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UNIVERSIDADE POTIGUAR CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO DISCIPLINA: RESPONSABILIDADE CIVIL PROFESSOR: VICTO LUIZ GONÇALVES SARMENTO ROTEIRO DE ESTUDO I – INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE CIVIL 1) Conceito de responsabilidade. Aguiar Dias comenta que: “toda manifestação humana traz em sei a questão da responsabilidade”. Do verbo latino, respondere, a palavra evoluiu, desde o direito romano, como sendo a obrigação que alguém tem de assumir as conseqüências jurídicas de determinado fato jurídico, decorrentes da violação de um dever jurídico originário. Fato jurídico => violação de dever jurídico => conseqüência => responsabilidade. Ato ilícito civil Dano Dever de indenizar Ato ilícito penal Crime Aplicação de pena Conclui-se, pois, que a responsabilidade civil está intimamente ligada ao conceito de ato ilícito. Conforme adverte Sérgio Cavalieri, a responsabilidade civil corresponde a um dever jurídico sucessivo de reparar o prejuízo causado pela violação de um dever jurídico originário. a) Fato jurídico, ato lícito e ato ilícito. Todo e qualquer acontecimento capaz de produzir conseqüências jurídicas. Os fatos jurídicos podem ser naturais, quando decorrem da própria natureza, ou voluntários, quando são decorrentes de condutas humanas. Os fatos jurídicos voluntários, também chamados de atos jurídicos, podem ser lícitos ou ilícitos. Será ilícito o ato contrário ao direito, transgredindo um dever jurídico previamente existente, e poderá ter repercussões civis ou penais, de acordo com o bem jurídico atingido pela ilicitude. No dizer de Sérgio Cavalieri Filho, há um dever jurídico originário, também chamado de primário, cuja violação gera um dever sucessivo, também chamado de secundário, que seria o dever de indenizar o prejuízo causado pela violação do dever originário. Nesse ponto, é possível se falar em ilicitude em sentido estrito, a qual está intimamente ligada à idéia de culpa (ilicitude subjetiva) e em ilicitude em sentido amplo (ilicitude objetiva), ligada à idéia de simples violação de um dever jurídico preexistente, sem se cogitar a culpa. b) Conceito de ato ilícito do Código Civil. O art. 186 do Código Civil assim determina: “Comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Tem-se, pois, que o ato ilícito viola o dever de não causar danos, chamado de dever geral de não prejudicar a ninguém, expresso pelo direito romano através do brocardo “neminem laedere”. c) Conceito de responsabilidade. Responsabilidade é o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. É o dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário, ou seja, a obrigação de suportar o dano. O ato ilícito, ao lado da lei, dos contratos e dos atos unilaterais de vontade, compreende, pois, fonte de obrigações. E a obrigação que decorre do ato ilícito é, justamente, a de indenizar. Desta forma, o estudo da Responsabilidade Civil encontra-se bastante ligado ao da Teoria Geral das Obrigações, como espécie de Parte Especial deste ramo do Direito Civil. O Código Civil, em seu art. 927, consagra a chamada obrigação de indenizar, ao estipular que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a reparálo”. Trata-se, portanto, de obrigação de natureza legal, pois é a própria lei que determina quando surge a obrigação. Sérgio Cavalieri Filho sustenta que o ato ilícito é, na verdade, fonte de responsabilidade (obrigação sucessiva, conseqüente ao descumprimento da obrigação originária), enquanto que apenas o ato lícito, como os contratos e as declarações unilaterais de vontade, seria, propriamente ditos, fonte de obrigações. 2) Espécies de responsabilidade a) Responsabilidade civil e responsabilidade penal. Enquanto gênero, a responsabilidade sempre implica no exame de conduta voluntária que viola um dever jurídico. Assim, a responsabilidade pode ser de várias naturezas, embora ontologicamente tenhamos como sendo o mesmo conceito. A primeira importante distinção que devemos fazer é a que existe entre a responsabilidade civil, objeto do nosso estudo, e a responsabilidade penal. O ilícito civil é bem mais amplo do que o ilícito penal, na medida em que este exige a tipicidade, ou seja, que a lei, previamente, tenha protegido aquele bem jurídico de forma a descrever a conduta que o atinge como tipo penal. Assim, os ilícitos de maior gravidade social são reconhecidos pelo Direito Penal (Princípio da Fragmentariedade), enquanto que o ilícito civil é considerado menos grave, razão pela qual o interesse de sua proteção é privado. Para o ilícito penal, a sanção imposta pela violação à ordem jurídica é também mais grave, podendo ser qualquer uma das penas previstas pelo Código Penal. Já a sanção civil é menos severa, compreendendo a obrigação de indenizar a vitima pelo prejuízo causado. Existe, todavia, a possibilidade de que a mesma conduta atinja tanto a ilicitude civil como a ilicitude penal, gerando, portanto, conseqüência em ambas as esferas. Por essa razão, a sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente da conduta criminosa (assunto que ainda será abordado na última unidade do curso). b) Responsabilidade contratual e extracontratual Indaga-se se o dano decorreu de uma obrigação preexistente, pactuada entre as partes, através de contrato ou negócio jurídico unilateral. Se houver tal avença preexistente, a responsabilidade decorrerá do seu descumprimento e a responsabilidade será contratual. No entanto, quem transgride um dever de conduta, com ou sem contrato, pode ser obrigado a ressarcir o dano. Assim, se a responsabilidade decorrer da violação do dever geral de não causar danos a outrem, teremos a responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana, em virtude do fato de que suas bases teóricas surgiram na Lex Aquilia, conforme será tratado a seguir. A doutrina moderna, no entanto, tem aproximado as duas modalidades, visto que a culpa é fundamento genérico da responsabilidade, em ambos os casos, muito embora alguns diferenciem a culpa contratual da culpa extracontratual. Por outro lado, muitos dos temas de responsabilidade contratual são utilizados em ambos os casos, especialmente no nosso Código Civil (arts. 393, 402 e 403), embora o diploma tenha adotado a dualidade. c) Responsabilidade subjetiva e objetiva. De acordo com a teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, a culpa é fundamento da responsabilidade civil e, sem ela, não há responsabilidade. Assim, é preciso que a vítima prove a culpa do ofensor para que tenha o direito à reparação. Ocorre que a evolução da sociedade, especialmente após a Revolução Industrial, passou a lidar com algumas situações na quais dificilmente a vítima poderia provar a culpa do ofensor. Assim, passou-se a cogitar da responsabilidade civil tendo como fundamento não mais a culpa, mas o risco que algumas atividades naturalmente ensejaram a terceiros. A Teoria do Risco criou o que chamamos de responsabilidade objetiva, ou sem culpa, que tem como postulado que todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por nexo de causalidade, independentemente de culpa. O Código Civil brasileiro filiou-se à teoria subjetiva, como podemos observar a partir da leitura do art. 186, que erigiu a culpa como fundamento para a responsabilidade. No entanto, no art. 927, parágrafo único, consagrou, de forma expressa, a possibilidade de aplicação da responsabilidade objetiva, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A responsabilidade objetiva será estudada em maior profundidade na Unidade V do nosso Curso. 3) Evolução histórica da responsabilidade civil. Inicialmente, a noção de responsabilidade se confundia com a vingançaprivada: a pessoa que sofria um mal podia fazer justiça com as próprias forcas, até mesmo porque não havia o poder estatal para reprimir tal atitude. Arnaldo Rizzardo ressalta que o próprio Evangelho retrata essa organização de justiça, através da parábola do mau devedor, que, perdoado em muito pelo credor, não soube relegar pequena quantia que um servo lhe devia. Em conseqüência, seu credor o prendeu e o manteve algemado até pagar a por completo a dívida (Mateus, 18, 23/35). Em seguida, temos a fase da composição. A vingança é substituída pela composição, a critério da vítima. Nesse momento, o Estado não decide o conflito, mas atua como uma espécie de mediador. Num estágio mais avançado, quando já existe uma autoridade soberana, o legislador torna a composição econômica, que antes era voluntária, em obrigatória e, alem disso, tarifadas. Trata-se do estágio da correspondência, baseada na Lei de Talião - “olho por olho, dente por dente” - para cada ofensa, era convencionada uma sanção, sistema semelhante ao penal, cuja maior expressão foi o Código de Hamurábi. Tal sistema constava na Lei das XII Tábuas e remanesce ainda hoje, em certas regiões de origem islâmica. O Direito Romano trouxe a diferenciação entre “pena” e “reparação”, o que permitiu o inicio da diferenciação entre os ilícitos penal e civil. Assim, como pondera Carlos Roberto Gonçalves, operou-se a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Naqueles, a pena econômica era recolhida aos cofres públicos; nestes, a pena em dinheiro cabia à vítima. Assim, o surge a ação de indenização. Por outro lado, é na Lei Aquília que se esboça, finalmente, um principio geral reguladorda responsabilidade civil extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo com base no estabelecimento de seu valor. Esta lei introduziu o damnum injuria datum, que corresponde ao dever de indenizar resultante na conduta culposa causadora de um dano. A Lex Aquilia foi, na lição de Sílvio de Salvo Venosa, um plebiscito aprovado provavelmente no final do Século III a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens, sendo a idéia de culpa o principal fundamento desse sistema – in lege aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar. O Código de Napoleão trouxe a distinção entre culpa contratual e culpa extracontratual, sendo a base da legislação civil pátria. Por fim, o progresso econômico e as mudanças na sociedade, especialmente após a Revolução Industrial e a multiplicação dos danos determinaram o surgimento da Responsabilidade Objetiva, fundada na Teoria do Risco, que será mais bem abordada em momento posterior. 4) Pressupostos da responsabilidade civil A partir dos elementos trabalhados acima e do que dispõe os artigos 186 e 927 do Código Civil, a doutrina costuma apresentar os seguintes requisitos da responsabilidade civil: a) Conduta do agente – É preciso uma ação ou omissão do agente, investido contra alguém, causando-o prejuízo. A responsabilidade pode se dá por ato próprio, por ato de terceiros ou pelo fato dos bens ou coisas que se encontram na guarda e poder de alguém. Se a responsabilidade for subjetiva, é preciso também que a conduta seja culposa (dolo ou culpa em sentido estrito). Tudo isso é extraído da primeira parte do art. 186 do Código Civil: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”. b) Nexo causal – É necessário que exista uma relação direta de causalidade entre a conduta do agente e o dano suportado pela vítima. O nexo de causalidade é decorrência do verbo “causar”, presente no mesmo dispositivo legal cima mencionado. c) Dano – Trata-se do principal pressuposto da responsabilidade civil, pois, via de regra, não é possível a existência de dever de reparar sem o efetivo prejuízo. Também se extrai do art. 186 a sua relevância, eis que o referido dispositivo se refere a conduta que “viola direito ou causa dano a outrem”. Os pressupostos aqui examinados são comuns à responsabilidade contratual, com a única peculiaridade de ser a prova da culpa, nesse caso, limitada à demonstração de que a prestação foi descumprida. A seguir, será estudado cada um desses pressupostos. II – A CONDUTA HUMANA E O ELEMENTO CULPA. 1) A conduta. Conduta é o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou de uma omissão, produzindo conseqüências no mundo jurídico. Assim, conforme aponta Sérgio Cavalieri Filho, a conduta possui dois aspectos: o físico ou objetivo, correspondente à ação ou omissão, e o psicológico ou subjetivo, consistente na voluntariedade, na vontade do agente. Conduta ----- Objetivo – Ação ou omissão ----- Subjetivo – voluntariedade (consciência). a) Ação – movimento comissivo, comportamento positivo. b) Omissão – inatividade, abstenção de uma conduta que era devida, comportamento negativo. É aquilo que se faz não fazendo. Importante frisar que somente pode ser responsabilizado por omissão aquele que tiver o dever jurídico de agir, ou seja, quando houver a obrigação de se evitar a ocorrência do resultado. As hipóteses de responsabilidade por fato de terceiros ou por fato da coisa, que são exceções à responsabilidade por ato próprio, são, na verdade, hipóteses de responsabilidade por omissão. Nesses casos, a conduta humana residiria não apenas no ato em si praticado, mas também na omissão daquele que detinha o dever de guarda. Como exemplo, quando uma criança causa dano a um terceiro, além da conduta daquela, há o comportamento omissivo dos seus pais, que deveriam impedir o resultado, diante do seu dever de guarda. 2) Imputabilidade. Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade por algum fato, sendo, pois, pressuposto da culpa e, consequentemente, da responsabilidade. Para o Direito, é imputável o agente que, no momento da conduta, tem condições de entender o caráter ilícito da conduta, ou seja, aquele que tem condições de compreender que podia e deveria agir de forma diferente. A doutrina aponta como sendo dois os elementos da imputabilidade: a maturidade e a sanidade mental do agente. Por esta razão, os menores, por serem incapazes e ainda imaturos, conforme o critério objetivo estabelecido no Código Civil, não podem ser responsabilizados, respondendo pelos seus atos seus pais ou tutores – Código Civil, art. 932, I. Por outro lado, o amental, também incapaz, é igualmente irresponsável. Por eles, respondem os curadores – Código Civil, art. 932, II. A responsabilidade dos incapazes será estudada em separado, mais adiante no curso, quando for abordado o tema da responsabilidade por fato de terceiro. 3) A culpa. A responsabilidade civil nasce na forma subjetiva, baseada na idéia de culpa, nos termos da Lex Aquilia romana. Tal idéia foi seguida pelo Código de Napoleão e, assim, pelos Códigos de 1916 e 2002. Em sentido amplo, culpa é toda espécie de comportamento voluntário contrário ao Direito, seja intencional (dolo) ou não (culpa em sentido estrito). É a inobservância de um dever de conduta, imposto pela ordem jurídica. Neste ponto, fundamental a lição de Aguiar Dias: “Culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, ou seja, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude”. 3.1 Elementos da culpa a) Voluntariedade do comportamento do agente. b) Previsibilidade – se o resultado não for previsível, trata-se de caso fortuito ou de força maior. c) Violação de um dever de cuidado. 3.2 Culpa em sentido estrito. Na culpa, a ação é voluntária, mas o agente não procura o dano como objetivo de sua conduta, nem procede com a consciência de sua infração, como explica Caio Mário da Silva Pereira. Assim, na culpa, a conduta nasce lícita, mas, em face do descumprimentode um dever geral de cuidado, que o agente podia conhecer e observar, a conduta passa a ser ilícita. Assim, no dizer de Sérgio Cavalieri Filho, há na culpa em sentido estrito um erro de conduta, pois o agente quer praticar ato lícito, mas, por não adotar a conduta adequada, acaba por praticar ato ilícito. Trata-se, portanto, de conduta voluntária com resultado involuntário. Segundo o mesmo autor, também é elemento da culpa em sentido estrito a previsão ou previsibilidade do resultado. Assim, o agente não quer o resultado, que é involuntário, mas poderia prever seu acontecimento e, por conseguinte, o evitado. O autor arremata afirmando que “só se pode evitar o que se pode prever; só há o dever de evitar o dano que for razoável prever”. Para tanto, deve se levar em consideração tanto o homem médio, ou seja, o que geralmente é previsível, como também as características pessoais do sujeito, tais como idade, sexo, grau de cultura, etc. A culpa abrange a imprudência, a negligência e a imperícia. A imprudência é a precipitação ou ato de proceder sem cautela; é ato comissivo e praticado com desprezo das cautelas necessárias, violando, assim, o dever de cuidado. A negligência, por sua vez, é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção e discernimento; é a ausência de diligência e prevenção, sendo, portanto, um ato omissivo. Por fim, a imperícia pode ser vista sob dois ângulos: por um lado, é a falta de habilidade ou inaptidão para praticar um determinado ato, por aquele que tem a técnica necessária para a prática do ato, mas não a utiliza adequadamente, ou por aquele que mesmo sem tê-la o pratica. b) Dolo Dolo é a conduta que já nasce ilícita, na medida em que o agente, desde o início, pretende alcançar o resultado ilícito. Assim, tanto a conduta como o resultado são voluntários. No dolo, o agente tem a intenção, a vontade consciente e dirigida para a produção de um resultado ilícito. O resultado é representado, previsto anteriormente pelo agente que, mesmo consciente da ilicitude de sua conduta, concorre para que ela aconteça. 