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TIAGO CORDEIRO FILOSOFIA POPULAR

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Filosofia pop 
Ensinamentos de pensadores clássicos estão sendo usados 
como um guia para viver melhor — e prometem revolucionar 
até mesmo a terapia. Entenda como esses sábios do 
passado podem nos ajudar com os problemas de hoje 
por Tiago Cordeiro | Ilustrações: André Bergamin 
 
 
Não faz muito tempo que ler sobre filosofia era visto como coisa 
de gente que pensa demais, que vive em um mundo paralelo. 
Mas, desde o começo da última década, uma nova geração de 
pensadores vem se dedicando a popularizar a disciplina. Nomes 
como o suíço radicado em Londres Alain de Botton, o britânico 
Trevon Curnow e o americano William Irvine têm mostrado que 
pensadores das antigas podem ajudar você com eternas 
questões da humanidade, claro, mas também com problemas 
contemporâneos, como a ditadura da magreza ou o excesso de 
estímulos provocado pela internet. 
 
A proposta tem feito sucesso. Basta um passeio por livrarias para 
constatar que a filosofia está na moda. Nas listas de mais 
vendidos há volumes como Aprender a Viver: Filosofia para os 
Novos Tempos, de Luc Ferry, e The Guide to Good Life (O Guia 
para a Boa Vida, sem edição brasileira), de Trevon Curnow. No 
Brasil, O Livro da Filosofia, de Will Buckingham, e Nietzsche para 
Estressados, de Allan Percy, estão no top 10 de não ficção. ―O 
momento é propício. Vivemos em um mundo de acúmulo de 
informações e falta de significados. As pessoas estão se vendo 
forçadas a pensar filosoficamente para encontrar um sentido na 
vida‖, afirma o australiano Peter Singer, professor de filosofia da 
Universidade de Princeton, nos EUA, e autor de Ética Prática. 
 
Essa nova onda se baseia em uma antiga tradição da filosofia 
que reflete sobre a vida e serve de guia para a nossa existência 
— em vez de se preocupar com a definição de conceitos, como 
justiça, ética e verdade. Sábios da Antiguidade, como Sócrates, 
Sêneca e Epicuro, e alguns mais próximos na história, como 
Schopenhauer (1788- 1860) e Nietzsche (1844-1900), 
trabalhavam nessa linha de filosofia para o dia a dia, que renasce 
também em palestras, cursos e até em uma nova forma de 
terapia. 
 
Nos EUA e na Europa, já existe a chamada terapia filosófica. Em 
consultas, o paciente fala livremente sobre sua vida, dificuldades 
e interesses, e o filósofo analisa o discurso e tenta mostrar as 
lições que pensadores como Platão e Aristóteles têm a 
apresentar no caso. Os profissionais são credenciados por 
associações como a Sociedade Americana para Filosofia, 
Aconselhamento e Psicoterapia, que tem 300 terapeutas 
licenciados — há 10 anos, eram 90. ―As sessões ajudam com um 
problema que está na raiz de muitas crises de depressão e 
ansiedade hoje: o excesso de expectativas em relação à 
felicidade e ao amor‖, diz Lou Marinoff, analista filosófico e autor 
de Mais Platão, Menos Prozac!. 
 
Mesmo quem não pretende trocar Freud e Lacan por Sócrates ou 
Nietzsche tem encontrado espaço para filosofar. As instituições 
que oferecem cursos livres na área só se multiplicam. Com 
promessa de chegar ao Brasil neste ano, desde 2008 funciona 
em Londres a Escola da Vida, fundada por Alain de Botton, um 
dos expoentes da popularização da filosofia. Autor do novo livro 
Religião para Ateus e famoso por seu Consolações da Filosofia, 
de Botton mostra como as ideias de pensadores de outros 
tempos podem ajudar em questões atuais. Sua escola segue a 
proposta, com palestras e cursos sobre dieta vegetariana, 
equilíbrio entre trabalho e vida, como ser cool e as diferenças 
entre amizade real e virtual. ―A filosofia é um modo de pensar. 
Pode descrever qualquer assunto — sexo, bebês, dinheiro, 
esquis.‖ 
 
