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1 Dos crimes contra a liberdade pessoal Direito Penal IV – Prof. Rafael Faria 1) Introdução: a) Localização topográfica: Os crimes contra a liberdade individual se encontram no Título I da Parte Especial do Código Penal (crimes contra a pessoa). Mais especificamente, estão localizados no Capítulo VI do referido Título (dos crimes contra a liberdade individual). Possuem Seção específica dentro do mencionado Capítulo (Seção I – dos crimes contra a liberdade pessoal). São previstos, no diploma penal, os seguintes crimes contra a liberdade pessoal: “CAPÍTULO VI DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL SEÇÃO I DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL Constrangimento ilegal Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Aumento de pena § 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas. § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; 2 II - a coação exercida para impedir suicídio. Ameaça Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação. Seqüestro e cárcere privado Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002) Pena - reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005) II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Redução a condição análoga à de escravo Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) § 1 o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) 3 § 2 o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)” b) Fundamento constitucional do direito à liberdade: Os crimes aqui analisados objetivam, num primeiro momento, a proteção do direito à liberdade, o qual encontra fundamento constitucional nos seguintes dispositivos: “PREÂMBULO Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” 4 Superada esta breve introdução, passamos a analisar os crimes contra a liberdade pessoal em específico. 2) Constrangimento ilegal a) Previsão legal: “Constrangimento ilegal Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Aumento de pena § 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas. § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio.” b) Análise do dispositivo A figura do constrangimento ilegal vem ao encontro dos ditames constitucionais acima elencados, em especial, àquele previsto no art. 5º, II, CF (“II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”). O tipo é composto pelo núcleo “constranger”, que significa impedir, limitar ou mesmo dificultar a liberdade de alguém. 5 Para tanto, o agente age com violência (vis corporalis) – exercida contra o próprio corpo da vítima - ou grave ameaça (vis compulsiva) – exercendo influência precipuamente sobre o espírito da vítima, impedindo-a de atuar conforme sua vontade. O crime pode ser praticado ainda por meio da violência imprópria, que é aquela que se dá quando o agente, por qualquer outro meio que não a violência ou grave ameaça, reduz a capacidade de resistência da vítima. Exemplo: entorpecentes, hipnose, etc. Além disso, o constrangimento perpetrado pelo sujeito ativo deve se dirigir no sentido de obrigar a vítima a não fazer aquilo que a lei permite ou mesmo a fazer o que ela não manda. Por fim, deve-se ressaltar que o delito de constrangimento é subsidiário, tendo aplicação somentequando outro crime que tenha como elementar o constrangimento não incida no caso concreto. Por exemplo, se a vítima é constrangida, mediante violência ou grave ameaça, a entregar ao sujeito ativo determinada importância em dinheiro, estará configurado o crime de extorsão (art. 158, CP), especial em relação ao constrangimento ilegal. c) Classificação: Trata-se de crime comum quanto ao sujeito ativo, bem como quanto ao sujeito passivo; doloso; material; de forma livre; em regra, comissivo; instantâneo; subsidiário; monossubjetivo; plurissubsistente; de dano; e transeunte. d) Bem juridicamente protegido ou objeto jurídico: O bem juridicamente protegido é a liberdade, tanto em seu aspecto físico (liberdade de movimento) quanto no seu aspecto psíquico (livre formação da vontade, sem coação). 