3) Classificação da culpa Em resumo, a doutrina apresenta as seguintes espécies de culpa: a) Culpa in eligendo: o agente não procede com acerto na escolha de seu preposto, empregado, representante, ou não exerce um controle suficiente sobre os bens usados para uma determinada atividade. b) Culpa in vigilando: caracteriza-se pela falta de cuidados e de fiscalização do proprietário ou do responsável por bens ou por pessoas. c) Culpa in custodiendo: é a ausência de atenção e cuidado com respeito a alguma coisa, facilmente verificável em relação aos animais, que ficam soltos pelas estradas. Obs.: Modernamente, os casos de culpa in eligendo, in vigilando e in custodiendo terminaram evoluindo para situações de responsabilidade objetiva, conforme será estudado mais adiante. c) Culpa in comitendo ou in faciendo: consiste na prática de uma conduta comissiva, positiva; d) Culpa in omitendo: consiste na pratica de uma conduta omissiva, que causa o dano, embora o agente tivesse o dever legal de agir de forma contrária, evitando o prejuízo. f) Culpa in concreto: é aquela examinada na conduta específica do agente, de acordo com suas características próprias; g) Culpa in abstrato: é aquela examinada de acordo com o padrão do homem médio. h) Culpa presumida ou in re ipsa: existe em algumas situações nas quais a culpa é tão evidente que prová-la é totalmente desnecessário. Nesse caso, há a inversão do ônus da prova, cabendo ao réu provar que não agiu com culpa. Trata-se, como veremos, de um estágio de evolução para a adoção das teorias objetivas da responsabilidade. i) Culpa contra a legalidade: refere-se à transgressão de um dever imposto por lei ou regulamento, tais como as advertências de “não pise na grama”, “não fume”, etc. Em tais hipóteses, conforme adverte Sílvio de Salvo Venosa, provada a conduta violadora, o nexo causal e o evento danoso, a culpa decorre como simples conseqüência. A simples desobediência a uma dessas regras é o que basta para colocar o agente em estado de culpa. Arremata o autor, ressaltando que não se trata de responsabilidade objetiva. 4) Graus da culpa É possível se mensurar a culpa do agente, embora isto não seja fundamental para a verificação do valor da reparação. Nos termos do Código Civil, a indenização é medida pela extensão do dano (art. 944). Assim, embora gravíssima a culpa, ou tenha o agente agido com dolo, não ultrapassará a indenização o dano provocado. Assim, a responsabilidade civil se difere da penal, pois nesta última a pena é aplicada pelo juiz, entre outros fatores, de acordo com a culpabilidade do agente. Há, no entanto, uma pequena ressalva a esta regra, estampada no parágrafo único do referido art. 944, que determina que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. De toda sorte, a doutrina costuma classificar a culpa também de acordo com seus graus de intensidade: a) Culpa grave: corresponde a uma crassa desatenção e a violação de um dever comum de cuidado indispensável. É a culpa com previsão de resultado, também chamada de culpa consciente. O agente sabe do risco, mas acredita que o evento não ocorrerá. b) Culpa leve: corresponde à falta de cuidado que poderia ser evitada com uma atenção comum e normal no procedimento de uma pessoa. c) Culpa levíssima: o erro é evitável, embora seja necessária uma atenção especial e muito concentrada. É a falta de atenção extraordinária, pela ausência de habilidade especial ou conhecimento singular. 5) Culpa Concorrente Ocorre a culpa concorrente quando, além do agente, a vítima também se comporta culposamente para a ocorrência do dano. Alguns doutrinadores, como Sérgio Cavalieri Filho, preferem chamar de concorrência de causas ou de responsabilidade, pois a solução para o problema estaria, na verdade, na análise do nexo causal e não da culpa. No direito civil, quando acontece a culpa concorrente, as duas condutas concorrem para o resultado de modo que o agente não produziria o resultado sozinho, contando, assim, com a conduta culposa da vítima para tanto. Havendo culpa concorrente, a indenização deve ser dividida proporcionalmente, devendo o agente responder de acordo com o seu grau de culpabilidade. Assim determina o art. 945 do Código Civil: “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade da sua culpa em confronto com a do autor”. Por outro lado, pode ocorrer que a participação da vítima para o evento seja tão determinante para o resultado, que o nexo causal é rompido entre a conduta do agente e o dano, isentando-o de responsabilidade. Trata-se da culpa exclusiva da vítima, que será abordada adiante. Outra situação de culpa concorrente ocorre quando dois ou mais agentes concorrem para o resultado danoso que atinge a um terceiro. Para Arnaldo Rizzardo, neste caso, pode o devedor acionar qualquer um daqueles que concorreram para o resultado, respondendo assim, todos, solidariamente, conforme determina o art. 942 do Código Civil: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação”. Quem paga, no entanto, tem o direito de regresso contra os co-autores, segundo a importância respectiva das culpas. III – O NEXO DE CAUSALIDADE 1. Conceito. Para que exista responsabilidade, é preciso que o agente tenha dado causa ao resultado. Trata-se do nexo causal, ou seja, da relação de causa e efeito entre a conduta e o dano. Em regra, é elemento imprescindível para a responsabilidade, pois, somente em casos bastante restritos, é possível a responsabilidade mesmo sem nexo causal. O tema será abordado no estudo da responsabilidade objetiva. Não se confunde com a imputabilidade. Nesta, verificam-se as condições subjetivas do agente, ou seja, se é possível atribuir o resultadoao seu comportamento, de acordo com suas condições de sanidade e discernimento. Na causalidade, os questionamentos são feitos de forma objetiva, sem levar em consideração qualquer condição pessoal do agente. Verifica-se, tão somente, se há uma relação fática entre a conduta humana e o resultado causado. 2. Teorias sobre a relação de causalidade. Dentre as várias teorias que surgiram para solucionar o problema da causalidade na responsabilidade civil, a doutrina costuma destacar a teoria da equivalência das condições e da causalidade adequada. a) Teoria da equivalência das condições. A teoria também é conhecida como da conditio sine qua non e estabelece como causa do dano todas as condições sem as quais o dano não teria acontecido. Trata-se da teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro. Essa teoria não distingue causa e condição. Assim, se várias condições concorrem o resultado, todas possuem o mesmo valor, sendo, assim, causas equivalentes. Nelson Hungria, penalista clássico, lembra os seguintes absurdos que a teoria poderia ocasionar: poderia se entender que é responsável o fabricante de uma arma pelo homicídio que um terceiro cometeu utilizando-a. Ou, ainda, poderia ser responsabilizado o marceneiro que fabricou o leito no qual o casal de deitou pelo adultério cometido por ambos. b) Teoria da causalidade adequada. Por meio desta teoria, deve-se buscar a causa que seria apta, por si só, para produzir o dano. Ocorrendo o dano, temos que concluir se o fato era capaz, por si só, de lhe dar causa. Conforme esclarece Sérgio Cavalieri Filho, para esta teoria, causa é o antecedente não apenas necessário, mas também adequado à produção do resultado. Se várias condições concorrem entre si, somente será considerada causa aquela que for mais adequada ao alcance do resultado. Segundo o autor, será adequada a causa que, de acordo com o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, se revelar a mais idônea para gerar o evento. No dizer de Caio Mário da Silva Pereira, dentre os antecedentes do dano, há que destacar aquele que está em condições de necessariamente tê-lo produzido. c) Teoria adotada pelo Código Civil A doutrina, especialmente o mestre José de Aguiar Dias, aponta como sendo a teoria da causalidade adequada a adotada pelo nosso Direito Civil, especialmente em face do que dispõe o art. 403 do Código Civil. Trata-se de dispositivo que disciplina a responsabilidade contratual, mas que apresenta a teoria adotada pelo Código em termos de responsabilidade civil. Assim determina o dispositivo, in verbis, “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”. Dessa forma, ao utilizar a expressão “efeito direto e imediato”, teria o Código adotado a teoria da causalidade adequada. Todavia, é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça vem apresentando uma espécie de nova teoria, conhecida como causalidade direta e imediata, que utiliza os termos adotados pelo Código Civil. 3. Causalidade comum Trata-se de uma espécie de culpa concorre, na qual duas ou mais pessoas concorrem de forma associada para o mesmo resultado lesivo. Figura que se assemelha ao concurso de agentes do direito penal (art. 29 e ss.) A causalidade comum enseja a responsabilidade conjunta e solidária de todas as pessoas que atuaram na obtenção do resultado, restando, todavia, o direito de regresso daquele que arcou contra o prejuízo contra os demais co-responsáveis, ocasião diante da qual será possível investigar o grau de culpabilidade de cada um dos agentes. 5. Causalidade alternativa. Diante da situação concreta, não é possível identificar o causador do dano, embora os fatos os autos praticados por um determinado grupo de pessoas fossem propícios a causar o resultado lesivo. Nestes casos, a responsabilidade recai sobre todos que concorreram para que o resultado fosse possível de acontecer. Na lição de Arnaldo Rizzardo, o fundamento da responsabilidade está na participação de propósito e de ações. 6. Causalidade concorrente. Na causalidade comum, há um liame subjetivo entre os agentes, que se unem para atingir o resultado danoso. Na causalidade concorrente, todavia, não há qualquer relação entre os agentes que, desconhecendo a existência do outro, concorrem de forma culposa. A solução, todavia, é a mesma da causalidade comum, respondendo ambos, solidariamente, pelo dano sofrido. IV – EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL 1. Introdução Existem algumas situações que, embora provoquem prejuízos de terceiros, não ensejam responsabilidade civil. Por um lado, há situações que, embora danosas, não são consideradas ilícitas, pois são protegidas pela Lei, que as reconhecem como direitos subjetivos. Assim, por exemplo, tem o agente o direito subjetivo de agir em legítima defesa ou em razão de um estado de necessidade. Por outro, há fatos jurídicos que rompem com o nexo de causalidade do agente, isentando-o de responsabilidade. Assim acontece com o caso fortuito ou de força maior, com o fato exclusivo da vítima e com o fato de terceiro. São situações que atingem a própria causalidade, excluindo, assim, a responsabilidade. Vejamos, pois, como é a disciplina de cada uma dessas situações. 2. Situações excludentes da ilicitude. a) Legítima defesa De acordo com o art. 188, I, do Código Civil, não se considera ilícito os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito. Nos termos do art. 25 do Código Penal, age em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Assim, se o ato foi praticado contra o próprio agressor e em legítima defesa, não pode o agente ser responsabilizado civilmente pelos danos provocados. Se houver erro de conduta (aberratio ictius), atingindo uma terceira pessoa, o agente será responsável pelo dano, mas terá direito de ação regressiva contra o agressor, para ressarcir a importância desembolsada. No caso de legítima defesa putativa, o agente não é isento de responsabilidade, pois o ato é ilícito, embora não punível na esfera penal (causa de excludente da punibilidade). Assim, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário, somente a legítima defesa real afasta a responsabilidade. Se o agente não fizer uso de meios proporcionais para a se defender da agressão, haverá excesso na legítima defesa, devendo ser aplicado o que dispõe o art. 187 do Código Civil, que trata do abuso de direito. b) Exercício regular de um direito. Assim como a legítima defesa, o exercício regular de um direito também não compreende ato ilícito nos termos do art. 188, I, do Código Civil. Se o exercício de um direito provocar dano e não for praticado regularmente, constitui abuso de direito, entrando no mundo dos atos ilícitos. Se for exercido regularmente, não há ilícito, não sendo, portanto, causa de responsabilidade. c) Estrito cumprimento de dever legal. Trata-se de situação que exclui a ilicitude do ato prevista no Código Penal e não abarcada expressamente pelo Código Civil. Para o mestre José de Aguiar Dias, cujos ensinamentos continuam atuais, o ato praticado em estrito cumprimento de dever legal é isento de responsabilidade criminal, mas não do dever de indenizar, tendo em vista o principio geral de que todo dano injusto deve ser reparado. Nestes casos, teremos a aplicação da responsabilidade objetiva, diante da teoria do risco, conforme estudaremos na Unidade II do nosso programa. d) Estado de necessidade. Nos termos do art. 188, II, é isento de responsabilidade o agente que destruir ou deteriorar coisa alheia, a fim de remover perigo iminente. Por outro lado, o parágrafo único do mesmo artigo restringe a aplicação da exceção aos casos em que as circunstâncias tornarem o ato absolutamente necessário, e desde que não excedam os limites do indispensável para a remoção do perigo. Ocorre que, nos termos do art. 929, se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, não forem culpados doperigo, haverá direito à indenização. Trata-se, na verdade, de reparação por ato lícito, assim como ocorre nos casos de desapropriação e na servidão. Não há contradição entre os dispositivos, como, por exemplo, sustenta Carlos Roberto Gonçalves. Por outro lado, no dizer de José de Aguiar Dias, não há responsabilidade, mas um dever de reparar fundado na equidade. Resta ao agente, todavia, o direito de regresso contra o terceiro que deu causa à situação de perigo. 3. Situações que excluem o nexo de causalidade. a) Culpa ou fato exclusivo da vítima. Quando a culpa é concorrente, a responsabilidade é compensada proporcionalmente. Assim, a vítima é indenizada de acordo com o seu grau de culpa em relação ao resultado. Por outro lado, na culpa exclusiva da vítima, desaparece a relação de causa e efeito entre o dano e seu causador. O causador do dano não passa de mero instrumento do acidente. b) Fato de terceiro. É possível que um fato atribuído um terceiro, pessoa aparentemente estranha ao dano, seja a causa do resultado lesivo. Assim, a conduta do autor aparente é afastada, tendo em vista que o fato do terceiro rompe com o nexo causal e é a verdadeira causa do resultado. Trata-se, como se vê, de simples questão de referencial. Geralmente, a pretensão é direcionada de forma equivocada que, em sua defesa, aponta a responsabilidade do terceiro, real causador do dano. c) Caso fortuito e força maior. Há grande confusão na doutrina a respeito dos conceitos de caso fortuito e de forçamaior. Na verdade, o Código Civil, em seu art. 393, tratou de ambos os institutos como se sinônimos fossem, ao determinar que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não houver por ele se responsabilizado”. O próprio José de Aguiar Dias afirma que ambas as expressões representam a mesma coisa. Para Sérgio Cavalieri Filho, há caso fortuito quando se tratar de fato imprevisível, enquanto que há força maior quando há fato inevitável. Assim, a imprevisibilidade é elemento essencial do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade o é em relação à força maior. Por isso, a força maior geralmente seria associada a fatos naturais, também chamados de act of God, conforme a doutrina inglesa, enquanto que o caso fortuito estariam ligados à condutas humanas. Sílvio de Salvo Venosa entende exatamente o contrário, invertendo os dois conceitos. O que importa é que tanto o caso fortuito quanto a força maior excluem o nexo de causalidade, pois são estranhos à conduta do agente aparente. São, pois, eventos imprevisíveis e/ou inevitáveis, diante dos quais o suposto agente não tem forças paraimpedir que o resultado lesivo ocorra, razão pela qual sua responsabilidade é afastada. V – O DANO. 1. Conceito Dano é a lesão a um interesse ou a um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza. Somente há responsabilidade civil com dano, diferentemente da esfera penal, onde existem os chamados crimes de mera conduta. O bem jurídico lesado pode ser tanto patrimonial, quanto moral, daí a distinção entre dano moral e dano material. A única exceção reside na responsabilidade civil contratual, na qual as partes podem estipular a chamada cláusula penal, que poderá ser executada independentemente da existência do dano, conforme será estudado em momento oportuno. Podemos afirmar que há duas formas de diferenciar dano moral de dano material. Quanto ao bem atingido, o dano patrimonial atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro Já o dano moral atinge valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a paz, a liberdade física, a tranquilidade de espírito, a reputação, etc. Atinge o ofendido como ser humano, sem alcançar seus bens materiais. Assim é o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho e de Arnaldo Rizzardo, que chega a frisar que “de acordo com interesse protegido, nasce a espécie do de dano”. Já quanto os efeitos do dano, José de Aguiar Dias ressalta que “a distinção não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência de lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a um bem material”. 