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DISCIPLINA: DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Autoria: ANA LUCIA LOUZADA FERNANDES Vitória, 2016 1 Direito Internacional Privado Diretor Executivo: Tadeu Antonio de Oliveira Penina Diretora Acadêmica: Eliene Maria Gava Ferrão Diretor Administrativo Financeiro: Fernando Bom Costalonga NEAD – Núcleo de Educação à Distância GESTÃO ACADÊMICA - Coord. Didático Pedagógico GESTÃO ACADÊMICA - Coord. Didático Semipresencial GESTÃO DE MATERIAIS PEDAGÓGICOS E METODOLOGIA Coord. Geral de EAD BIBLIOTECA MULTIVIX (Dados de publicação na fonte) F363d Fernandes, Ana Lucia Louzada. Direito internacional privado / Ana Lucia Louzda Fernandes. – Vitória : Multivix, 2016. 100 f. ; 30 cm Inclui referências. 1. Direito internacional 2. Direito internacional privado I. Faculdade Multivix. II. Título. CDD: 342.3 2 Direito Internacional Privado Disciplina: Direito Internacional Privado Autoria: Ana Lucia Louzada Fernandes Primeira Edição: 2016 3 Direito Internacional Privado SUMÁRIO 1º BIMESTRE............................................................................................................ 8 1 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.................................................................................................... 9 1.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 9 1.2 NOÇÃO FUNDAMENTAL DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO........ 9 2 UNIDADE 2 – DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.............................................. 11 2.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 11 3 UNIDADE 3 – O DOMÍNIO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO (DIPR)..................................................................................... 13 3.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 13 3.2 O OBJETO..................................................................................................... 14 3.3 DENOMINAÇÃO............................................................................................ 14 3.4 O RELACIONAMENTO DO DIPR COM AS OUTRAS DISCIPLINAS JURÍDICAS..................................................................................................... 15 4 UNIDADE 4 – DIREITO INTERTEMPORAL E DIREITO INTERNCIONAL PRIVADO.................................................................... 16 4.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 16 5 UNIDADE 5 – DIREITO UNIFORME E DIREITO COMPARADO 19 5.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 19 5.2 DIREITO COMPARADO................................................................................ 20 5.3 DIREITO UNIFORMIZADO............................................................................ 20 5.4 A UNIFORMIZAÇÃO DI DIREITO ECONÔMICO.......................................... 21 5.5 DIREITO UNIFORME E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.................. 22 5.6 MÉTODOS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO................................ 22 4 Direito Internacional Privado 6 UNIDADE 6 – NORMAS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.................................................................................................... 24 6.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 24 6.2 AS NORMAS.................................................................................................. 25 6.2.1 NORMAS INDICATIVAS OU INDIRETAS.................................................................. 25 6.2.2 NORMAS DIRETAS............................................................................................. 25 6.2.3 NORMAS QUALIFICADORAS............................................................................... 26 6.3 ESTRUTURA DA NORMA............................................................................. 26 6.3.1 UNILATERAIS OU INCOMPLETAS......................................................................... 26 6.3.2 BILATERAIS OU COMPLETAS.............................................................................. 27 7 UNIDADE 7 – FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.................................................................................................... 28 7.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 28 7.2 FONTES MATERIAIS E FONTES FORMAIS................................................ 28 7.3 CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES................................................................... 29 7.3.1 LEI................................................................................................................... 29 7.3.2 TRATADOS....................................................................................................... 30 7.3.2.1 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 30 7.3.2.2 NOMENCLATURA............................................................................................... 31 7.3.2.3 CLASSIFICAÇÕES DOS TRATADOS....................................................................... 32 7.3.2.4 VIGOR DO TRATADO.......................................................................................... 33 7.3.2.5 REGISTRO DOS TRATADOS................................................................................ 33 7.3.2.6 PROCESSUALÍSTICA.......................................................................................... 33 7.3.3 JURISPRUDÊNCIA.............................................................................................. 35 7.3.4 DOUTRINA........................................................................................................ 37 7.3.5 O COSTUME..................................................................................................... 38 8 UNIDADE 8 – HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.................................................................................................... 40 8.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO INTERNACIONAL 40 5 Direito Internacional Privado PRIVADO....................................................................................................... 8.2 IDADE MÉDIA................................................................................................ 42 8.3 ESCOLAS ESTATUTÁRIAS.......................................................................... 43 8.4 O PERÍODO MODERNO............................................................................... 45 8.5 O PERÍODO ATUAL....................................................................................... 45 9 UNIDADE 9 – NACIONALIDADE......................................................... 47 9.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 47 9.2 NACIONALIDADE ADQUIRIDA..................................................................... 47 2º BIMESTRE............................................................................................................49 10 UNIDADE 10 – CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO......................................................................................... 50 10.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 50 10.2 APLICAÇÃO PROVA E INTERVENÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO............................................................................................. 50 10.3 FORMAS DE INGRESSO.............................................................................. 51 10.4 FORMAS DE EXCLUSÃO.............................................................................. 52 10.5 DEPORTAÇÃO.............................................................................................. 52 10.6 EXPULSÃO.................................................................................................... 52 10.7 EXTRADIÇÃO................................................................................................ 53 10.8 ASILO POLÍTICO........................................................................................... 54 11 UNIDADE 11 – REGRAS DE CONEXÃO........................................... 55 11.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 55 11.2 OBJETO E ELEMENTOS DE CONEXÃO...................................................... 55 11.3 ELEMENTOS DE CONEXÃO........................................................................ 55 12 UNIDADE 12 – ORDEM PÚBLICA...................................................... 59 12.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 59 12.2 O PRINCÍPIO DA ORDEM PÚBLICA............................................................. 59 12.3 RESERVAS DA ORDEM PÚBLICA............................................................... 60 6 Direito Internacional Privado 12.4 FRAUDE À LEI............................................................................................... 61 12.4.1 FUNDAMENTOS DA FRAUDE À LEI NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.............. 61 13 UNIDADE 13 – DIREITO DE FAMÍLIA................................................ 