em Recife (Colégio Agnes Erskine), e “15 de Novembro” em Garanhuns, o Instituto Ponte Nova, no interior da Bahia. George W. Butler, em Pernambuco, e William A. Waddell, na Bahia, tornaram-se figuras legendárias, o primeiro na medicina e o segundo na educação. O presbiterianismo é estabelecida em Goiás com Franklin F. Graham, e em Mato Grosso com Philip S. Landes. O leste de Minas Gerais e o Espírito Santo tornam-se celeiro do evangelismo presbiteriano. O interior e o litoral de São Paulo são evangelizados. O grande pregador Álvaro Reis brilha no púlpito do Rio e se destaca na direção do jornal O Puritano que passou a ser órgão oficial da IPB. Surge outro jornal no norte: Norte Evangélico. Três sínodos formaram a Assembléia Geral (anos mais tarde, seria chamada, Supremo Concílio) da IPB em 1910: o Sínodo do Norte, o Sínodo do Sul e o Sínodo Central. O congresso ecumênico do Panamá, em 1916, contou com a participação de Erasmo Braga e Álvaro Reis. A nova política de relação entre a Igreja brasileira e as missões norte-americanas era aprovada pela Assembléia Geral em 1917, na qual se estabeleceu uma divisão de campos entre missionários e pastores brasileiros. Aqueles ficavam nos novos campos do interior e estes nos grandes centros e nas igrejas estabelecidas. Foi criada a Comissão “Modus Operandi”, composta por 3 representantes de cada entidade: da Junta de Nashville, da Junta de Nova York e da IPB. RETROSPECTO HISTÓRICO - 21 - 5º Período (1917-1959) - Da Formação da Comissão “Modus Operandi” até a Campanha do Centenário Neste período há uma grande expansão dos campos missionários e uma proliferação de novos presbitérios. Por outro lado, a Igreja começa a debater seriamente a sua missão dentro da realidade brasileira, ao completar um século de existência. Criou-se a “Junta Mista de Missões Nacionais”, depois chamada Junta de Missões Nacionais (JMN), para os pontos estratégicos. A Missão em Portugal prospera. Foi criado o Seminário Unido no Rio que trouxe uma fase de debates desde 1918 até 1932. Era uma tentativa interdenominacional que não se firmou. Houve fortalecimento do Seminário de Campinas, do Seminário do Norte e começaram os planos para a criação do Seminário do Centenário. O Instituto José Manuel da Conceição foi criado por Wandell nos subúrbios de São Paulo, em Jandira, para servir de preparação pré-teo1ógica. As senhoras presbiterianas tiveram a 1ª reunião da sua federação em Lavras, em 1921. Os moços tiveram a 1ª reunião da sua federação, também em Lavras, em 1938. Hospitais evangélicos são estabelecidos em Ponte Nova (Bahia), Rio Verde (Goiás), Curitiba (Paraná), e em outras localidades. Novos colégios presbiterianos surgem: Buriti, em Mato Grosso, 2 de Julho, na Bahia, Ginásio do Alto Jequitibá, em Minas Gerais. Organizações novas aparecem, como Instituto de Cultura Religiosa, União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB) e a Casa Editora Presbiteriana. Finalmente, vem a Campanha do Centenário que inflamou a Igreja e que tinha com lema: “10 anos de gratidão por 1 século de bênçãos”. Houve grande ênfase na evangelização. Grande euforia e ufanismo. A Assembléia da Aliança Mundial de Igrejas Reformadas foi realizada pela 1ª vez no Brasil, de 7 de julho a 6 de agosto de 1959, o ano do centenário. Foi planejada a formação do Museu Presbiteriano.1 Na parte final deste período e nos 15 anos após a celebração do centenário houve grandes lutas na IPB. Os limites desta pesquisa estão entre os 20 últimos anos - 1954 a 1974. 1 Este retrospecto histórico foi baseado no livro do historiador do presbiterianismo brasileiro, Júlio Andrade Ferreira, Galeria Evangélica, Casa Editora Presbiteriana, São Paulo, 1952. - 22 - INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS “Os fundamentalistas não enxergam, nem com telescópio, as heresias de sua medieval e presumida ortodoxia que não queima fisicamente, mas levanta horríveis fogueiras morais, nas quais torturam muitos servos do Senhor.”1 O objetivo desta pesquisa é documentar fatos que ocorreram durante vinte anos de história da Igreja Presbiteriana do Brasil, e continuam a ocorrer, mostrando o fortalecimento do espírito e das práticas inquisitoriais. No final tentaremos dar algumas explicações socio1ógicas; e teológicas; a essa expressão do fenômeno religioso. Várias instituições ecumênicas; e Igrejas dentro e fora do país estão espantadas e perplexas diante dos acontecimentos que estão se desenrolando dentro da IPB, que já foi considerada com a igreja protestante de maior importância e de maior influência na América Latina. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Presbiteriana da Coréia foram consideradas, pelo seu crescimento e pelo seu prestígio, com as mais importantes Igrejas do chamado “Terceiro Mundo”. Foi essa a Igreja plantada por Simonton no Brasil e que produziu vultos de projeção internacional como Eduardo Carlos; Pereira, Erasmo Braga, Álvaro Reis, Miguel Rizzo, Jerônimo Gueiros, José Borges dos Santos, Jr., Benjamin Moraes, Rubem Alves e tantos outros. Foi essa mesma Igreja que, desastrosamente nos últimos vinte anos, tomou atitudes medievais, causando preocupações na comunidade ecumênica atual. O ano de 1954 serve apenas como ponto de referência e marco simbólico da história que estamos escrevendo, porque foi nesse ano que o presidente Getúlio Vargas, no auge de uma crise política deu um tiro no coração, morrendo instantaneamente. Também foi nesse mesmo ano que a CE/SC publicou a seguinte resolução: “A nossa democracia é demasiado liberal e o espírito do século, que infelizmente às vezes nos contamina, adverte-nos que a nossa democracia deve ser maisautoritária. O governo presbiterial deve ser investido de autoridade mais rígida”.2 [grifos nossos] O título “Inquisição Sem Fogueiras” pode escandalizar alguns leitores protestantes. Muitos pensam que quando se fala em “inquisição” deve-se entender que foi uma prática instituída pela Igreja Católica Apostólica Romana, na Idade Média, e que os protestantes jamais foram inquisidores, pelo contrário, combateram essa monstruosidade. É puro engano. A história da Igreja mostra que os protestantes, 1 Lima, Joel Oliveira, Brasil Presbiteriano, (BP), junho-julho de 1962, pg. 5. 2 Resumo de Atas, 1954. pgs. 123, 124. INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 23 - desde a Reforma do século XVI, tiveram a sua inquisição e acenderam fogueiras para queimar hereges, e outras vezes praticaram métodos inquisitoriais, sem fogueiras, como acontece até o dia de hoje.3 A palavra inquisição é derivada do verbo latino “inquirere”, que significa, em sentido eclesiástico: investigar, inquirir a retidão da fé dos membros da Igreja.4 Desde os primórdios da Igreja, membros cuja retidão da fé era posta em dúvida, eram submetidos à investigação e punição, para reconduzi-los à obediência. A união de Igreja e Estado trazia consigo a pergunta se este problema estava parcialmente na mão do Estado, tanto no Império Bizantino, como no Reino dos Carolíngios, Otomanos, etc., porque minar ou subverter a união da Igreja era também minar ou subverter a união do Estado. Daí que o Estado perseguia os hereges, pregadores de erros e suspeitos. A primeira condenação à morte por causa de uma heresia aconteceu no ano de 386. O herege foi condenado pela autoridade civil e não pela Igreja. Os padres apologetas defendiam a liberdade religiosa (livre da ingerência do Estado), declarando explicitamente e com ênfase os direitos inalienáveis da pessoa humana e impondo limites à competência do Estado. Santo Agostinho defendia inicialmente a liberdade religiosa, mas posteriormente admitia o uso de força “para remover a má vontade”. Foi nesta última posição de Santo Agostinho que está a base da evolução da inquisição na Idade Média. Formas muito antipáticas desse “obrigue a entrar” foram as Cruzadas internas da Europa, sobretudo contra os Valdenses, Albigenses e Cátaros. A comunidade da Idade Média estava fundamentada na unidade da religião e na íntima colaboração entre a autoridade civil e a religiosa. Eram dois aspectos da mesma realidade. A Igreja não aprova o uso da força contra os pagãos, mas a usa contra os hereges, dizendo que a heresia é subversão da ordem social estabelecida e que deve ser punida tanto como erro contra a religião como delito contra a sociedade civil. São três as causas que explicam essa praxe e também a origem da Inquisição: 1. A influência do direito Justiniano que revive nas universidades da época (em 529, Justiniano obrigava todos os súditos a “converter-se” ao cristianismo sob pena de confisco de bens e cassação dos direitos civis). Desta forma ele “converteu” 70.000 pagãos na Ásia. Bem diferente era a atitude do ostrogodo Teodorico, que concedia liberdade religiosa aos judeus. Dizia ele: “Não podemos impor a religião porque ninguém deve ser coagido a crer contra a sua vontade”. O herege Teodorico julgava melhor do que o católico Justiniano. 2. O perigo da heresia dos Cátaros (séculos XI e XII) que condenavam o casamento, a propriedade privada, o trabalho manual, a legitimidade da autoridade civil, instaurando, de fato, perturbação e verdadeira anarquia na sociedade. 