2. Dano patrimonial. O dano material, por ser suscetível de avaliação pecuniária, pode ser reparado diretamente, através da reparação especifica, e indiretamente, por meio de equivalente ou indenização pecuniária. O dano pode incidir sobre o patrimônio atual, mas também podem ser reproduzidos em relação ao futuro, impedindo o crescimento ou diminuindo o patrimônio do lesado. Assim, o art. 402 do Código Civil determina: “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. O dano material se divide em dano emergente e lucro cessante, embora exista a proteção à chamada “perda de uma chance”. O dano devem ser certos, reais e atuais, no dizer deSílvio de Salvo Venosa. a) Dano emergente. O dano emergente importa a efetiva diminuição do patrimônio da vítima em razão do ato ilícito, ou seja, aquilo que ela realmente perdeu. b) Lucro cessante. Consiste na perda de ganho razoavelmente esperável, na frustração de ter seu patrimônio incrementado, como na paralisação de uma atividade lucrativa. Sérgio Cavalieri ressalta que não se pode confundir com lucro imaginário ou hipotético. Assim, deve o juiz eliminar o ato ilícito e cogitar se, no curso natural dos fatos, algum lucro era razoavelmente esperado se o agente não tivesse concorrido. Por outro lado, deve o magistrado ponderar que é preciso que a frustração seja efeito direto e imediato da conduta do agente, conforme a teoria da causalidade adequada do nexo de causalidade. c) Perda de uma chance. Em algumas oportunidades, o ato ilícito retira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, desaparecendo a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futuro para a vítima. O que se perde é a chance e não o fato em si. Trata-se da chamada “perda de oportunidade ou perda de chance”. Deve-se fazer um balanço das perspectivas contrárias e a favor da situação do ofendido e da conclusão resultará a proporção do ressarcimento. Não se trata se indenização por prejuízo hipotético ou vago, mas de algo baseado na intensa probabilidade de êxito em determinado benefício que o lesado possuiria se não fosse a conduta lesiva do agente. É preciso, pois, que exista considerável grau de probabilidade. Destarte, a indenização será da chance perdida e não do ganho perdido. 3. Dano Moral a) Dano moral e dignidade da pessoa humana Personalidade é a aptidão genérica que todo ser humano tem, desde o nascimento com vida, de ser titular de direitos e obrigações na ordem civil, conforme determinam os artigos 1.º e 2.º do Código Civil. Assim, são direitos da personalidade aqueles que dizem respeito à própria natureza humana; direitos inatos que correspondem a expressões da dignidade da pessoa humana. Ou, no dizer de Sílvio de Salvo Venosa, são direitos que resguardam a dignidade da pessoa humana. A Constituição da República, em seu art. 1.º, inciso III, elege a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Por outro lado, o artigo. 5.º, inciso X, determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Podemos afirmar, portanto, que existe uma cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, consagrada no texto constitucional. E mais. Da leitura do texto constitucional, temos que violação a um direito personalíssimo tem como conseqüência o dano moral. Com efeito, a partir das premissas levantadas, concluímos que ocorre dano moral quando, de forma maisestrita, é violado um direito personalíssimo e, consequente quando é atingida a dignidade da pessoa humana. Alguns autores afirmam que dano moral é a dor, o sofrimento, os sentimentos, as tristezas, as frustrações, etc. No entanto, como frisa Sérgio Cavalieri, é possível existir violação à dignidade da pessoa humana sem dor, sofrimento, vexame e etc. Inicialmente, entendia-se que o dano moral era irreparável, sob o fundamento que seria ele inestimável. Não era possível se reparar algo de não tem expressão econômica. Aos poucos, tal pensamento evoluiu para o entendimento de que, não se deveria reparar o dano moral, mas compensar o lesado pelo prejuízo sofrido, sem o conceito de equivalência, próprio do dano material. Assim, a indenização por dano moral teria a função de compensar o lesado pelo dano sofrido e, por outro lado, servir como penalidade ao infrator, de forma a inibi-lo de novamente agir de forma ilícita. Num segundo momento, passou-se a admitir o dano moral, mas sem cumulá-lo com o dano patrimonial. Entendia-se, assim, que este englobaria aquele, não sendo ainda possível a cumulação de ambos. Ainda se tentava vincular o dano moral a um efeito patrimonial, como espécie de dano patrimonial indireto. No estágio atual, é plenamente possível a cumulação de ambos, especialmente após a Constituição de 1988 que nitidamente trata as duas espécies de dano com a devida distinção, e após a Súmula n.º 37 do STJ que, confirmando seus precedentes, determina que são cumuláveis as indenizações por dano moral e material oriundas do mesmo fato. b) Prova do dano moral. Conforme a explica a doutrina e vem se posicionando os tribunais, os danos morais não precisam ser provados. O que se prova, são os fatos, ou seja, a conduta do agente. O dano moral é conseqüência lógica dos fatos. Trata-se de prova absoluta. No entanto, na prática, observamos grande quantidade de contestações que, em suas teses, alegam a não comprovação do dano moral. c) Natureza da reparação por dano moral. A reparação por dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. Por outro lado, como não é possível o restabelecimento do estado anterior, não é possível se falar em indenização. A reparação funciona, na verdade, como espécie de compensação pelo sofrimento. Através do pagamento, possibilita-se ao ofendido uma sensação de conforto e prazer, como forma de compensação. d) Quantificação do dano moral. A grande quantidade de demandas por dano moral tem preocupado, tendo em vista que muitos entendem que existe, hoje, no Brasil, a chamada indústria do dano moral. Assim, uma das grandes dificuldades é, sem duvida, o arbitramento do valor da indenização por danos morais. No Brasil, não há um critério de tarifação, mas de arbitramento, conforme determina o art. 946 do Código Civil. Deve, todavia, o juiz agir com prudência, atentando para as peculiaridades e à repercussão econômica da indenização para as partes, de forma que ela não se converta em fonte de enriquecimento, nem em prejuízo exagerado. A doutrina aponta alguns critérios para arbitramento da reparação por dano moral. No dizer de Antonio Jeová Santos, citado por Silvio Venosa, devemos observar os seguintes critérios: a) não se deve aceitar indenização meramente simbólica; b) deve ser evitado enriquecimento injusto; c) não se deve utilizar qualquer critério de tarifação; d) não deve existir qualquer relação na indenização por dano moral com o dano patrimonial; e) deve ser levada em consideração a gravidade do caso, bem como as características da vítima e do autor; f) casos semelhantes devem servir de parâmetros para as indenizações; g) há de se levar em conta o contexto econômico do País Antes da Constituição de 1988, os tribunais utilizava-se, por analogia, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n.º 4.117/62) e a Lei de Imprensa (Lei n.º 2.250/69), que apontavam parâmetros para a satisfação de danos morais. No primeiro, os valores oscilavam entre 5 a 200 salários mínimos, enquanto que no segundo, de 5 a 100 salários mínimos. A Jurisprudência tem se manifestado, no entanto, tais leis não foram recepcionadas pela Constituição de 1988, no que diz respeito aos dispositivos que tratam das tarifações, razão pela qual não podem mais ser aplicados, nem mesmo utilizados como parâmetros por analogia. Atualmente, a Súmula 281 do STJ assim explica: “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação da Lei de Imprensa”. 4. Dano Estético O dano estético não recebeu disciplina específica no Código Civil, embora a doutrina sustente que sua proteção estaria contida na parte final do art. 949, qual seja, “além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. Trata-se de deformidades físicas que provocam aleijão ou repugnância, ou mesmos marcas, cicatrizes ou outros defeitos estéticos que provoquem desconforto à vítima. Inicialmente, a jurisprudência se firmou no sentido de que o dano estético seria espécie de dano moral, não sendo cabível, portanto, o pedido de indenizações cumuladas por dano estético e moral advindas do mesmo fato. Assim, entende parte da doutrina, como Caio Mário da Silva Pereira, Sílvio de Salvo Venosa e Rui Stoco. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que é admissível a cumulação de dano estético com dano moral, o que se encontra atualmente sumulado pelo Enunciado n.º 387. 5. Dano Coletivo. O dano coletivo está diretamente ligado à tutela dos interesses coletivos, cuja disciplina consta especialmente na Lei da Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor. Assim, haverá dano coletivo sempre que houver ofensa a direitos difusos, individuais homogêneos e coletivos em sentido amplo, sendo, atualmente, possível a indenização por danos morais coletivos. 6. Dano moral à pessoa jurídica Conforme trabalhado anteriormente, o dano moral decorre de uma violação a um direito personalíssimo ou, de forma mais ampla, à dignidade humana. Assim, a principio, não haveria o que se falar em dano moral da pessoa jurídica, na medida em que a dignidade humana é um atributo exclusivo do ser humano. Ocorre que as pessoas jurídicas, apesar de possuírem personalidade a partir de uma criação jurídica, gozam de proteção a alguns direitos personalíssimos, especialmente no que diz respeito à honra. A honra pode ser dividida em dois aspectos: subjetivamente, a honra é o que o sujeito pensa de si mesmo, ou seja, sua auto-estima, seu interior enquanto ser humano; objetivamente, honra é o que as pessoas, a coletividade, pensam sobre o sujeito, ou seja, trata-se da chamada reputação. É inegável, portanto, que a pessoa jurídica possui uma reputação, ou seja, sua imagem diante da sociedade. Corroborando com este entendimento, o Código Civil, em seu art. 52, determina que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber a proteção aos direitos da personalidade. Com efeito, é plenamente possível, em determinados casos, a existência de dano moral às pessoas jurídicas, tratando-se, inclusive, de matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, que em seu enunciado n.º 227 diz que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. VI – O DANO E SUA LIQUIDAÇÃO 1. Indenização em caso de homicídio. Nos termos do art. 948, no caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações, em: I - pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. Na lição de Yuseff Said Cahali, a expressão “luto da família” tem como escopo ressarcir a família da vítima pelas despesas que forem feitas com rituais religiosos, além de sepultura e até mesmo de aquisição de um jazigo perpétuo e ereção de um mausoléu, quando tais exigências estiverem de acordo com os usos adotados pelas pessoas da classe social da vítima e seus costumes. Por outro lado, deve-se atentar também para os danos morais sofridos pela família, de forma a permitir que a indenizaçãotambém sirva como compensação pelo sofrimento dos parentes. Importante destacar que o conceito de “alimentos”, trazido pelo Código, não corresponde aos alimentos civis, tratados no direito de família, cuja verificação leva em conta a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentando. Aqui, importa considerar o prejuízo havido, haja ou não necessidade. Assim, a obrigação de indeniza não se converte em obrigação de alimentos, servindo a remissão a estes como simples ponto de referência para o cálculo da indenização. a) Morte de filho. Há vários anos, o assunto vem sendo objeto de verdadeiro embate jurisprudencial, causando constantes mudanças de entendimento. De toda sorte, a discussão nasceu a partir do entendimento de que um filho menor representa um valor econômico potencial e que os pais teriam sido frustrados da expectativa de que o filho lhes desse amparo econômico e alimentar no futuro. Tal entendimento chegou, inclusive, a ser sumulado pelo STF, no enunciado n.º 491, in verbis: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. Alguns autores, como Sérgio Cavalieri, discordam desse posicionamento, pois entendem que deveriam ser indenizado, apenas, os danos morais, pois os filhos não representariam um valor econômico para os pais. A divergência passou a ser, então, os termos iniciais e finais da indenização, ou seja, a partir de quando o filho deveria ser considerado como um potencial econômico e até quando. Inicialmente, entendeu-se que a indenização deveria ser a partir dos 14 anos de idade, que é quando o filho pode, nos termos da CLT, trabalhar, se estendendo até os 21 anos de idade, tendo em vista a maioridade civil. Após, o entendimento mudou para o sentido de que a pensão deveria ser paga até os 25 anos de idade, até chegar aos 65 anos, expectativa de vida média do brasileiro. Recentemente, o STJ, no julgamento do Resp. 106.327-PR, realizado em fevereiro de 2000, uniformizou a jurisprudência de suas turmas no sentido de que a indenização deve ser integral até os 25 anos de idade e reduzida à metade, até os 65 anos. Já através do Resp. 147.412-DF, o tribunal firmou o entendimento de que a pensão é devida desde que a família seja de baixa renda. Em resumo, a morte de um filho pode gerar as seguintes conseqüências: a) danos patrimoniais e danos morais, se pelas circunstâncias da família, a vítima representa um valor econômico potencial, futuro, eventual, sendo assim razoável e esperada a sua contribuição para os encargos da família; b) danos morais, apenas, se não demonstrado o exposto acima, ou seja, nos casos de família de classe média ou alta. b) Morte de chefe de família. Quando morre o chefe de família, o autor do homicídio deve pagar às pessoas que eram sustentadas pela vítima uma pensão até a idade que o falecido provavelmente viveria. Se a viúva estabelecer nova união estável ou casamento, deve cessar a pensão, conforme entende Carlos Roberto Gonçalves. Do mesmo modo, deve cessar a pensão se os filhos completarem 25 anos de idade, se casarem, ou concluírem curso superior. Os beneficiários são aqueles que tinham dependência econômica. Em relação ao cônjuge e aos filhos menores, a dependência é presumida. Já com relação aos ascendentes, descendentes maiores e irmãos, faz-se necessária a prova da dependência. c) Morte da esposa. No início, havia decisões no sentido de que a morte da esposa que não trabalhava seria fonte de lucro, e não de prejuízo, eis que o ex-marido não teria mais a obrigação de sustentá-la. Posteriormente, surgiu o entendimento de que era cabível a indenização apenas no caso de a esposa trabalhar fora do ambiente doméstico. Até que se chegou ao entendimento de que, mesmo realizando atividades domésticas, era devida a indenização por danos materiais, tendo em vista a perda do marido. Entende-se que a ausência da mulher desorganiza a estrutura familiar e exige um maior