Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 253 * K. E. von Baer descobriu a notocorda, o ovo de mamífero e o ovo humano, além de contribuir para o progresso conceitual aqui descrito. Seu trabalho será mais discutido no Capítulo 23. E 253 Início do desenvolvimento vertebrado: Neurulação e ectoderma 7 Porque a verdadeira maravilha, se você qui- ser se maravilhar, é este processo. Você ini- cia como uma única célula derivada da união entre um espermatozóide e um óvulo; essa se divide em duas, depois quatro, depois oito e assim por diante e, em um certo estágio aparece uma única célula, cuja descendên- cia total é o cérebro humano. A mera exis- tência de tal célula deveria ser uma das coi- sas assombrosas da Terra. As pessoas deve- riam vagar o dia inteiro, enquanto acorda- das, chamando umas às outras, maravilha- das, falando de nada exceto da célula. LEWIS THOMAS (1979) Ainda mais atraente do que a mata vir- gem, era a floresta que se estendia a mi- nha frente naquele momento: o sistema nervoso central. RITA LEVI-MONTALCINI (1988) M 1828 KARL ERNST VON BAER, o mais eminente embriologista de sua época*, anunciou: Eu tenho dois pequenos embriões preservados em álco- ol, que esqueci de identificar. No momento, não consigo determinar o gêne- ro ao qual pertencem. Eles podem ser lagartos, pequenas aves ou mesmo mamífe- ros”. A Figura 7.1 permite-nos apreciar seu dilema e ilustra as quatro leis gerais da embriologia propostas por von Baer. De seu estudo detalhado sobre o desenvolvi- mento da galinha e da comparação de tais embriões com embriões de outros vetebrados, von Baer estabeleceu quatro generalizações, ilustradas aqui com al- guns exemplos de vertebrados. 1. As características gerais de um grande grupo de animais aparecem no em- brião mais cedo do que os aspectos especializados. Todos os vertebrados em desenvolvimento (peixes, répteis, anfíbios, aves e mamíferos) são muito seme- lhantes logo após a gastrulação. Somente mais tarde no desenvolvimento que as características especiais da classe, ordem e, finalmente, espécie aparecem (veja Figura 7.1). Todos os embriões de vertebrados têm arcos de guelras, notocordas, medulas espinhais e rins pronéfricos. 2. Caracteres menos gerais são desenvolvidos a partir dos mais gerais, até finalmente aparecerem os caracteres mais especializados. Inicialmente todos os vertebrados têm o mesmo tipo de pele. Somente mais tarde se desenvolvem as escamas de peixes, as escamas de répteis, as penas das aves, ou o pêlo, garras e unhas dos mamíferos. Da mesma maneira, o desenvolvimento precoce de membros é essencialmente o mesmo em todos os vertebrados. Somente mais tarde é que diferenças entre pernas, asas e braços se tornam evidentes. 3. Cada embrião de uma dada espécie, em lugar de passar através de todos os estágios adultos de outros animais, se afasta mais e mais deles. As fendas viscerais em embriões de aves e mamíferos não se parecem em detalhe às fendas das guelras de peixes adultos. Ao contrário, elas se parecem às fendas viscerais de peixes embrionários e outros vertebrados embrionários. Enquan- to peixes preservam e elaboram essas fendas tornando-as verdadeiras guelras, os mamíferos as convertem em estruturas tais como os tubos de Eustáquio (entre o ouvido e a boca). 4. Assim, o embrião precoce de um animal superior nunca é como um animal infe- rior, mas somente como seu embrião precoce. Von Baer verificou que diferentes 254 PARTE II Padrões de Desenvolvimento I II III Peixe Salamandra Tartaruga Galinha Porco Boi Coelho Homem grupos de animais compartilham aspectos comuns durante o desenvolvimento embrionário precoce e que esses aspectos se tornam mais e mais característi- cos da espécie à medida que progride o desenvolvimento. Embriões humanos nunca passam por estágios equivalentes a um peixe ou uma ave adultos; real- mente, embriões humanos inicialmente compartilham características comuns com embriões de peixes e aves. Mais tarde, os embriões de mamíferos e outros divergem, nenhum deles passando pelos estágios dos outros. Von Baer também reconheceu que existe um modelo comum para todo o desenvol- vimento de vertebrados: as três camadas germinativas originam diferentes órgãos, e essa derivação dos órgãos é constante se o organismo é um peixe, uma rã ou uma galinha. O ectoderma forma a pele e os nervos; o endoderma forma os sistemas respi- ratórios e digestivos; e o mesoderma forma o tecido conjuntivo, as células do sangue, o coração, o sistema urogenital e partes da maioria dos órgãos internos. Neste capítu- lo acompanharemos o desenvolvimento precoce do ectoderma; este, e o capítulo seguinte enfocam a formação do sistema nervoso nos vertebrados. O Capítulo 9 acom- panhará o desenvolvimento precoce dos órgãos endodérmicos e mesodérmicos. QFORMAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Neurulação: aspectos gerais “Talvez a mais intrigante de todas as perguntas é se o cérebro é suficientemente pode- roso para resolver o problema da sua própria criação.” Assim Gregor Eichele (1992) terminou, recentemente, uma revisão de pesquisa sobre desenvolvimento do cérebro de mamíferos. A construção de um órgão que reconhece, pensa, ama, odeia, lembra, troca, engana a si mesmo, e coordena nossos processos corporais conscientes ou inconscien- tes é indubitavelmente o mais desafiante dos enigmas do desenvolvimento. Uma combi- nação de abordagens genéticas, celulares e orgânicas está fornecendo uma compreen- são preliminar de como a anatomia básica do cérebro se torna ordenada. Figura 7.1Figura 7.1Figura 7.1Figura 7.1Figura 7.1 Ilustração das leis de von Baer. Embriões pre- coces de vertebrados mostram aspectos co- muns ao subfilo inteiro. Com o progresso do desenvolvimento, os embriões se tornam re- conhecíveis como membros de sua classe, sua ordem, sua família e, finalmente, sua espécie. (de acordo com Romanes, 1901). CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 255 Tubo neural (B) (C) (A) Placa neural Prega neural Crista neural Epiderme O processo pelo qual o embrião forma o tubo neural, o rudimento do sistema nervoso central, é chamado neurulação, e um embrião sofrendo essas transformações é chamado nêurula. Existem dois caminhos principais para a formação do tubo neural. Em neurulação primária, o cordomesoderma estimula o ectoderma, que o recobre, a se proliferar, invaginar e a se destacar da superfície formando um tubo oco. Na neurulação secundária, o tubo neural se origina de um sólido cordão de células que se embebe no embrião e subseqüentemente se torna oco (forma uma cavidade) para formar o tubo neural (veja Schoenwolf, 1991b). O quanto essas formas de construção são usadas depende da classe de vertebrados. A neurulação em peixes é exclusiva- mente secundária. Em aves, as porções anteriores do tubo neural são construídas por neurulação primária, ao passo que o tubo neural, caudal ao par somito 27 (isto é, tudo posterior aos membros posteriores), é construído por neurulação secundária (Pasteels, 1937; Catala et al., 1996). Em anfíbios, como o Xenopus, a maior parte do tubo neural do girino é produzida por neurulação primária, mas o tubo neural caudal é derivado de neurulação secundária (Gont et al., 1993). Em camundongo (provavelmente no ho- mem, também), a neurulação secundária começa aproximadamente ao nível do somito 35 (Schoenwolf, 1984; Nievelstein et al., 1993). Neurulação primária Em vertebrados, a gastrulação cria um embrião com uma camada endodérmica interna, uma camada mesodérmica intermediária e um ectoderma externo. A interação entre o mesoderma dorsal e o ectoderma que a ele se sobrepõem é uma das interações mais importantes em todo o desenvolvimento de tetrápodes, porque ela inicia a organogênese, a criação de tecidos e órgãos específicos. Nessa interação, o cordo- mesoderma estimula o ectoderma acima dele a formar o tubo neural oco, que se dife- renciará em cérebro e medulaespinhal. Os eventos da neurulação primária estão no Figura 7.2Figura 7.2Figura 7.2Figura 7.2Figura 7.2 Neurulação em anfíbios e amniotas. (A) Diagrama representativo da formação do tubo neural. As células ectodérmicas estão representadas como precursoras da crista neural (preto) ou como precursoras da epiderme (cor). O ectoderma se dobra no ponto mais dorsal, formando a epiderme externa e um tubo neural interno conectados pelas células da crista neural. (B) Fotomicrografias de neurulação em um embrião de galinha de 2 dias. (C) Formação do tubo neural vista em seções transversais do embrião de galinha na região do futuro mesencéfalo (setas em B). Cada fotografia em C corresponde à outra acima dela. (HF, prega cefálica; HP, processo cefálico; HN, nódulo de Hensen; M, mesencéfalo; NP, placa neural.) (Fotomicrografias, cortesia de R. Nagele.) 