Em aulas ministradas por Emrys Westacott, professor da 
Universidade Alfred, em Nova York, a disciplina que até pouco 
tempo se restringia aos corredores acadêmicos se tornou tão 
prosaica que chegou ao orçamento dos universitários. No curso 
Mão de Vaca: A Boa Vida com um Dólar por Dia, Westacott 
analisa propaganda e consumismo a partir de textos de filósofos 
como Epicuro (que extraía o máximo de prazer do mínimo, veja 
Dieta, por Epicuro na próxima página). Os estudantes 
experimentam na prática a ideia de viver com pouco: cortam os 
cabelos uns dos outros (para economizar no salão) e celebram a 
formatura com um concurso de receitas baratas. Dois alunos já 
juntaram 200 sachês de ketchup para fazer uma espécie de sopa 
de tomate. 
 
Com um punhado de tesouras e molhos industrializados, 
Westacott afirma resgatar grandes reflexões da humanidade: O 
que faz as pessoas felizes? O que é sabedoria?. ―Assim, a 
filosofia recupera um espaço que havia se tornado quase 
somente da psicologia.‖ 
 
Mas, afinal, o que esses grandes sábios têm a nos dizer? Confira 
a seguir ensinamentos de filósofos que vão ajudar você em suas 
crises existenciais. Deixe o divã de lado. Sente-se no sofá e boa 
sessão. 
Trabalhe para viver, mas não viva para 
trabalhar. 
 
 
 
―Quem não se dá lazer não obtém o verdadeiro 
prazer‖ 
Michel de Montaigne (1533-1592) era um 
admirador de Sócrates, e não apenas por 
motivos intelectuais. ―Não há nada mais notável 
em Sócrates do que ele ter encontrado tempo 
para aprender a dançar‖, dizia. O filósofo francês 
não admitiria o ritmo de vida de um profissional 
do século 21, multitarefa e sem tempo para 
nada. ―Quando eu danço, eu danço; quando eu 
durmo, eu durmo‖, escreveu. ―Numa época em 
que os pensadores valorizavam os escritos 
longos e difíceis, Montaigne passou a fazer 
textos curtos. Ele queria resgatar a ideia da 
filosofia da Antiguidade de guia para a vida das 
pessoas comuns‖, afirma o historiador de 
filosofia Thomas Dixon, professor da 
Universidade de Londres e autor de Science and 
Religion: A Very Short Introduction (Ciência e 
Religião: Uma Breve Introdução, ainda não 
lançado no Brasil). 
 
Neste esforço, Montaigne trouxe à tona um 
conceito de Cleantes (330 a.C. – 225 a.C.), 
filósofo grego que ganhava a vida carregando 
tinas de água, mas preferia trabalhar à noite, e 
apenas o mínimo necessário, para ter tempo de 
pensar durante o dia. Ele defendia um conceito 
muito simples: trabalhe para viver, mas não viva 
para trabalhar. Você não somente será mais 
realizado na vida pessoal, como se tornará um 
profissional mais criativo. 
 
Montaigne também defendia este raciocínio. 
Dizia que muitas das maiores dificuldades que 
uma pessoa experimenta na vida são 
imaginárias — só de pensar nos riscos e 
ameaças a que estamos sujeitos já sofremos por 
antecipação. ―Para ele, trabalhar demais 
pensando em garantir o futuro ou a estabilidade 
dos filhos e netos não é uma forma 
recomendável de se viver‖, afirma Dixon. 
―Melhor é aproveitar a vida em todos os 
momentos.‖ 
Tire o máximo de prazer do mínimo de comida 
 
 
 
―Aquele que não se satisfaz com pouco não se 
satisfaz com nada‖ 
Estima-se que, ao longo da vida, o filósofo grego 
Epicuro (341 a.C.- 270 a.C.) tenha escrito 300 
livros com títulos como Sobre o Amor, Sobre a 
Música e Sobre a Natureza. Quase todos se 
perderam, mas o que sobrou é suficiente para 
entender sua filosofia aplicada à vida cotidiana. 
―Os conceitos de Epicuro são muito 
contemporâneos‖, diz Trevor Curnow, professor 
de filosofia da Universidade de Cumbria, na 
Inglaterra, e autor de Ancient Philosophy for 
Everyday Life (Filosofia Antiga para a Vida 
Cotidiana, sem edição brasileira). 
 