64 13.1 DESENVOLVIMENTO.................................................................................... 64 13.2 CASAMENTO................................................................................................. 64 13.2.1 TIPOS DE CASAMENTO...................................................................................... 65 13.2.2 AUTORIDADE COMPETENTE............................................................................... 65 13.2.3 CASAMENTO REALIZADO POR AUTORIDADE INCOMPETENTE................................ 66 13.2.4 PROCLAMAS..................................................................................................... 66 13.2.5 PROVA DO CASAMENTO CONSULAR................................................................... 66 13.2.6 INVALIDADE DO CASAMENTO............................................................................. 67 13.2.7 CASAMENTO POR PROCURAÇÃO........................................................................ 67 13.2.8 DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO................................................................................. 67 14 UNIDADE 14 – HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA......................................................................................... 69 14.1 DESENVOLVIMENTO................................................................................... 69 14.2 APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO.................................................. 70 14.3 A HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA.................................. 72 14.4 A CARTA ROGATÓRIA................................................................................. 80 14.5 COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA CONCORRENTE E EXCLUSIVA................................................................................................... 82 15 UNIDADE 15 – REGIME DE BENS DE CASAL; LEI REI SITAE........................................................................................................... 84 15.1 O DIREITO APLICÁVEL NA DETERMINAÇÃO DO REGIME DE BENS...... 84 15.1.1 CRITÉRIO PARA DETERMINAÇÃO DO REGIME DE BENS DO CASAL........................ 84 15.2 A EVOLUÇÃO DA MATÉRIA NO BRASIL..................................................... 86 16 UNIDADE 16 – CONTRATOS INTERNACIONAIS.......................... 89 16.1 DESENVOLVIMENTO.................................................................................... 89 7 Direito Internacional Privado 16.2 DEFINIÇAÕ DE CONTRATO INTERNACIONAIS......................................... 89 16.3 OS CONTRATOS NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO..................... 90 16.4 OS RELACIONAMENTOS JURÍDICOS......................................................... 90 16.5 CONFLITO EM TORNO DOS EFEITOS DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS.............................................................................................. 92 16.6 PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL............................................... 93 17 UNIDADE 17 – TEORIA DOS DIREITOS ADQUIRIDOS............... 96 17.1 DESENVOLVIMENTO.................................................................................... 96 18 REFERÊNCIAS......................................................................................... 98 8 Direito Internacional Privado 1º Bimestre 9 Direito Internacional Privado 1 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO 1.1 DESENVOLVIMENTO Direito internacional é o conjunto de princípios e normas, sejam positivados ou costumeiros, que representam direito e deveres aplicáveis no âmbito internacional, ou seja, direito internacional público consiste no sistema normativo que rege as relações exteriores entre os atores internacionais. Segundo MAZZUOLI “o arcabouço jurídico que norteia as relações exteriores entre os sujeitos que integram a sociedade é o que se pode denominar de direito internacional público. O direito internacional não é dotado da mesma coerção existente no prisma interno dos Estados, mas estes princípios e normas abrigam quase que universalmente, advindo sobre: Entre Estados diferentes; Entre Estados e nacionais de outros Estados; Entre nacionais de Estados diferentes. Nesse sentido, distinguem-se, normalmente, direito interno e direito internacional, onde um se destinaria a reger as relações jurídicas no interior do sistema jurídico nacional e o outro, as relações entre os diferentes sistemas nacionais, seja destacando os estados, organizações internacionais e demais atores internacionais (direito internacional público ou simplesmente direito internacional) ou as relações entre particulares, revestidas de dados de estraneidade, ou seja, situação jurídica de estrangeiro no país em que está domiciliado (direito internacional privado). 1.2 NOÇÃO FUNDAMENTAL DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO É o estudo dos princípios e normas jurídicas que têm por objeto a nacionalidade das pessoas, os estrangeiros e a determinação da competente jurisdição ou a lhe aplicável, quando queira que surjam conflitos de direito entre pessoas de diferente nacionalidade ou se estabeleçam relacionamentos que estejam dentro da orbita de 10 Direito Internacional Privado diferentes Estados. Direito Internacional Privado é constituído por normas que definemqual o direito a ser aplicado a uma relação jurídica com conexão internacional, indicando o direito aplicável. Como fundamentos podem ser destacados: conflito de leis; intercâmbio universal ou comércio internacional; extraterritorialidade das leis. É importante ressaltar que sob ótica das ordens jurídicas elas podem ser de dois modos: uma só ordem (quando para solução de um problema independe de outro ordenamento jurídico senão o próprio do país); duas ou mais ordens jurídicas (quando para solução de um problema é preciso se levar em conta o ordenamento jurídico de outro país). Na hipótese das relações humanas atravessarem as fronteiras de um país, cabe ao Direito, portanto, adequar-se a essa realidade. Diferentemente não poderia ocorrer com as relações jurídicas, dado que o Direito é fruto da sociedade humana. A internacionalização da vida e das atividades humanas motiva acontecimentos jurídicos que devem ser resolvidos pelo Estado. “Há várias concepções sobre o objeto do Direito Internacional Privado. A mais ampla é a francesa que entende abranger a disciplina quatro matérias distintas: a nacionalidade; a condição jurídica do estrangeiro; o conflito das leis e o conflito de jurisdições...”. (DOLINGER, 2003, p. 01) O Direito Internacional Privado, como disciplina que estuda a preferência da norma a ser aplicada a uma relação jurídica com conexão internacional, tem, como objeto de seu estudo, pela doutrina mais abrangente, a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito das leis no espaço e o conflito de jurisdições. 11 Direito Internacional Privado 2 UNIDADE 2 – DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNANCIONAL PRIVADO 2.1 DESENVOLVIMENTO A relação entre Direito Internacional Privado (DIPr) e Direito Internacional Público (DIP) nos remete a um contexto de muita reflexão, onde não se deve negar que o direito público repercute e reflete de maneira aparente no DIPr, quanto a influência em sua aplicabilidade. Para Hans KELSEN há uma semelhança bem estreita entre ambos os direitos, posto que, em sua opinião, os grandes princípios do DIPr provêm do DIP. É no direito internacional público que se encontra todo embasamento argumentativo do direito internacional privado. Percebe-se uma recíproca interação entre as disciplinas na atualidade, para ambas tem se elaborado tratados e convenções por organismos internacionais e regionais, e os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações orientam e restringem o legislador e o aplicador da lei em questões que dizem respeito tanto ao público quanto ao privado. Tabela 1 – Comparativo entre DIP e DIPr Direito Internacional Público (DIP) Direito Internacional Privado (DIPr) Relação jurídica Trata das relações exteriores entre os atores internacionais (sociedade internacional), compondo conflitos. Trata das relações jurídicas entre os sujeitos privados com conexão internacional, regulando conflitos de leis no espaço. Fonte Principal são os tratados e fontes internacionais. Legislação interna dos Estados. 12 Direito Internacional Privado Regras 1) vinculam as relações internacionais ou internas de incidência internacional; 2) são estabelecidas pelas fontes internacionais; 3) são normas de aplicação direta, vinculando diretamente os sujeitos. Normas indicativas de qual Direito aplicável nas relações entre os sujeitos. Leia mais – Este texto somente deve ser usado como roteiro de estudo para a disciplina Direito Internacional Privado, ministrada pela Ana Lucia Louzada no 1º semestre de 2016, pois são notas de aula, dependendo da complementação dada pela professora em sala de aula. Este texto não dispensa as leituras indicadas na bibliografia básica da disciplina. 