esforço econômico. A indenização geralmente é feita com base no valor necessário para se contratar uma empregada doméstica. d) Morte de nascituro. O Código Civil prevê, em seu artigo 2º, a proteção ao nascituro, conforme dispõe: Art. 2º .A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Acerca dos direitos do nascituro, lhes são restringidos os direitos da personalidade, uma vez que o Código Civil Brasileiro adotou a teoria natalista que só reconhece o nascituro como sujeito de direitos e, portanto, detentor de personalidade civil, a partir de seu nascimento. A grande discussão que envolve a concessão de direitos da personalidade ao nascituro, reside no fato de que ainda não é pacífico, nem mesmo para a ciência, o momento inicial, da vida humana. Diante da nebulosidade, o espaço para dúvidas fica aberto. Baseado em perspectivas diversas acerca do momento inicial da vida humana, surgem correntes que expõem opiniões divergentes com relação à condição do nascituro como sujeito de direitos. Apesar de inúmeras discussões, há decisões nos tribunais, reconhecendo o direito à indenização a título de danos materiais e morais, conforme é o julgado a seguir: Responsabilidade civil – Acidente de veículos - Invasão de preferencial - Morte da companheira e nascituro, bem como da avó das menores. Culpa inequívoca do preposto do apelante. Indenizações de ordem material e moral devidas. Legitimidade do companheiro em exigir indenização pela morte de sua companheira, sendo que a renda mensal da vítima-companheira é a constante de sua última indenização. Devida a indenização pela morte do nascituro, a título de dano moral, visto que a morte prematura do feto, em conseqüência do ato ilícito, frustra a possibilidade certa de que a vida humana intra-uterina plenificaria na vida individual. Pensão devida ao feto. Impossibilidade. Há uma expectativa de direito em relação ao nascimento do feto. Personalidade jurídica só inicia-se com o nascimento com vida. Art. 4º do CC. Correta a pensão fixada e destinada ao companheiro e filhas. O limite fixado para a cessação da pensão é de 69 anos, conforme nova orientação jurisprudencial. (TAPR, 3ª C., AC 106.201-3, Rel. Juiz Eugênio Achille Grandinetti, 01.08.1997) Nesse diapasão, é a decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que, por unanimidade, reconheceu, o direito de um nascituro de receber indenização por danos morais. Afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso de André Rodrigues, que "Maior do que a agonia de perder um pai é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo, de nunca ter recebido dele um gesto de carinho, enfim, de ser privado de qualquer lembrança ou contato, por mais remoto que seja, com aquele que lhe proporcionou a vida". Deve-se reconhecer que o nascituro é um sujeito de direitos sim, tal como reconhece a teoria concepcionalista, e como tal, deve ter seus direitos resguardados, inclusive o de ser indenizado por danos morais, tendo em vista o grande prejuízo que, apesar de não ter a consciência atual de que irá sofrer, um dia irá sofrer tais conseqüências. O direito deve interferir nessa situação para proteger o nascituro, principalmente, por que este indivíduo ainda não pode reclamar seus direitos, mas que sofrerá as conseqüências de eventuais danos que podem lhe ocorrer. É uma questão de lógica, uma vez que se o nascituro irá ser atingido por conseqüências jurídicas advindas do mundo exterior, nada mais justo do que ser-lhe concedido uma forma de proteção dessas circunstâncias. O exemplo acima exposto, de André Rodrigues, que faleceu em acidente de carro, demonstra a possibilidade de se resguardar os direitos do nascituro, quando demonstra que aquele que gera a criança, seu pai, ao morrer em algum acidente provocado por uma terceira pessoa, estará ausente em toda a sua vida, o que irá representar uma grande perda na vida da criança que está prestes a nascer. Esse acontecimento, a morte de seu genitor, surtirá uma série de efeitos no futuro, como o de estar impossibilitado de conhecerseu pai, de conhecer a origem de sua formação e usufruir do seu afeto. Os direitos do nascituro estão diretamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista a sua condição de sujeito de direitos que deve prevalecer no entendimento do mundo jurídico, apesar de não ter sido posto em prática até então. São situações como essa, que permitem que se ponha em prática a observância da supremacia do princípio da dignidade humana e da constitucionalização do direto civil que representam um marco na inovação do mundo jurídico. e) Cálculo da indenização. A indenização, sob a forma de pensão, é calculada com base na renda auferida pela vítima, descontando-se sempre 1/3, que corresponde à media de seus gastos pessoais. Se a vítima já ultrapassou a idade de 65 anos, entende-se que deve ser paga a pensão por 5 anos. Inclui-se na indenização o pagamento de 13º salário. 2. Inabilitação da vítima para exercer profissão que antes exercia. Nos termos do art. 949 do Código Civil, “no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. Assim, terá direito a vitima a reparação de todos os gastos com o tratamento, tais como internações, remédios, fisioterapia, aparelhos ortopédicos, etc. Os lucros cessantes perduram enquanto durar o tratamento e o afastamento da vítima. Nos termos do art. 950, “se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”. Percebe-se, que tal dispositivo tratou unicamente da impossibilidade do exercício da profissão ou oficio que a vítima exercia antes do acidente. Não levou em conta a possibilidade de simples redução da capacidade laborativa, com a possibilidade do exercício de outro oficio. No entanto, prevalece o entendimento, especialmente no STJ, no sentido que a indenização pode ser reduzida se a vitima puder, sem sacrifício nem constrangimento, ainda que com menor remuneração, exercer outro oficio. Se isso ocorrer, não seja arrazoado o pensionamento integral. O lesado há de comprovar os rendimentos, para chegar-se à percentagem da depreciação em seu poder laborativo, eis que a obrigação do devedor atém-se ao pagamento de uma proporção ao quantum que deixou de usufruir. Se não lograr demonstrar o valor, devese estipular um percentual sobre o salário mínimo. Se a pessoa não tiver condições de trabalho antes do acidente, não haverá reparação. O STJ já decidiu no sentido de que a indenização previdenciária é diversa e independente da contemplada no direito comum, inclusive porque tem origens distintas: uma sustentada pelo direito acidentário, outra pelo direito comum, podendo ambas serem cumuladas. Assim, por exemplo, se o paciente no gozo de auxilio-acidente ou aposentadoria por invalidez, perceberá as duas indenizações. 3. Pagamento único e constituição de capital para garantir a pensão. De acordo com o art. 950 do CC, em seu parágrafo único, o prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez. Tal dispositivo se refere apenas às dividas já vencidas, não incluindo nelas as de lucro cessantes. FIM DO CONTEÚDO DA PROVA 4. Danos causados por atividades profissionais. Nos termos do art. 951 do Código Civil, o disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. 5. Revisão do dano. É possível que, após o transito em julgado da sentença, o dano venha a sofrer sensível alteração para mais ou para menos. Assim, é possível uma revisão do dano, ou de sua liquidação. Não se leva em consideração o binômio necessidade-capacidade dos alimentos, mas a mudança na situação fática que justificou a indenização. 6. Esbulho e usurpação. Esbulho e usurpação se equivalem, pois através de ambos a posse de alguém é tomada de forma indevida. A diferença é que, enquanto no esbulho isto se dá de forma clandestina ou violenta, na usurpação tal ocorre mediante fraude ou abuso de confiança. Embora o Código Civil fale em esbulho, o dispositivo também é aplicável nos casos de turbação. Em face do art. 952, temos as seguintes conseqüências do esbulho ou da usurpação: a) Restituição da coisa; b) Indenização pelo valor das deteriorações; c) Indenização por lucros cessantes; d) Indenização do equivalente da coisa, se esta não mais existir. No caso de esbulho ou turbação não há boa-fé, razão pela qual, nos termos do art. 1.220 do Código Civil, o possuidor somente será ressarcido pelas benfeitorias necessárias. Não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias. Nos termos do art. 952, parágrafo único, no caso de restituição da coisa perdida, há duas espécies distintas de verbas reparatórias: a) o preço da coisa, que constitui a indenização; b) o da afeição, que corresponde a uma compensação pelo bem perdido ou não restituído. É o que acontece com uma jóia que pertence a um antepassado ilustre, ou com um bem que remonte a uma tradição de vários familiares. 7. Responsabilidade por injúria, calúnia e difamação. Inicialmente, cumpre uma breve distinção entre os tipos penais: a) Injúria – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Não há imputação de fato determinado, mas uma opinião a respeito do ofendido. b) Difamação – Difamar alguém, imputando fato ofensivo a sua reputação. c) Calúnia – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. Nos termos do art. 953 (“a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que dele resulte ofendido”). Há, portanto, a possibilidade de danos tanto materiais como morais. Exemplos: a) Informações sobre a conduta de um dirigente de uma escola; b) Comentários que levam a perda de um emprego. 8. Responsabilidade por ofensa à liberdade. Nos termos do art. 954, constituem atos ofensivos à liberdade pessoal: I – cárcere privado; II – prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III – prisão ilegal. São situações meramente exemplificativas, pois podem existir outras, como, por exemplo, o seqüestro. São casos mais comuns de prisões ilegais: a) aquela sem ordem legal, b) por erro judiciário ou c) condenados que são mantidos na prisão mesmo após o cumprimento da pena. Nestes casos, a indenização é dirigida contra o Estado. Há possibilidade de reparação tanto por danos morais como também materiais, principalmente lucros cessantes. Questão interessante diz respeito à prisão e posterior absolvição. Há erro judiciário quando a decisão afronta expressamente a lei, contrariando de forma teratológica os elementos presentes aos autos, lastra-se em elementos falsos. A simples reforma da decisão não compreende erro judiciário. 9. Responsabilidade pela cobrança de dívida não vencida. De acordo com 939 do Código Civil, “o credor que demandar o devedor antes de vencida a divida, fora dos casos que a lei o permita, ficara obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. É necessário, portanto, a existência de uma dívida, que esta não se encontre vencida, que não exista nenhum amparo legal ou convencional para a antecipação da cobrança. Nesse caso, a culpa do credor é presumida. Como conseqüência, temos: a) aguardo do tempo do vencimento, b) desconto dos juros, ou seja, estes não mais correrão, c) pagamento das custas em dobro. 10. Responsabilidade pela cobrança de dívida já paga. Nos termos do art. 940, temos os seguintes elementos:a) a existência de um crédito em favor de uma pessoa; b) que a dívida já se encontre paga, no todo ou em parte; c) que haja a demanda judicial buscando o recebimento; d) que não se faça ressalva daquilo que se pagou ou se peça mais do que é devido. Como conseqüências, o Código Civil prevê: a) Pagamento em dobro daquilo que pretendeu receber, se a dívida já estiver satisfeita; b) Entrega ao devedor o equivalente daquilo que exigir, se intentar cobrar parte do que já recebera. É necessária a ação judicial, não sendo suficiente o simples protesto de titulo, ou qualquer outra medida extrajudicial. Por outro lado, de acordo com a jurisprudência do STF, é necessário o dolo, ou seja, a má-fé do credor, em demandar dívida já paga. Não é possível a aplicação das sanções em caso de conduta meramente culposa. Nesse sentido é a Súmula 159 do STF. Nesse ponto, importante ressaltar que não devem ser confundidas as hipóteses acima apresentadas com o que dispõe o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, que assim é redigido: “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Por fim, em face do art. 941, as penalidades não se aplicarão no caso de desistência da ação antes da contestação. VII - SUJEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. 1. Sujeito ativo da responsabilidade civil. O direito de exigir a reparação do dano pertence a todos os que efetivamente experimentaram a ofensa, ou seja, aos lesados diretos e indiretos. Assim, caberá a vítima, o direito de pleitear, judicialmente, a reparação, desde que demonstre o nexo de causalidade, o dano e, se for o caso, a culpa do agente. Os incapazes serão representados pelos representantes legais; as pessoas jurídicas serão representadas conforme determina seu ato constitutivo. 2. Sujeito passivo da responsabilidade civil. Em regra, podem estar no pólo ativo da obrigação de indenizar aquele que, por ato próprio, causou o dano. Há, no entanto, hipóteses de responsabilidade pelo fato de outrem, bem como pelo fato ligado a coisas ou animais. Pode estar no pólo ativo qualquer pessoa, natural ou jurídica, de direito público ou privado, nacional ou estrangeira, incluídos os próprios entes políticos, quais sejam, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, além das entidades autárquicas e fundacionais da administração indireta. Se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente, nos termos do art. 942 do Código Civil. Assim, aquele que pagou sozinho o dano pode, após satisfazer o lesado, propor ação de regresso contra os demais agentes. A vítima pode, desta forma, escolher entre um dentre os múltiplos ofensores, e a este não aproveitará a alegação de que sua responsabilidade fora parcial. Responderá integralmente, por todo o dano causado, e depois, um uma ou várias ações regressivas, discutirá, com os coresponsáveis, os graus de responsabilidade. 3. Transmissibilidade do direito de exigir a reparação. Nos termos do art. 943, “o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança. Se a vítima do dano falece no curso da ação indenizatória, seja por dano moral ou material, é irrecusável que o herdeiro sucede o morto no processo, nos termos do Código de Processo Civil. (CPC, Art. 43. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 265) Outra é a situação de a vítima do dano falecer antes de intentar a ação indenizatória. Nesse caso, a pretensão civil se apresenta como direito patrimonial, transmissível aos herdeiros. Noutras palavras, transmite-se o direito de ação, que poderá ser exercido pelos sucessores da vítima, desde que respeitado o prazo prescricional. Em relação à prescrição, é importante ressaltar que o temo a quo, mesmo em se tratando de sucessão do direito de ação aos herdeiros, continuará a ser o evento danoso, não havendo o que se falar em interrupção ou suspensão do prazo prescricional. Tal entendimento vale também para o dano moral, apesar de ter havido, inicialmente, forte resistência quanto à possibilidade de os herdeiros demandarem o autor do dano caso a vítima houvesse falecido antes de exercer tal direito. O dano moral, por compreender o sofrimento e a ofensa a integridade moral, não era entendido como algo possível de ser transmitido a terceiros. Todavia, o posicionamento, especialmente no âmbito do STJ, evoluiu no sentido de que o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima. De toda sorte, é importante destacar que o herdeiro não sucede por sofrimento da vítima. O que é transmissível é o direito de ação, que possui cunho patrimonial. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores. 4. Transmissibilidade do dever de reparar o dano. De acordo com o art. 5.º, XLV, da CR, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Isto não ocorre na esfera cível, onde é possível que os sucessores do autor do dano sejam chamados a responder por ele mesmo que a ação não tenha sido, antes, proposta contra o original causador do prejuízo. Os herdeiros podem ser diretamente acionados, desde que o patrimônio, por eles recebido, seja bastante para responder pelo dano. Se, porventura, o dano for superior ao patrimônio deixado, os lesados só poderão executar até o limite do valor do patrimônio transferido. VIII – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. 