Epicuro dizia que não saberia imaginar uma boa 
vida sem os prazeres do paladar, do sexo e da 
música. Os proporcionados pela comida eram 
especialmente importantes. O filósofo foi muito 
criticado e atacado pela Igreja Católica quando 
ela passou a assumiro controle sobre o Império 
Romano, mas suas teorias iam muito além da 
valorização dos excessos. Para Epicuro, a 
filosofia tinha a função de ensinar as pessoas a 
interpretar corretamente seus próprios impulsos 
físicos e, também, a dominá-los. Comer menos, 
por exemplo, é uma forma de autocontrole. E, de 
quebra, valoriza a satisfação ao saborear um 
pequeno pedaço de chocolate. A busca pelo 
prazer moderado como forma de atingir a 
plenitude e a felicidade é a essência do 
epicurismo, escola filosófica lançada pelo sábio 
e seguida por seus discípulos. 
 
De fato, Epicuro preferia água a vinho, 
valorizava jantares com legumes e azeitonas e 
dizia que um pedaço de queijo era mais do que 
o suficiente para um banquete. ―Ele era um 
homem coerente com sua filosofia. Um pequeno 
prazer ocasional proporcionava um prazer maior. 
E, por isso, ensinava mais sobre o próprio corpo 
do que a comilança desmesurada‖, diz Curnow. 
―Quem faz dieta tem muito o que aprender com 
Epicuro.‖ 
 
Outra dica útil do filósofo: o prazer é maior 
quando se come em grupo. Ele recomendava 
que, sempre que possível, as pessoas se 
reunissem para fazer refeições na companhia de 
familiares e amigos. A satisfação que vem com a 
troca de opiniões e histórias à mesa ameniza a 
necessidade de se alimentar compulsivamente. 
―Comer sozinho é coisa para leões ou lobos.‖ 
Leia um pouco de tudo. Mas se especialize em 
alguma coisa. 
 
 
 
―Não há fatos, apenas interpretações‖ 
Até os anos 1950, o filósofo alemão Friedrich 
Nietzsche (1844-1900) despertava pouco 
interesse nos departamentos de filosofia nas 
universidades. Porém, mais recentemente, 
tornou-se um pensador popular não somente 
entre pesquisadores, mas também entre o 
público geral. Nas livrarias, há mais títulos com 
seu nome do que de qualquer outro grande 
filósofo. Parte disso se deve ao fato de que 
Nietzsche escrevia muito bem. Ele ficou famoso 
por seus textos curtos, que iam de uma frase a 
algumas poucas páginas. Além do mais, o autor 
tinha coisas interessantes a dizer sobre 
praticamente qualquer assunto. 
 
Seus livros costumam fazer referências a vários 
autores de sua época, de diversas áreas — 
inclusive compositores musicais. À primeira 
vista, Nietzsche parece valorizar o excesso de 
informação. Mas não se engane: se vivesse 
hoje, dificilmente o filósofo seria do tipo que fica 
com 10 janelas do navegador de internet abertas 
ao mesmo tempo ou vê alguma vantagem nessa 
história de multitask . "Para ele, conhecimento 
vasto não tem nada a ver com dados aleatórios 
reunidos sem critério, como fazemos hoje em dia 
ao navegar pela web‖, afirma Douglas Burnham, 
professor de filosofia da Universidade de 
Staffordshire, no Reino Unido. 
 
Para Nietzsche, as pessoas precisam conhecer 
um pouco de música, literatura, artes. Mas não 
podem perder tempo demais soterradas em 
detalhes sobre cada tema. ―A maior parte do dia 
deve ser dedicada a conhecer a fundo um 
determinado assunto. E isso não significa passar 
o dia inteiro lendo sobre ele‖, afirma Burnham. 
Se você se interessa por engenharia, por 
exemplo, saia à rua, compare construções, 
procure pessoas que entendem mais do que 
você sobre o assunto. Em outras palavras: se 
Nietzsche estivesse vivo hoje, certamente diria: 
use o Google, mas com parcimônia. 
Espere o pior de tudo. Assim, 
você ficará muito mais feliz 
quando as coisas derem certo. 
 
 
 
“Quantas vezes o dia transcorreu 
como planejado?” 
 