3. Necessidade de impedir os suplícios, desde então aplicados aos hereges, com muito rigor. 3 Baiton, Roland H., The Travail of Religious Liberty. The Westminster Press, Philadelphia, 1951, pg. 25. 4 Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, vol. 1, Livraria Bertrand, Lisboa, 1852, pg. 69. INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 24 - Na evolução da Inquisição devemos distinguir 4 etapas: 1) Inquisição episcopal - A repressão da heresia foi confiada aos bispos nas visitas pastorais inquisitoriais (1184). 2) Inquisição legatícia - Exercida por legados. Os bispos se tinham mostrado um tanto “fracos e indulgentes” na repressão, e por isso ela é entregue a legados escolhidos pelo papa. Esse método evoluiu sob Inocêncio III que escolheu geralmente monges cistercienses da França. 3) Inquisição monástica - Exercida por frades dominicamos e franciscanos, com missão permanente. Anteriormente a missão era confiada “ad tempus” ou “ad causam”, a fim de que nunca faltasse controle. Nomeava-se superiores provinciais para exercer esse controle. Esse método foi introduzido por Gregório IX. 4) Inocêncio IV permite o uso de torturas que era praxe na época, no direito penal em vigor, embora já tivesse sido condenada por Nicolau I, no século IX, pois esse papa já previa os “incômodos” decorrentes dessa maneira de agir. MÉTODOS USADOS NA INQUISIÇÃO: (1) O inquisidor, ao chegar num determinado lugar, proclamava “um tempo de graça”: quem confessasse sua culpa poderia ser absolvido logo, e recebia apenas um castigo leve. (2) Esgotado esse tempo de graça, proclamava-se um novo “Edito de Fé”. Os súditos eram chamados ao tribunal. Em caso de confissão, deveriam ser absolvidos com imposição de punição razoável. Em caso de resistência e negação: era preciso ouvir testemunhas, que ficavam anônimas, mas as respostas eram publicadas. Para “facilitar” as confissões, usava-se a tortura: flagelação, fogo, cavalete, etc. (3) A sentença era dada pelo juiz eclesiástico, após ter ouvido “boni viri” (homens bons). Havia diversos tipos de sentenças: (a) absolvição; (b) punição: cárcere, peregrinação, certo sinal externo visível, e obra de caridade; (c) pena de morte: o herege era entregue ao braço secular, que então condenava à morte, em razão de delito contra a sociedade. A heresia era punida tanto como delito contra a religião como delito contra a sociedade, contra a ordem social e sujeito às leis da época. A Igreja não condenava à morte diretamente, mas é claro que, na maneira de agir, estava cooperando de perto para esse castigo supremo. As duas primeiras fases da inquisição (a episcopal e a legatícia) foram consideradas por alguns como indulgentes e por outros como envolvidas nas formas políticas e estatais porque os juizes inquisitoriais aplicavam o direito civil e o processo civil. Por esta razão o papa Gregório IX instituiu uma inquisição estritamente eclesiástica em 1234, mas assumiu todas as práticas já introduzidas; antes daquele ano, e adotou as bases jurídicas do direito consuetudinário normando e franco. Por mandado eclesiástico procurava-se defeitos na retidão da fé, tanto dentro da Igreja como em relação a pessoas de outras convicções religiosas, mas morando em países cató1icos ou sob autoridades católicas. Fazia-se isso usando todos os meios, inclusive as torturas corporais mais duras, para conseguir a confissão do erro. Em casos de resistência à confissão, não se hesitava a aprovar a morte na fogueira e deixar a execução ao Estado. Mas a inquisição não julgava apenas delitos da fé, INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 25 - mas também delitos morais e sociais e chegou a se revestir de formas inimagináveis em relação aos supersticiosos e às bruxas. A inquisição católica falhou durante a época da Reforma, no século XVI, e se extinguiu na Alemanha e na Holanda. Mas na Espanha, em Portugal e na Itália conseguiu sobreviver até o início do século XIX. A forma antiga foi abandonada e a tarefa de proteger a retidão da fé foi entregue à Congregação da Inquisição, do Santo ofício, cujo nome foi mudado em 1967 e hoje tem a seguinte designação: Santa Congregação para a Doutrina daFé. Como sabemos, através da informação de Alexandre Herculano, “O ano de 1229 é a verdadeira data do estabelecimento da Inquisição”,5 embora o mesmo autor reconheça que a Constituição promulgada por Lúcio III, em 1184, tem sido considerado por alguns escritores como a origem e o germe da Inquisição. “Aquele ato do poder papal, expedido de