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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO TEORIA E HISTÓRIA DO URBANISMO “O URBANISMO” FRIEDRICH ENGELS E WALTER GROPIUS JULIANA ALMEIDA MOTA ABRIL / 2016 FORTALEZA, CE 1. INTRODUÇÃO O urbanismo como disciplina de caráter crítico e reflexivo e pretensões cientificas, surge no fim do século XIX, segundo Françoise Choay, neste período é despertada uma consciência da problemática que tomou conta das cidades industriais, resultantes do seu intenso e acelerado processo de urbanização. Este vem para resolver um problema, o planejamento da cidade maquinista. Aqueles que buscaram respostas e soluções para os dilemas da cidade maquinista e suas relações sociais durante o século XIX são os chamados “pré- urbanistas”, estes eram homens comuns “[...]dirigentes municipais, homens da igreja, principalmente médico e higienistas [...]políticos” (CHOAY, 2003, p.5), pensadores, que se dedicaram a analisar, criticar e denunciar a situação. E que situação era essa? Segundo Leonardo Benévolo em “O ambiente da Revolução Industrial”, a cidade maquinista do século XIX é resultante da revolução industrial, processo que aconteceu em meados do século XVIII, onde o surgimento de novas tecnologias (dentre elas a máquina à vapor), ascensão do capitalismo, entre outros, culminou em um forte processo de industrialização e mecanização do trabalho, que somados ao êxodo rural, resultou em um extraordinário aumento populacional e uma acelerada e desorganizada urbanização das cidades, principalmente na Inglaterra, local onde iniciou-se a revolução. “A concentração da população em algumas cidades, no entanto, originou a consequente escassez de habitações e a descida do nível das condições de vida.” (GOITIA, 2003, p.153). Surge uma nova ordem urbana, para atender aos anseios da sociedade industrial. Segundo Choay (2003, p.4) pode-se defini-la através de algumas características: [...]racionalização das vias de comunicação, com abertura de grandes artérias [...]setores urbanos [...]. Finalmente a suburbanização assume uma importância crescente: a indústria implanta-se nos arrabaldes, as classes média e operária deslocam-se para os subúrbios e a cidade deixa de ser uma entidade espacial bem delimitada. A nova ordem, provoca nos pensadores pré-urbanistas um movimento de reflexão, assumindo dois aspectos: descritivo, no qual buscam analisar os fatos isoladamente de forma quantitativa e entender o fenômeno da urbanificação (crescimento espontâneo das cidades); e pelo aspecto da polêmica, que de forma crítica e normativa analisa a situação da cidade industrial e choca-se com ela, tratando-a como um processo patológico. Estes denunciam “[...]a higiene física deplorável das grandes cidades industriais: o habitat insalubre do trabalhador [...]os lixões fétidos amontoados e a ausência de jardins públicos nos bairros populares.” (CHOAY, 2003, p.6). Este cenário leva os pensadores a analisarem a sociedade como um todo, e a perceberem as relações de rivalidade de classes, exploração do homem pelo homem visando o lucro e a alienação no trabalho. Surgindo assim propostas para o ordenamento urbano, que são construídas no imaginário, utópicas projeções espaciais de uma cidade futura. 2. ANÁLISE DOS PENSADORES Choay separa os pré-urbanistas em “modelos” de acordo com as semelhanças e objetivos se suas propostas, são eles o modelo progressista (que se desenvolve no futuro e busca resolver os problemas do homem-tipo) o modelo culturalista (voltam-se para o passado e para a nostalgia, o indivíduo é um ser único e insubstituível) e os sem modelo (criticam a cidade industrial mas não propõe um modelo espacial de cidade). Os urbanistas, são técnicos especialistas, arquitetos, e vão além da teoria, agindo também na prática, aplicando suas ideias. Choay os separa também em modelos: nova versão dos progressistas (que tem por ideia chave a modernidade, o uso de novos materiais e possiblidades permitidos pela indústria no século XX); a nova versão dos culturalistas ( tem por ideia a chave que a totalidade prevalece sobre as partes, conceito cultural de cidade e põe limites ao crescimento das cidades); surge também um novo modelo, o naturalista (radicalmente utópico, tem como ideal o contato com a natureza, a harmonia do homem, e as funções urbanas dispersas em pequenas unidades em meio a natureza.) Foram escolhidos para um estudo mais profundo, o pré-urbanista sem modelo Friedrich Engels e o urbanista progressista Walter Gropius. 