Sêneca (4 a.C. — 65 d.C.) escreveu vários 
textos com orientações sobre como lidar com o 
fracasso para alcançar o sucesso, que ele 
mesmo não chegou a ter. A vida do filósofo foi 
longa e difícil. Político promissor, interrompeu a 
carreira aos 20 anos por causa de uma 
tuberculose. Ao se recuperar, foi condenado ao 
exílio. Estava lá quando um terremoto destruiu 
Pompeia e um incêndio botou Roma abaixo. 
Acabou sendo eleito o instrutor do imperador 
Nero, apenas para ser condenado à morte por 
seu discípulo — foi orientado a cortar as próprias 
veias do braço, sob acusação de participar de 
uma conspiração. Não funcionou. Sêneca, 
então, tomou veneno. Também não foi eficiente. 
Acabou se internando em uma sauna, até morrer 
por desidratação. 
 
Apesar de todas as dificuldades, Sêneca, um 
dos mais conhecidos filósofos romanos, não era 
um homem amargurado. Ele percebeu que os 
fracassos são inevitáveis, e que o segredo das 
pessoas mais bem-sucedidas é saber lidar com 
eles. 
 
A ideia é: já que os problemas inesperados são 
os que mais nos atingem, esteja preparado para 
o pior. Sempre que você entrar em um avião ou 
carro, saiba que aquela pode ser sua última 
viagem. Se não for, aproveite uma nova 
oportunidade para explorar a vida ao máximo. 
―Descobrir que as fontes de satisfação estão 
além de nosso controle e que o mundo não 
funciona da forma como gostaríamos é um 
choque de infância de que muitos não se 
recuperam‖, diz o filósofo britânico Marcus 
Weeks, palestrante da Escola da Vida, em 
Londres. 
 
Para Sêneca, frustrações todos temos, o 
segredo é saber lidar com elas sem raiva, 
ansiedade, paranoia, amargura ou autopiedade. 
Precisamos manter o senso de realidade para 
não sucumbir à tentação de culpar os outros por 
tudo o que dá errado conosco. 
 
O sucesso, diz Sêneca, consiste em manter a 
paciência diante dos problemas que fogem do 
nosso controle, e focar no que, de fato, depende 
de você. Para isso, ele fazia um exercício: antes 
de dormir, listava suas frustrações, os insultos 
que havia escutado ao longo do dia e como 
havia se saído disso. 
Mais importante do que ser 
popular é defender suas 
próprias posições 
 
 
 
 
"É sábio quem tem em si tudo que 
leva à felicidade” 
 
O fundador da filosofia ocidental foi condenado à 
morte por não adorar os deuses de Atenas e 
corromper a juventude com ideias não aceitas 
pela sociedade da época. Sócrates (469 a.C. – 
399 a.C.) foi a julgamento e teve a chance de 
renegar suas ideias. Preferiu beber cicuta. 
Pagou com a vida o preço da impopularidade, 
mas não abriu mão de seus conceitos. Com 
isso, ele deixava uma última lição clara: não é 
possível levar a sério as opiniões alheias o 
tempo todo. Muitas vezes, é preciso ter a 
coragem de assumir suas próprias posições, por 
mais complicado que isso seja. 
 
É difícil agir assim. Afinal, ser popular é 
prazeroso. Observe: em uma roda de conversa, 
sempre aparece aquela pessoa simpática, 
carismática, que conta piadas de que todos riem 
e sente o prazer de ser bem recebido pelo 
grupo. Sócrates fazia o contrário: abordava 
estranhos na rua e perguntava, insistentemente, 
o que era a felicidade, quais os motivos para 
realizar sacrifícios para deuses, ou por que 
homens que vão às guerras são tão valorizados. 
Era irritante porque demonstrava o quanto os 
lugares-comuns não se sustentavam 
logicamente. ―Sócrates era o chato que ninguém 
quer por perto‖, afirma o filósofo Robert Rowland 
Smith, autor de Breakfast With Socrates (Café 
da Manhã com Sócrates, sem edição brasileira). 
―Suas perguntas irritavam quem não tinha 
interesse em debater com profundidade 
questões que parecem óbvias, mas não são.‖ 
 