256 PARTE II Padrões de Desenvolvimento (D) SIMULAÇÃO COMPUTADORIZADA DA DEFORMAÇÃO DA LÂMINA DE ECTODERMA (LINHA C) (A) SEÇÃO TRANSVERSAL Placa neural Placa neural Tubo neural Prega neural Notocorda Mesoderma Notocorda Notocorda Cavidade do intestino Arquêntero Cavidade do intestino Mesoderma Endoderma Endoderma Epiderme Mesoderma Epiderme Endoderma Epiderme (B) SEÇÃO SAGITAL Notocorda Notocorda Tubo neural Prega neural Placa neural Prega neural Placa neural Prega neural Epiderme Blastóporo Blastóporo Arquêntero Mesoderma Cavidade do intestino Mesoderma Cavidade do intestino Mesoderma Resto da blastocele Endoderma Endoderma Endoderma Epiderme Epiderme Divertículo do fígado (C) VISTA DA SUPERFÍCIE DORSAL Placa neural Prega neural Placa neural Prega neural Tubo neural Pregas neurais fundidas Blastóporo Blastóporo diagrama da Figura 7.2. Durante a neurulação primária, o ectoderma original é dividido em três conjuntos de células: (1) o tubo neural posicionado internamente, que formará o cérebro e a medula espinhal, (2) a epiderme da pele posicionada externamente, e (3) as células da crista neural, as quais migram da região de conexão entre o tubo neural e a epiderme, e irão gerar os neurônios periféricos e a glia, as células pigmentadas da pele e vários outros tipos de células. O fenômeno de indução embrionária, que inicia a neurulação na região dorsal do embrião, será detalhada no Capítulo 15. Neste capítulo estamos considerando a resposta dos variados tecidos ectodérmicos. Figura 7.3Figura 7.3Figura 7.3Figura 7.3Figura 7.3 Quatro vistas da neurulação em um embrião de anfíbio, mostrando em cada caso nêurulas precoce (esquerda), média (centro) e tardia (direita). (A) Seção transversal no centro do embrião. (B) A mesma seqüência olhando a superfície dorsal do embrião inteiro, de cima para baixo. (C) Seção sagital pelo plano medi- ano do embrião. (D) Simulação computadori- zada em três dimensões da constrição, exten- são e levantamento da placa neural. (A-C de acordo com Balinsky, 1975; D de acordo com Jacobson e Gordon, 1976.) CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 257 (A) Formação das pregas neurais Epiderme presuntiva Notocorda Placa neural presuntiva Zona de transição Placa neural Epiderme (B) Elevação das pregas neurais (C) Notocorda Ancoragem Formação de sulco Formação de cunha O processo de neurulação primária em embriões de rã está descrito na Figura 7.3 e parece ser similar em anfíbios, répteis, aves e mamíferos (Galera, 1971). A primeira indicação que uma região do ectoderma está destinada a se tornar tecido neural é uma mudança na forma celular (Figura 7.4). As células ectodérmicas da linha média tornam- se alongadas, enquanto as células destinadas a formar a epiderme se tornam mais achatadas. O alongamento das células ectodérmicas dorsais causa a elevação dessas regiões neurais presuntivas acima do ectoderma circundante, criando assim, a placa neural. Até 50% do ectoderma está incluído nessa placa. Logo após, as bordas da placa neural se engrossam e se movem para cima formando as pregas neurais, en- quanto um sulco neural, em forma de -U- aparece no centro da placa, dividindo os futuros lados direito e esquerdo do embrião (veja Figuras 7.3 e 7.4). As pregas neurais migram em direção à linha média do embrião, finalmente se fundindo para formar o tubo neural abaixo do ectoderma sobreposto. As células da porção mais dorsal do tubo neural se tornam as células da crista neural. A mecânica da neurulação primáriaA mecânica da neurulação primáriaA mecânica da neurulação primáriaA mecânica da neurulação primáriaA mecânica da neurulação primária A neurulação ocorre com algumas variações em diferentes regiões do corpo. A cabeça, o tronco e a cauda formam, cada um, sua região do tubo neural de maneira a refletir a relação da notocorda com o ectoderma que a ela se sobrepõe. Tanto as regiões da cabeça como as do tronco, sofrem variantes da neurulação primária, e esse processo pode ser dividido em cinco estágios distintos, mas espacialmente e temporalmente se superpondo estágios (Schoenwolf, 1991a; Catala et al., 1996): (1) a formação da placa neural, (2) a formação do assoalho da placa neural, (3) a modelagem da placa neural, (4) o dobramento da placa neural para formar o sulco neural, e (5) o fechamento do sulco neural para formar o tubo neural. A formação da placa neuralA formação da placa neuralA formação da placa neuralA formação da placa neuralA formação da placa neural A formação da placa neural como uma região distinta de outras células ectodérmicas será discutida em detalhe nos Capítulos 8 e 15. Em geral, considera-se que o mesoder- ma dorsal subjacente (em colaboração com outras regiões do embrião) sinaliza às células ectodérmicas acima dela para se desenvolverem em células colunares da placa neural (Smith e Schoenwolf, 1989; Keller et al., 1992; discussão posterior neste capítu- lo). Como resultado dessa indução neural, as células da placa neural presuntiva se distinguem do ectoderma circundante, a qual se transformará em epiderme. As células da placa neural e as células da epiderme possuem seus próprios movimentos intrínse- cos (Moury and Schoenwolf, 1995). Se a epiderme ao redor da placa neural é isolada, Figura 7.4Figura 7.4Figura 7.4Figura 7.4Figura 7.4 Representação esquemática do dobramento do epitélio durante a neurulação na galinha. (A) Formação das pregas neurais ocorre quando as células epidérmicas presuntivas se movem para dentro, na direção da linha média do embrião. Essa epiderme presuntiva empurra a placa neural abaixo dela, enquanto se move. (B) En- quanto as células da linha média da placa neural (células da placa do assoalho) são ancoradas à notocorda, as pregas neurais são elevadas. Es- ses movimentos parecem continuar enquanto a epiderme, se movendo para o meio, puxa com ela a placa neural, resultando na justapo- sição das pregas neurais. (C) Nas três regiões de articulação (no ponto de articulação media- no MHP e nos dois pontos de articulação dorsolateral a -DLHP), as células da placa neural mudam seu comprimento e sofrem uma constrição nos seus ápices. (De acordo com Moury e Schoenwolf, 1995.) 258 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Figura 7.5Figura 7.5Figura 7.5Figura 7.5Figura 7.5 Uma quimera galinha-codorna. (A) Duas quimeras galinha-codorna e uma galinha controle 4 dias após a eclosão. Nas quimeras, o tubo neural dorsal anterior da codorna substituiu uma região equivalente da galinha no embrião de 12-somitos. Melanócitos de codorna, originários da crista neural, migram para as penas da cabeça, ao nível do enxerto. (B) Uma região do embrião contendo tanto células de codorna (com sua cromatina altamente condensada) como célu- las de galinha (com sua cromatina mais difusa). (de Le Douarin et al., 1996; fotografias, cortesia de N. M. Le Douarin.) (A) (B) Célula de galinha Célula de codorna as células se movem emdireção ao centro (ou seja, em direção à área onde estava a placa neural). Se a placa neural é isolada, suas células convergem e se estendem para formar uma placa mais delgada, mas não se fundem para formar um tubo neural. Esses movimentos da placa neural e da epiderme originam as pregas neurais. Inicialmente, o ectoderma é “torcido” e logo a epiderme presuntiva começa a recobrir a placa neural. (Realmente, se a “região de transição” contendo os dois tecidos é isolada, ela formará pequenas pregas neurais em cultura). Esses movimentos coordenados finalmente causarão a elevação e o dobramento do tubo neural (veja Figura 7.4; Jacobson e Moury, 1995; Moury e Schoenwolf, 1995). Formação do assoalho da placa neuralFormação do assoalho da placa neuralFormação do assoalho da placa neuralFormação do assoalho da placa neuralFormação do assoalho da placa neural Anteriormente, considerava-se que somente as células da linha média da placa neural formavam a placa do assoalho do tubo neural. Ou seja, no fechamento da placa para formar o tubo neural, suas células mais centrais se localizariam no fundo do tubo. As partes mais periféricas, as pregas neurais, se tornariam as porções mais dorsais do tubo neural. Provavelmente é assim que se forma a região da cabeça. Evidência recente, entretanto, sugere que o assoalho do tubo neural do tronco tem uma outra origem - que se origina em parte do nódulo de Hensen e é “inserido” no centro da placa neural. Esse modelo foi proposto por Catala e colaboradores (1995) baseado nos seus dados e em estudos anteriores de vários laboratórios. Para acompanhar as células embrionárias individuais do nódulo eles usaram o sistema de quimera galinha-co- dorna. Embriões de galinha e codorna se desenvolvem de maneira muito semelhante (especialmente no desenvolvimento precoce), e quando porções do embrião de codorna são enxertadas em uma região equivalente do embrião de galinha, as célu- las se integram no embrião e participam da construção dos órgãos adequados. O enxerto pode ser feito enquanto o embrião ainda está dentro do ovo, e o pinto que eclode é uma “quimera”, tendo uma porção do seu corpo composta de células de codorna (Figura 7.5; Le Douarin, 1969; Le Douarin e Teillet, 1973). As células de galinha e codorna, entretanto, têm duas diferenças críticas. Primeiro, na codorna a heterocromatina do núcleo está concentrada ao redor dos nucléolos. Isso cria uma grande massa que se cora intensamente e é facilmente distinta da heterocromatina difusa da galinha. Segundo, existem alguns antígenos que são específicos para a CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 259 Endoderma dorsal (A) (B)Somito 6 Nódulo de Hensen Codorna Galinha Tubo neural Somito codorna e não são encontrados em células da galinha. Os dois fenômenos permitem distinguir células individuais de codorna, mesmo quando a população celular é, na sua maioria, de galinha. Esses pesquisadores removeram o nódulo de Hensen e o término caudal da notocor- da em alongação de embriões de galinha com 6-somitos (1.5 dias) e os substituiram com seus equivalentes de codorna. Daquele nível até a cauda, tanto a notocorda como a placa do assoalho foram compostas de células de codorna. As paredes do tubo neural foram produzidas da placa neural da galinha (Figura 7.6). É interessante notar que (como previsto pela regressão do nódulo, discutida no Capítulo 6) a placa do assoalho e as células da notocorda, associadas com a placa neural, se localizavam mais em direção à cauda do que o próprio nódulo. Portanto, o nódulo de Hensen contém as células neces- sárias para a formação da placa do assoalho caudal e da notocorda. As células da placa do assoalho se inserem na parte central do ectoderma dorsal e somente mais tarde é que a notocorda se separa da placa do assoalho pela formação de uma membrana basal entre elas (Figura 7.7).