2.1 Friedrich Engels (1820 – 1895) Friedrich Engels, filósofo alemão, foi um dos fundadores da sociologia urbana. Nascido em Barmen, filho de um rico industrial alemão, impressionou- se com a condição de extrema pobreza dos operários das fábricas de sua família, localizando-se uma delas em Manchester. Dedicou-se a pesquisar e analisar os slums de cidades como Londres, Edimburgo e Manchester, além de se utilizar de dados e testemunhos como “relatórios de polícia, artigos de jornais, grandes obras, como também os relatórios das comissões Reais” (CHOAY, 2003, p.6), os quais serviram para embasar livros e teorias tanto suas como também de Karl Marx, do qual era parceiro. Engels e Marx são considerados como sem modelo pois não se propõem a planejar um modelo espacial de cidade, pois “[...]se recusa radicalmente a separar a questão do alojamento de seu contexto econômico e político.” (CHOAY, 2003, p.139), também não acreditam que a revolução industrial não devia ter acontecido e que a cidade industrial era desordenada, pois para Engels a cidade era o lugar onde a história acontecia, e esta possuía a ordem que lhe cabia mesmo que esta fosse “desordenada”. Para ele a cidade maquinista só percebeu o alto custo de suas “decisões” mais tarde: “[...]só então é que começamos a nos dar conta de que esses londrinos tiveram de sacrificar o melhor de sua condição de homens para realizar todos os milagres da civilização” Engels (séc. XIX, apud CHOAY, 2003, p.140). Sobre a segregação dos pobres, Engels afirma que toda cidade tem “bairros ruins” e estes são destinados ao proletariado “[..]longe do olhar das classes mais felizes” (CHOAY, 2003, p.141), suas casas construídas irregularmente e de forma muito semelhante: enfileiradas, em ruas não pavimentadas, sujas, sem esgoto e pouca ventilação, a exemplo de Saint Giles, a qual Engels (séc. XIX, apud CHOAY, 2003, p.141), descreve: Constitui-se numa massa de casas de três ou quatro andares, construídas sem planejamento, com ruas estreitas, tortuosas e sujas[...] As casas são habitadas dos porões aos forros, tão sujas por fora quanto por dentro, com um aspecto tal que ninguém desejaria morar nelas. Concluindo que: “só uma raça desumanizada, degradada, rebaixada a um nível bestial [...] pode ali sentir-se à vontade e em casa.” (Engels, séc. XIX, apud CHOAY, 2003, p.144). Anos depois Engels, ocupa-se em discutir as soluções que são recomendadas por seus contemporâneos para remediar a situação, faz isso em seu livro A questão da habitação. Para ele a crise da habitação não era algo novo e só havia tanta repercussão sobre o assunto porque já havia atingido a pequena burguesia, que assim deveria ser resolvida: “Para pôr fim a esta falta de habitação, há apenas um meio: eliminar pura e simplesmente a exploração e opressão da classe trabalhadora pela classe dominante.” (ENGELS, 1988, p.16). Essa revolução social deveria ser realizada pelo proletariado, de acordo com Engels(1988, p.23): Só o proletariado criado pela grande indústria moderna, libertado de todas as cadeias do passado, inclusive as que o amarravam à terra, e reunido nas grandes cidades é capaz de realizar a grande transformação social que porá fim a toda exploração e dominação de classe. Os antigos tecelãos manuais rurais com casa e lar nunca seriam capazes disso, nunca teriam podido conceber tal idéia e menos ainda teriam encontrado a vontade de realizá-la. Portanto para Friedrich Engels querer resolver o problema da habitação com modelos espaciais utópicos era inútil. Engels (1988, p.87): Quanto a querer resolver a chamada questão da habitação, isso me ocorre tão pouco como me ocupar com a questão mais importante da alimentação. Fico satisfeito se puder demonstrar que a produção da nossa sociedade moderna chega para proporcionar alimentação suficiente a todos os membros da sociedade e que existem casas suficientes para oferecer provisoriamente alojamento espaçoso e sadio às massas trabalhadoras. Especular sobre como uma sociedade futura regulará a divisão da alimentação e das habitações, conduz diretamente à utopia. 