Seus poucos discípulos entendiam o espírito de 
tantos questionamentos. Aristóteles sugeria que 
a amizade verdadeira só poderia existir quando 
duas pessoas compartilhassem sal — ou seja, 
dividissem refeições, impressões, opiniões. Já 
Platão, registrou em seus mais de 30 diálogos 
socráticos a dialética do mestre. Suas conversas 
se iniciavam com uma pergunta, que resultava 
em opiniões do interlocutor, primeiramente 
aceitas. Depois, era mostrado o contraditório 
daquelas opiniões, levando o interlocutor a 
reconhecer seu desconhecimento sobre o 
assunto. Para Sócrates, o importanteera ter em 
mente que todos seus conceitos de vida podem 
estar errados. Por isso, precisam ser 
examinados até que provem ter lógica. Mesmo 
que isso traga impopularidade. Até porque, 
ninguém consegue ser popular e agradar a 
todos. 
Se um relacionamento deu 
errado, parta para outro sem 
culpas 
 
 
 
 
“Amor é apenas instinto de 
sobrevivência da espécie” 
 
 
Poucos filósofos foram tão pessimistas como 
Arthur Schopenhauer (1788-1860). Quando um 
amigo sugeriu que os dois procurassem por 
mulheres, ele respondeu: ―A vida é tão curta, 
questionável e evanescente que não merece 
qualquer tipo de esforço maior.‖ Quando, em 
viagem pela Itália, desobedeceu seu próprio 
preceito e cortejou várias mulheres, foi rejeitado 
por todas — o que só piorou suas expectativas 
com relação ao amor. Ainda assim, 
Schopenhauer tem dicas muito atuais a respeito 
de relacionamentos. Em linhas gerais, ele 
defende: desista do sonho do amor para toda a 
vida. Se um relacionamento deu errado (e, em 
algum momento, ele provavelmente vai dar), 
parta para outro, sem culpas. 
 
Schopenhauer acreditava que o amor era um 
mal necessário. O erro estaria em esperar 
demais dele e acreditar que só amamos uma 
vez na vida. ―Para ele, o amor era terrível, 
instável, dilacerante, mas fundamental. Só não 
poderíamos sofrer tanto por ele‖, afirma Douglas 
Burnham. 
 
O filósofo pessimista aprendeu com o trabalho 
de Montaigne que a mente não controla o corpo 
como gostaríamos, e tentou entender o porquê 
de tanta urgência, tanta angústia, tanta energia 
dedicada aos relacionamentos. Não seria por 
diversão, por intimidade ou por sexo, concluiu. 
Mas por um motivo mais fundamental: a 
necessidade de procriar e levar adiante o legado 
humano. E isso não teria nada a ver com o 
casamento ou a monogamia tão perseguida 
pelos amantes. Aliás, o filósofo tinha uma visão 
bem pessimista sobre juntar as escovas de 
dentes. ―Casar significa fazer todo o possível 
para se tornar objeto de repulsa para o outro‖, 
dizia. 
 
Ranzinza? Pode ser. O fato é que 
Schopenhauer, que teve alguns casos, mas 
nunca se casou, não tinha problemas em buscar 
novos amores quando um relacionamento 
acabava. 
Pense na morte para fazer um 
balanço da vida. 
 
 
 
 
“A morte não é o pior que pode nos 
acontecer” 
 
Pegue papel e caneta (ou celular, notebook, 
tablet) e comece a anotar, em tópicos, todos os 
detalhes de seu próprio funeral. Que tipo de 
caixão você gostaria de ter? Com que roupa 
estaria vestido? Vai ser enterrado ou cremado? 
Quem não pode faltar ao enterro? Quem é 
dispensável e quem não deveria aparecer de 
forma alguma? Que tipo de discurso ou 
cerimônia combinaria mais com você? 
 
A recomendação é de Platão (428 a.C. — 348 
a.C.): pensar no próprio funeral nos lembra que 
morreremos um dia. Assim, passamos a 
valorizar cada instante e a vivê-lo intensamente, 
afinal, pode ser o último. ―Se não recordamos 
sempre disso, nos deixamos levar pela vida, 
quando deveríamos ter controle sobre ela‖, 
afirma o filósofo britânico Nigel Warburton, outro 
grande responsável pela popularização da 
disciplina, com livros como O Básico da 
Filosofia. 
 
