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1 A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA DE ESTUDANTES SURDOS NO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Cidadania e educação popular GIMENEZ, Hercules Licenciado em Matemática pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT Especialista em Psicopedagogia pelo Instituto Cuiabano de Educação – ICE Mestrando em Ensino de Física pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Apresentamos nesse trabalho os resultados parciais de uma pesquisa a ser realizada no CEJA – Centro de Educação de Jovens e Adultos “Benedito Sant’Ana da Silva Freire” no município de Sinop/MT com alunos do Ensino Médio cursando Ciências Naturais. Portanto esse artigo apresenta apenas um ensaio bibliográfico de uma pesquisa em educação a ser desenvolvida como ferramenta didática para elaboração da Dissertação de Mestrado em Ensino de Ciências Naturais pela UFMT. Nossa Pesquisa se classifica como Aplicada, pois tem como objetivo gerar conhecimento para aplicação na prática docente; Qualitativa pela relação dinâmica entre o meio social e o sujeito; Exploratória, pois visa familiarizar-se com o problema levantado: alfabetização científica de estudantes surdos no Ensino Médio na modalidade EJA – Educação de Jovens e Adultos que utilizam LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais como primeira língua e a Língua Portuguesa escrita como segunda língua e Participante, pois será desenvolvida a partir da interação entre pesquisadores e membros da situação investigada. Partindo dos objetivos básicos da Constituição Federal de 1988 de promover o bem estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e considerando a escola como referência de direito de todos, segundo os termos da lei, que visa garantir o desenvolvimento da pessoa humana, no exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, levantamos alguns questionamentos: Como garantir o direito a igualdade de condições de acesso e permanência na escola numa sociedade marcada pelas desigualdades? Porque ainda, mesmo sob os termos da lei, se torna fundamental problematizar as práticas escolares quanto à inclusão e, dela, também inquirir sobre a inclusão de jovens e adultos nos espaços escolares? Buscando respostas a essas e outras indagações é que propomos em nosso projeto de pesquisa aprender, analisar, interpretar e explicar que situações efetivas são produzidas para alunos jovens e adultos surdos, de acordo com Chassot (2003, p. 91), pautada na “alfabetização científica [...] como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais comprometida”? Este estudo orienta-se para privilegiar quatro aspectos centrais para organização empírica e orientação do objeto de estudo: Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva; Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos; Diretrizes Curriculares para o Ensino de Física no Ensino Médio e Alfabetização Científica. Esperamos poder contribuir para a educação de estudantes surdos/audição difícil, em especial aqueles matriculados nos sistemas de ensino dirigidos a EJA, além de divulgar as pesquisas e trabalhos realizados pelo Grupo Pesquisa em Educação de Surdos Édouard Hoet, ao qual este projeto será também vinculado. Palavras-Chave: Educação Inclusiva, Ensino de Física, Alfabetização Científica. hercules_gimenez@yahoo.com.br 2 INTRODUÇÃO Educação Inclusiva é tema de debate dentro e fora da escola, pois não é apenas uma ação pedagógica, mas também política, cultural e social. Consiste em um movimento mundial, pautado nos direitos humanos que aborda, ao mesmo tempo, igualdades (de direitos) e diferenças (condições) num contexto histórico, buscando superar o processo de exclusão social. Frente às dificuldades e às limitações do sistema educacional no que tange esse processo, a Educação Inclusiva visa criar propostas alternativas para superar as práticas de desigualdades e de impedimentos, propondo mudanças, estruturais e culturais na escola para garantir a todos os alunos o direito de participarem coletivamente do processo de ensino e aprendizagem sem nenhum tipo de discriminação e atendidos em suas especificidades. A pergunta que surge é: Como superar esse processo de exclusão se historicamente a visão de escola foi construída como um espaço acessível a um grupo seleto da sociedade, reforçando seu caráter elitista? Mesmo com a democratização do ensino, observamos que a universalização do acesso à escola, garantido por lei, em pouco mudou esse processo de exclusão legal nas suas políticas educacionais e práticas pedagógicas. A exclusão, antes legalizada e