6 e) Objeto material: É a pessoa que, em razão da violência, grave ameaça ou de qualquer outro meio que lhe reduz a capacidade de resistência, é obrigada a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda. f) Sujeito ativo e sujeito passivo: O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa física. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa física, desde que tenha capacidade de discernimento, a fim de poder entender que está sendo constrangida a não fazer o que a lei permite. g) Consumação: Tratando-se de crime material, o qual exige a produção de resultado naturalístico para sua consumação, tem-se que o crime em tela se consuma quando a vítima deixa de fazer o que a lei permite ou faz aquilo que ela não manda. A doutrina entende que, para consumação do constrangimento ilegal, não há necessidade de que a ação ou omissão seja feita integralmente conforme desejada pelo sujeito ativo, bastando que esta tenha se dado de forma parcial. h) Tentativa: Por se tratar de crime plurissubsistente, admite-se a tentativa. Exemplo: quando a vítima, mesmo intimida pelo agente, não deixa de fazer aquilo que a lei permite. i) Elemento subjetivo: O dolo é o elemento subjetivo do crime em tela, tanto o direto quanto o eventual. Não se admite modalidade culposa, por ausência de previsão legal. 7 Além disso, se faz necessário que o agente haja com especial fim de agir, ou seja, sua conduta deve ser dirigida finalisticamente a constranger a vítima a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. k) Modalidades comissiva e omissiva: Como vimos, o crime em análise se dá, em regra, por meio de um modelo comissivo, ou seja, através de uma ação, consistente em “constranger”. Entretanto, é possível a ocorrência de modalidade omissiva, desde que o agente goze do status de garantidor, nos termos do art. 13, §2º, CP. Greco dá o exemplo da enfermeira que obriga um famoso ator, que está internado na enfermaria em que ela trabalha, a dar-lhe um autógrafo com palavras amorosas, sob pena de não lhe aplicar a medicação destinada a lhe aliviar a dor. l) Causas de aumento de pena: Estabelece o §1º do art. 146, CP: “As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas”. Na referida hipótese, as penas que eram, inicialmente, alternativas, ou seja, privativa de liberdade ou multa, passam a ser cumulativas, quer dizer, privação de liberdade mais a pena pecuniária. Ademais, as penas serão dobradas. Sublinhe-se que as armas aqui utilizadas podem ser próprias – instrumentos normalmente destinados ao ataque ou a defesa – ou impróprias – aquelas que, embora não destinadas aos fins citados, têm aptidão ofensiva e costumam ser usados para ataque ou defesa. m) Concurso de crimes: Estabelece o §2º: “Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. 8 Apesar de a violência ser um dos elementos integrantes do constrangimento ilegal, o legislador entendeu por bem puni-la de forma distinta. Assim, aplicam-se também as penas correspondentes ao delito de lesão corporal utilizado como meio para a prática do constrangimento. O entendimento majoritário é que o dispositivo em questão previu o concurso material de crimes entre o constrangimento ilegal e a lesão corporal, nos termos do art. 69, CP. Rogério Greco, em linha diversa, considera se tratar de hipótese de concurso formal impróprio, nos termos da segunda parte do art. 70, CP. n) Causas que conduzem à atipicidade do fato: Segundo o §3º do art. 146, CP: “Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio”. Conforme Greco, tratam-se de “situações que conduzem à atipicidade do fato praticado pelo agente”, em razão de tais condutas não se revelarem antinormativas. Destaca o autor, todavia, que há entendimentos no sentido de que se tratam de excludentes de ilicitude. o) Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo: Como vimos, a pena cominada para o crime de constrangimento ilegal, em sua modalidade simples, é de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa. Seu julgamento é de competência do Juizado Especial Criminal, sendo aplicáveis os institutos da transação penal e suspensão condicional do processo. Ademais, trata- se de crime cuja ação penal é de iniciativa pública incondicionada. 