acordo com os príncipes seculares, ordenava aos bispos que por si, pelos arcediagos, ou por comissão de sua nomeação visitem uma ou duas vezes por ano as respectivas dioceses a fim de descobrir os delitos de heresias, ou por fama pública ou por denúncias particulares”.6 Vamos notar que nos últimos 20 anos da história da IPB houve casos semelhantes inspirados pelos “papas” protestantes. Mas convém que recordemos algumas técnicas usadas pela inquisição, tanto cató1ica como protestante, para que, ao longo da pesquisa, possamos identificar o que está ocorrendo nos arraias presbiterianos. G. G. Coulton, em seu livro Inquisition and Liberty, apresenta as seguintes características e práticas inquisitoriais: 1. Absolvição de um condenado era quase desconhecida nos processos da inquisição. 2. Os juízes da inquisição eram puramente eclesiásticos, isto é, membros dos partidos religiosos interessados. As autoridades civis tentaram sustentar seu direito de, pelo menos, consultar os documentos, mas foi em vão. Houve casos em que as autoridades civis eram ex-comungadas quando rejeitavam cumprir as leis contra os hereges. 3. Os procedimentos eram secretos e os inquisidores zelosamente guardavam seus documentos para não serem vistos pelos de fora. 4. Os nomes das testemunhas contra os hereges eram guardados em segredo sob a alegação de que havia necessidade de proteger essas testemunhas. 5. Os hereges não tinham o direito de constituírem advogados para defendê-los. Essa medida foi decretada por Inocêncio III. 6. Uma pequena discordância podia ser exagerada ao ponto de tornar-se um crime punível por morte. Às vezes somente ter em casa uma Bíblia na língua 5 Ibidem, pg. 69. 6 Ibidem, pg. 83. INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 26 - vernácula ou usar roupas proibidas pelas autoridades, eram motivos para ser levado à fogueira. 7. Não havia lugar para a “heresia construtiva”. Qualquer aparente falta de respeito para com a Igreja podia formar uma base “prima facie” para suspeita. 8. Apesar do fato do perseguidor Trajano ter proibido Plínio de procurar os cristãos ocultos, a inquisição compeliu cada cristão a ser espião dos segredos de seu irmão. Um herege que abjurava, e assim trocava a fogueira pela prisão perpétua, era obrigado a prometer primeiro que iria perseguir os hereges, dando informações contra eles e revelando o lugar onde eles se encontravam.7 Sobre essa prática de denúncia, Alexandre Herculano informava que “a terça parte dos bens dos que eram condenados como hereges ficava pertencendo aos seus acusadores... desse modo os inquisidores vendiam aos desgraçados os bens e a vida a troco de traírem seus irmãos”.8 Foi um verdadeiro clima de terror implantado na Igreja e, “para que o terror não diminuísse, onde não podia achar culpados, queimavam os inocentes”.9 A página da inquisição é tão negra que não tem sido totalmente estudada. Embora a inquisição protestante aparecida na época da Reforma fosse de proporção bem menor do que a Católica, os protestantes não estão isentos de culpa. Os pré-requisitos para a perseguição a hereges eram três: (1) o perseguidor deve crer que ele está certo; (2) que o ponto em questão é importante; (3) que a coerção será efetiva. Sobre esses três pontos, católicos e protestantes estão de acordo quando perseguem hereges.10 Tanto os católicos como os protestantes perseguiam os hereges porque viam neles uma ameaça para a estrutura da Igreja e da sociedade. Argumentavam que os hereges danificavam e envenenavam as almas dos seus irmãos. Tanto os católicos com os protestantes concordavam que erradicar o erro através da morte ou da prisão do herege era uma obra benéfica à Igreja, e devia ser feita para a glória de Deus. Lutero, a princípio, procurou limitar a perseguição apenas aos blasfemos. Os hereges eram Poupados, mas depois houve a identificação da blasfêmia com a heresia. Calvino não fazia essa distinção sutil e consentiu que Miguel Serveto fosse queimado, acusando-o abertamente com herege. Dois argumentos a favor da perseguição foram usados por Calvino e fortaleceram a inquisição: (1) A gravidade de uma ofensa dependia do grau de importância da pessoa ofendida, logo uma ofensa contra a majestade de Deus era um crime de infinita depravação. (2) Já que pela doutrina da dupla predestinação as almas já estavam salvas ou perdidas, o propósito da perseguição aos hereges devia ser a 7 Coulton, G. G., Inquisition and Liberty. Beacon Hill, Boston. 1959, pgs. 119-130. 8 Herculano, op. cit., pg. 50. 9 Bainton. op. cit., pg. 17. 