institucionalizada, com nova roupagem, através da integração, passou a constituir um processo de distinção dos alunos, classificando-os em virtude de suas características físicas, intelectuais, culturais e sociais. “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos”. (in Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2008 p.15). O fato do sistema de ensino garantir vagas para todos os alunos nas escolas, não significa garantia de permanência nem tampouco de qualidade de ensino. Não concordamos que a responsabilidade de organizar o atendimento aos educandos com necessidades especiais seja exclusiva da escola. Como organizar um espaço adequado ao ensino e aprendizagem, por exemplo, em prédios que se encontram condições precárias? Como atender a esses alunos e alunas em suas especificidades sem profissionais especialistas na área de educação especial? E tantos outros questionamentos poderíamos levantar que ainda não temos respostas e, portanto, nem soluções de problemas que dependam exclusivamente da escola. Quando o sistema – entendemos por sistema o governo em suas políticas públicas educacionais – garante a matrícula, deveria também garantir atendimento educacional especializado, começando pela formação inicial e continuada de professores e demais 3 profissionais da educação para a inclusão escolar, promovendo também a acessibilidade na arquitetura, mobiliários, equipamentos, transporte e comunicação que possibilitem a continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino, estreitando as distâncias entre as condições de aprendizagem de diferentes alunos nas suas especificidades. Esta situação surge de forma ainda mais problemática quando orientamos essa leitura para espaços escolares de jovens e adultos, que pela estrutura socioeconômica e cultural, tiveram suas escolarizações “negadas”, em um intricado movimento entre as escolhas pessoais, as relações de manutenção de vida e as efetivas situações que orientam as práticas escolares. DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA A educação especial surge em substituição à educação comum, através da criação de instituições especializadas, escolas especiais e situações de ensino e aprendizagem especiais. Nessa perspectiva, fundamenta-se o conceito de normalidade e anormalidade, determinando atendimento clínico terapêutico, através de diagnósticos, as práticas educacionais para os alunos com algum tipo de deficiência. O Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1854), atual Instituto Benjamin Constant (IBC), e o Instituto dos Surdos Mudos (1857), atual Instituto Nacional da Educação dos Surdos (INES), localizados no Rio de Janeiro, marcaram o início do atendimento as pessoas com deficiência no Brasil. A criação do Instituto Pestalozzi, em 1926, especializado no atendimento às pessoas com deficiência mentale a fundação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em 1954 também são exemplos de instituições especializadas destinadas a atender esses alunos diagnosticados como deficientes. Em 1961, o atendimento a alunos com deficiência passa a ser fundamento na Lei nº. 4.024/61, que delibera sobre o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. Uma década depois, a Lei nº. 5.692/71 alterou a LDBEN de 1961, definindo tratamento especial para os alunos com deficiências físicas e mentais, em atraso quanto à idade regular de matrícula e os superdotados, reforçando o encaminhamento desses alunos para as “classes e escolas especiais”. Com a Constituição Federal de 1988 que, a partir de seus objetivos básicos de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, surge um novo paradigma – o da Inclusão – e a escola é tomada como referência de direito a todos, segundo os termos da lei, visando garantir, dessa forma, o desenvolvimento da pessoa humana, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. 4 A Educação Inclusiva trata de uma orientação sócio pedagógica que não visa somente responder as distorções existentes na escola e no processo de ensino e aprendizagem, mas também de reestruturar as condições existentes na escola para promover condições iguais de aprendizagem para diferentes sujeitos sociais. Dentre eles, estudantes com necessidades educacionais especiais. Essa perspectiva representa realmente fomentar mais que um re-estudo de uma temática – ligado a uma determinada área, como a educação ou subáreas do conhecimento, ensino de ciências, ou como atuação profissional – consiste na construção de um “objeto”, cujo fundamento paute-se em uma estratégia teórico-metodológica para responder a uma relação homem, sociedade e natureza, que estão em