9 p) Vítima constrangida a praticar infração penal: Se o sujeito ativo constranger a vítima a praticar crime, entende-se, em regra, que a vítima agiu sob coação moral irresistível, nos termos do art. 22, CP. Assim, a vítima não responderá por qualquer crime, enquanto o sujeito ativo responderá pelo crime praticado pelo (em autoria mediata) em concurso com o constrangimento ilegal. q) Consentimento do ofendido: É possível o consentimento do ofendido no crime de constrangimento ilegal, haja vista que, segundo Greco, “a liberdade, seja física ou psíquica é um bem disponível”. Reconhecido o consentimento do ofendido, ficará afastada a ilicitude do fato. Relembremos os requisitos para admissão do consentimento do ofendido, a saber: a) disponibilidade do bem; b) capacidade para consentir; c) que o consentimento tenha sido prévio ou, pelo menos, simultâneo. Exemplo: indivíduo quer parar de fumar e pede para o amigo tirar o cigarro de sua boca, violentamente, sempre que acender um. 3) Ameaça a) Previsão legal: “ Ameaça Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.” b) Análise do dispositivo: 10 Como se depreende do dispositivo em tela, o crime de ameaça pode ser cometido por meio de palavras, escritos, gestos ou qualquer outro meio simbólico, como no exemplo apresentado por Greco em que o agente, com o intuito de ameaçar seu vizinho, envia-lhe, dentro de uma caixa de sapatos, um passarinho com o pescoço quebrado. Deve-se destacar que ameaça pode ser direta – quando se dirige à pessoa ou patrimônio do próprio sujeito passivo – ou indireta – quando se direciona à pessoa vinculada pelo sujeito passivo por especiais relações de afeto. Também pode ser explícita (exemplo: “vou te matar”) ou implícita (exemplo: “não tenho medo de ir para cadeia”). Também do texto legal se conclui que o mal desejado deve ser injusto – no sentido de não encontrar amparo legal – e grave – deveser capaz de infundir temor na vítima. Assim, ameaçar o sujeito passivo de executá-lo judicialmente por uma dívida não se revela injusto; de igual modo, ameaçar alguém dizendo que não o convidará para sua festa de casamento também não demonstra gravidade. Nucci e Greco entendem que ameaça deve ser ainda futura. Isto porque se o sujeito ativo anuncia um mal imediato estará executando crime mais grave ou, pelos menos, praticando atos preparatórios para sua execução. Damásio, todavia, entende que pela desnecessidade de o mal ser futuro. Por fim, o mal prometido deve ser verossimilhante, ou seja, aquele que pode ser efetivamente produzido. Por exemplo: não se configurará a ameaça se o sujeito ativo ameaça a vítima de que fará um raio cair em sua cabeça. b) Classificação: Trata-se de crime comum em relação ao sujeito ativo e ao sujeito passivo; doloso; formal; de forma livre; em regra, comissivo; instantâneo; monossubjetivo; unissubsistente ou plurissubsistente; transeunte ou não transeunte. c) Bem juridicamente protegido ou objeto jurídico: 11 É a liberdade pessoal, precipuamente a de natureza psíquica, mas também a física. De forma reflexa, protege-se a tranquilidade pública ou sentimento de segurança na ordem jurídica. d) Objeto material: É a pessoa contra quem são proferidas as ameaças. e) Sujeito ativo e sujeito passivo: Tratando-se de crime comum, qualquer pessoa física pode ser sujeito ativo ou sujeito passivo do crime de ameaça. Em relação ao sujeito passivo, este deverá ter capacidade de discernimento em relação à promessa de mal injusto que lhe é proferida, ou seja, deverá ter capacidade para sentir a intimidação. Ressalta Greco que se a ameaça for praticada por funcionário público no exercício de suas funções, poderá restar configurado o crime de abuso de autoridade previsto no art. 3º da Lei 4898/65. f) Consumação e tentativa: Tratando-se de crime formal, este se consuma independentemente de a vítima se sentir intimidada. Como explica Greco, “basta, para fins de sua caracterização, que a ameaça tenha a possibilidade de infundir temor em um homem comum e que tenha chegado ao conhecimento deste, não havendo necessidade, inclusive, da presença da vítima no momento em que as ameaças foram proferidas”. Na modalidade escrita, é possível a modalidade tentada, como no clássico exemplo da carta ameaçadora interceptada. g) Elemento subjetivo: 