* O tubo neural tem duas fontes distin- tas - uma ectodérmica e uma do nódulo de Hensen. A modelagem e dobramento da placa neuralA modelagem e dobramento da placa neuralA modelagem e dobramento da placa neuralA modelagem e dobramento da placa neuralA modelagem e dobramento da placa neural Forças intrínsecas à placa neural estão envolvidas na sua modelagem. Ao se tornarem mais colunares, as células provocam um estreitamento da placa neural, mas a modela- gem mais importante da placa é produzida pelas suas células da linha mediana que se situam diretamente acima da notocorda. Em aves e mamíferos, essas células da linha mediana da placa neural são chamadas células do ponto de articulação mediano (MHP) e são derivadas da placa neural imediatamente anterior ao nódulo de Hensen e da sua linha média anterior (do nódulo de Hensen) (Schoenwolf, 1991a,b; Catala et al., 1996). Tanto em anfíbios como amniotas, as células da placa neural sofrem uma extensão convergente pela intercalação de várias camadas de células no meio de poucas cama- das (Jacobson e Sater, 1988; Schoenwolf e Alvarez, 1989). Dessa maneira, elas alon- gam e estreitam a placa neural (veja Figura 7.3c). O dobramento da placa neural é conseqüência de forças intrínsecas e extrínsecas às suas células. Na galinha, a placa neural começa a dobrar-se mesmo quando ainda está sendo modelada. As células MHP ficam ancoradas à notocorda, abaixo delas, * A idéia de que a notocorda e a placa do assoalho são derivadas da mesma população de células é de apreciação recente, mas esse fenômeno já havia sido documentado em um famoso livro de embriologia. O livro Indução embrionária e desenvolvimento de Hans Spemann em 1938 tem uma ilustração do famoso experimento de enxerto de Spemann e Mangold. Nas páginas 144 e 146 daquele livro (e reproduzido aqui na Figura 15.12), o enxerto do lábio dorsal do blastóporo é mostrado como dando origem ao mesoderma dorsal (notocorda e somitos) e à placa do assoalho do tubo neural. Figura 7.6Figura 7.6Figura 7.6Figura 7.6Figura 7.6 A placa do assoalho do tubo neural do tronco da galinha é derivado do nódulo de Hensen. (A) Esquema da operação pela qual o nódulo de um embrião de galinha de 6-somitos é subs- tituído pelo seu correspondente de codorna. (B) Análise do eixo quimérico (marcado com antígeno específico para a codorna) mostran- do células de codorna na notocorda (flecha) e placa do assoalho (cabeças de flecha). (B de Catala et al., 1996; fotografia, cortesia de N. M. Le Douarin.) 260 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Articulação cordoneural Placa neural Poço do nódulo de Hensen originando uma articulação em forma de sulco na linha média dorsal. Essas células são induzidas pela notocorda a diminuir sua altura e adquirir a forma de cunha (van Straaten et al., 1988; Smith e Schoenwolf, 1989). As células laterais à MHP não sofrem essas mudanças (Figuras 7.4 e 7.8). Logo após, duas outras regiões de articulações formam sulcos próximos à conexão da placa neural ao restante do ectoderma. Essas regiões são chamadas pontos de articulação dorsolateral (DLHPs), e estão ancoradas ao ectoderma da superfície da prega neural. Essas células aumentam sua altura e adqui- rem a forma de cunha. Essa transformação (modelagem como cunha) está intimamente ligada às modificações da forma celular. Nos pontos de articulação dorsolateral, tanto microtúbulos como microfilamentos estão envolvidos nessas transformações. A colchicina, um inibidor de polimerização de microtúbulos, inibe o alongamento dessas células, enquanto citocalasina B, um inibidor da formação de microfilamentos, impede a constrição apical dessas células impedindo, assim, a formação de cunha (Burnside, 1971, 1973; Karfunkel, 1972; Nagele e Lee, 1980, 1987). Depois da formação inicial de sulcos, a placa neural se dobra ao redor dessas regiões com articulações. Cada uma delas age como um eixo que dirige a rotação das células ao seu redor (Smith e Schoenwolf, 1991). Enquanto isso, forças extrínsecas também estão em ação. O ectoderma superfícial doembrião de galinha empurra na direção central do embrião, fornecendo mais uma força motora para o dobramento da placa neural (veja Figura 7.4 B,C; Alvarez e Schoenwolf, 1992). Esse movimento da epiderme presuntiva e a ancoragem da placa neural ao mesoderma subjacente deve ser também importante para assegurar que o tubo neural se dobre para dentro do embrião e não para fora. Se pequenos pedaços da placa neural são isolados do resto do embrião (incluindo o mesoderma) eles tendem a se enrolar para fora (Schoenwolf, 1991a). Fechamento do tubo neuralFechamento do tubo neuralFechamento do tubo neuralFechamento do tubo neuralFechamento do tubo neural O tubo neural se fecha ao se aproximarem os pares de dobras neurais na linha média dorsal; as dobras aderem umas às outras e as células das duas partes se reúnem. Em algumas espécies, as células nessa junção formam as células da crista neural. Mas em aves, as células da crista neural não migram da região dorsal até que o tubo neural tenha sido fechado naquele local. Em mamíferos, entretanto, as células da crista neural cranial (que formam as estruturas da face e do pescoço) migram enquanto as dobras neurais estão se elevando (ou seja, antes do fechamento do tubo), enquanto que na região da medula espinhal, as células da crista esperam até que o fechamento ocorra (Nichols, 1981; Erickson e Weston, 1983). Figura 7.7Figura 7.7Figura 7.7Figura 7.7Figura 7.7 O nódulo de Hensen contribui tanto para a notocorda como para a placa do assoalho neural. Seção através do nódulo de Hensen no estágio do somito-6, mostrando que esse contribui para a camada superior das células embrionárias. (de Catala et al., 1996; fotografia, cortesia de N. M. Le Douarin.) CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 261 (A) (B) (C) A formação do tubo neural não ocorre simultaneamente ao longo do ectoderma. Isso pode ser melhor observado naqueles vertebrados (como aves e mamíferos) cujo eixo corporal se alonga antes da neurulação. A Figura 7.9 detalha a neurulação em um embrião de galinha com 24 horas. A neurulação na região cefálica (cabeça) está bas- tante adiantada, enquanto a região caudal (rabo) do embrião está ainda gastrulando. A regionalização do tubo neural também ocorre como resultado de mudanças na forma Figura 7.8Figura 7.8Figura 7.8Figura 7.8Figura 7.8 Micrografia eletrônica de varredura da formação do tubo neural no embrião de galinha. (A) Sulco neural rodeado por células mesenquimatosas. (B) Células neuroepiteliais alongadas formam um tubo, enquanto as células epidérmicas achatadas são trazidas à linha média do embrião. As células MHP formam uma articulação no fundo do tubo, enquanto as células da placa neural, ligadas à área basal do ectoderma da superfície formam as regiões de articulações dorsolaterais. Essas três articulações podem ser vistas como sulcos. (C) A formação do tubo neural é comple- tada. As células que eram a placa neural estão agora dentro do embrião. A epiderme presuntiva se localiza acima do tubo, e o tubo neural é ladeado pelos somitos mesodérmicos e no fundo limitado pela notocorda. (Fotografias, cortesia de K. W. Tosney.) 262 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Posterior AnteriorEctoderma da cabeça Ectoderma do blastoderma Mesênquima Prega neural Notocorda Sulco neuralEspaço subcefálico Intestino Celoma extra- embrionário Mesoderma extra- embrionário Prega lateral do corpo Prega neural Região pericárdica do celoma Placa neural Vitelo aderente ao endoderma Endoderma Porta intestinal anterior Sulco neural Somito Prega neural Mesoderma intermediário Placa neural Mesoderma somático Endoderma do intestino médio Celoma Mesoderma esplâncnico Somito Divergência das pregas neurais Nó de Hensen Ilhota sagüínea Poço primitivo Mesoderma Linha primitiva Sulco primitivo Margem primitiva Vitelo do tubo. Na ponta cefálica (onde se formará o cérebro) a parede do tubo é larga e grossa. Aqui, uma série de inchaços e constrições definirão os vários compartimentos do cérebro. Na parte caudal à região da cabeça, entretanto, o tubo neural permanece um simples tubo que se afina em direção à cauda. As duas pontas abertas do tubo neural são chamadas neuróporo anterior e neuróporo posterior. O fechamento do tubo neural nos mamíferos, diversamente da galinha, se inicia em vários locais ao longo do eixo ântero-posterior (Golden e Chernoff, 1993; Van Allen et al., 1993). Vários defeitos no tubo neural são causados pelo não fechamento em alguns segmentos (Figura 7.10). Falha no fechamento na região posterior do tubo neural humano aos 27 dias (ou a ruptura subseqüente do neuróporo posterior logo em seguida) resulta na condição denominada espinha bífida, cuja severidade depende de quanto da medula espinhal permanece aberta. Falha no fechamento do Figura 7.9Figura 7.9Figura 7.9Figura 7.9Figura 7.9 Estereograma de um embrião de galinha de 24 horas. As porções cefálicas estão terminando a neurulação enquanto as porções caudais es- tão ainda gastrulando. (de Patten, 1971; de acordo com Huettner, 1949.) CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 263 Intumescência pericardíaca (A) (B) (C) (D) (E) Prega neural Intumescência pericardíaca Ectoderma da superfície Crista neural Placódio ótico Tubo neural Somitos Borda cortada do âmnio Somitos 22 dias Sulco neural Neuróporo anterior 23 dias Neuróporo posterior Normal Anencefalia Espinha bífida tubo neural anterior resulta em uma condição letal, anencefalia. Aqui, o cérebro anterior permanece em contato com o líquido amniótico e em seguida degenera. O desenvolvimento do cérebro anterior fetal cessa, e a abóboda do crânio não se forma. Essas anormalidades não são raras em humanos, pois estão presentes em aproximadamente um em cada quinhentos nascimentos viáveis. Defeitos de fecha- mento do tubo neural podem freqüentemente ser identificados durante a gravidez por vários testes físicos e químicos. O fechamento do tubo neural humano envolve uma complexa interação entre fato- res genéticos e ambientais. Certos genes, Pax3, sonic hedgehog e openbrain, são essenciais para a formação do tubo neural de mamíferos, mas fatores da dieta como colesterol e ácido fólico parecem ser críticos.