constante processo: em um movimento conservação/superação, sem a primazia de um modelo pronto e acabado. Historicamente, pensar nas escolas do sistema regular de ensino que visa atender esses alunos de forma inclusiva não representa adaptá-la a sujeitos com necessidades educacionais especiais. Trata-se de promover mudanças significativas da escola, de sua estrutura e organização, da orientação curricular e organização disciplinar, das condições de trabalho dos professores, quiçá de sua formação. Tratar da educação inclusiva não é somente um propósito em que professores procuram apenas estabelecer um tipo de ensino “qualificado”, mas é sim responder a uma nova historicidade em que a escola seja um espaço privilegiado de ensino e aprendizagem de distintos sujeitos, desde crianças com necessidades educativas especiais até jovens e adultos sob as mesmas situações. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL Para melhor compreender a atual proposta curricular para Educação de Jovens e Adultos – EJA – é importante conhecer (pelo menos um pouco) a história dessa modalidade de educação. A síntese que apresentaremos nesse capítulo encontra-se, na íntegra, na Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos: segundo segmento do ensino fundamental: 5ª a 8ª série: introdução/Secretaria de Educação Fundamental, 2002. O primeiro relato histórico de educação de adultos que se tem no Brasil se encontra ainda no período colonial e imperial. Porém essa educação missionária foi pouco expressiva e, mesmo tornando-se oficial na Constituição Brasileira de 1824 que garantia uma instrução primária gratuita para todos os cidadãos, a educação de adultos só começa aparecer, nos 5 movimentos civis e oficiais, na luta contra o analfabetismo aproximadamente um século depois. Nas décadas de 20 e 30 o Brasil passava por grandes transformações sociais decorrentes do processo de industrialização e consequentemente a concentração populacional nos centros urbanos. No Decreto n.º 16.782/A, de 13 de janeiro de 1925 (Lei Rocha Vaz, ou Reforma João Alves), foram criadas várias escolas noturnas para adultos com o objetivo de qualificar profissionais para a indústria e manter a ordem social nas cidades. Com a Constituição de 1934, a educação de jovens e adultos começa a ganhar projeção nacional e, a partir dessa data, muitas conquistas seguiram, como a ampliação da educação primária, incluindo o ensino supletivo para adolescentes e adultos, as diretrizes de orientação e coordenação dos planos anuais do ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos e a criação de campanhas voltadas para educação de jovens e adultos, educação rural e erradicação do analfabetismo. Com o fim da II Guerra Mundial e da Ditadura de Vargas, em 1945, a educação de adultos ganhou destaque dentro da educação elementar comum, devido a necessidade de integrar a população de imigrantes, incrementar a produção industrial e aumentar as bases eleitorais para sustentar o governo. Em 1947 este movimento culmina na Campanha de Educação de Adultos, dividida em duas etapas: a primeira que tinha como meta a alfabetização em três meses e a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses e a segunda direcionada a capacitação profissional e desenvolvimento comunitário. A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, dirigida pelo Professor Lourenço Filho, foi bem sucedida nos primeiros anos. Os serviços já existentes foram ampliados e várias regiões do país passaram a ter acesso a essa modalidade de ensino através da criação de escolas supletivas. Porém, a Campanha Nacional de Educação Rural, de 1952 e Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, de 1958 foi enfraquecendo até se extinguir, restando apenas o ensino supletivo, assumido pelos estados e municípios. Importante ressaltar que nesse período inicia-se uma forte discussão sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil. O analfabetismo era visto como causa e não como efeito da situação econômica, social e cultural, dessa forma, segundo materiais utilizados na formação de professores da campanha, o adulto analfabeto era considerado incapaz e marginal como uma criança grande, irresponsável e ridícula. Felizmente, durante a campanha, essa visão preconceituosa foi criticada e novos estudos sobre a capacidade de aprendizagem do adulto permitiu, pela primeira vez, a produção de um material didático específico para o ensino da leitura e da escrita dirigida aos adultos, 6 conhecido como Laubach. Este material, distribuído pelo Ministério da Educação para as escolas supletivas de todo o país, tinha como orientação o método