1. Pressupostos teóricos da responsabilidade objetiva. A responsabilidade civil se estruturou, inicialmente, fundada na idéia de culpa, sendo esta elemento do ato ilícito. No entanto, em face da revolução industrial, do progresso científico e da explosão demográfica, a sociedade passou a enfrentar situações que a responsabilidade baseada na culpa se mostrava insuficiente. Foi no campo dos acidentes de trabalho que a noção de culpa, como fundamento da responsabilidade, revelou-se primeiramente insuficiente, em face do grande número de acidentes ocasionados pela produção mecanizada. Além dos acidentes de trabalho, os transportes em massa, como o ferroviário, também constituíram em fator impulsionador da teoria do risco. Inicialmente, existiu uma fase intermediária, baseada na culpa presumida, na qual havia a inversão do ônus da prova. Até que se chegou à Teoria do Risco, de origem francesa, que defende que todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de culpa, desde que a atividade seja de risco, ou seja, desde que imponha um perigo – probabilidade de dano. Enquanto que a culpa é vinculada ao homem, o risco é inerente ao serviço, à atividade ou à coisa em poder do homem. 2. Modalidades de risco. a) Risco-proveito. Responsável é aquele que tira proveito ou vantagem da atividade danosa. Sérgio Cavalieri critica essa teoria, pois caberia a vítima provar o proveito, o que aproximaria importaria o retorno à responsabilidade subjetiva. b) Risco profissional. O dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado. Foi desenvolvida para justificar a responsabilidade objetiva no âmbito das relações de trabalho. c) Risco criado. Aquele que, em sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo. Diferentemente do risco proveito, este não precisa ser demonstrado. O que importa é a atividade em si. d) Risco integral Trata-se de modalidade extremada, pois defende que o dever de indenizar se faz presente desde que exista dano, ainda que nos casos de exclusão do nexo de causalidade. Essa teoria é adotada em casos excepcionais, como o dano ambiental. 3. Responsabilidade objetiva e ato ilícito. Segundo Sérgio Cavalieri,a responsabilidade objetiva também tem como fundamento a violação de um dever jurídico, qual seja, o dever de segurança, que se contrapõe ao risco. 4. Incidência da responsabilidade objetiva. Embora ela seja aplicável em casos excepcionais, após o advento do Código de Defesa do Consumidor, que tratou das relações de consumo como hipótese de responsabilidade objetiva, pode-se afirmar que a responsabilidade objetiva, que antes era exceção, passou a ter um campo de incidência mais vasto que a própria responsabilidade subjetiva. 5. Hipóteses de aplicação da responsabilidade objetiva no Direito Brasileiro. a) Responsabilidade das estradas de ferro - o Decreto 2.681, de sete de setembro de 1912, foi o primeiro diploma legal a admitir a responsabilidade fundada na teoria do risco. b) Acidente de trabalho – Há duas indenizações decorrentes de acidente de trabalho, autônomas e cumuláveis. A acidentária, fundada no risco integral, coberta por seguro social e que deve ser exigida pelo INSS e a civil, nos casos de dolo ou culpa do empregador. Assim, o seguro de trabalho somente afasta a responsabilidade do empregador em relação aos acidentes de trabalho que ocorrerem sem qualquer parcela de culpa. Nos termos a Súmula 229 do STF, a indenização acidentária não exclui a do Direito Comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador. c) Seguro obrigatório – DPVAT - Trata-se de seguro social, no qual o segurado é indeterminado, só se tornando conhecido quando da ocorrência do sinistro, ou seja, quando assumir a posição de vítima do acidente automobilístico. Assim, o proprietário do automóvel, que paga o seguro, não é o seguro, mas o estipulante do seguro em favor de um terceiro indeterminado. A lei n.º 8.441/92 estabelece que haverá o pagamento do seguro mesmo que o veículo esteja com o seguro não realizado ou vencido e ainda que tenha havido culpa exclusiva da vítima. É, portanto, situação de responsabilidade objetiva. d) Responsabilidade civil do Estado – Desde a Constituição de 1946, há a previsão expressa acerca da responsabilidade objetiva do Estado. Atualmente, nos termos do art. 37, § 6.º, da Constituição da República, ou seja, determinado. e) Danos ao meio ambiente – Aplicação da teoria do risco integral e previsão expressa na Constituição Federal (art. 225) e na Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). f) Relações de consumo – Responsabilidade pelo fato do serviço, nos termos do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/91. 6. Responsabilidade objetiva no Código Civil. O art. 927, parágrafo único, nos traz a cláusula geral da responsabilidade objetiva, ao determinar que “haverá indenização, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Surge então a questão: o que é atividade normalmente desenvolvida? Conforme o Enunciado n.º 38, da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal: “A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do art. 927 do CC, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”. IX – RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DE OUTREM 1. Responsabilidade pelo fato de outrem e infração ao dever de vigilância. A regra em sede de responsabilidade civil é que cada um responda por seus próprios atos, exclusivamente pelo que fez. Excepcionalmente, nas hipóteses do art. 932 do Código Civil, uma pessoa pode vir a responder pelo fato de outrem. Teremos, pois, a responsabilidade indireta, ou responsabilidade pelo fato de outrem. Na verdade, trata-se de responsabilidade por fato próprio omissivo, porquanto as pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para o dano por falta de cuidado ou vigilância. Assim, a responsabilidade pelo fato de outrem constitui-se na infração do dever de vigilância. 2. Hipóteses de responsabilidade pelo fato de outrem. Nos termos do art. 932, do Código Civil, são também responsáveis pela reparação civil: i) os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; ii) o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; iii) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; iv) os donos dos hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; v) os que gratuitamente houverem participado do produto do crime, até a concorrente quantia. 3. Responsabilidade objetiva. Por outro lado, nos termos do art. 933, as pessoas indicadas no artigo anterior responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos independentemente de culpa. Antes do CC de 2002, a responsabilidade era subjetiva, baseada nas culpas in vigilando e in eligendo. Atualmente, a matéria é tratada como hipótese de responsabilidade objetiva, o que é bastante criticado pela doutrina, tendo em vista o tamanho do ônus suportado por algumas pessoas. É preciso, no entanto, que seja imputável ao terceiro o fato a título de culpa. É preciso, pois, a prova de que, em tese, em condições normais, se configure a culpa do filho menor, do pupilo, do curatelado, etc. Embora seja caso de responsabilidade objetiva, se ao menos em tese o fato não puder ser imputado ao agente a título de culpa, os responsáveis não terão que indenizar. Essa verificação é feita em tese, não se levando em conta a imputabilidade do agente. 4. Responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores. a) Autoridade e companhia. É preciso que o menor esteja sob a autoridade e companhia dos pais, ou seja, sob o mesmo teto, de modo a possibilitar o poder de direção dos pais sobre o menor e a sua eficiente vigilância. b) Limite humanitário. Nos termos do art. 928 do Código Civil, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Neste caso, nos termos do parágrafo único, a indenização deverá ser eqüitativa, não tendo lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. Essa regra, no entanto, tem sido aplicável também em relação aos pais. Assim, estes também são beneficiados com o limite humanitário do dever de indenizar, de modo quea passagem ao patrimônio do incapaz se dará quando esgotados todos os recursos do responsável, mas quando reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade. c) Exclusão da responsabilidade dos pais. O simples afastamento do filho da casa dos pais não elide a responsabilidade. Para que um dos pais não seja responsabilizado, é preciso que não exerça nenhum tipo de influência sobre o incapaz. Repousa a responsabilidade na pessoa que exerce a guarda e vigilância. Segundo Arnaldo Rizzardo, há situações em que os pais são vítimas dos filhos, e não estes do abandono daqueles. È comum a existência de filhos insubordinados, que não convivem com os pais. Assim, os termos “autoridade” e “companhia” devem ser entendidos como os casos que os pais exercem influência, autoridade, com obediência, não sendo o caso de desvio de caráter ou de conduta. Se a emancipação for convencional (art. 5.º, parágrafo único, inciso I), os pais não se afastam da responsabilidade, sendo solidariamente responsáveis. Se esta for legal, estão os pais isentos de responsabilidade. 5. Responsabilidade dos tutores e curadores. Tutor é o representante legal do menor cujos pais faleceram, foram declarados ausentes ou decaíram no poder familiar, enquanto que curador representa o maior incapaz. Em termos gerais, são aplicáveis as mesmas regras da responsabilidade dos pais. Parte da doutrina defende que a responsabilidade deveria ser amenizada, eis que os tutores e curadores exercem uma atividademuitas vezes sem remuneração, compreendida como múnus publicum, como é o caso de Arnaldo Rizzardo. 6. Responsabilidade do empregador e do comitente. a) Evolução na legislação e na jurisprudência Partiu-se da culpa in eligendo, com o quê se queria dizer que o patrão tinha que responder pelos atos dos empregado porque o havia escolhido mal. A seguir, passou-se para a presunção relativa de culpa, e evolui-se para a presunção absoluta. Era este, inclusive, o sentido da antiga Súmula 341 do STF: É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto. Atualmente, nos termos do art. 933, a responsabilidade é objetiva. b) Teoria da substituição. De acordo com essa teoria, que tenta explicar a responsabilidade dos empregadores e dos prepostos, ao recorrer aos serviços do preposto e do empregado, aqueles estão prolongando a sua atividade. O empregado é assim apenas o instrumento, uma longa manus do patrão, alguém que o substitui no exercício das múltiplas funções empresariais, por lhe ser impossível desincumbir-se pessoalmente delas. Por essas razoes, o CC/2002 optou pela responsabilidade objetiva, que tem por fundamento o dever de segurança do empregado ou preponente em relação àqueles que lhe prestam serviços. c) Noção de preposição. Preposto é aquele que presta serviço ou realiza alguma atividade por conta e sob a direção de outrem, podendo esta atividade materializar-se numa função duradoura (permanente) ou num ato isolado (transitório). O que é essencial para caracterizar a noção de preposição é que o serviço seja executado sob a direção de outrem; que a atividade seja realizada no seu interesse, ainda que, em termos estritos, essa relação não resultasse perfeitamente caracterizada. d) Exoneração da responsabilidade. O empregado ou comitente somente será exonerado da responsabilidade se conseguir provar caso fortuito ou força maior, ou que o ato danoso é absolutamente estranho a serviço ou atividade, praticado fora do exercício das atribuições do empregado ou do preposto. 7. Responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, hotéis e similares. a) Danos causados pelos empregados aos hóspedes e educandos. Uma vez que tais sujeitos são fornecedores de serviços, aplica-se o CDC, sendo, pois, caso de responsabilidade objetiva. b) Danos a terceiros praticados pelos hóspedes e educandos. Neste caso, o preceito é restrito ao período em que estiverem sob a vigilância do hospedeiro, compreendendo apenas o que ocorre no interior do estabelecimento ou em seus domínios. 8. Responsabilidade pela participação no produto do crime. O dispositivo não se refere aos casos de co-autoria, pois, neles, aplica-se o art. 942 do CC, ou seja, a responsabilidade todos é solidária. Assim, o dispositivo é aplicado àqueles que tenham participado gratuitamente do produto do crime. A lei fala em produto do crime, e não em proveito do crime. Assim, se os bens furtados, por exemplo, se encontram com a mulher do ladrão, poderão ser recuperadas. Não poderá, no entanto, ser acionada pelo fato de terem sido sustentadas pelo proveito do crime. 9. Responsabilidade das locadoras de veículos. A utilização de automóvel alugado se faz não só no interesse do locatário, que diretamente dele se serve, mas também no interesse do locador, que percebe a respectiva retribuição. O atropelamento de alguém causado por um veículo alugado pode ser considerado como um acidente de consumo; e a vítima, em tal caso, é consumidor por equiparação – o que faz com que a empresa locadora do veículo responda pelo fato do serviço independentemente de culpa. Por tudo isso, o STF editou a sua súmula de n.º 492: “a empresa locadora de veículos responde civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiros, no uso do carro locado. Importante frisar que o mesmo raciocínio é utilizado no caso de empréstimos de veículos. A pessoa a quem o proprietário do veículo autoriza a dirigir, ainda para prestar serviço a terceiro, se acha em situação de preposição, a acarretar a responsabilidade do preponente pelos danos que vier a causas, de acordo com consolidada jurisprudência do STJ a seu respeito. X – RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DA COISA 1. Introdução. A coisa se faz de instrumento de um dano por falta de vigilância de seu guardião. Só se deve falar em responsabilidade pelo fato da coisa quando ela dá causa ao evento sem a conduta direta do dono ou de seu preposto. Não há responsabilidade pelo fato da coisa quando, por exemplo, a vítima é atropelada quando o proprietário estava dirigindo seu automóvel. Sérgio Cavalieri prefere falar em responsabilidade pela guarda da coisa, eis que o fato da coisa nada mais é do que a imperfeição da ação do homem sobre a coisa. Um dos pressupostos da responsabilidade civil, como sabemos, é a conduta humana, estando esta presente justamente no dever de guarda sobre a coisa. 2. A noção de guarda. Considera-se guardião aquele que tem relação com a coisa, isto é, quem tem um certo poder sobre ela. É aquele que tem a direção intelectual da coisa, que se define como o poder de dar ordens, poder de comando, esteja ou não em contato material com ela. Em regra, é o proprietário o guardião da coisa, cabendo a ele o poder de direção. Todavia, trata-se de presunção relativa, que pode ser elidida mediante prova de que houve a transferência da guarda para uma terceira pessoa. 3. Responsabilidade por fatos de animais. A responsabilidade pode recair tanto sobre o proprietário como sobre o detentor. Assim, importa verificar qual a pessoa que tem sobre ele o poder de direção. Até o Código de 1916, era caso de responsabilidade subjetiva, embora tivéssemos uma espécie de culpa presumida. O Código de 2002, em seu art. 936, não mais admite a possibilidade de se afastar a responsabilidade alegando que o guardião teve todo o cuidado possível com o animal. Assim, atualmente, a responsabilidade é objetiva. É preciso que o responsável tenha a guarda do animal, o que não ocorre com relação aos animais silvestres enquanto em seu estado natural. Não é o que acontece, por exemplo, com um leão que pertence a um circo. Um amestrador de cães, em seu trabalho, detém a guarda do animal. Assim, a responsabilidade deve ser daquele que, no momento do evento danoso, detinha o poder de comando sobre a coisa. Se o dano advier de animais na pista, entende-se que o Poder Público pode também ser responsabilizado, nos termos do Código Brasileiro de Trânsito. Segundo o STF, no entanto, havia placas de trânsito informando a presença de animais na pista, não poderá haver responsabilização do Estado. 4. Responsabilidade civil pela ruína de edifício ou construção. Trata-se de hipótese regulamentada pelo art. 937 do Código Civil. A ruína do prédio pode causar dano para o proprietário do edifício, para seu ocupante (locatário, comodatário, posseiro) e, ainda, para terceiros (vizinhos e transeuntes). No caso do proprietário, a indenização não poderá ser pleiteada com base em tal dispositivo. Se for o caso, poderá o proprietário promover a ação contra a empreiteira, especialmente se for relação de consumo. Ao proprietário cabe a obrigação de manter o imóvel ao par dos progressos realizados em matéria de construção. Assim, ele responde solidariamente com o empreiteiro pelos danos que a demolição do prédio cause a imóvel vizinho. Neste sentido é a jurisprudência do STJ. O código civil é expresso ao responsabilizar diretamente o proprietário. Assim, este, após pagar a indenização, pode, se quiser, promover a ação regressiva contra o culpado, que seja o empreiteiro da construção, que seja o inquilino que não procedeu aos reparos. O máximo que a jurisprudência vem admitindo é a condenação solidária do empreiteiro ou construtor, se ingressou no processo como litisconsorte. Nos termos do art. 937, a responsabilidade é objetiva, coerente com a teoria da guarda, que só poderá ser excluída por uma das causas de exclusão do próprio nexo causal. 