* Foi estimado que aproximadamente 50% dos defeitos do tubo neural poderiam ser evitados se as mulheres grávidas tomassem suplementos de ácido fólico (vitamina B12), e o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América recomendam que todas as mulheres em idade fértil tomem 0.4mg diários de folato para reduzir o risco de defeitos do tubo neural durante a gravidez (Milunsky et al., 1989; Czeizel e Dudas, 1992; CDC, 1992). [ecto1.html] O tubo neural finalmente forma um cilindro fechado que se separa do ectoderma da superfície. Considera-se que essa separação é mediada pela expressão de diferentes moléculas de adesão celular. As células que se tornarão o tubo neural, originalmente expressam E-caderina, mas elas param de expressar essa proteína ao se formar o tubo e, em vez disso, sintetizam N-caderina e N-CAM (veja Figura 3.17). Como resultado, os dois tecidos não aderem mais um ao outro. Se o ectoderma da superfície passar a expressar N-caderina (injetando mRNA de N-caderina em uma das células do embrião de Xenopus de duas cabeças), a separação do tubo neural da epiderme presuntiva é dramaticamente impedida (Detrick et al., 1990; Fujimori et al., 1990). *Colesterol parece ser necessário para a autoclivagem da proteína Sonic hedgehog. Mutações da Sonic hedgehog podem impedir o fechamento do tubo neural em camundongos e no homem (Chiang et al., 1996; Roessler et al., 1996); a porção ativa da Sonic hedgehog é sua região N-terminal. Essa região é clivada da molécula precursora em uma reação que requer colesterol como um cofator (Porter et al., 1996). No homem, certassíndromes envolvendo falhas no fechamento do tubo neural foram relacionadas às mutações na síntese de colesterol (Kelley et al., 1996). Figura 7.10Figura 7.10Figura 7.10Figura 7.10Figura 7.10 Neurulação em embriões humanos. (A) Seções dorsal e transversal de um embrião humano de 22 dias, iniciando a neurulação. Ambos neuróporos, anterior e posterior, estão abertos ao líquido amniótico. (B) Vista dorsal de um embrião humano em neurulação, um dia depois. A região do neuróporo anterior está se fechando, enquanto o neuróporo posterior permanece aberto. (C) Regiões de fechamento do tubo neural postulado por evidência genética (superimposta ao corpo do recém-nascido). (D) Anencefalia devido a falta de fusão da placa neural na região 2. (E) Espinha bífida devida a falta de fusão na região 5 (ou pela falta de fechamento do neuróporo mais posterior). (C-E de acordo com Van Allen et al., 1993.) 264 PARTE II Padrões de Desenvolvimento (B) (C) (D) (E) (A) Conjunto secundário de neurônios motores Placa do assoalho ventral doada por outro embrião Neurônios motores Placa do assoalho ventral Sinais dorsais Inibição dos sinais dorsais por Sonic hedgehog Indução de neurônios motores ventrolaterais Figura 7.11Figura 7.11Figura 7.11Figura 7.11Figura 7.11 A modelagem dorsoventral do tubo neural. (A) Diferenciação de neurônios motores é vis- ta nos neurônios ventrolaterais; se as células da placa do assoalho ou as células que ex- pressam o Sonic hedgehog são transferidas para uma posição lateral, neurônios motores também serão formados. (B) BMP4 expres- so na epiderme dorsal presuntiva durante a formação do tubo neural. (C) Expressão de BMP7 enquanto o tubo neural se fecha. (E) Resumo das interações pela quais Sonic hed- gehog promove o desenvolvimento de neurô- nios motores e inibe sinais de dorsalização. (de Yamada et al., 1993; Liem et al., 1995; fotografias, cortesia de K.Liem.) A modelagem dorsoventral do sistema nervoso NQUANTO O TUBO NEURAL está sendo formado, ele está rece- bendo sinais de dois outros con- Sonic hedgehog. O destino dorsal do tubo neural é determinado pelas proteí- nas morfogenéticas do osso, provavel- mente BMP4 e BMP7. Essas proteínas são expressas na epiderme dorsal presuntiva (Figura 7.11B,C) e foi demonstrado que elas contrariam o efeito da Sonic hedgehog (permitindo a expressão de genes como msx1 e Pax3 na porção dorsal do tubo neural), além de promover a expressão de outros genes dorsalmente específicos (Fi- gura 7.11D). O papel dessas proteínas foi confirmado por experiências in vitro nas quais tubos neurais isolados foram expos- tos a produtores desses sinais (Yamada et al., 1993; Liem et al., 1995). E juntos de tecidos. Esses sinais são instru- ções para que o tubo neural tenha uma de- terminada polaridade dorsoventral. O tubo neural ventral parece ser modelado pela proteína Sonic hedgehog originária da no- tocorda e das células da placa do assoalho (veja Figura 7.7B; Ericson et al., 1996). Essa proteína induz certas células do lado ventrolateral do tubo neural a expressar genes que as transformam em neurônios motores (Figura 7.11A; Prancha 32). Sonic hedgehog também funciona reprimindo a expressão de genes como dorsalin, Pax3 e msx1 da porção ventral do embrião. Es- ses genes seriam expressos normalmente ao longo do tubo neural mas são inibidos pelo sinal, ventralmente produzido pela Neurulação secundária A neurulação secundária envolve a formação do cordão medular e seu subseqüente esvaziamento interno formando o tubo neural. Na rã e na galinha, esse tipo de neuru- lação é geralmente identificado na formação das vértebras lombar e da cauda. Em ambos os casos, a neurulação secundária pode ser vista como continuação da gastru- lação. Entretanto, as células do lábio dorsal do blastóporo continuam a crescer Informações adicionais Especulações& CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 265 Medula espinhal Blastocele Notocorda Movimentos involutivos Placa neural presuntiva Movimentos de extensão posterior Ectoderma Lábio dorsal tardio (articulação cordoneural) Canal ependimário Canal neurentéricoÂnus Parede posterior Articulação cordoneural Intestino Notocorda Teto Assoalho (A) (B) (C) ventralmente, em lugar de involuir para o embrião (Figura 7.12A,B). A região em cres- cimento, na ponta do lábio, é chamada articulação cordoneural (Pasteels, 1937), e contém precursores da porção mais posterior da placa neural e a porção posterior da notocorda. O crescimento dessa região converte a gástrula aproximadamente esférica, 1.2mm de diâmetro, em um girino linear com 9mm de comprimento. A ponta da cauda é um descendente direto do lábio dorsal do blastóporo, e as células que revestem o blastóporo formam o canal neurentérico. A parte proximal do canal neurentérico, funde com o ânus, enquanto que a porção distal se torna o canal ependimário (isto é, o lúmen do tubo neural) (Figura 7.12C; Gont et al., 1993). Na galinha, os tecidos localizados posteriomente ao neuróporo recentemente fechado são chamados de broto da cauda. Como o broto da cauda da rã, essa estrutura não é uma massa não diferenciada de células. Enxertando pequenas regi- ões do broto da cauda da codorna no broto da cauda da galinha, Catala e colabora- dores (1995) mostraram que o broto de cauda precoce, já tem células com um destino determinado. Exatamente como no Xenopus, existe uma articulação cordoneural, e essa região contém as células que dividem-se para formar ambas, a notocorda e a corda medular. Como se dá na rã, essas células se movem posteriomente. O tubo neural se forma à medida que a corda medular produz pequenas cavidades, que se fundem umas às outras (Figura 7.13). Diferenciação do tubo neural A diferenciação do tubo neural nas várias regiões do sistema nervoso central ocorre simultaneamente de três maneiras diferentes. Em nível anatômico macro, o tubo neural e seu lúmen se expandem e se contraem para formar as câmaras do cérebro e a medula espinhal. A nível de tecido, a população celular da parede do tubo neural se rearranja para formar as regiões funcionalmente diferentes do cérebro e da medula espinhal. Finalmente, no nível celular, as próprias células neuroepiteliais se diferenciam em numerosos tipos de neurônios e células de suporte (gliais) presentes no corpo. Formação das regiões do cérebroFormação das regiões do cérebroFormação das regiões do cérebroFormação das regiões do cérebroFormação das regiões do cérebro O desenvolvimento precoce da maioria dos cérebros de vertebrados é parecido, mas como o cérebro humano é provavelmente a matéria mais organizada do sistema solar e o órgão mais interessante do reino animal, nos concentraremos no desenvolvimento daquele que supostamente faz o Homo sábio. Figura 7.12Figura 7.12Figura 7.12Figura 7.12Figura 7.12 Movimentos celulares durante a neurulação secundária em Xenopus. (A) Involuçào da mesoder- ma no estágio de gástrula média.(B) Movimentos do lábio dorsal do blastóporo nos estágios de gástrula tardia/ gástrula precoce. A involução cessou e ambos, o ectoderma e o mesoderma do lábio tardio do blastóporo se movem posteriormente. (C) Estágio de girino precoce, onde as células revestindo o blastóporo formam o canal neurentérico, parte do qual se torna o lúmen do tubo neural secundário. (de Gont et al., 1993.) 