silábico. Partindo de palavras-chaves formavam-se outras palavras e frases compunham pequenos textos sobre saúde, trabalho, moral e civismo. Apesar dos avanços na Campanha de Educação de Adultos, no final da década de 50, a administração financeira e a orientação pedagógica foram duramente criticadas. A ineficiência do método trazia uma nova discussão sobre o problema do analfabetismo e a consolidação de um novo paradigma da educação de adultos, cuja principal referência foi o educador pernambucano Paulo Freire. Sua proposta influenciou os programas de alfabetização e educação popular no Brasil, no início dos anos 60. Diversos grupos de educadores ligados ao MEB (Movimento de Educação de Base), ligado a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), aos CPCs (Centro de Cultura Popular), a UNE (União Nacional dos Estudantes), pressionaram o governo federal para se estabelecer novas diretrizes para a educação, culminando, em 1964, na aprovação do Plano Nacional de Alfabetização, orientado pela proposta de Paulo Freire. Em 1967 foi criado, pelo governo federal,o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que foi difundido por todo território nacional e, em 1971, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (n o 5.692/71), foi implantado o ensino supletivo que prosperou até a década de 80. Pressionado por movimentos populares, sindicais e comunitários contra o autoritarismo e a repressão militar, o governo federal instituiu o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1980-1985). Vendo a educação como direito fundamental para a conquista da liberdade e da cidadania, o plano buscava reduzir as desigualdades suprindo a escolarização de adolescentes e adultos que não haviam concluído seus estudos na idade própria. O MOBRAL foi extinto em 1985 com o fim do período militar e, em substituição ao movimento foi implantado a Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos com a função de fomentar o atendimento as séries iniciais do 1 o grau, a produção de material e a avaliação. Extinta em 1990, órgãos públicos, entidades civis e outras instituições assumiram a Educação de Jovens e Adultos. Em 1994 foi lançado o Plano Decenal, estabelecendo novas metas e objetivos para a Educação de Jovens e Adultos. Na LDBEN n.º 9.394/96, o direito a um ensino básico adequado as condições desse público reafirmou o dever do poder público de oferecê-lo gratuitamente, no ensino regular, na forma de cursos e alterando a idade mínima para 7 realização de exames supletivos para 15 anos, no Ensino Fundamental, e 18, no Ensino Médio. Com a resolução CNE/CEB n.º 1/2000, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, definem a EJA como modalidade da Educação Básica e como direito do cidadão. Esta conquista vem consolidar a proposta de Freire, construindo uma nova relação entre a problemática educacional e social. Se antes o analfabetismo era visto como causa da pobreza agora passa a ser entendido como efeito da situação de pobreza e marginalização gerada pela estrutura social. A INSERÇÃO DE ALUNOS SURDOS/AUDIÇÃO DIFÍCIL NA ESCOLA REGULAR Aristóteles acreditava que a linguagem era o elemento fundamental para a aprendizagem. Portanto, a pessoa surda, por não falar, não possuía linguagem e, por consequência, era incapaz de aprender. Sócrates, no entanto, acreditava que, mesmo não tendo voz, é possível se comunicar com as pessoas usando a linguagem corporal. Para ele, a surdez era apenas um fator limitante na comunicação e não na aprendizagem. A comunicação é tão fundamental para a aprendizagem quanto a linguagem é para a comunicação. Assim, indutivamente, resolvendo o problema da linguagem do surdo, podemos superar as suas dificuldades de aprendizagem. Mas como resolver este problema? Não podemos ser indutivistas ingênuos diante de tal questionamento. A primeira discussão que surge é o debate sobre qual método utilizar para dotar o aluno surdo de uma linguagem que possa facilitar a sua comunicação com seus pares surdos e ouvintes – considerando o paradigma da Inclusão – e a segunda é de que forma esta linguagem poderá contribuir para uma aprendizagem significativa crítica e ética de conhecimentos formais que possa promover o aluno surdo enquanto cidadão. Nesse capítulo discorreremos apenas sobre a questão da linguagem (A LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais – como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda língua do aluno surdo) e, nas Considerações Finais, sobre a questão da alfabetização científica de jovens e adultos surdos, buscando sua inclusão no espaço escolar e a promoção da aprendizagem significativa