5. Responsabilidade por coisas caídas do prédio. A matéria é disciplinadanos termos do art. 938 do Código Civil. Cumpre destacar que não se trata de parte do prédio que desaba ou desmorona, mas sim de coisas que dele caem ou são lançadas em lugar indevido; coisas que não são parte do prédio, que não integram a construção. Aquele que habita o prédio é o guardião das coisas que o guarnecem, não importando a que título de habitação (proprietário, possuidor, locatário, comodatário, etc.); a responsabilidade será do morador. Por vezes, é impossível identificar quem foi o habitante que lançou o objeto. Nesses casos, o condomínio pode ser acionado pela vítima. É, pois, hipótese de causalidade alternativa, identificada como aquela na qual, embora não seja possível identificar o verdadeiro agente, é possível identificar um grupo de agentes em potencial. O máximo que se pode admitir é a exclusão dos moradores da ala oposta àquela em que o fato ocorreu, como vem admitindo a jurisprudência. A Quarta Turma do STJ, ao abordar o tema, através do RE 64.682-RJ, destacou a tendência atual da responsabilidade civil de se preocupar, prioritariamente, com a vítima, que não pode ficar sem reparação. 3. Demais situações não tratadas explicitamente pelo Código Civil. Tendo em vista que as situações tratadas pelo Código Civil correspondem a hipóteses de responsabilidade objetiva, a doutrina entende que todos os demais casos de responsabilidade pelo fato da coisa também seriam hipóteses de responsabilidade sem culpa. Sérgio Cavalieri Filho aponta alguns exemplos de aplicação da responsabilidade objetiva pelo fato da coisa: a) acidente em escada rolante; b) acidente em elevador; c) acidente imobiliário, etc; De toda forma, deve-se levar em conta a incidência do Código de Defesa do Consumidor. 4. Casos especiais enfrentados pela jurisprudência. a) Responsabilidade do proprietário no caso de furto ou roubo de veículo. Para Aguiar Dias, a obrigação de guarda permanece a cargo do proprietário porque não é possível reconhecer ao ladrão a guarda jurídica, vez que esta deriva do direito de direção. Segundo a jurisprudência, no entanto, entende que o proprietário de veículo furtado é responsável pelos danos causados pelo gatuno quando demonstrado que negligenciou no dever de guarda e vigilância do automóvel. b) Veículo emprestado. De acordo com Jurisprudência do STJ, há responsabilidade solidária entre o proprietário do veículo emprestado e aquele que o dirigia no momento do acidente, por força de uma presunção de culpa do primeiro. c) Responsabilidade das empresas de leasing. Segundo jurisprudência do STJ e do STF, a arrendadora não é responsável pelos danos causados pelo arrendatário, não sendo aplicável a súmula 492 do STF, que trata da responsabilidade das locadoras de veículos. Tal raciocínio é perfeitamente aplicável para os casos de alienação fiduciária em garantia. d) Veículo alienado, mas não transferido no DETRAN. A propriedade da coisa móvel não se transfere com o registro no DETRAN, mas com a tradição. Assim, nos termos da Súmula 132 do STJ, “a ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante do acidente que envolva veículo alienado. e) Danos causados por suicidas. Na medida em que o art. 938 fala em “coisas”, a situação estaria sem solução à luz do Código Civil. Pode, portanto, o proprietário do apartamento alegar fato exclusivo de terceiro e se isentar de responsabilidade. XI – RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL 1) Origem histórica e conceito. A justificativa para o surgimento da responsabilidade contratual é semelhante à da responsabilidade aquiliana objetiva, qual seja, o a grande quantidade de acidentes verificados pela sociedade após a Revolução Industrial. Assim, em busca de uma situação jurídica mais favorável para as vítimas, que não aquela de terem que provar a culpa, a responsabilidade contratual parte da idéia de que já existe um vínculo jurídico preestabelecido entre as partes. A responsabilidade civil pode originar-se, portanto, tanto da violação de um dever legal como, ainda, do descumprimento de um dever assumido em contrato. Desta forma, a responsabilidade contratual pode ser definida como aquela decorrente da infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contratantes, por isso decorrente de uma relação obrigacional previamente existente. 2) Responsabilidade contratual e extracontratual. Alguns doutrinadores sustentam que a responsabilidade civil deve ser estudada sob um plano único, de modo que as responsabilidades contratual e aquiliana se equivaleriam. A justificativa para a unificação estaria no fato de que ambas as modalidades de responsabilidades possuem fundamento na idéia de culpa, cuja essência é a mesma tanto na infração contratual como na delitual. De fato, o próprio Código de Defesa do Consumidor, seguindo esta linha, equiparou a consumidor todas as vítimas do acidente de consumo, submetendo a responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitário, tendo em vista que o fundamento dessa responsabilidade é a violação do dever de segurança, que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente de consumo, justiçando o dever de reparar. Por outro lado, nosso Código Civil, apesar de tratar das duas responsabilidades em partes distintas, apresenta dispositivos de responsabilidade contratual que são perfeitamente aplicáveis à responsabilidade civil, como o conceito de causa (art. 403) e o de dano emergente e de lucro cessante (art. 402). De toda sorte, algumas diferenciações precisam ser ponderadas. Na responsabilidade contratual, o dever jurídico violado pelo devedor tem por fonte a própria vontade dos indivíduos. São eles que criam, para si, voluntariamente, certos deveres jurídicos. A responsabilidade extracontratual, por sua vez, importa violação de um dever estabelecido na lei, ou na ordem jurídica, como, por exemplo, o dever geral de não causar dano a ninguém. Assim, na responsabilidade contratual, antes de emergir a obrigação de indenizar, já existe uma relação jurídica previamente estabelecida pelas partes. Isso não existe na responsabilidade aquiliana, na qual inexiste liame jurídico anterior. É o fato danoso que estabelece este laço. 3) Pressupostos da responsabilidade contratual. a) Existência de um contrato válido. Para que haja responsabilidade contratual é indispensável, em primeiro lugar, a existência de um contrato válido entre o devedor e o credor. É a norma convencional que define o comportamento a que os contraentes estão adstritos e impõe-lhes a observância de deveres específicos. O contrato, todavia, não produzirá efeitos se for nulo, isto é, se padecer de algum vício de origem a afetar-lhe a validade, tal como a incapacidade absoluta de uma das partes, a ilicitude do objeto ou a ausência de forma definida em lei quando exigível. Nesse caso, eventuais prejuízos seriam resolvidos com base na responsabilidade civil aquiliana, e não na responsabilidade contratual. b) Inexecução do contrato. Para que ocorra o chamado ilícito contratual, é necessário que ocorra a inexecução do contrato, que poderá ser absoluta ou relativa. Temos, pois, os fenômenos do inadimplemento e da mora, indispensáveis para a verificação da responsabilidade civil contratual. Se um contrato é fonte de obrigações, a sua inexecução também o é. Quando ocorre a inexecução, não é a obrigação contratual que movimenta o mundo da responsabilidade. É estabelecida uma nova obrigação, que se substitui à obrigação preexistente no todo ou em parte: a obrigação de reparar o prejuízo conseqüente à inexecução da obrigação assumida. Nos termos do art. 389, “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária”. Esse artigo refere-se tanto à mora (inadimplemento relativo) quanto ao inadimplemento absoluto. c) Culpa A responsabilidade contratual funda-se na culpa. Não haverá dever de reparar se não houver culpa. Assim, nos termos do art. 392 do Código Civil, “nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratantea quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça; nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei”. Assim, nos contratos unilaterais ou benéficos, onde o peso das obrigações está de um lado só, somente por dolo, ou seja, pela intenção de prejudicar é que responderá a parte. Já nos contratos onerosos, responderá a parte apenas se agir culposamente, embora não exista nenhuma diferença quanto à intensidade de sua culpa. Conforme aponta a doutrina, a culpa na responsabilidade contratual é presumida do inadimplemento, não cabendo ao credor prová-la. Isto compete ao devedor. O credor deve comprovar apenas a existência do contrato e o seu descumprimento total ou parcial. d) Dano e nexo causal. Os demais pressupostos da responsabilidade civil contratual são os mesmos da responsabilidade aquiliana: o dano e a relação de causalidade entre este e o inadimplemento. Neste ponto, é interessante destacar que cabe ao artigo 403 o conceito de causa, dispositivo que é aplicável a toda a responsabilidade civil, de modo que grande parte da doutrina entende que nosso Código adotou a teoria da causalidade direta e imediata, a despeito da existência das tradicionais teorias da causalidade adequada e da causalidade necessária. Por outro lado, cumpre destacar que também na responsabilidade contratual o caso fortuito e a força maior excluem o nexo causal e, por via de conseqüência, isentam o devedor da responsabilidade pelo não cumprimento da obrigação. Nesse caso, ocorre a resolução do contrato, voltando as partes ao estado anterior. Tudo isso com esteio no art. 393 do Código Civil, que determina que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes no caso fortuito e na força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. 4) Inadimplemento relativo: mora e inadimplemento positivo. Nos termos do art. 394, “considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”. Para Sérgio Cavalieri Filho, há mora quando, muito embora não cumprida a obrigação no tempo ou na forma convencionados, subsiste ainda a possibilidade de cumprimento, isto é, o devedor ainda pode cumprir a obrigação, com proveito para o credor. Já Silvio Venosa entende que há mora quando ainda é útil para o devedor o cumprimento da obrigação. O mencionado autor prefere o critério da utilidade ao da possibilidade em face do que determina o art. 395, parágrafo único: “se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”. Entendemos que têm razão os dois autores, devendo as duas posições serem conciliadas. Na verdade, não basta que a obrigação seja possível; é necessário, além disso, que ainda haja alguma utilidade para o credor no cumprimento da obrigação. A mora pode ser do credor ou do devedor. A primeira é chamada de mora accipiendi ou creditoris, e caracteriza pela injusta recusa de aceitar o adimplemento da obrigação no tempo, lugar e forma devidos. Já a mora do devedor, também chamada de mora solvendi ou debitoris, configura-se quando, por fato ou omissão imputável ao devedor, a obrigação não é cumprida na forma, tempo e lugar estipulados, persistindo, todavia a possibilidade e utilidade da prestação pelo devedor. Por outro lado, a mora pode ser ex re, quando houver estipulação do termo certo para o cumprimento da obrigação. Neste caso, não é necessária a notificação no devedor, pois a simples verificação do termo já é suficiente para que aquele esteja em mora. Assim, nos termos do art. 397 do Código Civil: “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”. Pode ainda existir a mora ex persona, quando não há termo preestabelecido. Neste caso, é indispensável a notificação do credor para constituí-lo em mora. Tudo isto, conforme determina o art. 397, parágrafo único, do Código Civil: “não havendo temo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial”. Ressalte-se, inclusive, que um dos efeitos da citação válida, nos termos do art. 219 do Código Civil, é justamente constituir o devedor em mora. Chama-se purgação da mora o ato através do qual a parte que nela incorreu retira-lhe os efeitos, podendo ser realizada tanto pelo credor quanto pelo devedor. Gera efeitos ex nunc, ou seja, para o futuro. A partir da purgação não fica mais o agente sujeito ao ônus da mora, mas continuará a responder pelas cominações pretéritas, tais como juros e correção monetária até a efetiva purgação. Além da mora, a doutrina mais moderna, seguida pela Jurisprudência, vem adotando outra espécie de inadimplemento relativo, chamada de Inadimplemento Positivo. Trata-se da inobservância dos princípios da probidade e da boa-fé, expressamente previstos no Código Civil como de obediência obrigatória pelas partes no âmbito de uma relação contratual. 5) Inadimplemento absoluto. Haverá o inadimplemento absoluto quando não for mais possível o cumprimento da obrigação ou quando, embora possível, não houver mais utilidade para o credor. Nesse caso, resolve-se a obrigação, devendo o devedor indenizar o credor pelas perdas e danos, além dos honorários do advogado, nos termos do art. 389 do Código Civil. 6) Cláusula penal. É por natureza, obrigação acessória, porque sua existência depende de outra obrigação, em função da qual é estipulada. De ordinário, é pactuada no corpo mesmo do contrato, como uma de suas cláusulas. Nada impede, porém, que seja convencionada em documento à parte, desde que faça referência ao contrato ao qual diz respeito. A cláusula penal visa a evitar o inadimplemento da obrigação principal, ou o retardamento de seu cumprimento. Há duas espécies de cláusula penal: Compensatória – é estipulada para o caso de total inadimplemento da obrigação. Por essa razão é de valor elevado, igual ou quase igual ao da obrigação principal; Moratória – visa a assegurar o cumprimento de outra cláusula ou para evitar o retardamento (mora). A Cláusula Penal tem, portanto, dupla função: a) meio de coerção para compelir o devedor a cumprir a obrigação e, assim, não ter de pagá-la; b) prefixação das perdas e danos (ressarcimentos) devidos em razão do inadimplemento ou da mora do contrato. As partes fixam, de antemão, quantia que deverá ser paga a título de ressarcimento, caso ocorra o descumprimento total ou parcial da obrigação. Dessa forma, basta o credor provar o inadimplemento, ficando dispensado da prova do prejuízo, para que tenha direito a multa. É, pois, a única exceção ao princípio da essencialidade do dano, eis que podemos ter responsabilidade civil sem que, necessariamente, exista um dano. É o que determina o art. 416 do Código Civil. Nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, ainda que o prejuízo exceda ao previsto na clausula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver feito, porém, valerá o valor prefixado como mínimo. Na verdade, o credor tem a faculdade de executar a cláusula penal ou de optar pelas perdas e danos, situação esta na qual terá que demonstrar todos os danos, nos termos do art. 403 do Código Civil. Poderá, todavia, ser integral o ressarcimento. O limite da cláusula penal é o valor da obrigação principal, eis que se trata de obrigação acessória, conforme determina o art. 412. Há outras limitações, como a prevista no Código de Defesa do Consumidor, que fixa em 2% o valor da cláusula penal moratória estipulada em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor. 7) Responsabilidade pré e pós-contratual. Há nos contratos uma fase que tem sido chamada de pré-contratual, em que as partes iniciam os contratos, fazem propostas e contrapropostas – enfim, as tradicionais tratativas destinadas a reflexões e ponderações. Nessa fase, dependendo do avanço das negociações, surge entre as partes uma relação de confiança,que faz surgir uma legitima expectativa que leva, muitas vezes, a despesas com orçamentos, projetos, prospectos, etc. Trata-se de uma relação próxima da contratual, ainda não contratual, mas contatual, no dizer de Sérgio Cavalieri. Importante ressaltar que não se trata de responsabilidade relativa aos chamados contratos preliminares ou pré-contratos, pois nestes há de fato uma relação contratual, cujo objeto consiste numa obrigação de fazer cujo cumprimento resultará na confecção de um contrato definitivo. Na fase pré-contratual os contatos já se iniciaram, mas os contratos ainda não. O rompimento leviano e desleal das tratativas pode ensejar a obrigação de indenizar, não por inadimplemento, pois não há contrato, mas pela quebra da confiança, pelo descumprimento dos deveres de lealdade, de transparência e de cooperação, que regem todos os atos negociais. É o que se chamada responsabilidade pré-contratual ou prénegocial. Embora o art. 422 do Código Civil determine que a boa-fé deve ser observada na conclusão e na execução do contrato, a doutrina e a jurisprudência firmaram entendimento de que esse dispositivo se aplica também às fases pré e pós negocial. Para que este tipo de responsabilidade seja configurado, são necessários os seguintes requisitos: a) inexistência de um justo motivo para ruptura; b) criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato para a parte prejudicada pela interrupção. Se a parte se conduz durante as negociações preliminares de tal maneira convincente que incuta da mente da outra a certeza da realização do contrato, e depois se arrepende, isto traduz abuso de direito, gerando o dever de indenizar. Como exemplo, podemos citar a minuta, em duas vias, com todos os dados preenchidos, com vias assinadas por testemunhas, sendo que uma delas é o próprio advogado da parte que encaminhou o documento. Depois de terminado o contrato, ainda devem as partes manter o dever de lealdade e boa-fé, cuja infração gera a chamada responsabilidade pós-negocial. Sérgio Cavalieri Filho traz o caso de uma construtora que lançou um empreendimento com vista para uma determinada paisagem e, posteriormente, lançou um novo, em frente àquele. 