10 Ibidem, pg. 18. INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 27 - glória de Deus. “O propósito da perseguição não era alterar o decreto de Deus, mas vindicar sua honra”.11 Sobre esses dois fundamentos Calvino tentou argumentar, justificando a perseguição. “Aquele que despreza e rebaixa a majestade de Deus é pior do que um bandido que corta a garganta de um viajante... E o Deus que nem mesmo poupou as crianças dos amalequitas requer que nós sejamos inexoráveis. Se essa exigência parece cruel para nós devemos ter certeza que Deus somente sofreria pelas crianças dos amalequitas se elas já não tivessem sido por Ele condenadas e destinadas para a morte eterna”.12 Assim a doutrina da predestinação foi invocada para endurecer os homens contra qualquer brandura de sentimento. Por que deveria ser o homem mais compassivo do que Deus?13 Veremos que o argumento da morte dos amalequitas continua vivo na ala inquisidora do presbiterianismo brasileiro: foi o texto usado para o sermão de abertura da reunião do Supremo Concílio em 1974, para justificar dissoluções de sínodos e despojamentos de pastores e outras perseguições. A inquisição protestante teve a sua casuística no Consistório de Genebra no tempo de Calvino. Sobre o despojamento de pastores havia a seguinte orientação: “Um ministro devia ser deposto por heresia, jogo de azar e baile, mas se ele fosse culpado de grosserias, obscenidade e avareza, bastaria uma admoestação fraternal”.14 Sebastião Castéllio, contemporâneo e ex-cooperador de Calvino contestou essa casuística. “Por que”, perguntava Castéllio, “Calvino não efetua a morte dos hipócritas e dos avarentos? Ou será que ele pensa que os hipócritas são melhores do que os hereges? Ele afirma que os hereges destroem as almas. Mas a mesma coisa fazem os invejosos, os avarentos, e os orgulhosos. Mas se Calvino desejasse que todos os orgulhosos fossem punidos pelos magistrados, ninguém seria deixado para punir os magistrados”.15 Todos nós sabemos que o clímax da inquisição protestante foi a condenação de Miguel, grande gênio do século XVI que foi queimado vivo, juntamente com seus livros, na cidade de Genebra. Seu acusador foi João Calvino. Serveto foi condenado porque disse a verdade que ele sinceramente julgava ser a verdade. Ele podia ter se retratado e falado contra a sua consciência. Ele podia ter fugido. Ele foi executado porque não quis mentir. Ele foi morto porque disse o que pensava.16 Na sentença proferida pelo Conselho de Genebra podemos ver o verdadeiro objetivo da condenação: “Tu, Miguel Serveto, não te envergonhas nem horrorizas-te de te 11 Ibidem, pg. 22. 12 Ibidem, pg. 70. 13 Ibidem, pg. 71. 14 Ibidem, pg. 119. 15 Ibidem, pg. 115. 16 Ibidem,pg. 119. INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 28 - colocares contra a majestade de Deus e contra a Santa Trindade, e assim tu tens obstinadamente tentado infeccionar com o teu veneno fétido e herético... Por essas e outras razões, desejamos purificar a Igreja de Deus de tal infecção e amputar o órgão podre. Falando em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, nós escrevemos a sentença final e te condenamos, Miguel Serveto, a seres conduzido a Champel e lá seres amarrado num poste e seres queimado até às cinzas, com teus livros”.17 Todos os protestantes mais tarde lamentaram esse ato assassino e se penitenciaram erguendo um monumento em homenagem a Serveto, mas os mecanismos que levaram o herege à fogueira não desapareceram. Um desses mecanismos já era usado na inquisição católica, quando os inquisidores não podiam queimar corporalmente o herege queimavam-no em efígie, isto é, faziam uma estátua representando o herege e a queimavam.18 A inquisição protestante continuou. Os puritanos que vieram para a América em 1620, no “Mayflower”, fugindo da inquisição anglicana, fundaram a colônia de Massachusets para gozarem de liberdade religiosa, que não tinham na Inglaterra. Mas, logo depois, instauraram uma verdadeira inquisição na nova colônia e expulsaram os que eram considerados hereges. Os deportados então fundaram a nova colônia de Rhode Island. Mas não parou aí, porque os puritanos continuaram a instaurar perseguições em outros lugares.19 Esse espírito inquisitorial, sempre latente tanto no catolicismo como no protestantismo, ressurge em certas épocas. No caso que estamos considerando no Brasil, o espírito inquisitorial foi despertado e reativado pelo movimento “fundamentalista” que tem levado muitos irmãos às barras dos tribunais religiosos e seculares, usando as armas da difamação, da mentira, da calúnia e