266 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Lobos olfativos - Cheiro 3 vesículas primárias 5 vesículas primárias Parede Cavidade Telencéfalo Cérebro anterior (Prosencéfalo) Diencéfalo Cérebro médio (Mesencéfalo) Mesencéfalo Cérebro posterior (Rombencéfalo) Metencéfalo Mielencéfalo Medula espinhal Derivados Adultos Medula - Centro reflexo de atividades involuntárias Ponte - Fibras nervosas entre o cérebro e o cerebelo (somente mamíferos) Cerebelo -Coordenação de movimentos musculares complexos Cérebro médio - Fibras nervosas entre os cérebro anterior e posterior, lobos ópticos e tectum. Hipotálamo - Temperatura, sono e regulação respiratória Tálamo - Centro de retransmissão para neurônios ópticos e auditivos Epitálamo - Glândula pineal Retina - Visão Cérebro - Associação Hipocampo - Armazenamento de memória Notocorda (A) (B) (C) (D) O tubo neural precoce de mamíferos é uma estrutura reta. Entretanto, mesmo antes que a porção posterior do tubo se forme, a porção mais anterior está sofrendo mudan- ças drásticas. Nessa região anterior, o tubo neural se expande em três vesículas primá- rias (Figura 7.14): cérebro anterior (prosencéfalo), cérebro médio (mesencéfalo) e cére- bro posterior (rombencéfalo). Quando se fecha a ponta posterior do tubo neural, dilatações secundárias -as vesículas ópticas- se estendem lateralmente de cada lado do cérebro anterior em desenvolvimento. O cérebro anterior se subdivide no telencéfalo anterior e o diencéfalo mais cau- dal. O telencéfalo formará os hemisférios cerebrais, e o diencéfalo formará o tálamo e o hipotálamo e também a região que recebe os impulsos neurais da retina. Na verdade, a própria retina é uma derivação do diencéfalo. O mesencéfalo não se subdivide e seu lúmen se tornará o aqueduto cerebral. O rombencéfalo se subdividi- rá em um mielencéfalo posterior e um metencéfalo mais anterior. O mielencéfalo vai dar origem à medula oblongata (Bulbo), cujos neurônios dão origem aos nervos que regulam os movimentos respiratórios, gastrointestinais e cardiovasculares. O metencéfalo dá origem ao cerebelo, a parte do cérebro responsável pela coordena- ção dos movimentos, postura e equilíbrio. O cérebro posterior (rombencéfalo) de- senvolve um modelo segmentado que especifica os lugares de onde se originam certos nervos. Alargamentos periódicos chamados rombômeros dividem o Figura 7.13Figura 7.13Figura 7.13Figura 7.13Figura 7.13 Formação do tubo neural secundário no embrião de galinha de 25-somitos. (A) A formação do cordão medular na ponta mais caudal do broto da cauda da galinha. (B) Cordão medular pouco mais anterior no broto da cauda. (C) Formação de cavidades do tubo neural e formação da notocorda. (D) Lumens coalescem para formar o canal central do tubo neural. (de Catala et al., 1995; fotografias, cortesia de N. M. Le Douarin.) Figura 7.14Figura 7.14Figura 7.14Figura 7.14Figura 7.14 Desenvolvimento precoce do cérebro humano. As três vesículas cerebrais primárias são subdi- vididas enquanto o desenvolvimento continua. A direita estão os derivados em adultos, forma- dos pelas paredes e cavidades do cérebro. (De acordo com Moore e Persaud, 1993.) CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 267 (A) (B) (D) 2 4 6 rombencéfalo em compartimentos menores. Os rombômeros representam “territóri- os” separados de desenvolvimento onde células de cada rombômero podem se misturar livremente dentro dele, mas não com células de rombômeros adjacentes (Guthrie e Lumsden, 1991). Além disso, cada rombômero tem um destino de desen- volvimento diferente. Isso foi extensivamente estudado na galinha, onde os primei- ros neurônios aparecem nos rombômeros de número par, r2, r4 e r6 (Figura 7.15; Lumsden e Keynes, 1989). Neurônios dos gânglios r2 formam o quinto nervo cranial (trigêmeo); aqueles do r4 formam o sétimo nervo cranial (facial) e o oitavo (vestibuloacústico); o nono nervo cranial (glossofaríngeo) nasce do r6. [ecto2.html] A expansão do cérebro embrionário precoce é notável em sua velocidade, exten- são e no fato de que isso resulta primariamente em um aumento de tamanho de cavida- de e não de crescimento de tecido. Em embriões de galinha, o volume do cérebro expande 30 vezes entre os dias 3 e 5 do desenvolvimento. Considera-se que essa rápida expansão é causada por uma pressão fluida positiva, exercida contra as paredes do tubo neural pelo fluido no seu interior. Seria de se esperar que essa pressão do fluido fosse dissipada pela medula espinhal, mas isso parece não acontecer. Na verda- de, enquanto as pregas neurais vão fechando a região entre o cérebro presuntivo e a medula espinhal, o tecido dorsal circundante empurra para dentro, produzindo uma constrição no tubo, na base do cérebro (Figura 7.16; Schoenwolf e Desmond, 1984; Desmond e Schoenwolf, 1986; Desmond e Field, 1992). Essa oclusão (que também ocorre no embrião humano) efetivamente separa a região cerebral presuntiva da futura medula espinhal (Desmond, 1982). Se for removida a pressão do fluido na porção anterior de um tubo neural assim ocluído, o cérebro da galinha aumenta a uma veloci- dade muito menor e contém um número menor de células, quando comparado com embriões controles, normais. A região ocluída do tubo neural abre novamente após a expansão inicial, rápida, dos ventrículos cerebrais. Figura 7.15Figura 7.15Figura 7.15Figura 7.15Figura 7.15 O cérebro posterior (Rombencéfalo) de um em- brião de galinha de 2 dias, aberto para mostrar as paredes laterais. Neurônios foram visuali- zados pela marcação com anticorpo para pro- teínas de neurofilamentos. Rombômeros 2, 4 e 6 podem ser identificados pela alta densidade de axônios nesse estágio precoce do desenvol- vimento. (de Lumsden e Keynes, 1989, corte- sia de A. keynes.) Figura 7.16Figura 7.16Figura 7.16Figura 7.16Figura 7.16 Oclusão do tubo neural para permitir a expan- são da futura região do cérebro. (A) Corante injetado na porção anterior do tubo neural de galinha de 3 dias, enche a região do cérebro mas não passa para a região espinhal. (B,C) Seção do tubo neural da galinha na base do cérebro (B) antes da oclusão e (C) durante a oclusão. (D) A reabertura da oclusão, após au- mento inicial do cérebro, permite a passagem do corante da região do cérebro para a da me- dula espinhal. (Cortesia de M. Desmond.) 268 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Prosencéfalo Mesencéfalo Mes/Met limite Meten- céfalo Rombencéfalo Medula espinhal En (Engrailed) Wnt1 Fgf8 (Fator de crescimento do fibroblasto) shh (Sonic hedgehog) Informações adicionais Especulações& Determinando as regiões do cérebro anterior e cérebro médio pode ser crítica na modelagem da região do cérebro anterior. Essa interface corresponde a uma zona limitans e é tam- bém a fonte de Sonic hedgehog, uma pro- teína difusível considerada indutora de modelagem durante a gastrulação e for- mação de membros (Figura 7.18; Rubens- tein e Puelles, 1994). Uma das regiões críticas para o de- senvolvimento do cérebro médio é a bor- da entre o metencéfalo/mesencéfalo que normalmente dará origem aos tecidos do istmo. Aqui não se verifica uma fronteira morfológica, mas ela é marcada pela por- ção mais posterior, onde se expressa o gene Otx2. Quando tecido da junção mesencéfalo médio e anterior é transplan- tado ao diencéfalo ou rombencéfalo, ele induz as células que o rodeiam a desen- volver destinos mesencefálicos (no diencéfalo) ou cerebelares (no rombencé- falo) (Figura 7.19A; Bally-Cuif e Wassef, 1994; Marin e Puelles, 1994). Se a junção for girada pode se dar uma “triplicação”, pois tecidos em ambos os lados do enxer- to são induzidos (Figura 7.19B). Essa região indutora mes/met parece ser controlada pelo fator de crescimento de fibroblasto 8 (FGF8). Crossley e cole- gas (1996) verificaram que esse tecido for- mador de istmo secreta FGF8. Mais ainda, quando transplantaram partículas conten- do FGF8 para o diencéfalo ou o romben- céfalo, eles obtiveram duplicadas as mes- mas estruturas do cérebro médio. Partícu- las controle embebidas em salina não mostraram essa duplicação. As partículas identidade ântero-posterior de cada vesícula do cérebro de ma- míferos é especificada durante aA gastrulação pelo mesoderma precordal e pela notocorda. Essa especificação pare- ce ser estabilizada no estágio de placaneural, por interações a nível do ectoder- ma. Somente as moléculas principais en- volvidas na especificação dos cérebros anterior e médio serão aqui discutidas; os detalhes da especificação do cérebro pos- terior e da medula espinhal pelo gene Hox serão discutidos no Capítulo 16. As regiões dos cérebros anterior e médio são definidas pelo mesoderma subjacente e pela notocorda anterior. Os genes Lim1 e Otx2 são expressos por esses tecidos mesodérmicos anteriores. Se um deles não está presente, o embrião não forma o cérebro anterior ou o médio. Na parte caudal, em relação ao rombô- mero 2, os embriões parecem normais (Fi- gura 7.17; Acampora et al., 1995; Shawlot e Behringer, 1995). Rubenstein e Puelles (1994) propu- seram que o cérebro anterior é composto por seis regiões neuroméricas chamadas prosômeros. Os prosômeros p1-p3 cor- respondem ao diencéfalo e os prosôme- ros p4-p6 ao hipotálamo (ventralmente) e ao telencéfalo (dorsalmente). Os limi- tes prosoméricos coincidem com os limi- tes de expressão de vários genes que são considerados importantes na especifica- ção neural. Eles também são considera- dos como limitantes de respostas a cer- tos estímulos externos. A interface p2/p3 Figura 7.17Figura 7.17Figura 7.17Figura 7.17Figura 7.17 Fenótipo sem cabeça de camundongo defici- ente em Lim1. Dois camundongos com “knockout” de Lim1 estão na parte de baixo da figura; um filhote do tipo selvagem está na parte de cima. A maioria dos mutantes Lim1 morrem antes do nascimento. As pinas do ou- vido (flechas) são as estruturas mais anterio- res nesses mutantes. (de Shawlot e Behringer, 1995; cortesia dos autores.) Figura 7.18Figura 7.18Figura 7.18Figura 7.18Figura 7.18 Estrutura neuromérica do cérebro com super- posição dos hipotéticos eventos indutivos. A área limite mesencéfalo/metencéfalo é positi- va para a expressão dos genes Fgf8 e Wnt1. A borda p2/p3 é considerada a fonte da proteína Sonic hedgehog. (de acordo com Bally-Cuif e Wassef, 