12 O crime de ameaça pode ser cometido dolosamente, sendo o dolo direto ou eventual. Não se admite modalidade culposa, por ausência de previsão legal. Destaque-se que o animus jocandi, ou seja, o intuito de zombar ou brincar, exclui o crime. h) Pena, ação penal, competência e suspensão condicional do processo. Como vimos, o crime de ameaça prevê pena de detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa para o crime de ameaça. Diante disso, verifica-se que a competência para processamento e julgamento do crime de ameaça incumbe ao Juizado Especial Criminal, sendo aplicáveis os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo. A ação penal é pública condicionada à representação, por força do parágrafo único do art. 147. i) Legítima defesa contra a ameaça: Greco entende não ser cabível a legítima defesa contra a promessa de um mal futuro, injusto e grave. Isto porque, segundo o autor, “o mal pronunciado à vítima não está ocorrendo (atual) e nem prestes a acontecer (iminente), de modo que esta última tem plena possibilidade de, em um Estado de Direito, pedir o socorro das autoridades encarregadas da defesa da sociedade”. j) Pluralidade de vítimas: Havendo comportamento único, que tenha por finalidade ameaçar mais de uma pessoa, aplica-se a regra do concurso formal impróprio ou imperfeito (cúmulo material), previsto na parte final do art. 70, CP, por conta dos desígnios autônomos do agente. 13 k) Ira/cólera/embriaguez: Parte da doutrina entende que os estados de ira, cólera e embriaguez afastariam o elemento subjetivo (dolo) do crime de ameaça. Esta não é a posição adotada por Greco. 4) Sequestro e cárcere privado a) Previsão legal: “Seqüestro e cárcere privado Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002) Pena - reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005) II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos.” b) Análise do dispositivo: O crime em tela cuida da liberdade ambulatorial, física. 14 A maioria da doutrina considera que o sequestro é sinônimo do cárcere privado. A única distinção seria no fato de que, no sequestro, o espaço físico disponível para a vítima se locomover é um pouco maior do que no cárcere privado. c) Classificação: Trata-se de crime, em regra, comum quanto ao sujeito ativo e ao sujeito passivo (salvo em determinadas modalidades qualificadas como veremos abaixo); doloso; comissivo ou omissivo impróprio; permanente; material; de forma livre; monossubjetivo; plurissubsistente. d) Bem juridicamente protegido ou objeto jurídico: É a liberdade pessoal, no sentido de liberdade ambulatorial (ir, vir ou permanecer). Tem fundamento no art. 5º, XV, da CF (“é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”). e) Objeto material: É a pessoa privada da liberdade, contra a qual recai a conduta do agente. f) Sujeito ativo e sujeito passivo: Qualquer pessoa física pode ser sujeito ativo ou sujeito passivo do crime em tela. Entretanto, se o sujeito ativo for funcionário público no exercício das funções, poderá incorrer em abuso de autoridade (Lei 4898/65 – art. 3º). g) Consumação e tentativa: 15 O crime analisado, por ser material, exige resultado naturalístico para sua consumação. Assim, este se consuma no momento em que o sujeito passivo é privado em sua liberdade, ou seja, quando se impossibilita a sua locomoção. A consumação se prolonga até o momento em que o sujeito passivo tem sua liberdade inteiramente recuperada. Trata-se, pois, de crime permanente, como vimos anteriormente. Deste modo, durante todo o período consumativo, o sujeito ativo se encontra em situação de flagrante. Destaque-se que não há necessidade de remoção da vítima. Exemplo: vítima é impedida de sair de sua própria casa, sendo trancada ali por seu algoz. É possível a tentativa, tendo em conta se tratar de crime plurissubsistente. Sublinhe-se que, conforme defende Greco, se a privação de liberdade perdurar por tempo razoável, o delito restará consumado; se apenas momentânea, existirá somente tentativa. h) Elemento subjetivo: O dolo, direto ou eventual, é o elemento subjetivo do crime de sequestro e cárcere privado. Não se admite modalidadeculposa, por ausência de previsão legal. O dolo deve ser tão somente no sentido de privação de liberdade. Se o sequestro se der com o fim de obter vantagem como condição ou preço de resgate, por exemplo, teremos o crime de extorsão mediante sequestro. Assim, o crime de sequestro ou cárcere privado se revela como delito subsidiário, configurando-se somente quando a privação e liberdade não for elemento de outro tipo penal especial. i) Modalidades comissiva e omissiva: O crime em análise pode ser praticado tanto na forma comissiva – denominada detenção - quanto na forma omissiva – denominada retenção. 