acendendo as fogueiras morais e espirituais contra seus irmãos que pensam diferente. Como resultado dessa perseguição, surgiu no meio presbiteriano um fenômeno interessante constatado em outras épocas. A tese de Castéllio era que a perseguição pode facilmente transformar um herege em um hipócrita. Isso aconteceu com David Joris, da Holanda (1501). Entre nós, na história da IPB, podemos distinguir os líderes que eram conservadores, mas não eram fariseus, de outros líderes que, além de conservadores, eram fariseus perseguidores e fanáticos. E muitos, para não perderem posições de privilégio, tornaram-se hipócritas. A inquisição sem fogueiras está em pleno funcionamento na IPB. Pastores e leigos são despojados e disciplinados sem oportunidade de defesa. Professores são expulsos dos seminários sem terem oportunidade de defesa das acusações que foram alegadas para sua expulsão. Alguns desses professores, pais de família numerosa, foram jogados na rua da amargura sem salário e desmoralizados perante a Igreja e a sociedade. 17 Ibidem, pg. 119. 18 Herculano, op. cit., pg. 89. 19 Hicks, J. D., A Short History of American Democracy. Houghton Mifflin Co., Boston, 1943, pg. 16. INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 29 - Se tais professores recorrem à justiça secular são disciplinados pela “licença compulsória” (nova arma da inquisição) e são ameaçados de despojamento. Se a causa na justiça não termina dentro de dois anos, são despojados. Os inquisidores fazem tudo para que a causa demore, usando a baixeza das chicanas jurídicas. Um desses professores que recorreram à justiça secular estava sendo ajudado financeiramente pela igreja da qual era pastor, em “licença compulsória”. O sínodo da região mandou a igreja suspender a ajuda financeira sob ameaça de intervenção e dissolução do presbitério. Os inquisidores; queriam que o pastor passasse por privações econômicas e fosse reduzido à miséria. Outro professor, no ano em que ficou viúvo, foi jogado fora do seminário com seus filhos. Poucos meses depois era Natal. Ele não pode comprar, à prestação, presentes para os filhinhos órfãos da mãe porque a junta comercial da cidade foi avisada, pelo cartório, que o professor tinha sido demitido do seminário, portanto não tinha crédito. E quem avisou o cartório foi a direção do seminário. Dezenas de pastores que discordam da direção da Igreja passaram por dificuldades financeiras tremendas e humilhantes porque foram postos fora das igrejas e tiveram que procurar sustento em outro lugar. A 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte passou por uma situação dramática. As autoridades da IPB mandaram trancar o templo com correntes pesadas de ferro e cadeados enormes para que os crentes não entrassem para dar culto a Deus. Somente com o recurso da Justiça Civil os membros da igreja puderam reaver o direito ao templo. Presbitérios e sínodos foram dissolvidos de maneira mais absurda e contra todos os princípios democráticos. O jornal da Igreja, Brasil Presbiteriano, que era um órgão para informações e debates de opinião, foi reduzido a um tipo de Diário Oficial que publica as decisões dos concílios. Ninguém pode escrever artigo que contenha opinião diferente da do diretor do jornal que é, ao mesmo tempo, o presidente da Igreja. Na 1ª página saem as notícias de despojamentos de pastores, dissoluções de presbitérios e sínodos. E os pobres seminaristas e candidatos ao ministério? Se forem favoráveis aos desmandos; da direção da Igreja são elogiados e protegidos, mas se tomam posições contrárias são tratados desumanamente, expulsos, às dezenas, dos seminários. Há um verdadeiro clima de terror dentro dos seminários. Esse terror se espalha por toda a Igreja. Pastores e leigos são “denunciados” falsamente perante os órgãos de segurança. Missionários são expulsos e “acusados” de subversivos. Comissões especiais são constituídas com poderes superiores a todos os concílios e não dão satisfação aos concílios sobre as arbitrariedades, com foi o caso do fechamento do Seminário Presbiteriano do Centenário, em Vitória. INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS - 30 - Além de todos esses fatos, não devemos nos esquecer da inquisição interna, dentro das comunidades locais através da fiscalização rigorosa na vida dos crentes, através da censura dos atos dos membros das igrejas. Aquilo que Weber descrevia no calvinismo nascente, como “a mais insuportável forma de controle eclesiástico que pode existir”. Elter Maciel descreve esse controle nas igrejas brasileiras: “Isto significa que o legalismo e a fiscalização do comportamento individual chegam ao extremo da sugestão de exclusão (de jovens) por causa do pecado que consiste em ir ao cinema. ... Inúmeros exemplos como este vão mostrando e confirmando a fiscalização ‘insuportável’ e o controle eclesiástico a que chegam as congregações protestantes”.20 Vários aspectos dessa situação serão examinados nos capítulos que se seguem. 