13 Direito Internacional Privado 3 UNIDADE 3 – O DOMÍNIO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO (DIPR) 3.1 DESENVOLVIMENTO O novo Direito Internacional Privado (DIPr) deve ser analisado como conjunto sistemático de princípios legais e jurisprudências, cuja função essencial é a de indicar a lei adequada à apreciação de relações em contato com mais de uma ordem jurídica ao mesmo tempo, chamadas de fatos mistos ou multinacionais, geradoras dos “Conflitos de Leis nos Espaços”. As pessoas físicas e jurídicas não restringem as suas relações às fronteiras de um único país, Estado, onde cada Estado possui, dentro do seu ordenamento jurídico, um conjunto de regras que buscam solucionar problemas advindos de relações privadas internacionalmente. O elemento caracterizador, essencial, do DIPr é a existência da situação jurídica de estrangeiro no país em que está domiciliado, seja subjetiva – entre os sujeitos - ou objetivamente, o objeto do contrato. E é diante desse conjunto plural de sistemas jurídicos que nasce o objeto dessa disciplina, que seja o conflito de leis no qual a situação jurídica poderá ser regulada por mais de um ordenamento. Cada Estado possui a faculdade de aplicar o direito interno a todas as questões jurídicas com conexão nacional e internacional. Não obstante, na realidade não é isso que sucede, pois todos os ordenamentos jurídicos nacionais estabelecem regras peculiares, concernentes às relações jurídicas de direito privado com alguma conexão internacional. Regras essas que dizem respeito ao direito aplicável, o nacional ou o estrangeiro. Importante se frisar que essas regras não resolvem a questão jurídica propriamente dita, indicam tão-somente, dentre as possíveis ordens jurídicas conectadas com a lide, qual direito deverá ser aplicado pelo juiz em caso concreto conforme sua legislação. Conforme a doutrina, essas normas indicam, resolvem os conflitos de leis 14 Direito Internacional Privado no espaço1. 3.2 O OBJETO Basicamente, o DIPr resolve conflitos de leis no espaço referentes ao direito privado, ele determina qual o direito aplicável numa relação jurídica de direito privado conectada à órbita internacional. Há algumas concepções sobre o objeto de DIPr, por ex., a francesa, apreciada como uma das mais amplas, designa quatro matérias distintas como objeto: a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito das leis e o conflito de jurisdições. Entende-se que o estudo das relações jurídicas do homem na sua dimensão internacional abrange a análise de sua nacionalidade, o estudo de seus direitos como estrangeiro, as jurisdições possíveis de serem impugnadas, o reconhecimento de sentenças proferidas no estrangeiro, assim como as leis que lhe serão aplicadas. 3.3 DENOMINAÇÃO A principal fonte de DIPr é a legislação interna de cada sistema, razão esta para se questionar a denominação “direito internacional”. Desta forma pode-se destacar uma das primeiras diferenças entre o DIP e o DIPr, pois enquanto o DIP é regido especificamente por Tratados e Convenções, multi e bilaterais, controlado por uma ordem axiológica de hierarquia supranacional; o DIPr é preponderantemente composto de normas elaboradas pelo legislador interno. Outro ponto relevante à sua denominação “internacional” relaciona-se ao fato deste termo, normalmente, referir-se a relação jurídica entre Estados, quando no DIPr praticamente só trata de interesses de pessoas privadas, sejam físicas ou jurídicas. O Estado quando se manifesta, por alguma razão, nesta relaçãojamais se mostra como ente soberano. Posto isto, verifica-se ter esta ciência como objeto principal o 1 Dependendo da ordem jurídica do país em que se decide a lide, o direito aplicável à causa com conexão internacional poderá variar. 15 Direito Internacional Privado conflito de leis, portanto um direito eminentemente nacional. 3.4 O RELACIONAMENTO DO DIPr COM AS OUTRAS DISCIPLINAS JURÍDICAS Numa situação jurídica desdobrado em território nacional, entre nacionais domiciliados neste território, ausente qualquer elemento ou fator externo, caracterizada e regulamentada está pelo direito material nacional. O DIPr só surge quando ocorre algum fator extraterritorial, seja no plano subjetivo da relação, seja em algum aspecto objetivo desta. Quando isto ocorre, a situação está ligada a dois sistemas jurídicos e há de ser feita a escolha sobre a lei aplicável, solucionando-se pelas regras do DIPr. a) quando nubentes têm nacionalidades ou domicílios diferentes no momento de contrair matrimônio, tem-se de determinar qual a lei aplicável às formalidades preliminares e à forma do ato em si, por exemplo. Esta é a dimensão internacional do direito de família. b) E quando um contrato de compra e venda é firmado em outro pais, cujo objeto é um imóvel localizado no Brasil. É a dimensão internacional do direito das obrigações. c) Um cidadão português, domiciliado em Curitiba, que ali falece, deixando bens e herdeiros no Brasil e em sua terra natal, apresenta-se aqui questão sucessória em sua dimensão internacional. d) Situações de advogados formado em seu país de origem ou outro país, qual possibilidade de atuação em outro país. São situações hipotéticas das dimensões que o DIPr pode assumir nos casos concretos. O DIPr é a projeção de uma dimensão internacional ou universalista do direito interno. A relação ente DIPr e DIP tem sido elemento de muita reflexão. Será que são ramos de um mesmo direito ou são ciências jurídicas autônomas? Há hierarquia entre as suas normas? Não se pode negar que o direito público repercute e reflete de modo visível no DIPr, influenciando sua aplicação. 16 Direito Internacional Privado 4 UNIDADE 4 – DIREITO INTERTEMPORAL E DIREITO INTERNANCIONAL PRIVADO 4.1 DESENVOLVIMENTO Direito Intertemporal é o ramo da ciência jurídica que tenta responder às questões mais freqüentes que envolvem a entrada em vigor de uma nova lei e o regramento das relações jurídicas pretéritas. O conflito de leis, decorrente da coexistência de duas normas distintas regulando uma mesma relação jurídica, surge a partir do momento em que são violados os limites temporais ou espaciais de aplicação de determinados preceitos jurídicos. Tais limites são dados, por um lado, pelo território, e de outro, pelo tempo. Assim é que normas procedentes de um determinado Estado soberano não podem disciplinar relações formadas no território de outro, enquanto que as relações jurídicas constituídas sob o manto de norma cuja vigência se expirou não poderão, em regra, sofrer os efeitos da lei sucessora. Surgem, assim, os conflitos de leis, na dupla figura de colisões entre as leis ao tempo vigentes em territórios diversos ou de colisões entre leis que emanam da mesma soberania, mas vigorando em tempos diversos, para resolução dos quais há regras particulares, ditadas expressamente pelo legislador, concebidas pela ciência ou deduzidas da natureza das relações a que se referem “. Da primeira ordem de conflitos se ocupa o Direito Internacional Privado, enquanto que o segundo tipo de conflito de leis constitui o móvel do Direito Intertemporal. Nele vamos encontrar os parâmetros definidores dos limites de vigência de duas normas que se sucedem cronologicamente. Ou , como ensina Campos Batalha, onde haveremos de buscar as “soluções adequadas a atenuar os rigores da incidência do tempo jurídico com o seu poder cortante e desmembrado de uma realidade que insta e perdura”2. 2 CAMPOS BATALHA, Wilson de Souza. Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 17. 17 Direito Internacional Privado Além dos princípios e regras gerais que compõem o Direito Intertemporal, destinados a equipar o intérprete de elementos para solucionar os conflitos da lei no tempo, pode suceder que o próprio legislador queira também dar uma determinada solução ou mesmo evitar o possível conflito de leis, regulando casuisticamente os problemas que provavelmente decorrerão do advento da nova lei e revogação da anterior. A doutrina ainda explica que “por dois modos podem esses conflitos ser solucionados ou regulados: a) por meio de uma lei de conflito; b) por meio de uma lei de transição. No primeiro caso, a lei tem por objeto direto solucionar os conflitos num ou noutro sentido, decidindo se se aplicará a lei antiga ou a nova, ou em qual proporção se aplicará cada uma delas. No segundo caso – lei de transição – estabelece-se um regime intermediário entre as duas leis, para dar lugar aos interesses particulares se conciliáveis com a nova legislação.”