16 j) Modalidades qualificadas: Os §§1º e 2º estabelecem modalidades qualificadas para o crime de sequestro e cárcere, in verbis: “ § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005) II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005) § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos.” Para que se veja presente a qualificadora prevista no inciso I do §1º, se faz necessária a prova mediante documento hábil. De igual modo, deve-se proceder em relação ao inciso IV. Em relação aos descendentes, importante ressaltar também que, segundo Greco, aí se incluem os filhos adotivos por força do art. 227, §6º, CF. Ademais, o agente deve ter conhecimento que pratica o crime contra ascendente, descendentes, cônjuge, companheiro ou maior de 60 (sessenta) anos – se assim não o for, poderá incorrer no chamado erro de tipo, que afasta a qualificadora. Em relação ao inciso II, destaque-se que a internação deve ser o meio fraudulento utilizado para encobrir sua verdadeira finalidade, qual seja, a privação de liberdade da vítima. Se um médico determinou a internação, por exemplo, poderá ser considerado coautor. 17 No que concerne ao inciso III, o prazo ali mencionado possui natureza penal, sendo contado nos termos do art. 10, CP (incluindo-se o dia do começo em seu cômputo). Já na hipótese do inciso V, o crime de sequestro e cárcere privado será qualificado mesmo que não tenham ocorrido os atos libidinosos com a vítima, importando, tão-somente, a finalidade especial com que atua o agente. Na modalidade qualificada prevista no §2º por maus-tratos deve ser entendida qualquer ação ou omissão que cause ou possa causar dano ao corpo ou saúde da vítima ou vexá-la moralmente. Já a natureza da detenção refere-se às condições objetivas da detenção. Havendo conflito aparente de normas entre os §§1º e 2º, este último deverá prevalecer em relação ao primeiro, conforme ensina Greco. k) Pena, ação penal e suspensão condicional do processo: Como vimos na modalidade simples, a pena é de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos. Deste modo, cabível o sursis processual. Na modalidade qualificada do §1º, prevê-se pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Já na qualificadora do §2º, a pena é mais severa, de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos. Em todas as modalidades, a ação penal é pública incondicionada. l) Consentimento do ofendido Conforme Greco, “a liberdade é um bem de natureza disponível. Dessa forma, poderá a vítima dispor do seu direito de ir, vir e permanecer, desde que presentes todos os requisitos necessários à validade do seu consentimento”. Nesse sentido, o TJMG: “Não há que se falar em cárcere privado se a detenção da suposta vítima em determinado lugar se dá com o seu consentimento, ainda que tácito”. 18 Na lição de Bittencourt, em complemento ao raciocínio anterior, “contudo, tratando-se de bem jurídico tão elementar como é o direito de liberade, convém destacar que o efeito excludente do consentimento da vítima não goza de um absolutismo pleno, capaz de legitimar toda e qualquer supressão da liberdade do indivíduo. O consentimento não terá valor se violar princípios fundamentais de Direito Público ou, de alguma forma, ferir a dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, “tempo de privação de liberdade (perpétua ou por muito tempo) ou o modo de sua supressão (p. ex. ligado o indivíduo a cadeias, encerrado em lugar malsão etc.) ou o objetivo (prestação servil ou de qualquer modo ilícita). m) Sequestro e cárcere privado e a novatio legis in pejus: Se, durante o período em que a vítima permanecia privada de sua liberdade, entrar em vigor uma lei nova, aumentando, por exemplo, as penas cominadas ao delito de sequestro ou cárcere privado, esta terá plena aplicação – mesmo que mais gravosa – em decorrência de se tratar de crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo, conforme definido na Súmula 711 do STF, abaixo: Súmula 711, STF: A LEI PENAL MAIS GRAVE APLICA-SE AO CRIME CONTINUADO OU AO CRIME PERMANENTE, SE A SUA VIGÊNCIA É ANTERIOR À CESSAÇÃO DA CONTINUIDADE OU DA PERMANÊNCIA. 