20 Maciel, Elter, Pietismo no Brasil. Tese de Mestrado, Universidade de Goiás, pg. 152. - 31 - INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA A cristandade do século XX foi infelicitada pelo surgimento dos fariseus peripatéticos [aristotélicos] e turistas que atravessam os “sete mares”, espalhando por toda parte da terra as sementes da divisão, da cizânia [desarmonia, rixa, discórdia] e do ódio no meio das comunidades protestantes. Esses novos fariseus são chamados “fundamentalistas”. O “fundamentalismo”, como movimento, surgiu com a publicação de um série de livros na cidade de Chicago (1910) com o título: “The Fundamentals: A Testimony to the Truth”.1 Era um esforço sincero para combater o liberalismo do século XIX. O objetivo era defender as doutrinas preservadas pelos grupos conservadores, por isso os escritores da referida série de livros defendiam doutrinas básicas como:a divindade de Cristo, o nascimento virginal de Cristo, a inspiração da Bíblia, a ressurreição corporal de Cristo, e outras. Esse movimento começou a se degenerar depois da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e chegou ao auge da degeneração depois da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), quando foi fundado o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (1948) para fazer oposição ao movimento ecumênico. Sob o pretexto de defender a ortodoxia, esses fariseus peripatéticos se ligaram indiretamente a todos os movimentos radicais da extrema direita política-social e a todos os fascismos nos Estados Unidos da América. Houve ligações obscuras com a “John Birch Society” e com os movimentos contrários à integração racial. A imprensa norte-americana denunciou que os fundamentalistas apóiam a “Ku Klux Klan”. Combateram ostensivamente o pastor Martin Luther King. Foram fervorosos defensores da Guerra do Vietnã, e até foram considerados suspeitos no complô para assassinar o presidente John F. Kennedy. Na América Latina, os fundamentalistas se apresentaram gratuitamente a governos militares da direita para serem espiões de seus irmãos e se prontificaram a denunciar todos os inimigos do capitalismo. Pelo que estamos vendo, o movimento fundamentalista procurou despertar dentro da IPB dois pontos: a) o fortalecimento do radicalismo conservador, combatendo as “novidades” daqueles que eles rotulam de “modernistas” e “ecumênicos”; b) defender ardorosamente o sistema capitalista e acusar de “comunista” todos aqueles que não se simpatizavam com o “fundamentalismo”. Depois do “1º Congresso Evangélico Pan-americano”, de 1961, a ofensiva fundamentalista foi intensa nos arraiais presbiterianos. Um velho missionário, Alexander Reese, que trabalhou várias décadas no Brasil, viu com tristeza, no final de sua carreira, os estragos do movimento fundamentalista. Ele escreveu: “Em apenas um ano, os métodos e atitudes dos fundamentalistas ... têm 1 Neve, History of Christian Thought, vol. II, pg. 290. INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA - 32 - sido responsáveis por mais mentiras, injustiças e difamações do que eu tenho visto em uma geração inteira no Brasil.”2 Nelson Bell, conhecido líder conservador norte-americano, visitou o Brasil para verificar se havia razões nas acusações dos fundamentalistas de que as igrejas evangélicas do Brasil estavam eivadas de modernismo. Após sua visita declarou que era “o mais flagrante caso de acusações mentirosas e injustas contra irmãos cristãos e instituições cristãs” que ele jamais tinha visto.3 O velho pastor da IPB, Haroldo Cook, sempre conservador em suas doutrinas, escreveu um artigo no Brasil Presbiteriano intitulado “Advertência Necessária”, combatendo os métodos do fundamentalismo e afirmando: “Os métodos dos McIntiristas, para invadirem as outras denominações evangélicas a fim de desviarem os crentes incautos, são tão repreensíveis como os chamados ‘Testemunhas de Jeová’. Há falta de ética cristã nesses métodos que usam. ... Bem diz o Norte Evangélico: ‘É uma inovação separatista provocada pela semeadura da intriga, da discórdia, da difamação, e de suspeitas ruins, a serviço do movimento de McIntire e financiado por ele’.”4 