. O novo Código Civil, inovando em relação ao seu antecessor revogado, estabelecendo, no próprio texto normativo, um conjunto de regras destinadas a conciliar, por meio de critérios fundados na equidade e nos princípios gerais de direito, a lei posterior com as relações já definidas pela anterior, indicando ao Juiz qual o sistema jurídico sobre o qual devem estar lastreadas as decisões judiciais. Trata-se de verdadeira “lei de conflito”, onde o legislador procurou solucionar os eventuais conflitos, determinando quando se aplicará o CC/16 ou o CC/2002, ou em qual proporção se aplicará cada uma deles. Essas regras, dispostas entre os artigos 2.028 e 2.046, compõem o chamado “Livro Complementar - Das Disposições Finais e Transitórias", e destinam-se, exatamente, à prevenção e solução do conflito de leis no tempo, que poderia resultar da aplicação da lei posterior a situações constituídas sob a regência da lei anterior. São normas de caráter temporário e excepcional, cuja vigência e eficácia se vinculam à subsistência das próprias situações por elas definidas. Na elaboração dessas disposições, ateve-se o legislador aos preceitos gerais do Direito Intertemporal, aplicáveis às diferentes ordens jurídicas e que têm servido para determinar os limites do domínio de antigos e novos preceitos desde os tempos 18 Direito Internacional Privado mais remotos,3 sempre lembrando que, no Brasil, o Direito Intertemporal encontra- se rigidamente vinculado a dois comandos normativos: o art. 5º , inciso XXXVI da Carta Magna 4 e o art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil. Sustenta-se que o novo Código, em determinadas situações, poderá regular os efeitos futuros de fatos ou situações jurídicas que já existiam antes do início de sua vigência, bem como modificar determinados efeitos produzidos no passado ou mesmo permitir que se criem novas situações com base em fatos acontecidos anteriormente. Ao conflito temporal existente entre CC/1916 e CC/2002, não poderá dar a ciência, jamais, uma solução única, podendo, apenas, “ditar alguns princípios de diretrizes; nem o próprio legislador, a quem soberanamente incumbe decidir sobre os limites de eficácia das próprias normas, dar com uma disposição universal que tivesse a pretensão de disciplinar todas as espécies de conflitos, fosse qual fosse o campo de aplicação da norma, a natureza do instituto ou a configuraçãoespecial da relação”. REFLEXÂO: 3 Os artigos 2028 a 2046 são regras de direito positivo de natureza transitória, uma vez que a sua vigência e eficácia estão vinculadas à subsistência das situações jurídicas por eles definidos. Não são transitórios as regras e princípios que compõem o direito intertemporal, os quais têm servido para determinar os limites do domínio de antigos e novos preceitos desde a antiguidade clássica. 4 “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” 19 Direito Internacional Privado 5 UNIDADE 5 – DIREITO UNIFORME E DIREITO COMPARADO 5.1 DESENVOLVIMENTO O Direito Internacional Privado trata essencialmente das relações humanas vinculadas a sistemas jurídicos autônomos e divergentes, as hipóteses em que os direitos autônomos não divergem, mas, pelo contrário, coincidem em suas regras. Dá-se aí o fenômeno do Direito Uniforme. O Direito Uniforme espontâneo, que ocorre quando coincidem os direitos primários de dois ou mais ordenamentos, seja natural e casual, seja porque têm a mesma origem, ou porque sofreram influências idênticas, ou, ainda, quando países adotam sistemas jurídicos clássicos total ou parcialmente, como o Japão que seguiu a Legislação civil alemã, a Turquia que adotou o Código Civil e o Código de Obrigações suíços e o Brasil, que observou influências das legislações portuguesa, francesa, alemã e italiana na elaboração do seu Código Civil. A adoção integral de códigos europeus ocorreu em alguns dos Estados que adquiriram sua independência nos tempos modernos. Em termos universais prevalece a diversidade dos sistemas jurídicos, diversidade esta que decorre da disparidade de condições climáticas, étnicas, físicas, geográficas, econômicas, sociais, religiosas e políticas, como explanado por Montesquieu. Lembra os autores o dito de Aristóteles de que "o direito não é como o fogo, que arde do mesmo modo na Pérsia e na Grécia". A diversidade, segundo FIORES é um fato natural e necessário. Natural porque a legislação de cada Estado deve constituir o reflexo exato das necessidades especiais de cada povo, de acordo com o estado atual de sua cultura e o nível de sua civilização. E necessário porque a vida do direito positivo depende de seu progresso, de sua evolução, e esta permanente variação contribui para a heterogeneidade das diferentes legislações. Isto significa que sistemas jurídicos com a mesma origem, criados pela mesma fonte, vão se diversificando à medida que evoluem de acordo com as necessidades e influências de seu meio ambiente. 20 Direito Internacional Privado 5.2 DIREITO COMPARADO É a ciência (ou o método) que estuda por meio de contraste, dois ou mais sistemas jurídicos, analisando suas normas positivas, suas fontes, sua história e os variados fatores sociais e políticos que os influenciam. Também recorre ao direito comparado para reformar a legislação, seguindo exemplos de outros sistemas na solução por eles encontrada para determinados problemas jurídicos, reformas estas que resultam no direito uniforme espontâneo. Ferramenta importante para o direito uniforme, direito internacional uniformizado, direito internacional privado e direito internacional privado uniformizado. O Direito é dotado de caráter científico, posto que seu discurso é formulado de proposições lógicas, as quais regem seu desenvolvimento e se expõe a novos paradigmas. O Direito Comparado assume a postura científica por ser dotado de um objeto, de método próprio, além de autonomia literária e didática. 5.3 DIREITO UNIFORMIZADO Enquanto o Direito uniforme espontâneo é resultante da natural coincidência de legislações influenciadas pelos mesmos fatores ou da iniciativa unilateral de um Estado de seguir as normas do direito positivo de outro, já o Direito uniforme dirigido resulta de esforço comum de dois ou mais Estados no sentido de uniformizar certas instituições jurídicas, geralmente por causa de sua natureza internacional. Seria tecnicamente mais apropriado denominar esta categoria Direito Uniformizada, para distingui-la do Direito Uniforme de caráter espontâneo. Mas a Doutrina mantém o mesmo termo para ambos os fenômenos. O Direito Uniforme (distinção que fazemos, vem a ser o Direito Uniformizado), estabelece regras materiais, substanciais, diretas, que se aplicarão uniformemente aos litígios, às situações jurídicas que venham a ocorrer em duas ou mais jurisdições, enquanto que o Direito Internacional Privado é composto de regras indiretas, que apenas indicam qual direito substancial dentre sistemas jurídicos 21 Direito Internacional Privado contendo normas divergentes - haverá de ser aplicado. Aquele é direito, este direito sobre direito. Narra Clóvis Beviláqua que, tendo se fundado em Roma, em 1928, um Instituto Internacional para trabalhar no sentido da unificação do direito privado, foi o governo brasileiro convidado a manifestarem-se a respeito, incumbindo a ele, Clóvis, de redigir parecer, tendo opinado pela "possibilidade dessa unificação, atendendo aos diferentes modos empregados pelos povos para alcançar esse fim, muito embora a realização de tal objetivo ainda se conservasse muito distanciado no nosso tempo". O Instituto foi denominado UNIDROIT (Unification Droit) e continua trabalhando até os dias atuais para a unificação (uniformização) do direito privado, tendo elaborado várias importantes Convenções que, aprovadas, vigoram em vários países. Pacificou-se a doutrina, que reconhece hoje a impraticabilidade de direcionar em sentido uniforme as instituições de Direito Civil, dependentes em cada país de antecedentes, tradições, influências e necessidades diversas. Este fenômeno, ou se dá espontaneamente, ou não se verifica. Mesmo que possível fosse uniformizar o Direito Civil, os tribunais nacionais de cada país chegariam a interpretações diversas, como, aliás, ocorre com frequência, no plano interno, onde vemos Tribunais de um país interpretar a mesma lei de forma diversa, o que levou Renê Rodiére a falar na necessidade de se criar uma Corte Internacional de Justiça Civil, para uniformizar as jurisprudências nacionais. 5.4 A UNIFORMIZAÇÃO DO DIREITO ECONÔMICO O mesmo não ocorre com o Direito Comercial e disciplinas afins (Industrial, Intelectual, Marítimo, Aeronáutico) em que os interesses coincidem, tornando possível, e quiçá até necessária, a uniformização de certas instituições jurídicas. Temos aí o Direito Uniforme dirigido, ou, mais corretamente, Direito Uniformizado (ou Direito Internacional Uniformizado), fruto de entendimentos entre Estados e que se concentram nas atividades econômicas de natureza internacional. Aliás, este é outro aspecto que distingue o Direito Uniformizado do Direito Uniforme espontâneo, que só ocorre com instituições tipicamente internas. Assim, quando dois Estados, por terem sofrido influências idênticas, ou quando um segue o exemplo do outro, 22 Direito Internacional Privado abrigam normas idênticas sobre alguma instituição de direito interno, teremos o Direito Uniforme espontâneo. Neste campo não se deve insistir na criação de Direito Uniforme dirigido, Le., uniformizado, pois não há real interesse emuniformizar instituições internas por meio de convenções. A estas cabe recorrer para uniformização de instituições jurídicas que atuam, total ou parcialmente, no plano internacional, como a compra e venda, os títulos de crédito, os transportes, as comunicações, a propriedade industrial é intelectual e todas as atividades humanas naturalmente extraterritoriais. Daí a série de convenções internacionais regendo a uniformização de regras sobre compra e venda internacional, transportes, correspondência postal, telegráfica, radiotelegráfica, propriedade industrial, propriedade intelectual, direito marítimo, direito aéreo, circulação rodoviária, direito cambiário, direito de trabalho, e novas disciplinas que vão compondo o Direito Econômico Internacional. 