8) Cláusula de não indenizar As partes podem, através de clausula expressa, acessória, que afasta as normais conseqüências da inexecução. Trata-se da chamada clausula de não indenizar, cuja aplicação é restrita à responsabilidade contratual. Pode-se, por exemplo, eximir ou atenuar os riscos da evicção ou da indenização, estipulando que o devedor só responda por culpa grave. Não se trata, todavia, de instituto a ser utilizado livremente pelas partes. Primeiramente, não pode ela tolerar o dolo ou a culpa grave, pois isto seria assegurar a impunidade às ações danosas de maior gravidade, o que contradiz com a idéia de ordem publica. Como exemplo, podemos citar a cláusula contratual que afasta a responsabilidade do banco pelo pagamento de cheques grosseiramente falsificados. Por outro lado, não se pode afastar ou transferir obrigações essenciais do contratante. Assim, só é possível a cláusula quando seu objeto tiver obrigações a título secundário, isto é, aquelas cujo afastamento não desfigura o próprio contrato. O exemplo mais comum na jurisprudência é a clausula que afasta a responsabilidade dos bancos, nos contratos de aluguel de cofre bancário, em casos de furtos e roubos. Nesse caso, transfere-se para o cliente o prejuízo da hipótese em que o sistema de vigilância do banco não vem a funcionar, embora o cliente pague ao banco pela segurança que por ele é vendida. Existem, ainda, algumas vedações legais, como a referente ao contrato de transporte (Lei das Estradas de Ferro) e vários dispositivos presentes no Código de Defesa do Consumidor. XII – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 1) Definição. Segundo Maria Sylvia di Pietro “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.” Para Hely Lopes Meirelles “responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e da legal”. 2) Evolução doutrinária da responsabilidade civil da Administração Pública. a) Teoria da irresponsabilidade Essa teoria foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na idéia de soberania: o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the king can do no wrong; le roi ne peut mal faire) e o de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei”. Nessa fase, qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significava colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito à sua soberania. Essa teoria logo começou a ser abandonada por sua evidente injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações. Os Estados Unidos e a Inglaterra abandonaram a teoria da irresponsabilidade, por meio do Federal Tort Claim Act, de 1946, e Crown Proceeding Act, de 1947, respectivamente. b) Teorias civilistas A tese da irresponsabilidade do Estado foi superada no século XIX. Porém, ao admitirse, inicialmente, a responsabilidade do Estado, adotavam-se os princípios do direito civil, apoiados na idéia de culpa; daí falar-se em teoria civilista da culpa. Inicialmente, entendia-se que o Estado era representado pelos seus agentes. Assim, somente poderia responder se fosse possível identificar o agente causador do dano. Esta fase é chamada por alguns autores como culpa administrativa. Esse raciocínio foi mitigado pela chamada teoria do órgão, que derruba a idéia de bipartição entre agentes e Estado. A relação entre a vontade e a ação do Estado e de seus agentes corresponde a uma relação de imputação direta dos atos e dos agentes ao Estado. A teoria do órgão permitiu o surgimento da teoria da culpa anônima ou da falta administrativa, através da qual se busca a falta no serviço público, e não o ato causado por um agente em específico. Distinguia-se, de um lado, a culpa individual do funcionário, pela qual ele mesmo respondia, e, de outro, a culpa anônima do serviço público; nesse caso, o funcionário não é identificável e se considera que o serviço funcionou mal; incide, então, a responsabilidade do Estado. Essa culpa do serviço ocorre quando: o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário. c) Teorias publicistas. O primeiro passo (leading case) no sentido de elaborar as teorias de responsabilidade do Estado segundo princípios de direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso “caso Blanco”, ocorrido em 1873: a menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento de serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conformeas necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados. Assim, a responsabilidade do Estado passou a se fundar na idéia de risco administrativo, da publicização da responsabilidade e da coletivização dos prejuízos, fazendo surgir a obrigação de reparar o dano em razão da simples ocorrência do ato lesivo, sem perquirir a falta do serviço ou a culpa do agente. Dessa forma, a responsabilidade civil do Estado passa a ser objetiva, rompendo com a tendência civilista que predominava até então. 3) Evolução no Direito Brasileiro. a) Código Civil de 1916. A doutrina civilista serviu de inspiração ao artigo 15 do Código Civil de 1916, que assim dispunha: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.” Apesar de causar alguma controvérsia, a maioria da doutrina entendia que referido dispositivo consagrava a teoria a responsabilidade subjetiva, eis que, se alguém age contrariamente ao direito ou falta a dever legal, sua conduta é necessariamente culposa. b) Constituição da República de 1946. Com a Constituição da República de 1946, passamos a ter, de forma expressa, a previsão da responsabilidade objetiva. Nos termos do art. 194, “as pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”. Tal tratamento foi mantido pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional n.º 1/69. c) Constituição da República de 1988. A nossa atual Constituição trata da responsabilidade do Estado em seu art. 37, § 6.º, que impõe que “as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. d) Código Civil de 2002. A matéria hoje é regulada no art. 43 do CC/02, nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte deles, culpa ou dolo.” Para José dos Santos Carvalho Filho, “Diante dos novos termos, é de se reconhecer que o Código passou a disciplinar o tema em estrita consonância com a vigente Constituição”. 5) Sentido da expressão “agentes”. Haverá responsabilidade civil do Estado desde que o dano seja provocado por pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos; a norma constitucional veio pôr fim às divergências doutrinárias quanto à incidência de responsabilidade objetiva quando se tratasse de entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos (fundações governamentais de direito privado, empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos). É preciso que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; assim é que, em relação às sociedades de economia mista e empresas públicas, não se aplicará a regra constitucional, mas a responsabilidade disciplinada pelo direito privado, quando não desempenharem serviço público. Interessante discussão tem sido travada na jurisprudência acerca da responsabilidade do Estado perante danos causados a terceiros por pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Ao decidir a questão, o STF entendeu que “a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuários”. A doutrina, no entanto, é uníssona no sentido contrário ao posicionamento adotado pela Corte Suprema. Importante frisar que, nestes casos, o Estado responde apenas subsidiariamente, uma vez exauridos os recursos da entidade prestadora do serviço público. É a posição que prevalece, embora existam autores que apontam o contrário, como Gustavo Tempedino. 6) Responsabilidade por omissão do Estado. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a responsabilidade civil do Estado no caso de omissões será sempre subjetiva. Dessa forma, o Estado somente responderá nos casos de culpa anônima ou falta do serviço, o que ocorre nas chamadas omissões específicas. A omissão será específica quando o Estado, por omissão sua, crie uma situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, a administração não se responsabiliza por atos predatórios de terceiros, como saques em bancos e vias públicas, nem por danos decorrentes de fenômenos da natureza, como enchentes ocasionadas por chuvas, inundações, etc. Isso se dá porque nossa Constituição não adotou a teoria do risco integral, mas sim do risco administrativo. A doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello vinha sendo observada pela Jurisprudência Pátria, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a responsabilidade estatal seria sempre subjetiva. Todavia, a Suprema Corte vem evoluindo para o entendimento de que haverá situações de responsabilidade objetiva inclusive nas omissões estatais. Vejamos alguns exemplos: “Responsabilidade civil objetiva do Estado. Art. 37, § 6º, da Constituição. Crime praticado por policial militar durante o período de folga, usando arma da corporação. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Precedentes.” (RE 213.525-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-12-2008, Segunda Turma, DJE de 6-2-2009). “Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6º, da Constituição do Brasil. Latrocínio cometido por foragido. Nexo de causalidade configurado. Precedente. A negligência estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição do Brasil.” (RE 573.595-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-6-2008, Segunda Turma, DJE de 15-8-2008.) "A jurisprudência dos Tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do poder público nas hipóteses em que o eventus damni ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica. Servidora pública gestante, que, no desempenho de suas atividades laborais, foi exposta à contaminação pelo citomegalovírus, em decorrência de suas funções, que consistiam, essencialmente, no transporte de material potencialmente infecto-contagioso (sangue e urina de recém-nascidos). Filho recém-nascido acometido da ‘Síndrome de West’, apresentando um quadro de paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia, epilepsia e malformação encefálica, decorrente de infecção por citomegalovírus contraída por sua mãe, durante o período de gestação, no exercício de suas atribuições no berçário de hospital público. Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do poder público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido." (RE 495.740-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 15-4-2008, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.) Assim, percebe-se que, mesmo nos casos de omissão, a responsabilidade seria objetiva, especialmente quando o Estado estiver na posição de garantidor. 7) Responsabilidade decorrentes de obras públicas. Apesar de posicionamentoscontrários, como Hely Lopes Meirelles, o STF sustentou o entendimento de que, em qualquer caso, o Poder Público é responsável, mesmo que o acidente tenha acontecido por culpa exclusiva do empreiteiro que celebrou o contrato administrativo com a Administração. Ambos respondem de forma solidária, se houver culpas recíprocas. 8) Reparação do dano e direito regressivo da Administração A reparação de danos causados a terceiros pode ser feita no âmbito administrativo, desde que a Administração reconheça desde logo a sua responsabilidade e haja entendimento entre as partes quanto ao valor da indenização. Caso contrário, o prejudicado deverá propor ação de indenização contra a pessoa jurídica que causou o dano. Apesar disso, nada impede que o lesado, ao invés de acionar a pessoa jurídica, ingresse com ação diretamente contra o agente estatal responsável pelo fato danoso, embora se deva reconhecer que essa via é bem mais dificultosa, posto que, além da necessidade de se provar dolo ou culpa do agente público, este não oferecerá ao lesado a mesma segurança que o Estado ofereceria no adimplemento da indenização. Além dessas hipóteses, ainda pode o autor, no caso de culpa ou dolo, mover a ação contra ambos (Estado e agente) em litisconsórcio facultativo, já que são eles ligados por responsabilidade solidária (assim entende Celso Antônio Bandeira de Mello). Pelo artigo 37, parágrafo 6º da CF, quem responde perante o prejudicado é a pessoa jurídica causadora do dano, a qual tem o direito de regresso contra o seu agente, desde que este tenha agido com dolo ou culpa. Não obstante a clareza do dispositivo, muita controvérsia tem gerado na doutrina e na jurisprudência. As principais divergências giram em torno da aplicação, a essa hipótese, do artigo 70, III do CPC, que determina seja feita a denunciação da lide “àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”. Enquanto alguns entendem que a denunciação à lide do servidor que causou o dano seria obrigatória (posição que se pauta na literalidade do comando do art. 70, III, do CPC), outros sustentam que o uso de tal modalidade interventiva seria facultativa, de modo que, se o réu (Estado) não requerer a denunciação, o processo será válido, e o Estado poderá exercer seu direito de regresso contra o servidor responsável, em ação autônoma, a posteriori. Para outros, no entanto, não pode haver denunciação à lide nessa hipótese de responsabilidade estatal, sendo, portanto, inaplicável a regra do art. 70, III, do CPC. Contrários à denunciação da lide, merecem destaque os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, Lúcia Valle Figueiredo, Vicente Greco Filho, Weida Zancaner e José dos Santos Carvalho Filho. Os principais argumentos contra a denunciação são os seguintes: a) são diversos os fundamentos da responsabilidade do Estado (objetiva) e do agente (subjetiva); b) essa diversidade de fundamento retardaria injustificadamente a solução do conflito, pois se estaria, com a denunciação da lide, introduzindo outra lide no bojo da lide entre vítima e Estado; c) o inciso III do artigo 70 do CPC refere-se ao garante, o que não inclui o agente, no caso da ação regressiva prevista no dispositivo constitucional; d) o dispositivo do estatuto processual só teria aplicação às hipóteses normais de responsabilidade civil, mas não à responsabilidade do Estado, tendo em vista ser esta regulada em dispositivo constitucional próprio (art. 37, § 6°); e) não teria cabimento desfazer indiretamente o benefício que a CF outorgou ao lesado: se foi ele dispensado de provar a culpa do agente, não teria cabimento que, no mesmo processo, fosse obrigado a aguardar o conflito entre o Estado e sei agente, fundado exatamente na culpa; f) o intuito de proteção ao hipossuficiente em relações jurídicas de caráter indenizatório foi o mesmo adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, que, na relação de regresso, exige processo indenizatório autônomo, vedando expressamente a denunciação à lide (CDC, arts. 13 e 88). Importante destacar que o STJ vem se posicionando no sentido de que a denunciação da lide, em ação de responsabilidade civil do servidor público causador do dano, não é obrigatória senão para o litisdenunciado que, quando chamado, não pode recusar-se. Observa-se que começa a predominar o entendimento no sentido da admissibilidade da denunciação à lide, não como um chamamento obrigatório, como emana do art. 70 do CPC, mas de cunho facultativo, o que significa dizer que, não tendo havido a denunciação, o processo é válido e eficaz, restando, então admissível o pleno exercício do direito de regresso do Estado contra o servidor responsável.” Destaca, contudo, o mesmo autor que, no TJ/RJ, é firme a jurisprudência no sentido da impossibilidade da denunciação. Yussef Said Cahali faz uma distinção entre duas hipóteses: a) de um lado, a hipótese em que a ação é proposta contra a pessoa jurídica com fundamento exclusivo na responsabilidade objetiva do Estado ou na falha anônima do serviço, sem individualizar o agente causador do dano; neste caso, se a pessoa jurídica fizesse a denunciação da lide, estaria incluindo novo fundamento não invocado pelo autor, ou seja, a culpa ou dolo do funcionário; b) de outro lado, há a hipótese em que a pretensão indenizatória é deduzida com fundamento em ato doloso ou culposo do funcionário; aqui, então, deve ser feita a denunciação da lide ao funcionário, com aplicação do artigo 70, III do CPC, que em nada contraria a Constituição; antes, pelo contrário, visa disciplinar o direito de regresso assegurado ao responsável direto pelo pagamento da indenização. O mesmo autor admite, ainda, que a ação seja proposta ao mesmo tempo contra o funcionário e a pessoa jurídica, constituindo um litisconsórcio facultativo; ou apenas contra o funcionário, hipótese também admitida por Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem o dispositivo constitucional “visa proteger o administrado, oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da responsabilidade objetiva em muitos casos. 