Pensar na morte nos faz viver melhor, com 
objetivos mais claros. Serve para reavaliar o 
rumo que damos à nossa existência e nos ajuda 
a identificar erros que cometemos, 
principalmente no relacionamento com pessoas 
importantes para nós. Por exemplo: se você 
morresse hoje, seu enterro seria parecido com o 
seu ideal? Se a resposta for sim, você está 
conduzindo sua vida na direção certa. Se for 
não, talvez seja hora de se reconciliar com 
aquele amigo ou familiar que hoje não 
participaria de sua derradeira despedida. 
 
Pensar em nosso fim nos dá a oportunidade de 
mudar o que está errado enquanto ainda é 
tempo. Deveria ser uma reflexão diária, não algo 
deprimente. "Para Platão, a morte define todos 
os momentos em que estamos acordados, e 
talvez também nossas horas de sono." 
Um pensador no divã 
 
Emrys Westacott, autor de Thinking Through 
Philosophy (Pensando Através da Filosofia, 
sem edição brasileira), fala sobre a 
popularização da disciplina e o quanto ela 
pode tomar espaço da psicologia 
 
* A filosofia pode ser pop sem ser rasa? 
Westacott: Existem muitas pessoas tentando 
deixar a filosofia mais acessível. Algumas 
seguem a linha da ficção, como Jostein Gaarder 
em O Mundo de Sofia. Outros relacionam a 
disciplina a temas de cultura popular, como 
Gregory Bassham com Harry Potter e a Filosofia 
e Willian Irwin com Os Simpsons e a Filosofia. 
Por fim, existem aqueles autores mais influentes, 
como Alain de Botton, que escrevem para o 
grande público. São esses os mais 
interessantes, pois respeitam os filósofos que 
abordam e vão além de resumir textos antigos. 
Eles traduzem e atualizam conceitos, mostram 
como eles são importantes para nós hoje. 
 
* A terapia filosófica pode substituir a 
psicologia? 
Westacott: Substituir, não, complementar. As 
conversas com base em fundamentos filosóficos 
ajudam as pessoas a mudar radicalmente a 
forma de pensar na vida e na dimensão de seus 
próprios problemas. Depois de algumas 
sessões, podemos retomar o rumo, repensar 
prioridades. Esse é o principal objetivo da 
filosofia antiga. O resgate dessa tradição, na 
forma de terapia, é muito oportuno. 
* Que livro você indicaria para quem nunca 
leu sobre filosofia? 
Westacott: Sempre recomendo A Ciência Gaia, 
de Nietzsche. É lindo e muito inspirador. Em 
frases curtas, apresenta insights sobre a moral, 
a arte, as guerras e a política. 
Exercícios filosóficos 
O francês Roger-Pol Droit, autor de Filosofia 
em Cinco Lições, entre outros títulos de 
popularização da filosofia, ensina atividades 
rápidas para você refletir sobre a vida. 
 
O MUNDO EM 20 MINUTOS: Sente-se em um 
sofá e imagine o seguinte: o mundo acabou de 
surgir e vai desaparecer em exatos 20 minutos. 
Admire sua existência, como se fosse uma 
lâmpada se apagando lentamente. Você vai 
sentir um profundo terror. E vai perceber a 
inutilidade de fazer planos demais para o futuro. 
O que vale é viver o presente — intensamente. 
 
A DOR DE CADA UM: Belisque seu braço. 
Depois de novo. E uma terceira vez, agora por 
mais tempo. Pense no que você está sentindo 
enquanto isso. Preste atenção na sensação de 
dor e na forma como ela evolui: primeiro mais 
forte, depois moderada. Perceba sua 
capacidade de se acostumar a situações 
desconfortáveis. Você verá que nada é tão ruim 
assim. 
 
NO MEIO DA MULTIDÃO: Passeie pelo perfil 
virtual de pessoas que você não conhece. Faça 
isso até se dar conta de que existe muita gente 
no mundo. O objetivo é perceber o quanto você 
é insignificante no conjunto da humanidade. 
Assim, você pode viver mais leve, sem levar 
tudo tão a sério. 
 
REALIDADE MOLDADA: Sente-se diante de 
uma paisagem e comece a olhar para ela. Não 
procure por detalhes, não foque em nada, 
apenas admire o conjunto, até que ele pareça 
bidimensional, como uma pintura. Imagine que 
ela está se desmanchando diante de seus olhos. 
Pronto: você percebeu o quanto a realidade é 
relativa e que não vale a pena ser radical na 
vida.

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