5.5 DIREITO UNIFORME E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO O direito uniforme, substantivo ou material é o que procura alcançar a unidade do direito dentro do seu campo de atuação, é delineado por preceitos jurídicos concordantes e indicativos do direito aplicável, que estejam em vigor em dois ou mais estados, portanto, o tratado internacional é um instrumento jurídico de utilização neste caso e, dentro de seu âmbito, perante aos Estados, é que estão em vigor as normas jurídicas uniformizadas. Assim, o direito uniforme do direito internacional privado são distintos, mas se interligam pois os tratados internacionais apenas promovem a uniformização de algumas normas. 5.6 MÉTODOS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Modernamente o Direito Internacional Privado segue a orientação de Jitta, utilizando-se de dois métodos para resolver as relações jurídicas internacionais: o método uniformizador que uniformiza e soluciona e o método conflitual, que coordena e harmoniza, utilizando-se deste quando aquele se torna impossível. De um lado uniformiza as normas disciplinadoras do comércio internacional (Direito Uniformizado), por meio de tratados e convenções, até onde isto seja aceitável 23 Direito Internacional Privado para os países interessados. Por outro lado elaboram fórmulas para solução dos conflitos, fórmulas que determinem as leis internas a serem aplicadas. É o método conflitual, de solução dos conflitos. 24 Direito Internacional Privado 6 UNIDADE 6 – NORMAS DO DIREITO INTERNANCIONAL PRIVADO 6.1 DESENVOLVIMENTO Diferença entre direito internacional público e privado, como já visto anteriormente é que o público cuida das relações entre os sujeitos internacionais (Estados e Organizações internacionais), e o privado cuida das relações privadas em países diferentes, ou que pelo menos nessa relação tenha um elemento estrangeiro. O objeto do Direito Internacional Privado é o conflito de leis no espaço, ou seja, não se ocupa de resolver a lide propriamente dita, mas de indicar que lei, de determinado país, poderá fazê-lo. Ao surgir um conflito jurídico conectado com legislações de países distintos, cabe ao Direito Internacional Privado determinar qual a jurisdição competente, isto é, qual o sistema jurídico que deve ser aplicado, cabendo a este decidir, sobre a lei aplicável. Esse “conflito de leis” não significa, necessariamente, colisão entre normas legais, mas de que há normas diferentes sobre o mesmo instituto jurídico, cabendo ao Juiz decidir pela aplicação da lei de um ou de outro sistema. Por essa razão, as normas de Direito Internacional Privado são denominadas indicativas ou indiretas. A complexidade da matéria remete-nos a uma variedade de fontes de regras, situações tanto no plano interno, como no internacional, preponderando as primeiras: a lei, a doutrina e a jurisprudência. No Brasil, a principal fonte legislativa é a Lei de Introdução ao Código Civil, que trata da matéria do artigo 7º ao 17; “o direito internacional privado não soluciona nenhuma questão jurídica, ele apenas indica a lei a ser aplicável, ou seja, se vai ser a lei interna ou a lei estrangeira, por isso que se diz que as normas de direito internacional privado são normas indicativas ou indiretas (indicam um direito a ser aplicado, mas não resolvem a questão jurídica). O que existe no dir. internacional privado são conflitos de lei no espaço, por isso se utiliza as normas indicativas ou indiretas”. 25 Direito Internacional Privado 6.2 AS NORMAS Podemos classificar as normas de Direito Internacional Privado segundo a fonte, a natureza e a estrutura. Como já foi dito, a fonte da norma pode ser legislativa, doutrinária ou jurisprudencial e, ainda, interna ou internacional. Quanto à natureza, a norma de Direito Internacional Privado é, geralmente, indireta, pois apenas indica o direito aplicável, não solucionando a questão jurídica propriamente dita. Também existem as normas conceituais ou qualificadoras, que se restringem a definir determinados institutos para efeito do Direito Internacional Privado (DIPr). Quanto à estrutura, as normas podem ser unilaterais e bilaterais. 6.2.1 NORMAS INDICATIVAS OU INDIRETAS A norma de DIPr., indica qual direito deve ser aplicado, quando a questão jurídica está conectada com dois ou mais sistemas jurídicos. Essa escolha é feita por pontos de contato, ou regras de conexão. Assim, no Direito Civil, questões relativas a direito de família, contratos sucessões e outros, a lei a ser aplicada será determinada pelo domicílio, pela nacionalidade, local do cumprimento da obrigação etc. Como já dito, as regras de conexão escolhem, dentre os sistemas jurídicos conectados à hipótese, qual deve ser aplicado. Daí porque são normas instrumentais, que uma vez indicando o direito aplicável, procurará as normas jurídicas que regulam o caso sub judice. É o método harmonizador dos conflitos de leis, pois aplicando um dos sistemas jurídicos em questão, o conflito é pacificado. 6.2.2 NORMAS DIRETAS Segundo DOLINGER (2005), podem ser conceituadas como normas diretas ou substanciais, estas sendo as que solucionam diretamente o caso concreto, ou seja, 26 Direito Internacional Privado que se referem ao direito material. Estas normas dão solução imediata ao caso conflitante e, na maioria, são aquelas normas que dizem respeito à nacionalidade e à condição jurídica dos estrangeiros As normas diretas são aquelas normas que podem ser aplicadas diretamente, que resolvem a questão jurídica independente da aplicação de outras normas. 6.2.3 NORMAS QUALIFICADORAS Existem normas que não são conflituais, nem substanciais, mas conceituais ou qualificadoras, como as regras que definem o domicílio. Por exemplo, a regra do § 7º, do art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina a extensão do domicílio do chefe de família ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, bem assim o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. Como se vê, não é uma regra de conflito, nem substancial, mas uma regra definidora (qualificadora), que colabora com a norma conflitual. 6.3 ESTRUTURA DA NORMA Quanto à estrutura, as normas podem ser unilaterais, bilaterais: 6.3.1 UNILATERAIS OU INCOMPLETAS Quando imperfeitas, egoístas, invariavelmente são as regras sobre nacionalidade, condição jurídica dos estrangeiros e as normas processuais, eis que cada Estado só tem competência para determinar as condições de aquisição de sua nacionalidade, para fixar os direitos e as limitações dos estrangeiros que se encontram emseu território e delinear a competência jurisdicional de seus próprios tribunais. Nenhum Estado se aventurará a reger a nacionalidade de outros Estados, a determinar regras sobre o direito de estrangeiros em território de outro país ou fixar a competência de tribunais de outros Estados. Os defensores do unilateralismo sustentam que o legislador só tem competência sobre a aplicação de suas próprias leis, não lhe cabendo atribuir competência sobre a lei de outro legislador, pois só 27 Direito Internacional Privado este dirá do alcance de sua lei. Segundo esta escola, o legislador apenas determinará quando se aplicará sua própria lei. 6.3.2 BILATERAIS OU COMPLETAS Quando não objetivam aplicação exclusiva de sua própria lei. A escola que defende o bilateralismo repudia o argumento da competência exclusiva do legislador estrangeiro de limitar a aplicação de sua lei, argumentando que aplicar a lei de determinado Estado não implica em atribuir-lhe competência, eis que a existência das duas regras é um fato no mundo jurídico. Outrossim, se a aplicabilidade de uma lei estivesse ligada à competência do Estado da qual emana, deveria ser vedado aos Estados fixar a aplicabilidade de sua lei no exterior, pois também isto reduziria em se comportar como legislador supranacional O Direito Internacional Privado brasileiro tende a formular normas bilaterais. Não só o artigo 8.º da antiga Introdução e o artigo 7.º da atual Lei de Introdução como a maioria das regras deste diploma legal estão estruturadas em forma bilateral. O artigo 10, por exemplo, estabelece que “a sucessão por morte ou por ausência obedece a lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”, e o artigo 11, que corresponde à regra da lei francesa de 1966, sobre sociedades, estabelece que “as organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à Lei do Estado em que se constituírem”. 