1995.) CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 269 Mesencéfalo (A) Cérebro médio e cerebelo Diencéfalo TectumMes/Met limite Telencéfalo Metencéfalo Região expressando En Cérebro médio Rombencéfalo Cerebelo En (Engrailed) Wnt1 Fgf8 (Fator de crescimento do fibroblasto) Cérebro posterior Diencéfalo (B) Mesencéfalo Peça invertida ist/cb istmo/ cerebelo Rombencéfalo RombencéfaloRombencéfalo Eixo longo Diencéfalo Diencéfalo MesencéfaloMesencéfalo Indução da estrutura mesencefálica Duplicação e polarização relativa ao tecido cerebelar En mais próximo com FGF8 também induziram a expressão de três genes nos tecidos circundantes - Wnt1, Engrailed-2 e o próprio Fgf8. Es- ses três genes são normalmente expres- sos na região do istmo. Wnt1 e Engrailed são considerados importantes na forma- ção do cerebelo. Mesmo que o cerebelo não expresse genes Wnt1, camundongos deficientes em Wnt1 não possuem a re- gião do cérebro médio e nem o cerebelo (McMahon e Bradley, 1990; Thomas e Cappecchi, 1990). Wnt1 parece manter a expressão do gene Engrailed nas células precursoras cerebelares, permitindo a sua proliferação (Dickinson et al., 1994; Danielian e McMahon, 1996). [ecto3.html] Figura 7.19Figura 7.19Figura 7.19Figura 7.19Figura 7.19 A região da junção mesencéfalo/metencéfalo (“mes/met”) pode agir como um indutor do desenvolvimento do cérebro médio e da ex- pressão “engrailed” quando rodada ou trans- plantada a outras regiões do cérebro. (A) O transplante da junção mes/met induz a expres- são do gene engrailed e das estruturas do cére- bro médio e cerebelo em posições ectópicas. (B) Rotação da junção mes/met causa “tripli- cação” de certas estruturas, como o tectum óptico. Abreviações: gt, griseum tectale; TS, torus semicircularis: P1, segmento pre-tectal; P2, segmento talâmico dorsal; cb, cerebelo; ot, tectum óptico; ist, istmo; III, terceiro nervo cranial ou oculomotor; IV, quarto nervo cranial ou troclear. A polaridade postulada é repre- sentada por flechas. (B de acordo com Ru- benstein e Puelles, 1994.) 270 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Arquitetura de TArquitetura de TArquitetura de TArquitetura de TArquitetura de Tecido no Sistema Nervoso Centralecido no Sistema Nervoso Centralecido no Sistema Nervoso Centralecido no Sistema Nervoso Centralecido no Sistema Nervoso Central Os neurônios do córtex cerebral estão organizados em camadas, cada uma tendo dife- rentes funções e conexões. O tubo neural original é composto de um neuroepitélio embrionário, formado por uma única camada de células. Essa população de células divide-se rapidamente. Sauer (1935) e outros mostraram que essas células estão presen- tes na parede do tubo neural continuamente, da borda luminal até a borda externa, mas como seus núcleos estão em diferentes alturas, tem-se a impressão que a parede do tubo neural é composta por diversas camadas de células. A síntese de DNA (fase S) ocorre quando o núcleo está na borda externa do tubo, e o núcleo migra luminalmente enquanto a mitose continua (Figura 7.20). A mitose ocorre no lado luminal da camada celular. Durante o desenvolvimento precoce de mamíferos, 100% das células do tubo neural incorporam timidina radioativa ao DNA (Fujita, 1964). Logo em seguida, certas células não mais incorporam esses precursores de DNA, indicando que não estão mais partici- pando da síntese de DNA e da mitose. Essas células neurônicas e da glia podem, agora, se diferenciar na periferia do tubo neural (Fujita, 1966; Jacobson, 1968). Se células em divisão são marcadas com timidina radioativa em um único estágio de seu desenvolvimento e seus descendentes são identificados no córtex externo do cérebro adulto, isso significa que os neurônios tiveram que migrar para sua posição cortical a partir do neuroepitélio embrionário. Isso acontece quando a célu- la se divide “verticalmente” em lugar de “horizontalmente”. Nesses casos, a célula adjacente ao lúmen fica ligada à superfície ventricular, enquanto a outra célula filha se afasta (Chenn McConnell, 1995). Essa divisão é a ultima do neurônio e é chamada de “aniversário” do neurônio. Diferentes neurônios e células gliais têm seus aniver- sários em tempos diferentes. Marcação em diferentes pontos do desenvolvimento mostra que células com aniversários mais precoces migram distâncias mais curtas. Células com aniversários mais tardios, migram através dessas camadas para formar as regiões superficiais do córtex. A diferenciação que se segue depende da posição que esses neurônios ocupam uma vez fora da região de células em divisão (Letourneau, 1977; Jacbson, 1991). Figura 7.20Figura 7.20Figura 7.20Figura 7.20Figura 7.20 Seção esquemática do tubo neural de um embrião de galinha, mostrando a posição do núcleo de uma célula neuroepitelial como função do ciclo celular. Células mitóticas são encontradas próxi- mo ao centro do tubo neural, adjacente ao lúmen. (B) Micrografia eletrônica de varredura de um tubo neural de galinha, recém-formado, mostrando células em diferentes estágios do ciclo celular. (A de acordo com Sauer, 1935; B, cortesia de K. Tosney.) Lúmen do tubo neural (A) Estágio do ciclo celular (B) CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 271 Placa cortical (CP) Lâmina dissecans (L) Zona intermediária (I) Zona marginal (M) Camada ependimária (E) Camada granular (GL) Zona ventricular Zona germinal (V) subventricular (S) Camada granular Camada das células externa (EG) de Purkinje (P) Medula espinhal Cerebelo “Camada molecular” de axônios das células granulares Tubo neural Camada molecular Córtex cerebral Neocórtex Massa branca Enquanto as células adjacentes ao lúmen continuam a se dividirem, as células migratórias formam uma segunda camada ao redor do tubo neural original. Essa camada se torna progressivamente mais espessa à medida que mais células doneuroepitélio embrionário são adicionadas. Essa nova camada é chamada zona do manto (ou intermediária) e o epitélio embrionário é agora chamado de zona ventricular (e, mais tarde, epêndima) (Figura 7.21). As células da zona do manto se diferenciam em neurônios e células gliais. Os neurônios fazem conexões entre si e emitem axônios se afastando do lúmen, criando portanto uma zona marginal pobre em células. Células gliais cobrem muitos desses axônios da zona marginal com bai- nhas de mielina, dando-lhes uma aparência esbranquiçada. Assim, a zona do manto, contendo os corpos celulares, é freqüentemente referida como massa cinzenta, e a camada marginal, axonal, como massa branca. O esquema básico de três camadas: a ependimária, a do manto e a marginal é mantido durante todo o desenvolvimento, tanto na medula espinhal como no bulbo. A massa cinzenta (manto) gradualmente adquire uma estrutura com forma de borboleta rodeada pela massa branca; ambas são envolvidas por tecido conjuntivo. À medida que o tubo neural amadurece, um sulco longitudinal -sulcus limitans- aparece para dividi-lo em duas partes, dorsal e ventral. A porção dorsal recebe estímulos dos Figura 7.21Figura 7.21Figura 7.21Figura 7.21Figura 7.21 Diferenciação das paredes do tubo neural. Se- ção de um tubo neural humano de 5 semanas, contendo 3 zonas: ependimária, manto e mar- ginal. Na medula espinhal e no bulbo (linha superior), o epêndima é a única fonte de neu- rônios e células gliais. No cerebelo (linha do meio) uma segunda camada mitótica, a cama- da granular externa, se forma na região mais remota do epêndima. Neuroblastos dessa ca- mada migram de volta para a zona intermediá- ria para formar as células do grânulo. No córtex cerebral (linha inferior), os neuroblastos ou glioblastos em migração formam uma placa cortical contendo seis camadas. (De acordo com Jacobson, 1991.) 272 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Camada ependimária (ventricular) (A) (B) (C) (D) Região presuntiva basal Região presuntiva alar Sulcus limitans Epiderme (E) Neurônio de associação Gânglio da raiz dorsal Raiz dorsal Nervo espinhal Neurônio sensorial Neurônio somático motor Camada marginal Camada do manto Figura 7.22Figura 7.22Figura 7.22Figura 7.22Figura 7.22 Desenvolvimento da medula espinhal huma- na. (A-D) O tubo neural é funcionalmente di- vidido nas regiões dorsal (alar, A) e ventral (basal, B), separadas pelo sulcus limitans. Enquanto os condroblastos da região escleró- toma do somito formam as vértebras espinhais, o tubo neural se diferencia nas zonas ependi- mária, do manto e marginal, e o teto e o assoalho se tornam distintos. (E) Um segmen- to da medula espinhal com suas raízes senso- riais (alar) e motoras (basal). (De acordo com Larsen, 1993.) neurônios sensoriais, enquanto a porção ventral está envolvida na realização de vári- as funções motoras (Figura 7.22). Organização do cerebeloOrganização do cerebeloOrganização do cerebeloOrganização do cerebeloOrganização do cerebelo No encéfalo, a migração celular, o crescimento diferencial e a morte celular seletiva produzem modificações no modelo de três camadas, especialmente no cerebelo e no cérebro. Alguns neurônios penetram a massa branca para diferenciarem-se em aglo- merados de neurônios chamados núcleos. Cada núcleo desempenha o papel de uma unidade funcional, servindo como uma estação de retransmissão entre as camadas externas do cerebelo e outras partes do encéfalo. Além disso, as células neurônicas precursoras, em divisão, neuroblastos, migram para a superfície externa do cerebelo em desenvolvimento, formando uma nova zona embrionária, camada embrionária externa, próxima ao limite externo do tubo neural. No limite externo da camada embri- onária externa (na espessura de uma ou duas células), os neuroblastos proliferam. Na parte interna da camada estão os neuroblastos pós-mitóticos que são os precursores dos neurônios mais importantes do córtex do cerebelo, as células