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Fernando A. Silveira – Introdução à Sistemática Biológica 21/06/13 1 NOMENCLATURA BIOLÓGICA Quando examinamos o esquema classificatório de um grupo qualquer de organismos, nem sempre nos damos conta de que duas tarefas parcialmente independentes foram desenvolvidas para que a classificação formal fosse atingida. Em primeiro lugar, há a tarefa de agrupamento dos organismos dentro de classes e, em segundo, a nomeação dessas classes ou táxons. Os princípios pelos quais os organismos são agrupados não são rigidamente definidos, mas dependem, em grande parte, da escola de pensamento taxonômico com o qual o/a taxonomista se identifica. Assim, como vimos anteriormente, cladistas só reconhecem grupos monofiléticos, enquanto gradistas aceitam, em suas classificações, tanto grupos mono quanto parafiléticos. Enquanto o tipo de grupo reconhecido como táxon em uma classificação é normalmente definido segundo critérios filosóficos, o nível em que determinado táxon é inserido em uma classificação é escolhido de forma inteiramente subjetiva, atendendo apenas à opinião dos taxonomistas que propõem a classificação. Assim, o grupo considerado por um taxonomista como gênero pode ser considerado como subgênero por outro. Assim, entre os especialistas em cada grande táxon, vamos encontrar os chamados spliters (“separadores”), que tendem a propor muitos táxons com um número relativamente pequeno de espécies, e os lumpers (“amontoadores”) que tendem a propor um número relativamente pequeno de táxons contendo um grande número de espécies. Um ponto, entretanto, é comum a todos os sistemas classificatórios atuais – em todos eles, os táxons são organizados hierarquicamente. Hierarquias Classificatórias Hierarquias são organizações em que diferentes classes de objetos são arranjadas em níveis ou categorias ordenados em seqüência. Talvez o exemplo mais familiar de hierarquia seja a hierarquia militar, em que os membros possuem diferentes postos (em ordem ascendente, soldado, cabo, sargento e, assim por diante, até general). Postos militares, entretanto, não são subgrupos uns dos outros. Assim, os soldados não são uma subdivisão dos cabos – cada indivíduo ocupa apenas um posto na hierarquia e, por isto, ela é chamada hierarquia restritiva ou excludente (exclusive). Em biologia, como Mayr (1982) chamou atenção, a escala natural seria um exemplo de hierarquia excludente, em que cada nível de perfeição seria um avanço do nível hierárquico imediatamente inferior mas não incluiria este nível inferior. Por outro lado, as classificações taxonômicas atuais são hierarquias inclusivas, em que cada organismo classificado é incluído em todos os níveis hierárquicos. Assim, nós, seres humanos, pertencemos à espécie Homo sapiens, ao gênero Homo, à família Hominidae e assim por diante, até o nível mais elevado, o reino Metazoa ou Animalia. Em nossas classificações, “espécie”, “gênero”, “família” etc são categorias ou níveis hierárquicos. Um grupo de organismos colocado em um nível particular dessa hierarquia é um táxon. Assim, Hominidae é um táxon que reúne os organismos agrupados com Homo sapiens na categoria de família. A questão de por que as nossas classificações são hierarquias inclusivas não é trivial. Na realidade, elas só se tornaram assim na passagem do século XVII para o século XVIII. Foi neste período que elas começaram a se libertar da organização excludente imposta pela Fernando A. Silveira – Introdução à Sistemática Biológica 21/06/13 2 idéia dominante da escala natural. Nossas classificações tornaram-se inclusivas quase acidentalmente, como conseqüência do esforço para que elas refletissem, como já discutimos, a ordem natural intuída no caos da diversidade biológica. Mayr (1982) chegou a sugerir que a organização hierárquica inclusiva das classificações vigentes tenha facilitado a Darwin propor sua teoria da evolução pela descendência. De fato, Darwin (1979) deixa bem claro que a natureza hierárquica de nossas classificações se deve ao fato de que elas refletem as relações “genealógicas” entre os organismos, todos originados de um único ancestral e, posteriormente, diversificando-se em ramos interligados por gerações consecutivas de ascendentes-descendentes. Lineu foi o grande responsável pela formalização do sistema hierárquico que utilizamos na taxonomia contemporânea e que é chamado, em sua homenagem, de sistema lineano ou hierarquia lineana. Originalmente, sua hierarquia incluía apenas quatro categorias dentro de cada reino (mineral, vegetal e animal) – classe, ordem, gênero e espécie (Mayr, 1982). Posteriormente, com o aumento da diversidade de organismos conhecidos, outros níveis básicos foram incorporados e essa hierarquia passou a ser considerada da seguinte forma: Reino Filo Classe Ordem Família Gênero Espécie Com a continuidade da descoberta e descrição de mais e mais organismos vivos, as categorias hierárquicas fundamentais do sistema lineano passaram a ser complementadas por níveis intermediários cujos nomes são construídos com a adição dos prefixos “infra” e “sub” ou “super” aos nomes da categoria básica imediatamente superior ou inferior, respectivamente, à do táxon nomeado. Dessa forma, superfamília é a categoria hierárquica situada imediatamente acima de família (e abaixo de ordem); infra-classe é uma categoria situada abaixo de classe (ou subclasse) e acima de ordem, e subfamília o situado imediatamente abaixo da família. A aplicação de todos esses prefixos a todas as categorias básicas e a adição de mais algumas categorias, como tribo, nos permite construir classificações com mais de 30 níveis hierárquicos (Simpson, 1961). Com o aumento contínuo da quantidade de espécies conhecidas e a perspectiva de que temos, ainda, algumas dezenas de milhões de espécies para nomear e classificar, existem propostas sendo discutidas para que abandonemos o sistema atual por outro em que o número de níveis categóricos não seja fixo. Nomenclatura Biológica Como já foi discutido anteriormente, o agrupamento dos organismos em classes hierárquicas é uma forma de organizar nosso conhecimento sobre os seres vivos. O simples ordenamento hierárquico, entretanto, é insuficiente para que a classificação cumpra suas funções e, para que um esquema classificatório seja útil, é preciso que se atribuam nomes aos vários agrupamentos definidos no processo de classificação, transformando cada um Fernando A. Silveira – Introdução à Sistemática Biológica 21/06/13 3 desses agrupamentos em um táxon. Os nomes nos permitem referir aos táxons de forma sintética, facilitando nossa comunicação sobre eles. Até a publicação das obras “Espécies de Plantas” e “Sistema Natural” por Lineu, na década de 1750, não havia um conjunto de regras nomenclaturais de aceitação ampla e os nomes dos organismos eram constituídos por uma a várias palavras ou por frases descritivas. O princípio básico do sistema nomenclatural lineano é que cada espécie tenha seu nome composto por um nome genérico e um nome ou epíteto específico. Esses nomes são sempre latinos, já que, até o século XVIII, o latim era a única língua empregada no ocidente para a publicação de obras científicas. Quando lemos a literatura taxonômica atual, podemos ser levados a crer que nada foi feito em termos de taxonomia, antes de Lineu. Isto não é verdade, entretanto. A maioria das plantas e animais mais comuns associados à floresta atlântica brasileira, por exemplo, foi minuciosamente descrita pelos jesuítas (muitos deles, grandes naturalistas) ao longo dos dois primeiros séculos da colonização portuguesa de nosso país. Entretanto, dada a superioridade do