Missionários fundamentalistas vindos dos Estados Unidos para combater o modernismo, passaram vários meses no Nordeste visitando igrejas presbiterianas e ouvindo sermões, analisando a literatura das escolas dominicais e o ensino nos seminários e chegaram à conclusão de que o apelo de líderes fundamentalistas brasileiros para enviar missionários e verbas sob pretexto de modernismo, era um exagero ou havia outras intenções. Como explicou o pastor José Matos: “Eu creio firmemente que o verdadeiro problema não é ortodoxia, nem fundamentalismo, mas é o de liderança e prestígio”.5 O que estava acontecendo nos anos da década de 50 é que os presbiterianos brasileiros discordavam apenas dos métodos fundamentalistas, mas louvavam o seu combate ao ecumenismo e sua defesa da ortodoxia. Um parágrafo do presbítero Davi Mendonça é significativo: “E é necessário que digamos, de passagem, que nesta oposição sistemática (ao movimento ecumênico) nada temos a ver com o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), do Sr. Carl McIntire, que também se opõe tenazmente ao tal movimento. ... Se o CIIC desfralda a bandeira de combate a esse ecumenismo indiscriminado e reivindica para a Bíblia seu caráter de autoridade única e infalível em Matéria de religião, parabéns a ele e que Deus o abençoe neste nobre tentâmen! [tentativa] [grifos nossos] Apenas lamentamos que os métodos por ele usados nesse combate nem sempre sejam louváveis, sendo às vezes até reprováveis. Nisto não o felicitamos. Está esclarecida, pois, nossa posição, que nada tem de compromisso com o CIIC, embora coincida em parte com o seu programa”.6 2 Pierson, Paul E., A Younger Church in Search of Maturity. Trinity University Press, San Antonio, 1974, pg. 209. 3 Ibidem, pg. 211. 4 Brasil Presbiteriano (BP), outubro de 1958, pg. 2. 5 Norte Evangélico, outubro de 1956. 6 BP, maio de 1962, pg. 2; e abril de 1967. pg. 2. INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA - 33 - Por enquanto a IPB não concordava com os métodos, mas depois acabou concordando. O que estou mostrando neste documentário é que o movimento fundamentalista veio despertar a tendência inquisitorial do protestantismo conservador. A inquisição sem fogueiras apareceu justamente na época em que o fundamentalismo triunfou na esfera mais alta da administração da IPB. Nesse ponto o sistema de governo presbiteriano adaptado pela IPB favorece esse tipo de inquisição. As igrejas locais estão sujeitas aos presbitérios, estes aos sínodos regionais e ao Supremo Concílio nacional. O governo presbiteriano tem suas bases populares, mas no ápice está à toda-poderosa Comissão Executiva do Supremo Concílio e a não menos poderosa Mesa do Supremo Concílio. Ora, a CE/SC é constituída dos 4 membros da Mesa e dos presidentes dos sínodos regionais. Durante os quatro anos de interregno das reuniões do Supremo Concílio, a CE/SC tem acesso a toda a vida da Igreja. Além dos documentos dos presbitérios e dos sínodos, sobem para esse órgão todos os assuntos dos seminários, das secretarias dos trabalhos da mocidade, dos homens e das senhoras, os assuntos patrimoniais e financeiros, as relações inter-eclesiásticas, e os demais problemas. É uma centralização administrativa que funciona razoavelmente numa época de calma. Quando surgem as crises, porém, a CE/SC tem se tornado ora deficiente, ora prepotente. A Mesa se reuniu em ocasiões de emergência para tomar decisões “ad referendum” à reunião da CE/SC. Quando esta tem a sua maioria a favor do presidente, esta facilmente faz prevalecer ditatorialmente a sua opinião que se reflete em toda a vida da Igreja. Há também os tribunais: os 4 concílios da IPB podem funcionar com tribunais, ou tem os seus tribunais. O conselho da igreja local pode funcionar com tribunal para julgar membros e oficiais daquela igreja. Os presbitérios podem funcionar com tribunais para julgar ministros, conselhos das igrejas locais e julgar, em grau de recurso, decisões de conselhos. Os sínodos e o Supremo Concílio também funcionam com tribunais de recursos. O mais alto tribunal da IPB é o Tribunal de Recursos do Supremo Concílio, que recebe recursos provindos de outros concílios. Acontece que, numa época de crise, esses tribunais funcionam de tal maneira partidária que, dificilmente, um acusado da ala da “oposição” ganharia uma causa. Ora, o espírito fundamentalista, entrando nessa máquina burocrática, faz muita coisa desagradável, como já estamos vendo ao longo deste trabalho, porque o fundamentalismo faz acionar os
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