granulares. Essas células neuronais pré-granulares migram de volta para a massa branca do cerebelo em desenvolvimento para produzir células neurônicas granulares em uma região chamada camada granular interna. Enquanto isso, a camada ependimária original do cerebelo origina uma grande variedade de neurônios e células gliais, incluindo os notáveis e grandes neurônios de Purkinje. Cada um deles tem um enorme aparelho dendrítico, que se espalha como um leque sobre o corpo celular em forma de bulbo. Uma célula de Purkinje típica pode formar até 100.000 sinapses com outros neurônios, mais do que qualquer outro neurônio estudado. Cada neurônio de Purkinje também emite um axônio delgado que se comunica com outras células nos núcleos cerebelares profundos. O desenvolvimento de uma organização espacial é crítico para o funcionamento correto do cerebelo. Todos os impulsos regularão a atividade da células de Purkinje, que são os únicos neurônios que liberam impulsos para fora do córtex cerebelar. Para CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 273 Processo condutor do neurônio Neurônio em migração Processo da célula glial (C) (A) (B) que isso aconteça, as células adequadas devem se diferenciar no tempo e local ade- quados. Como isso acontece? Um mecanismo considerado importante para posicionar neurônios jovens dentro de encéfalo de mamíferos em desenvolvimento é o direcionamento glial (Rakic, 1972; Hatten, 1990). Através do córtex, os neurônios parecem caminhar no “monotrilho da glia” para seu respectivo destino. No cerebelo, os precursores das células granulares caminham nos longos prolongamentos da glia de Bergmann (Figura 7.23; Rakic e Sidman, 1973; Rakic, 1975). A interação neuroglial consiste em uma complexa e fasci- nante série de eventos, envolvendo reconhecimento recíproco entre a glia e o neuroblasto (Hatten, 1990; Komuro e Rakic, 1992). O neurônio mantém sua adesão à célula da glia através de várias proteínas, a mais importante sendo uma proteína de adesão chamada astrotactina. Se a astrotactina na célula nervosa é mascarada pelo seu respectivo anticorpo, a célula nervosa não adere ao prolongamento da glia (Edmondson et al., 1988; Fishell e Hatten, 1991). A análise de mutações neurológicas no camundongo poderá, em breve, fornecer conhecimentos novos sobre os mecanismos de ordenação espacial. Mais de 30 muta- ções conhecidas afetam o arranjo de neurônios cerebelares. Muitos dos mutantes cerebelares foram encontrados porque o fenótipo de tais mutantes - principalmente a inabilidade de manter o equilíbrio ao andar - pode ser facilmente reconhecido. Por razões óbvias essas mutações são identificadas na língua inglesa com nomes como weaver, reeler, staggerer e waltzer. [ecto4.html], [ecto5.html] Figura 7.23Figura 7.23Figura 7.23Figura 7.23Figura 7.23 Migração neurônica em prolongamentos gliais. (A) Diagrama com um neurônio cortical mi- grando em um prolongamento da célula glial. (B) Micrografia eletrônica da região onde a soma do neurônio adere ao prolongamento glial. (C) Fotografias seqüenciais de um neurônio migrando em um prolongamento de glia cerebelar. A extremidade anterior do neurônio apresenta várias extensões filopódicas. Ela atinge velocidades de 60 µm/hora em sua mi- gração nos prolongamentos gliais. (A de acor- do com Rakic, 1975; B de Gregory et al., 1988; C de Hatten, 1990, cortesia de M. Hatten.) 274 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Injeções de [3H] - timidina Camadas corticais Massa branca Camada ventricular Dias de gestação Nascimento Organização cerebralOrganização cerebralOrganização cerebralOrganização cerebralOrganização cerebral A disposição em três zonas é também modificada no cérebro, que é organizado de duas maneiras distintas. Primeiro, de maneira análoga ao cerebelo, a organização ver- tical é feita em camadas que interagem entre si (veja Figura 7.21).Certos neuroblastos da zona do manto migram na glia através da massa branca para dar origem a uma segunda zona de neurônios. Essa nova zona de manto é chamada córtex do neopáleo. Esse córtex se estratifica em seis camadas de corpos celulares e a forma adulta desses neurônios do neopáleo só se completa na metade da infância. Cada camada do córtex cerebral é diferente da outra em relação às suas propriedades funcionais, os seus tipos de neurônios e os conjuntos de conexões que produzem. Por exemplo, neurônios da camada 4 recebem seu principal estímulo do tálamo (a região que se forma do diencéfalo), enquanto os neurônios na camada 6 enviam sua maior produção de volta para o tálamo. Segundo, horizontalmente o córtex cerebral está organizado em mais de 40 regiões que regulam, anatomica e funcionalmente, processos distintos. Por exem- plo, neurônios da camada cortical 6 do córtex visual projetam axônios para o núcleo lateral geniculado do tálamo, enquanto neurônios da camada 6 do córtex auditivo (localizado mais anteriormente que o córtex visual) projetam axônios ao núcleo médio geniculado do tálamo. Nem a organização vertical e nem a horizontal são especificamente clonadas. Na verdade, existe um grande número de movimentos celulares que misturam a descen- dência de várias células precursoras. Após sua mitose final, a maioria dos neurônios recém- gerados migram radialmente, ao longo dos prolongamentos da glia, para fora da zona ventricular (ependimária) e formam a placa cortical abaixo da pia-mater do cérebro. Assim como no córtex cerebelar, os neurônios com os “aniversários” mais cedo formam a camada mais próxima do ventrículo. Os neurônios subseqüentes cami- nham distâncias maiores para formar as camadas mais superficiais do córtex. Isso forma um gradiente de desenvolvimento “ao avesso” (ou “invertido”) (Figura 7.24; Rakic, 1974). Uma única célula germinativa pode produzir neurônios (e células gliais) Figura 7.24Figura 7.24Figura 7.24Figura 7.24Figura 7.24 “Gradiente invertido” na formação do córtex cerebral no macaco rhesus. Os “aniversários” dos neurônios corticais foram determinados injetando [3H]-timidina endovenosamente nos animais em determinados tempos de gestação. Após o nascimento dos animais, verificou-se que as células mais fortemente marcadas eram aquelas que estavam na fase S do seu último ciclo de divisão. Essas células migraram para várias regiões e foram detectadas por auto- radiografia de cortes microscópicos. A figura representa a posição desses neurônios indica- dos no córtex visual. O tempo de gestação no macaco rhesus é de 165 dias. Os neurônios mais jovens estão na periferia do tubo neural (De acordo com Rakic, 1974.) CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 275 Migração neural do hospedeiro [3H]-timidina no dia embrionário 29(A) (C) (D) Massa branca C am ad as c or ti ca is [3H]-timidina no dia pós-natal 1 Massa branca Camadas corticais P or ce nt ag em d e ne ur ôn io s m ar ca do s co m [ 3 H ]- ti m id in a Migração neural do hospedeiro Camadas corticais Camada intermediária Camada ventricular Célula glial Destino independente da célula quando transplantada após última fase S. Destino condicionado ao hospedeiro quando transplantado na fase S. em qualquer das camadas corticais (Walsh e Cepko, 1988). Mas, como é que a célula reconhece a camada na qual deve entrar? McConnell e Kaznowski (1991) mostraram que a determinação da identidade laminar (isto é, para qual camada a célula migrará) é feita durante a divisão celular final. Células transplantadas de cérebros jovens (onde elas formariam a camada 6) para cérebros mais velhos, cujos neurônios migratórios estão formando a camada 2 após sua última divisão, mantêm seu destino e migram somente para a camada 6. Entretanto, se as células são transplantadas antes de sua divisão final (na metade da fase S), elas não têm destino fixo e podem migrar para a camada 2 (Figura 7.25). Os destinos de células progenitoras mais velhas são mais determinados. As células cerebrais corticais progenitoras precoces têm o potencial para transformarem-se em qualquer neurônio (nas camada 2 ou 6, por exemplo), mas as células corticais progenitoras tardias dão origem somente a neurônios da camada superior (camada 2) (Frantz e McConnell, 1996). Ainda não conhecemos a natureza da informação transmitida à célula ao ser fixado o seu destino. Nem todos os neurônios migram radialmente. O’Rourke e seus colegas (1992) marcaram neurônios jovens com corante fluorescente e seguiram sua migração atra- vés do cérebro. Enquanto mais ou menos 80% dos jovens neurônios migraram radial- mente em processos gliais, da zona ventricular para a placa cortical, aproximadamente 12% deles migraram lateralmente de uma região funcional do córtex para outra. Essas observações estão de acordo com aquelas de Walsh e Cepko (1992), que infectaram células ventriculares com um retrovírus e conseguiram corar essas células e seus descendentes após o nascimento. Eles descobriram que os descendentes neurais de Figura 7.25Figura 7.25Figura 7.25Figura 7.25Figura 7.25 Determinação de identidade laminar em cérebro de doninha. (A) Precursores neuronais “pre- coces” (aniversários no dia embrionário 29) migram para a camada 6. (B) Precursores neuronais “tardios” (aniversários no dia pós-natal 1) migram mais adiante para as camadas 2 e 3. (C) Quando os precursores precoces (vermelho) são transplantados em zonas ventriculares mais velhas, após sua última fase S mitótica, os neurônios que eles formam migram para a camada 6. (D) Se esses precursores são transplantados antes ou durante sua última fase S, seus neurônios migram (com os neurônios do hospedeiro) para a camada 2. (De acordo com McConnell e Kaznowski,1991.) 