crítica e ética. Até o século XIX, a educação dos surdos acontecia com professores surdos por meio da Língua de Sinais. No entanto, este método foi criticado por alguns estudiosos da época (na sua maioria ouvintes) defendendo o uso da linguagem oral como a melhor forma de comunicação. Em 1880, através do Congresso Mundial de Professores Surdos a Língua de Sinais foi proibida e decretado oficial a Linguagem Oral na educação de surdos, obrigando-os 8 a comportar-se como ouvintes. Esse modelo como prática educacional vigorou por mais de um século e, além de fracassar no seu desenvolvimento linguístico, também trouxe sérias consequências sociais. Com o fracasso do modelo oralista, surge o Bilinguismo, que priorizava a Língua de Sinais como sua primeira língua (L1) e a Língua Portuguesa como segunda língua (L2). O melhor meio de concretizar a aprendizagem passou a ser a Língua de Sinais. Mais que um método, a Educação Bilíngue era uma possibilidade de explorar as potencialidades do surdo, valorizando a pluralidade cultural, o convívio social e, acima de tudo, estabelecendo relações sociais mais justas e igualitárias. No Brasil, programas educacionais, como o “Educação para Todos” proposto pelo governo federal, deve atender a todos os estudantes, independentemente sua origem social, étnica ou linguística. No entanto, tem-se pouco material produzido e/ou divulgado que auxilie professores, intérpretes e alunos surdos em sala de aula no processo de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais, reforçando assim a necessidade da pesquisa nessa área nos Programas de Pós-graduação das Universidades. São inegáveis os avanços que se estabeleceram nessa direção. A própria inserção de alunos surdos na escola regular foi um passo necessário. Em 2002, foi promulgada a Lei nº 10.436 que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como meio de comunicação na comunidade surda e também com a inclusão do ensino de LIBRAS nos cursos de Licenciaturas e de Fonoaudiologia. Contudo, o projeto Sinalizando a Física (Cardoso; Botan, 2008), na área específica de Física, aponta que: “... no âmbito da Física, a LIBRAS não apresenta um número de sinais significativo ou satisfatório ao seu ensino, principalmente no que refere aos conceitos dos termos tecno-científicos”. Para a criança surda, assim como para a criança ouvinte, o desenvolvimento das suas capacidades linguísticas, emocionais e sociais é fundamental para o seu desenvolvimento como ser integral. É através das relações sociais que o educando descobre o que é necessário e importante para viver em sociedade. Inicialmente a família é a principal responsável pela aprendizagem de questões básicas. Ao crescer, a criança amplia cada vez mais a relação com pessoas fora do círculo familiar. Chega um momento em que a escola se torna quase tanto importante quanto à família. Na primeira infância, as relações familiares como a voz dos pais de crianças ouvintes pode ser compensada com outros estímulos, tais como: sorrisos, carícias e expressões dos familiares do bebê surdo, estabelecendo uma ligação com a criança por intermédio de gestos, estímulos visuais e tácteis. Na idade escolar, porém não há mais essa compensação. Observa- 9 se na criança certo isolamento social e comportamentos antissociais que muito preocupa pais e educadores. Dentre os insucessos escolares das crianças surdas, a falta do desenvolvimento da linguagem é um dos mais relevantes, haja vista que a competência comunicativa e a competência social estão intimamente ligadas à aprendizagem. CONSIDERAÇOES FINAIS Estamos diante de uma concepção histórica na qual os sujeitos são seres inacabados (FREIRE, 1996) em função da constante necessidade de produzir a vida humana. A própria prática representa, sob esse viés, a inscrição do viável do objeto, que nesta pesquisa, se coloca diante eminência de uma alfabetização científica de jovens e adultos surdos no espaço escolar, promovendo sua inclusão e o efetivo exercício de igualdade em situação especial de aprendizagem. Segundo as teorias epistemológicas modernas, oconhecimento se constrói numa visão evolucionista, contrariando a ideia de que a ciência busca a verdade absoluta com princípios universais. Nessa perspectiva, os fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e históricos também interferem e até filtram os processos de mudança conceitual no avanço da ciência. A ciência é desendeusada e o fazer ciências passa a ser vista como uma atividade humana como outra qualquer. É nessa perspectiva que Chassot define ciência como uma linguagem para facilitar nossa leitura de mundo. Porém destaca