4) Redução à condição análoga à de escravo a) Previsão legal: “Redução a condição análoga à de escravo Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) 19 § 1 o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) § 2 o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)” b) Análise do dispositivo: O referido crime é conhecido doutrinariamente como “plágio”. Aqui, a lei penal assevera que se reduz alguém à condição análoga a de escravo, dentre outras circunstâncias, quando: a) o obriga a trabalhos forçados; b) impõe-lhe jornada exaustiva de trabalho; c) sujeita-o a condições degradantes de trabalho; d) restringe, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. O conceito de trabalho forçado deve ser entendido aquele para o qual a vítima não se ofereceu voluntariamente, sendo ela compelida a realiza-lo por meios capazes de inibir sua vontade. A jornada exaustiva de trabalho, por sua vez, culmina por esgotar completamente suas forças, minando-lhe a saúde física e mental. Como condições degradantes devem serentendidas aquelas que estão aquém do mínimo de saúde, segurança, moradia, respeito e alimentação. A restrição da locomoção em decorrência de dívida, se dá, por exemplo, naquela hipótese em que o empregador é obrigado a adquirir gêneros alimentícios para sua subsistência diretamente do empregador, por preço acima do valor de mercado, comprometendo grande parte de sua remuneração. 20 c) Classificação: Trata-se de crime próprio quanto ao sujeito ativo e ao sujeito passivo; doloso; comissivo ou omissivo impróprio; de forma vinculada; permanente; material; monossubjetivo; plurissubsistente. d) Bem juridicamente protegido ou objeto jurídico O bem juridicamente protegido é a liberdade, em especial a de locomoção. De forma reflexa, protege-se a vida, a saúde e segurança do trabalhador. e) Objeto material: É a pessoal contra a qual recai a conduta do agente, que a reduz a condição análoga a de escravo. f) Sujeito ativo e sujeito passivo: Por se tratar de crime próprio, exige-se especial qualificação dos sujeitos ativo e passivo, devendo haver entre eles uma relação de trabalho para a consumação do delito. Deste modo, o sujeito ativo será o empregador que utiliza a mão de obra escrava, enquanto o sujeito passivo será o empregado que se encontra numa condição análoga a de escravo. g) Consumação e tentativa: A consumação se dá com a privação de liberdade da vítima ou submissão a condições degradantes, se prologando no tempo, enquanto estas condições se mantêm, por se tratar de crime permanente. Sendo um crime plurissubsistente, admite a tentativa. 21 h) Elemento subjetivo: O dolo é o elemento subjetivo do tipo, sendo ele o dolo direto ou eventual. Não admite modalidade culposa, por ausência de disposição legal. i) Causa de aumento de pena: Estabelece o §2º o seguinte: “§ 2 o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)” j) Pena, ação penal e competência: Como vimos, a pena prevista para o crime em tela é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa, além da pena correspondente a violência. Portanto, a lei ressalvou a hipótese de concurso de crimes entre a redução à condição análoga à de escravo e a infração penal que disser respeito à violência praticada pelo agente. A ação penal é pública incondicionada. A competência é da Justiça Federal, por força do art. 109, VI, da CF, conforme decidiu o STF, no RExt 398041/PA. GABARITO DOS SLIDES: 1) A 2) D 3) B 4) CERTO 22 FONTES: Rogério Greco – Curso de Direito Penal – Parte Especial – volume 2 e Código Penal Comentado. Cezar Roberto Bittencourt – Tratado de Direito Penal – Parte Especial – volume 2.
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