28 Direito Internacional Privado 7 UNIDADE 7 – FONTES DO DIREITO INTERNANCIONAL PRIVADO 7.1 DESENVOLVIMENTO Por fontes do direito internacional entendam-se os documentos ou pronunciamentos de que emanam direitos e deveres das pessoas internacionais configurando os modos formais de constatação do direito internacional. As fontes do Direito Internacional Privado situam-se no plano interno de cada Estado bem como no plano internacional. Enquanto no Direito Internacional Público prevalece às normas produzidas por fontes supranacionais, no Direito Internacional Privado preponderam fontes internas como a lei, a doutrina e a jurisprudência. Todavia, não podemos descartar a importância dos tratados e convenções e da jurisprudência internacional como fontes internacionais desta disciplina. 7.2 FONTES MATERIAIS E FONTES FORMAIS Distinguir as fontes materiais do direito não é uma atividade fácil. Encontrar todos aqueles elementos que foram formando a estrutura do Direito, não é simples para o jurista. Assim, as fontes materiais exprimiriam uma tendência para o jurídico, porém, integrando o ordenamento jurídico somente no instante em que assumissem uma forma determinada através de um ato ou de uma série de atos que constituíssem precisamente as fontes formais. Essas são as mais conhecidas, são as que se vinculam a um Direito conhecido palpável. Fontes Materiais: inspiração do direito; Fontes Formais: vigência do Direito. Dessa maneira conclui-se que cada Sociedade, Nação ou Estado têm o seu Direito Positivo que é, segundo Goldschimidt, a prevalência de uma vontade que tem atuação dentro das estruturas jurídicas de um povo. Esta prevalência caracteriza-se 29 Direito Internacional Privado por determinados fatos que se chamam fontes. Isto posto, tem-se que as fontes do Direito são aqueles fatos que se manifestam por meio da vontade prevalecente de um determinado povo, e se constituem em preceitos válidos, obrigatórios e vigentes para aquele mesmo povo. 7.3 CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES A complexidade dos problemas existentes no Direito Internacional Privado reflete uma variedade de fontes que estabelecem regras, as quais têm como objetivo solucionar tais problemas. Enquanto o Direito Internacional Público baseia-se em regras produzidas por fontes supranacionais, no Direito Internacional Privado preponderam as regras das fontes internas, quais sejam, pela ordem de importância: 1. Lei; 2. Tratados; 3. Jurisprudência; 4. Doutrina; 5. Costumes. 7.3.1 LEI No estado atual da Ciência Jurídica, o Direito Internacional Privado é Direito Privado, é Direito Nacional de cada pais. Suas normas, seus princípios estão formulados na legislação positiva de cada Estado. Portanto, a lei interna é a grande fonte do Direito Internacional Privado. Portanto, as normas de Direito Internacional Privado são normas locais, são regras de Direito Interno, e constituem por assim dizer, verdadeiros sistemas nacionais de Direito Internacional Privado. A codificação das regras do Direito Internacional Privado teve início no século XIX, destacando-se o Código de Napoleão (1804), o qual estabeleceu regras sobre a aplicação das leis no espaço. Seguindo o Código de Napoleão, surgiram vários outros como o Código Civil do Chile, o Código Civil da Itália, o Código Civil do Canadá, o Código Civil da Espanha, 30 Direito Internacional Privado entre outros. Dentre eles, o que mais se destacou foi o italiano, por sua forma mais sistemática dos dispositivos de Direito Internacional Privado. Nos seus arts. 6º ao 12 das "Disposições Gerais", relativas à publicação, interpretação e aplicação das leis, encontramos normas interessantes sobre leis pessoais; situação dos bens móveis e imóveis; contratos, competência e formas do processo; execução de sentença estrangeira e as limitações de ordem pública e bons costumes. No Brasil, o cenário jurídico não é diverso. Antes do Código Civil tínhamos regras dispersas. Em 1916, foi promulgado o Código Civil, em cuja "Introdução", nos arts. 8º a 21, foram determinadas regras de direito interno sobre o Direito Internacional Privado. E, finalmente, na última "Lei de Introdução", de 04 de setembro de 1942, consagrou-se o nosso sistema local, pelo qual devemos resolver os conflitos de leis entre a lei brasileira e a lei estrangeira. Todos esses fatos, portanto, são demonstradores de que no estado atual da Ciência Jurídica, a grande fonte de nossa disciplina é a lei interna de cada país. Os Estados prescrevem suas regras de solução de conflitos de leis da maneira que lhes parece melhor, independentemente das regras adotadas por outros povos. Partindo deste princípio, conclui-se que a lei interna é a grande fonte de Direito, pela qual suas regras se manifestam no corpo da ciência jurídica. 7.3.2 TRATADOS Atenção: Ver: convenção de Viena; convenção de Montego Bay (direitos do Mar); resolução nº 9 – carta rogatória e homologação de sentença estrangeira; tratados do MERCOSUL e convenção de Nova York. O tratado é a fonte mais importante para a identificação de regras do DIP. 7.3.2.1 CARACTERÍSTICAS 31 Direito Internacional Privado Conceito: A convenção de Viena de 1969 fala da conceituação dos tratados. Do conceito: art. 2º, §1º, “a” A. É acordo formal internacional: é acordo escrito devendo que ter animus contraendi e sanção em caso de descumprimento.B. Celebrado por escrito: para ser válido, deve ser feito por escrito, sendo vedada a forma oral. C. É celebrado entre Estados ou Organizações Internacionais: que são pessoas de direito internacional. A Convenção de Viena de 86 acresceu as Organizações internacionais como sujeitos de Direito Internacional. Excepcionalmente, por razões políticas, um ente que não estatal pode celebrar tratado: ex. OMC, Taiwan e Hong Kong (são tigres asiáticos que, por meio do Acordo de Mahakesch, permitiu que os territórios aduaneiros autônomos, para dizer que podem participar os Não-estados, mas que tenham autonomia comercial, como no caso de Taiwan e Hong Kong). D. Deve ser regido pelo Direito Internacional: se um compromisso for regido pelo direito interno de uma das partes, não será um Tratado Internacional, mas sim um Contrato Internacional. E. Quer conste de um instrumento único, quer de mais ou dois instrumentos conexos: permite os acordos por troca de notas diplomáticas (acordos em forma simplificada/acordos executivos). F. Deve produzir efeitos jurídicos: não se considera documentos meramente políticos. Tratados devem produzir direitos e obrigações, de modo que a inadimplência gere responsabilidade internacional. G. Qualquer que seja a sua nomenclatura particular: os Tratados Internacionais não tem denominação específica, podem ser denominados de Tratado, Convenção, Protocolo, Acordo. Exceção: Tratados celebrados pelo Vaticano com outros Estados denominam-se Concordata, desde que versem sobre privilégios direcionados aos católicos. 7.3.2.2 NOMENCLATURA Desde que preencha os requisitos básicos, será tratado internacional. A nomenclatura não tem o condão de distinguir (convenção, tratado, acordo [DI Econômico], concordata [Vaticano], carta [utilizado para organizações], protocolo [há 32 Direito Internacional Privado um tratado original e para evitar emendas, faz-se um tratado adicional e para se fazer este protocolo, tem que fazer parte do tratado original). Igualmente, se os subscritores adotaram a denominação de compromisso, que para alguns autores é o ato internacional utilizado para a solução de controvérsias perante um tribunal arbitral, deve-se verificar o caso concreto para saber qual o teor do compromisso. RESEK ensina que “a adjetivação serve justamente para especificar a natureza do texto convencional, quebrando a neutralidade do substantivo base. Assim, as expressões acordo e compromisso são alternativas – ou, para quem prefira dizê-lo, são juridicamente sinônimas – da expressão tratado, e se prestam, como esta última, à livre designação de qualquer avença formal, concluída entre sujeitos de direito das gentes e destinada a produzir efeitos jurídicos”. O art. 84, VIII da CF/88 estabelece que o PR tem a competência constitucional para celebrar tratados e convenções, sujeitas a referendo do Congresso Nacional. No entanto, poderá delegar aos “plenipotenciários”, através da chamada “Carta de Plenos Poderes”, a competência para as negociações contratuais (exemplo de plenipotenciário do Brasil: Ministro das Relações Exteriores). Independentemente da nomenclatura, é da competência do Congresso referendar os tratados celebrados pelo PR. 7.3.2.3 CLASSIFICAÇÕES DOS TRATADOS A. Tratados bilaterais: Matérias típicas: fronteira, bitributação, extradição, cooperação judiciária. B. Tratados multilaterais: podem ter aplicação universal, para todos. Ex. direitos humanos. Nos tratados multilaterais, as matérias atinentes às reservas aparecem ao fim do tratado. Se um Estado soberano não concorda com os termos do novo tratado, é perfeitamente possível que haja o engajamento parcial ou condicional a determinados tratados. A limitação ao consentimento acerca de parte do tratado recebe o nome de reserva ou declaração interpretativa. Como os tratados são passíveis de emendas, é perfeitamente possível a coexistência de versões diferentes de tratados. No art. 40 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1.969 enfatiza a possibilidade de dualidade ou duplicidade de regimes jurídicos entre os tratados original e emendado. Isto significa 33 Direito Internacional Privado que há “a possibilidade de um tratado original estar vigendo ao mesmo tempo entre as partes que não concordaram com a emenda, e entre estas grupo que com elas concordou, sem prejuízo de o tratado emendado estar vigendo na sua integralidade para este último grupo”. Como em 1997 houve a adesão do texto pelo Brasil, quando em vigor a segunda versão do Tratado (“Compromisso AB97”), presume-se que o aderente se vinculará aos termos do tratado emendado. 