276 PARTE II Padrões de Desenvolvimento uma única célula ventricular estavam dispersos através das regiões funcionais do córtex. Quando neurônios do córtex do cérebro anterior foram transplantados para a região que formaria o corpo estriado, essas células adquiriram a morfologia do estriado (Fishell, 1995). Portanto, a especificação de funções determinadas pelas áreas corticais ocorre após a neurogênese. Considera-se que chegando a seu destino final, as células produzem moléculas adesivas específicas que as organizam e as agrupam como núcle- os cerebrais (Matsunami e Takeichi, 1995). O cérebro é bastante plástico e o desenvolvimento do córtex neopáleo humano é particularmente notável a esse respeito. O cérebro humano continua a se desenvolver na velocidade do desenvolvimento fetal, mesmo após o nascimento (Holt et al., 1975). Baseado em critérios morfológicos e de comportamento, Portmann (1941, 1945) suge- riu que, comparada com outros primatas, a gestação humana deveria durar 21 meses em lugar de 9. Entretanto, nenhuma mulher poderia dar à luz um feto de 21 meses, pois sua cabeça não passaria pelo canal do parto; assim a espécie humana dá à luz após 9 meses. Montagu (1962) e Gould (1977) sugeriram que durante o primeiro ano de vida, somos essencialmente fetos extra-uterinos, e eles especulam que a inteligência huma- na vem da estimulação do sistema nervoso que está se formando durante aquele primeiro ano.* Tipos de neurônios O cérebro humano consiste de mais de 1011 células nervosas (neurônios) associadas com mais de 1012 células gliais. Aquelas células que permanecem como componentes integrais do revestimento do tubo neural se transformam em células ependimárias. Essas células podem dar origem a precursores de neurônios e células gliais. Conside- ra-se que a diferenciação dessas células precursoras é principalmente determinada pelo ambiente no qual elas entram (Rakic e Goldman, 1982) e que, em pelo menos alguns casos, uma determinada célula precursora pode formar ambos, neurônios e células gliais (Turner e Cepko, 1987). Existeuma grande variedade de tipos de neurô- nios e células gliais (como fica evidente pela comparação entre uma célula granular relativamente pequena e o enorme neurônio de Purkinje). As delgadas extensões das células, usadas para captar impulsos elétricos são chamadas dendritos (Figura 7.26). Alguns neurônios desenvolvem somente alguns dendritos, enquanto outras células (como os neurônios de Purkinje) desenvolvem extensas áreas para interações celula- res. Muito poucos dendritos são encontrados em neurônios corticais no nascimento, mas uma das coisas maravilhosas, a respeito do primeiro ano de vida do ser humano, é o aumento do número dessas regiões receptivas nos neurônios corticais. Durante esse ano, cada neurônio cortical desenvolve um número suficiente de dendritos (ou superfície dendrítica) para acomodar até 100.000 conexões com outros neurônios. O neurônio cortical, em média, se conecta com 10.000 outros neurônios. Esse padrão de conexões neurais (sinapses) permite ao córtex humano funcionar como o centro para o aprendizado, raciocínio e memória, e a desenvolver a capacidade de expressão sim- bólica, bem como a produção de respostas a estímulos interpretados. Outra característica importante de um neurônio em desenvolvimento é seu axônio (às vezes chamado um neurito). Enquanto os dendritos são freqüentemente numero- sos e não se extendem muito além do corpo da célula nervosa, ou soma, os axônios podem se alongar por vários centímetros. Os receptores da dor no dedo grande (hálux) do pé, por exemplo, precisam transmitir suas mensagens por um longo caminho até a * Ao contrário do que afirma um filme antiaborto, amplamente divulgado, o córtex cerebral humano não tem conexões neurônicas na 12a semana de gestação (e, portanto, não pode se mover em resposta a um pensamento, nem mostrar consciência ou medo). A atividade elétrica mensurável, característica de células neurais (o padrão do eletroencefalograma, ou EEG) é verificada inicialmen- te aos 7 meses de gestação. Morowitz e Trefil (1992) sugeriram provocativamente que tendo a sociedade, nos Estados Unidos, aceito que a definição de morte é a perda do padrão de EEG, talvez ela devesse aceitar a aquisição do padrão de EEG como o começo da vida humana. CAPÍTULO 7 Neurulação e o Ectoderma 277 Dendritos RECEPTOR Cone do axônio Segmento inicial do axônio Chegada de impulsos via axônios de outros neurônios CONDUTOR Nó de Ranvier Impulso nervoso Célula de Schwann Bainha de mielina EFETOR Músculo esquelético medula espinhal. Um dos conceitos fundamentais da neurobiologia é que o axônio é uma extensão contínua do corpo da célula nervosa. Na virada do século vinte, várias teorias competiam para explicar a formação de axônios. Schwann, um dos fundadores da teoria celular, acreditava que numerosas células neurais se ligavam umas às outras, em forma de cadeia, para formar um axônio. Hensen, o descobridor do nódulo embrio- nário, admitia que o axônio se formava ao redor de fibras citoplasmáticas pré-existen- tes entre as células. Wilhelm His (1886) e Santiago Ramón y Cajal (1890) postularam que o axônio era, na verdade, uma projeção (apesar de extremamente grande) do corpo celular (soma). Em 1907, Ross Harrison demonstrou a validade da teoria da projeção com um elegante experimento que foi a pedra fundamental tanto da ciência do desen- volvimento neurobiológico como da técnica de cultura de tecidos. Harrison isolou uma porção de um tubo neural de um girino de rã de 3mm; nesse estágio, logo após o fechamento do tubo neural, não há uma diferenciação visível dos axônios. Ele colocou esses neuroblastos em uma gota de linfa de rã sobre uma lamínula e a inverteu sobre outra lâmina com depressão, de modo a poder observar o que se passava nessa “gota pendente”. O que Harrison viu foi a emergência de axônios como projeções dos neu- roblastos, alongando a 56 µm/hora. Esse prolongamento do nervo é liderado pela ponta do axônio, chamada de cone de crescimento (Figura 7.27). Esse cone não progride em linha reta, mas vai “abrindo caminho” ao longo do substrato. O cone de crescimento se move por elongação e contração de filopódios afilados, chamados microespículas. Essas microespículas contêm microfilamentos, orientados paralelamente ao eixo longo do axônio (essa é uma situação similar àquela dos microfilamentos filopódicos das células mesenquima- tosas secundárias em equinodermos). Tratando os neurônios com citocalasina B, as microespículas de actina são destruídas, inibindo seu avanço ulterior (Yamada et al., 1971; Forscher e Smith, 1988). Dentro do próprio axônio, o suporte estrutural é Figura 7.26Figura 7.26Figura 7.26Figura 7.26Figura 7.26 Diagrama de um neurônio motor. Impulsos recebidos pelos dendritos e o neurônio estimula- do podem transmitir impulsos elétricos através do axônio (que podem ter 60 a 90 cm de comprimento) para o tecido alvo. A bainha de mielina que promove o isolamento do axônio é formada pelas células de Schwann adjacentes. (De acordo com Bloom e Fawcett, 1975.) 278 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Microespículas C on e de c re sc im en to (B)(A) (C) fornecido por microtúbulos, e o axônio se retrairá se for colocado em uma solução de colchicina. Assim, o neurônio em desenvolvimento retém as mesmas cartacterísticas que foram observadas nas regiões de articulação dorsolateral do tubo neural, a saber, alongamento por microtúbulos e modificações da forma apical pelos microfilamentos. Como na maioria das células migratórias, os filopódios exploratórios do axônio aderem ao substrato e exercem uma força que puxa o resto da célula para frente. Os axônios não crescerão se o cone de crescimento não conseguir avançar (Lamoureux et al., 1989). Além da função estrutural na migração de axônios, os filopódios têm também uma função sensorial. Explorando o ambiente à frente do cone de crescimento, cada filopódio faz a amostragem dos microambientes e manda sinais de volta para o corpo da célula (Davenport et al., 1993). Como veremos no Capítulo 8, os filopódios são as organelas fundamentais envolvidas na determinação do caminho do neurônio. Neurônios transmitem impulsos elétricos de uma região a outra. Usualmente esses impulsos vão dos dendritos à soma do nervo, de onde são focalizados nos axônios. Para impedir a dispersão do sinal elétrico e facilitar a sua condução, o axônio, no sistema nervoso central é isolado em intervalos por processos que se originam de um tipo de célula glial chamada oligodendrócito. Um oligodendrócito se enrola ao redor do axônio em desenvolvimento; produz, então, uma membrana especializada que é rica em proteína básica mielina e se espirala ao redor do axônio central (Figura 7.28). Essa membrana especializada é chamada bainha de mielina. (No sistema nervoso periférico, uma célula glia chamada célula de Schwann realiza essa mielinização.) A bainha de mielina é essencial para uma adequada função neural, e a desmielinização das fibras nervosas está associada à convulsões, paralisia e vários outros problemas de saúde, debilitantes ou mortais. No mutante trembler do camundongo, as células de Schwann não conseguem produzir um determinado componente protéico da bainha de mielina, fazendo com que a mielinização do sistema nervoso periférico seja deficiente, mas normal no sistema nervoso central. Ao contrário, em outro mutante de camundongo, jimpy, o sistema nervoso central é deficiente em mielina, enquanto o periférico não é afetado (Sidman et al., 1964; Henry e Sidman, 1988). O axônio também precisa ser especializado na secreção de neurotransmissores específicos nos pequenos espaços (fendas sinápticas) que separam o axônio da su- perfície da célula alvo (soma, dendritos, ou o axônio de um neurônio receptor ou um Figura 7.27Figura 7.27Figura 7.27Figura 7.27Figura 7.27 Microespículas de actina em cones de crescimento de axônios como vistos por (A) microscopia
Compartilhar