que, por ser uma construção humana, a linguagem é mutável e falível. Assim, os conhecimentos científicos são parciais e relativos e a ciência nem sempre é uma fada benfazeja. Às vezes ela pode ser uma bruxa destruidora. Se a construção do conhecimento se apresenta de forma tão complexa, o ensino de ciências não é diferente. A transposição didática é pauta de muitas discussões no meio escolar (em todas as suas dimensões) que ultrapassa a simples organização curricular e disposição de conteúdos. Para melhor refletir sobre este tema levantamos as seguintes questões: Por que ensinar ciências? O que ensinar de Ciências? Como ensinar Ciências? Antes, porém de tentar responder a primeira questão, vamos amplia-la: quais são as necessidades de se ensinar na perspectiva da alfabetização científica? Neste caso reportamos a uma pergunta preliminar: O que é alfabetização científica? Na óptica de Chassot, alfabetização científica é um conjunto de conhecimentos que facilita aos homens e as mulheres fazerem uma leitura de mundo onde vivem. Refletindo sobre a segunda questão: O que ensinar de Ciências? Poderíamos começar, enquanto professores de ciências, nos perguntando: O que ensinamos de Ciências? Ensinamos apenas uma Ciência moderna, eurocêntrica, branca, cristã e masculina? Ou ensinamos, 10 também, as ciências desenvolvidas por pessoa em outras temporalidades, desenvolvidas por povos fora da Europa e de outras crenças não cristãs. Falamos das Ciências construídas por mulheres e das mulheres que fazem ciência? Finalmente, responder a última indagação (como ensinar ciências?) se torna o principal objetivo desta pesquisa, pois, não se trata de discutir apenas metodologias de ensino, mas sim buscar respostas para um problema que envolve o ensino de ciências naturais para jovens e adultos surdos (alfabetizados na L1 – LIBRAS e L2 – Língua Portuguesa) nas escolas pública, modalidade EJA, na perspectiva da educação inclusiva pautada na alfabetização cientifica. O que propomos em nosso trabalho é a elaboração de uma ferramenta didática pautada na Alfabetização Científica a ser desenvolvida com alunos jovens e adultos do CEJA “Benedito Sant’Ana da Silva Freire” na perspectiva da Educação Inclusiva. Nosso material será composto de textos de apoio que possibilitem a discussão sobre o Ensino de Física para alunos do primeiro ano do Ensino Médio cursando Ciências Naturais, Matemática e suas Tecnologias. Abordaremos três tópicos nesse diálogo: As Teorias Científicas, A Construção de Modelos Matemáticos no Estudo da Física e a Mecânica Newtoniana. Além dos textos desenvolveremos um projeto de aprendizagem – Com Ciência no Trânsito – em parceria com a Secretaria Municipal de Transito de Sinop, com o objetivo de desenvolver tópicos da Mecânica no contexto da Engenharia de Trânsito, desenvolver estudos de estatística e probabilidade através de dados reais fornecidos pelo Departamento de Estatística da Secretaria e, principalmente trazer a discussão sobre a paz no Trânsito, orientados pelo Departamento de Educação no Trânsito. Na especificidade do ensino de ciências, Chassot (2001, p. 47) sublinha que “cada um de nós é continuamente convidado a rescrever [sic] uma nova História [...]. Precisamos da (re) leitura da Ciência como homens e mulheres latino-americanos que somos”. Há presente na concepção do Chassot um compromisso histórico que muitas vezes escapa, seja em função de uma “universalidade” que faz dos países emergentes apenas “copistas” “em detrimento dos saberes locais”, seja a armadilha de uma negação de modelos, prendendo-se a “guetização” do conhecimento (CHASSOT, 2001, p. 50). 11 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO BOTAN, Everton; CARDOSO Fabiano César. A Física, a Língua Brasileira de Sinais e a Divulgação Científica: a imobilidade da cinemática no ensino de Física. Sinop/MT: Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - Instituto de Física, 2008. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos: Segundo Segmento do Ensino Fundamental: 5 a a 8 a Série: V. 1: Introdução. 2002. 148 p. . Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial Educação Inclusiva: V. 1: A Fundamentação Filosófica. Coordenação Geral SEESP/MEC; organização Maria Salete Fábio Aranha. 2004. 28 p. . Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008. 19 p. CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2003. Nº 22. , Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. 2 a Edição. Ijuí: Editora Unijuí, 2001. 440 p. GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora Atlas, 5ª ed, 1999.
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