7.3.2.4 VIGOR DO TRATADO Com relação aos Tratados de forma simplificada, entram em vigor com a mera assinatura. Entretanto, os Tratados de forma solene dependem da assinatura e da ratificação para entrar em vigor. Essa ratificação serve de instrumento de controle sobre os atos do plenipotenciário. Quanto aos tratados bilaterais, estes entram em vigor quando os Estados pactuantes ratificarem o mesmo. 7.3.2.5 REGISTRO DOS TRATADOS Os Tratados, para que tenham validade, não necessitam estar registrados na ONU. Esse registro só será necessário para que a ONU dirima conflitos deles advindos. Explica Marcelo Varella que “o registro é ato indispensável para considerar o Estado como parte. Se não houve o registro, o Estado não está vinculado ao texto nem pode exigi-lo dos demais, ainda que o tenha ratificado, de acordo com seus procedimentos internos”. 7.3.2.6 PROCESSUALÍSTICA Aparece na doutrina como processo de conclusão dos tratados: uma série de eventos para concluir os tratados, com eventos na esfera internacional e interna dos Estados. Por tratar de 2 planos – o contratual e o normativo interno – gera um certo embaraço. Fases: 34 Direito Internacional Privado a. Assinatura: plano internacional; b. Aprovação: interna ou referendo: plano interno; c. Ratificação ou adesão: plano internacional; d. Promulgação interna: plano interno. Tabela 2 – Resumo dos Tratados Internacionais Conceito: art. 2º, §1º, “a” da Convenção de Viena de 1969 – “Tratado dos Tratados”. a) Acordo Internacional: tem que ter animus contraendi, e sanção em caso de descumprimento. b) Celebrado por escrito: é vedada a forma de celebração oral. c) Entre Estados: e/ou Organizações Internacionais (acrescido pela Convenção de Viena de 86). Somente Estados soberanos (que tem o reconhecimento da Sociedade Internacional) podem celebrar Tratados. d) Regido pelo Direito Internacional: se um compromisso for regido pelo direito interno de uma das partes, não é um Tratado Internacional, é um Contrato Internacional e) Quer conste de um instrumento único, quer de mais ou dois instrumentos conexos: permite os acordos por troca de notas diplomáticas (acordos em forma simplificada/acordos executivos) f) Qualquer que seja a sua denominação particular: os Tratados Internacionais não tem denominação específica, podem ser denominados de Tratado, Convenção, Protocolo, Acordo. Exceção: Tratados celebrados pelo Vaticano com outros Estados denominam- se Concordata, desde que versem sobre privilégios direcionados aos católicos. Tabela 3 – Processo de Celebração e Formação dos Tratados (4 fases) Fase internacional Fase interna Fase internacional Fase interna 35 Direito Internacional Privado Negociações + Assinatura art. 84, VIII, CF ReferendoCongressual Art. 49, I, CF Ratificação pelo Presidente Promulgação no D.O.U Tabela 4 – Resumo das fases 1ª Fase: o art. 84, VIII, CF, atribui privativamente ao Presidente da República a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Essa competência pode ser atribuída a um representante, e o art. 7º da Convenção de Viena dispõe que isso se dará por meio da Carta de Plenos Poderes (Instrumento através do qual o Chefe de Estado delega competência privativa para celebrar Tratado). 2ª Fase: O Referendo do Congresso é o ato do Parlamento que aprova o Tratado anteriormente assinado e autoriza a ratificação do Tratado pelo Presidente da República. 3ª Fase: A Ratificação é o ato discricionário do Presidente da República que confirma definitivamente as obrigações assumidas no Tratado quando da assinatura. 4ª Fase: A promulgação no DOU efetiva a vigência do Tratado no plano interno. Atenção: Para o STF, os Tratados valem apenas após a sua promulgação. Tratados comuns equiparam-se às leis ordinárias. Tratados de Direitos Humanos são normas supralegais. Se aprovados nos termos do art. 5º, § 3º, CF, tem status de Emenda Constitucional. Para a Doutrina, a Ratificação já vincula o Estado Brasileiro interna e internacionalmente. 7.3.3 JURISPRUDÊNCIA A jurisprudência é empregada com dupla significação. JURISPRUDÊNCIA EST DIVINARUM ATQUE HUMANARUM RERUM NOTITIA, IUSTI ATQUE INIUSTI SCIENTIA, já dizia Ulpianus; e neste sentido é a própria ciência jurídica: é o 36 Direito Internacional Privado conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto. A outro propósito, Calhistratus fazia referência à RERUM PERPETUO ET SIMILITER IUDICATORUM AUCTORITAS, e com este sentido é que a palavra jurisprudência é empregada: autoridade das coisas semelhantes, julgadas constantemente do mesmo modo. Dado o caráter permanentemente aproximativo da lei ao disciplinar o fato social, jamais a alcançaria nesse seu disciplinamento um perfeito envolvimento do fato social. Teria a regulamentação do fato exclusivamente pelas normas dos códigos que se tornariam demasiadamente volumosos. O fato social é disciplinado de maneira genérica pelo Direito Positivo. Lacunas e espaços vazios formam-se dentro desse envolvimento jurídico. É justamente nessas lacunas e hiatos que penetra a jurisprudência para conseguir o que a norma escrita não o pode fazer. A jurisprudência, salienta Amilcar de Castro, enquanto entre nós não tenha força obrigatória, valendo apenas como doutrina, é importantíssima fonte de Direito Internacional Privado, cujas normas legisladas, em geral, são poucas. E note-se que, como a lei, é resultante de atos oficiais de um poder público, presumidamente imparcial, pelo que, se não tem força de obrigar os juizes a segui-la, não deixa de ter o prestígio dos atos oficiais. Haroldo Valladão enuncia o seu ponto de vista mostrando que a jurisprudência dos tribunais torna-se cada vez mais uma verdadeira tábua de logaritmos do jurista, fornecendo cada dia soluções não previstas ou mal e incompletamente previstas pelo legislador. Ela é particularmente necessária ao Direito Internacional Privado - acentua o grande internacionalista brasileiro - um Direito cuja legislação é fortemente reduzida. E continua: “Ao lado da lei forma-se um direito jurisprudencial, mais plástico, possível de ser modificado pelos próprios tribunais, mais vivo, particularizado: o direito positivo corrente. O direito jurisprudencial une o direito positivo corrente. O direito jurisprudencial une o direito atual ao direito futuro: ele é a fonte entre o JUS CONSTITUTO e o JUS CONSTITUENDO”. 37 Direito Internacional Privado A autoridade e o valor positivo da jurisprudência variam em cada Estado. Os países do Common Law, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos lhe dão maior categoria de fonte que os direitos escrito e codificado. 7.3.4 DOUTRINA Nos primórdios do direito internacional, na sua fase de formação, a opinião dos juristas mais categorizados, como Hugo GRÓCIO, Cornelis van BYNKERSHOEK, Alberico GENTILI e Emer de VATTEL, dentre outros, supriu as lacunas existentes, recorrendo às mais variadas fontes, como o direito romano. A doutrina é outra fonte reconhecida de Direito Internacional Privado, tendo muito influenciado a evolução da nossa disciplina em todas as partes do mundo. Veja-se que os princípios fundamentais do Direito Internacional Privado moderno repousam nas teorias doutrinárias desenvolvidas desde o século XIX. É o campo do direito em que a doutrina tem mais desenvoltura, maior aplicabilidade. Ela interpreta as decisões judiciais a respeito do Direito Internacional Privado e com base nas mesmas desenvolve os princípios da matéria. Entretanto, a doutrina também serve de orientação para os tribunais, os quais muitas vezes recorrem a ela para decidir questões deste Direito. O grande mérito da doutrina é o de ter elaborado um sistema de regras jurídicas constitutivas da parte geral do Direito Internacional Privado. Estas regras, raras vezes, incorporam-se diretamente à legislação dos Estados. Em sua grande maioria são compostas por regras não escritas, e sua aplicação, pelos tribunais, baseia-se de imediato, nas fontes doutrinárias. Uma característica própria da doutrina é a sua visão global. Embora o Direito Internacional Privado seja basicamente Direito Interno, eventualmente uniformizado, em algumas das suas partes, o objeto da disciplina que trata de relações jurídicas de Direito Privado com conexão internacional é estritamente internacional. Por esse motivo, a doutrina que leva em consideração tal aspecto é indispensável para o juiz, já que, para este, não é possível um estudo mais abrangente, pela falta de tempo. 