9) Prescrição da pretensão indenizatória O novo Código Civil introduziu várias alterações na disciplina da prescrição, algumas de inegável importância. Uma delas diz respeito ao prazo genérico da prescrição, que passou de vinte (antes específica para direitos pessoais) para dez anos (art. 205). Outra é a que fixa o prazo de 3 anos para a prescrição da pretensão de reparação civil. Desta forma, aplica-se o prazo do art. 205 para os casos de responsabilidade civil da Administração Pública e não o prazo qüinqüenal previsto no Decreto n° 20.910/32). 10) Ação regressiva. A ação regressiva da Administração contra o causador direto do dano está instituída pelo parágrafo 6º do artigo 37 da CF como mandamento a todas as entidades públicas e particulares prestadoras de serviços públicos. Para o êxito dessa ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a Administração a responsabilidade independe de culpa, para o servidor a responsabilidade depende de culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se apura pelos critérios gerais do Código Civil. Como ação civil, que é destinada à reparação patrimonial, a ação regressiva (Lei 8.112/90, art. 122, par. 3º) transmite-se aos herdeiros e sucessores do servidor culpado, podendo ser instaurada mesmo após a cessação do exercício no cargo ou na função, por disponibilidade, aposentadoria, exoneração ou demissão. 11) Responsabilidade por atos legislativos. A regra geral é a irresponsabilidade, pois os agentes políticos do Poder Legislativo atuam no exercício da soberania e as normas decorrentes de sua atuação são de natureza geral e abstrata, não quebrando o princípio da igualdade. Por outro lado, a atuação dos agentes políticos é uma atuação delegada e no sentido de que ajam apenas de acordo com a lei e a constituição, nãoquebrando assim o princípio da legalidade. Não obstante isso, é possível se afirmar que mesmo no exercício da soberania, o Poder Legislativo é limitado pela Constituição e que a delegação é para que os agentes políticos façam normas constitucionais, de modo que o Estado pode ser responsabilizado quando edita normas inconstitucionais, fato que reflete uma atuação indevida por parte do Legislativo. Assim entendem Cretella Júnior, Diógenes Gasparini, entre outros. Ainda que se trate de norma constitucional, o Estado deve responder por danos causados por leis que atinjam pessoas determinadas (de efeitos concretos), já que, embora formalmente sejam leis, materialmente tais normas constituem meros atos administrativos. 13) Responsabilidade por atos jurisdicionais Do mesmo modo, a regra geral é a irresponsabilidade, pois os agentes políticos do Poder Judiciário atuam no exercício da soberania, com ampla liberdade e independência no exercício de suas funções. Se os Juízes tiverem o temor de ser responsabilizados posteriormente por suas decisões, elas não seriam mais independentes e livres. A responsabilidade civil do Estado por atos judiciários poderia implicar em infringência ao princípio constitucional da coisa julgada. Se a parte se considera prejudicada pela decisão, deve lançar mão dos recursos cabíveis, já que a atuação do juiz está sujeita ao princípio da recorribilidade. Apesar disso, é preciso ter em vista que em caso de dolo, fraude, omissão, recusa e retardamento injustificado (CPC, art. 133), os juízes são pessoalmente responsáveis; Por outro lado, a coisa julgada não é ferida por uma eventual indenização por responsabilidade civil por erro judiciário, uma vez que esta relação será entre o Estado e a parte, e não entre as partes atingidas pela coisa julgada. Ademais, no direito brasileiro, a coisa julgada sofre restrições, face à possibilidade de ação rescisória e revisão criminal (neste último caso, é fora de dúvida, inclusive, que cabe indenização na forma do art. 5°, LXXV da CF). Certo é que a Jurisprudência brasileira não aceita a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Hipótese diversa ocorre quando se tratar de atos judiciais que não impliquem o exercício de função jurisdicional, caso em que é cabível a responsabilidade do Estado, sem maior contestação, porque se trata de atos administrativos quanto ao seu conteúdo. XIII - EFEITOS DA SENTENÇA PENAL NA ESFERA CÍVEL 1) Modelo de independência relativa ou mitigada entre os juízos cível e criminal. A função jurisdicional é uma, embora seja fracionada entre os órgãos do Poder Judiciário. A essa divisão do poder jurisdicional dá-se o nome de “competência”, que é, pois, a medida da jurisdição. Assim, a justiça criminal e a justiça cível são expressões de um mesmo poder jurisdicional, embora a função específica desempenhada por cada uma. Por outro lado, sabe-se que um mesmo fato pode repercutir tanto no âmbito civil, como nas esferas penal e administrativa. Tenhamos como exemplo os crimes de peculato e os danos ao meio ambiente. Nestes casos, se fazem necessários instrumentos processuais que evitem o surgimento de sentenças conflitantes nas três mencionadas esferas, pois, na medida em que o poder jurisdicional é uno, isto não é concebível. O nosso estudo será focalizado, no entanto, nos estudo da relação entre as esferas cível e criminal, especialmente nos efeitos que a sentença penal (condenatória ou absolutória) enseja na esfera cível. Nos termos do art. 935 do Código Civil, “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Constata-se, pois, que o direito brasileiro adota o modelo da independência relativa ou mitigada, tendo em vista que, em alguns casos, o que for decidido em um juízo faz coisa julgada no outro, tornando aquela questão não mais discutível. Conforme será visto, isso é possível e aplicável em ambos os sentidos. 2) Sentença penal condenatória e título executivo judicial. Nos termos do art. 91, I, é efeito da condenação penal “tomar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”. Por outro lado, o art. 63 do Código de Processo Penal determina: “transitada em julgado a sentença condenatória poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. Por fim, reza o art. 475-N, II, do Código de Processo Civil, é título executivo judicial “a sentença penal condenatória transitada em julgado”. Conclui-se, pois, que a sentença penal condenatória faz coisa julgada no juízo cível, na medida em que o ofendido não precisa mais promover ação de conhecimento para que seja declarado o seu direito à reparação. A própria sentença proferida no juízo penal substituirá a sentença cível que seria proferida numa eventual ação de conhecimento. Isto ocorre porque o ilícito é o mesmo seja no âmbito civil, seja no âmbito penal. Ambos importam conduta voluntária, culposa ou dolosa, contrária ao direito, que infringe um dever jurídico pré-existente. Tendo em vista que o ilícito penal é mais grave e mais restrito, quem o comete, inexoravelmente, também comete um ilícito civil. É importante destacar, todavia, que o juízo penal apenas certifica o dever de reparar, não adentrando na questão do quantum a ser reparado. Isto somente pode ser feito no juízo cível, através da liquidação de sentença, nos termos do art. 475-M, do Código de Processo Civil. O parágrafo único do art. 475-N do Código de Processo Civil determina que, tratando-se de sentença penal condenatória, o mandado inicial incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para a liquidação e execução, conforme o caso. Assim, caso seja necessária a liquidação, deverá ser apresentada petição inicial perante o juízo cível competente, instaurando-se processo autônomo. Da decisão de liquidação, cuja natureza é de decisão interlocutória, conta-se o prazo para pagamento espontâneo fixado no art. 475-J do Código de Processo Civil, passado o prazo para pagamento espontâneo, deverá o credor requerer a expedição do mandado de penhora e avaliação, podendo indicar os bens a serem penhorados. Neste ponto, importante observar as regras específicas de liquidação, em caso de reparação decorrente crime, previstas no Código Civil – Arts 948 a 954 do Código Civil. Por outro lado, se não for necessária a liquidação, deverá o propor ação de execução, requerendo a citação do devedor para, no prazo de quinze dias, pagar espontaneamente o débito, já que não existe um título anterior. Passados os quinze dias, aplica-se a multa de 10% e pode o credor requerer a expedição do mandado de penhora e avaliação. No mais, são adotadas as mesmas regras da execução da sentença civil condenatória. 3) Sentença penal absolutória a) Prova da inexistência de autoria e materialidade. O art. 66 do Código de Processo Penal determina que “não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato. Assim, em sentido contrário, a ação civil não poderá ser proposta quando a sentença penal absolutória tiver reconhecido, categoricamente, a inexistência do fato. Apesar de não haver menção expressa no CPP, entende-se que quando também é categoricamente afastada a autoria, tal decisão fará coisa julgada no cível. b) Falta de provas. O juiz criminal pode absolver o réu por falta de provas quanto: a) ao fato; b) à autoria; c) à culpa. Em nenhuma dessas hipóteses a sentença penal repercutirá na esfera civil. É a prova de que não foi cometido o crime ou a conclusão de que não existe o elemento material do crime que impedem a ação civil, e não a simples falta de prova. A absolvição do acusado no juízo criminal cria em seu favor uma presunção de inocência, que deverá ser elidida pelo autor ação, através de provas em sentido contrário. Assim, cabe àvítima, na ação civil, provar o que não foi provado na ação penal. c) Motivo peculiar de direito penal. Sempre que a absolvição criminal tiver por fundamento motivo peculiar de direito penal ou processo penal, a sentença não obsta à ação civil indenizatória. Assim, conforme determina o art. 386, III, do Código de Processo Penal se o fato não constituir o fato infração penal, ou seja, se for o caso de atipicidade, não haverá impedimento para a ação civil. Ora, um fato pode não ser tipificado como crime, mas resultar em danos a alguém, gerando, portanto, o dever de indenizar. Ainda, nos termos do Art. 67 do Código de Processo Penal, “não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; II - a decisão que julgar extinta a punibilidade; III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime. d) Excludente de ilicitude. Nos termos do art. 65 do Código de Processo Penal, “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. Desta forma, uma vez reconhecida tais excludentes, a vítima não poderá questioná-los no processo cível. Importante destacar, no entanto, que o estado de necessidade, embora seja ato lícito, não isenta o agente do dever de reparar, nos termos dos arts. 929 e 930 do Código Civil. e) Sentença absolutória de Tribunal do Júri Segundo Sérgio Cavalieri, tais decisões, por não serem motivadas, não fazem coisa julgada no cível, havendo, inclusive, precedentes do STJ nesse sentido. 4) Possibilidade de sobrestamento do processo civil. Nos termos do parágrafo único do art. 64 do Código de Processo Penal, “intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela”. Trata-se, portanto, de faculdade do juiz do processo cível, que não está obrigado a sempre promover a suspensão. Deve o juiz levar em conta as provas de autoria e materialidade presentes nos autos, bem como o estado em que se encontra a instrução processual. Em outras palavras, somente quando houver probabilidade de decisões conflitantes é que deve o processo ser sobrestado nos termos do mencionado dispositivo. Por outro lado, importante frisar que, nos termos do art. 265, § 5.º, do Código de Processo Civil, o período de suspensão nunca poderá exceder a um ano. Embora a lei utilize o termo “nunca”, a jurisprudência tem flexibilizado tal regra, admitindo que, em situações especiais, o processo fique suspenso até que seja proferida a sentença no processo penal. Surge a seguinte hipótese: o juízo cível condena e a decisão transita em julgado. Tempos depois, o juízo criminal absolve o agente, alegando que não houve nem autoria nem materialidade. Nesse caso, caberia ação rescisória para desfazer a coisa julgada no cível? Entende-se que não. Primeiramente, o caso não se encaixa em nenhuma das hipóteses do art. 485 do Código de Processo Civil. Por outro lado... 5) Responsabilidade civil de terceiros. Para que terceiros sejam chamados a reparar o dano, é necessária a propositura de ação de conhecimento, sendo-lhe estranha a matéria decidida no juízo criminal. Assim, se o terceiro não participou do processo criminal, não poderá ser atingido pela eficácia da sentença, mesmo no âmbito civil. 6) Assistência e ação privada subsidiária da pública no Processo Penal. O direito de reparação civil causado por infração penal revela o interesse jurídico da vítima do crime na condenação do acusado na ação penal, já que a sentença penal condenatória constitui titulo executivo judicial. Daí o reconhecimento da possibilidade de intervenção da vitima na obtenção do citado título, bem como na possibilidade de obtenção da condenação, se já em curso a ação civil. A modalidade de procedimento que viabiliza esta intervenção é chamada de assistência, cujo legitimado a agir é precisamente o ofendido, ou seu representante legal, se menor de 18 anos. No curso da ação, o assistente poderá propor meios de prova, inquirir testemunhas, apresentar arrazoados, bem como participar dos debates orais. Poderá, ainda, recorrer das decisões, se inerte o Ministério Público. 7) Juizados Especiais Nos termos do art. 66 da lei n.º 9.099/99, é possível a chamada transação penal, através da qual, há a composição civil dos danos, em audiência, que impossibilita a propositura da ação penal. Ou seja, a mesma decisão resolve, num único ato, as duas responsabilidades. Importante destacar que tal medida somente é cabível nos crimes de ação privada. 8) Legitimação do Ministério Público. O art. 68 do Código de Processo Penal prevê a legitimação do Ministério Público para a propositura de ação civil decorrente do delito e para a execução do julgado penal quando o titular do direito à reparação for pobre. Ocorre que após a Constituição de 1988, a legitimação do Ministério Público só se justifica a partir de uma contextualização coletiva ou difusa dos interesses individuais, não sendo permitida a tutela exclusivamente particular. Isso é mais ainda enfatizado tendo em vista que a instituição da Defensoria Pública, como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134 da CF. O STF vem adotando uma espécie de inconstitucionalidade progressiva do mencionado dispositivo. Diante da omissão de diversos Estados, e também da União, no encargo de instituir e organizar as respectivas Defensorias, o art. 68 do CPP manteria a sua vigência até o funcionamento regular dos apontados órgãos de defesa dos necessitados. Interessante que não se trata de inconstitucionalidade, mas de não recepção, o que demonstra o manifesto equívoco da decisão do STF.