38 Direito Internacional Privado Nesse campo, a fonte doutrinária de grande repercussão é representada pelos trabalhos dos institutos especializados na pesquisa do Direito Internacional Privado e pelas convenções elaboradas nas conferências internacionais, mesmo quando não vigentes pela falta do número necessário de ratificações. Como essas convenções foram preparadas por especialistas de alto nível, o valor doutrinário dos documentos é elevado, devendo ser aproveitado pelos tribunais na aplicação do Direito Internacional Privado. O papel da doutrina pode ter diminuído, e hoje se verifica que a sua inclusão no Estatuto da CIJ tem sido contestada. A própria Corte, em seus julgamentos, tem evitado mencionar as opiniões dos juristas; mas, em compensação, nas exposições dos governos e nos votos em separado, o recurso à doutrina é frequente, o que dá ideia de seu valor. 7.3.5 O COSTUME Enquanto fonte do direito internacional, não pode ser esquecido (consuetudo est servanda), nem deixar de ser aplicado como a expressão da juridicidade, no plano internacional, conforme a lição de CAPOTORTI (1994), ou, como afirmou a CIJ, no julgamento do caso da Delimitação da fronteira marítima na região do Golfo do Maine (1984). O modo de aferição do costume, na formação do direito internacional, teria se colocado diversamente, desde a segunda guerra mundial, em virtude do surgimento de novos problemas e do aumento no número de membros da comunidade internacional, desejosos de deixar a sua marca, no ordenamento mundial, mediante tratados negociados nos organismos intergovernamentais. Em outras palavras, o costume pôde, as vezes, ser considerado critério insatisfatórioe lento para acompanhar a evolução do direito internacional, mas tem seu papel resguardado em razão da estrutura difusa e do funcionamento da sociedade internacional, como significativamente ilustraria a expressa menção, no último parágrafo do preâmbulo da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, de 1969, as “regras do direito internacional consuetudinário continuarão a reger as questões não reguladas pelas 39 Direito Internacional Privado disposições da presente Convenção”. A principal codificação do direito internacional, em matéria de tratados, ressalva expressamente o papel e o alcance do costume, como fonte do direito, no contexto internacional. O costume é o fruto de usos tradicionais, aceitos durante longo período, tanto assim que o fator tempo era tido como elemento crucial de sua formação. Para Paul REUTER, a regra consuetudinária é o resultado de atos seguidos que constituem precedentes, com ênfase no elemento material “constituído pela repetição durante período bastante prolongado de certos atos”. 40 Direito Internacional Privado 8 UNIDADE 8 – HISTÓRIA DO DIREITO INTERNANCIONAL PRIVADO 8.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO O Direito Romano não cuidava especificamente de Direito Internacional Privado. O direito se divide em duas ordens de Direito: jus civile e jus peregrinum. Aplicava-se o primeiro ao cidadão romano, e o segundo ao estrangeiro, gerando, eventualmente e como síntese, o jus gentium, aplicado ao romano na relação com o estrangeiro. O Império Romano não usava o Direito Estrangeiro aos não romanos. Essa é uma das razões para não existir Direito Internacional Privado em Roma. Mas não era um conflito de leis no espaço, era sempre o Direito Romano. Não era uma questão de aplicar o Direito Romano ou o Não Romano. Era simplesmente aplicar o Direito Romano numa relação com estrangeiro. Não havia conflito, portanto. A regra era: se envolve romano e não romano, aplica-se uma seção específica do Direito Romano. Não havia a possibilidade de se aplicar o Direito que não fosse Romano em Roma. Era algo parecido com o Estatuto do Estrangeiro brasileiro, a Lei 6815/1980. A capacidade de um estrangeiro aqui no Brasil para contratar dependerá de seu domicílio de origem. Então vamos para outra fase de Direito Internacional Privado, que começa na Itália dos séculos XI e XII. Naquele momento acontece na Itália o renascimento das cidades e do comércio. Surgimento dos títulos de crédito, letra de câmbio e outros instrumentos. Aqui efetivamente começa a surgir o Direito Internacional Privado. Temos a Itália dividida numa série de províncias, ou cidades- Estados. Cada uma tinha suas próprias leis, e o comércio estava acontecendo; contratos estavam sendo firmados. Roma, Milão, Veneza, cada uma com seu sistema jurídico. E havia problemas: a parte não pagava, ou fornecia produto defeituoso, fora da quantidade. E o juiz decidia quem tinha o Direito. Ele perguntava o seguinte: “do lugar de onde você veio, qual é o Direito?” Foi nessa construção de se perguntar qual era o direito que vinha as primeiras sistematizações. É aqui que se localiza a origem da matéria. Daqui vêm diversas feições. Com os séculos XV e XVI, temos várias escolas, como a francesa, a italiana e a holandesa. A alemã veio só depois, no século XVIII. 41 Direito Internacional Privado A escola holandesa nega o Direito Internacional Privado; ela diz: “na Holanda se aplica o Direito holandês, e não o de outro Estado.” Foi a forma como se desenvolveu o Direito Internacional Privado ali. Tudo girava em torno da ideia de que o Direito Internacional Privado, quando aplicado, era uma questão de cortesia ou reciprocidade. “Se o outro Estado permite que se aplique meu Direito, então eu aceito aplicar o dele”. Era o que imperava. Na fase moderna, houve grande influência dos Estados Unidos e da Escola Alemã. Alemanha é o país de Savigny. Nesses dois, a ideia muda. A escola norte- americana ensina que “não há nada de cortesia.” Podem riscar essa palavra. Existe Direito Internacional Privado porque em algumas situações aplica-se o Direito do estrangeiro por uma questão de justiça. Não é por concessão. A Escola Alemã diz que não; mas sim porque temos a possibilidade de aproximar o Direito com o local com o qual ele guarda a maior relação. Tem a ver com o centro de gravidade da relação jurídica. Para entender, vejamos o exemplo, uma empresa brasileira celebra com outra, norte-americana, a exportação de seu produto, enquanto esta paga um preço. Suponhamos que o contrato foi celebrado no Japão. De acordo com a regra que falamos, o que rege materialmente o Direito aplicado é o Direito Japonês. Savigny diria que isso não faz sentido nenhum. Qual é a relação desse contrato com o Japão? A única coisa é que esse contrato foi assinado no Japão. Nem passa por lá, e não é nem a sede da relação. O contrato entre as partes, brasileira e americana, não tem relação com o Japão. A única relação com o país oriental é o fato de lá ter sido assinado o contrato. Poderia ter sido um mero casuísmo. A regra brasileira usa o local de assinatura do contrato. E as empresas sabem disso, então evitam fazê-lo. E depende da perspectiva: pode-se considerar que o centro da relação está no consumidor. Essa análise é feita caso a caso. A corte terá que, com os fatos do caso, e com todo o contexto, eleger o Direito que tem mais sentido, e o para qual Estado aquele caso tem relação maior. Não parte do pressuposto de que o consumidor é sempre o centro de gravidade. Poderia, no caso das duas empresas, 42 Direito Internacional Privado considerar-se que o Brasil é o centro de gravidade, porque aqui os bens são produzidos, aqui se empregam pessoas, daqui parte e lá só se recebe, pagando-se a quantia estipulada. Não há regra para determinar para qual Estado é mais relevante essa relação jurídica privada. Aparentemente a humanidade ainda carrega grandes traumas relacionados à falta de uma liderança firme e consistente, capaz de defender os interesses desses agrupamentos, mesmo que muito primitivos. Há, até os dias atuais, um grande temor de que a ausência de lideranças verdadeiras traga um estado em que as múltiplas vontades individuais se conduzirão umas em oposição às outras; verdadeiras guerras de pequenos contra pequenos, onde a violência se revelaria de formas inimagináveis e a insegurança reinaria, trazendo consigo medo, desespero, infelicidade e desesperança. Essa espécie de caos entre homens, a vivência de uma disrupção social após períodos de caminhada em que houvera ordem, razão e justiça, amedronta e aprisiona as sociedades atuais, que, a cada exemplo singelo dessa espécie de patologia, doença social, ou melhor, sente plenamente justificados os mecanismos de defesa contra a barbárie. Pois é no estudo histórico das relações entre povos que se percebe a complexidade das interações interculturais que veio sendo desenvolvida desde a completa hostilidade até a consideração do Direito Internacional Privado como o conjunto de regras destinadas a resolver a lei aplicável, num caso concreto, dentre várias leis que são concorrentes. 8.2 IDADE MÉDIA Com a queda do império romano (séc. V), sua invasão por sequências de hordas de bárbaros, fragmentou-se a tênue unidade cultural, deixando toda a Europa a mercê de grupos étnicos que se impunham em pequenas regiões pela força. Neste tempo em que já não havia
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