2.2 Walter Gropius (1883 – 1969) Walter Gropius foi um arquiteto alemão, nascido em Berlim. Trabalhou no escritório de Peter Behrens (arquiteto e designer industrial) do qual recebeu influências do futuro modernismo. Em 1910 abriu seu próprios escritório, projetando a fábrica Fagus, que demonstra desde já sua preferência pelo uso de novos materiais como o aço e o vidro, típicos do modernismo. Serviu durante a 1ª Guerra Mundial e ao fim desda foi indicado por van de Velde a dar continuidade a Escola de Arte de Weimar. Fundando a Bauhaus, escola de arquitetura e arte de vanguarda. Devido aos conflitos políticos do pós-guerra, Gropius transfere a escola para Dessau, onde teria o apoio das autoridades locais. Para Gropius (1971, p.30) a Bauhaus e ele próprio tinham uma missão: Achava que, antes de tudo, era mister demarcar novamente a meta e o campo de atividade do arquiteto, uma tarefa que eu no entanto, não podia esperar realizar com minha própria contribuição arquitetônica; isso só seria alcançado com o preparo e a formação de uma nova geração de arquitetos. [...] Nosso alvo era o de eliminar as desvantagens da máquina sem sacrificar nenhuma de suas vantagens reais. Procuramos criar padrões de qualidade e não novidades transitórias. Gropius é considerado um dos urbanistas progressistas, que tinham como princípio a modernidade, por meio do uso de novos materiais (aço e concreto), a busca pela eficácia, através da racionalização das formas sintetizando a indústria e a arte. Segundo Choay, Gropius foi essencialmente um professor, e esse foi o seu papel na Bauhaus: transmitir suas ideias e conhecimento. No campo do urbanismo, acreditava que através da padronização de modelos de habitação, e por meio da pré-fabricação, poderia chegar a um espaço urbano organizado e eficiente. Um modelo standard (forma-tipo simplificada através da melhoria) já havia sido aceito em outras épocas e culturas e era símbolo de um povo civilizado e organizado. Como afirma Gropius (1972, p. 119): O desejo de reproduzir uma boa forma “standard” parece ser uma função da sociedade humana, e já o era bem antes da revolução industrial. [...]Nossas futuras casas não serão necessariamente produtos estereotipados como consequência da padronização e da padronização. Acreditava que a concorrência natural do mercado iria solucionar o problema da padronização, criando diferentes formas do mesmo produto. A industrialização da construção e a venda em partes dos elementos torná-la-ia mais barata, rápida e menos onerosa. Além do que, a indústria já estava produzindo elementos para a construção, mas sem a participação dos arquitetos em seu planejamento. Gropius (1972, p. 124): Devemos, pois, apressar-nos em recuperar o terreno perdido e preparar a jovem geração de arquitetos para a dupla tarefa: em primeiro lugar, entrar na indústria de construção e tomar parte ativa no projeto e no desenvolvimento dos elementos de construção a serem fabricados e, em segundo, aprender a compor belos edifícios com essas partes pré-fabricadas. Walter Gropius preocupou-se desde a forma das unidades de habitação à forma das cidades. Estudou as funções do alojamento, da rua e da cidade. Buscou um tipo ideal de construção, dividindo-se entre: a casa individual com jardins, os prédios de dois a cinco andares e os prédios de oito a doze andares. Porém, entende que esse modelo standard é um protótipo que deve ser adequado às necessidades de cada família, levando ainda em consideração as condições climáticas, da região em que será implantado, tendo o modelo a finalidade de garantir que as necessidades e funções básicas sejam atendidas. “O problema da habitação mínima é questão de um mínimo elementar de espaço de ar, luz, calor que o homem precisa[...] Este mínimo varia segundo as condições locais da cidade e país.” (GROPIUS, 1972, p.151). Em 1972, Walter Gropius entregou a direção da Bauhaus, por conflitos políticos, dedicando-se exclusivamente aos seus trabalhos pessoais ligados ao alojamento, pondo em prática em duas cidades operárias: Dammerstock de Karlsrhe (1927-1928) e Siemenstadt de Berlim (1928). Em 1934 mudou-se para Inglaterra e em 1937 para os EUA, onde foi diretor da Faculdade de Arquitetura de Harvard e abriu um escritório de arquitetura contribuindo para a arquitetura americana no chamado estilo internacional. “Satisfazer a psique humana por meio da beleza é tanto ou mais importante para uma vida civilizada quanto satisfazer a nossa necessidade material de conforto.” (GROPIUS, 1972, p.117). 3. CONCLUSÃO Estes dois grandes pensadores do urbanismo diferem-se em vários aspectos de ideologia. Separados por um século, buscam de formas diferentes resolver o problema das cidades que herdaram da revolução industrial. Enquanto Engels busca, através da crítica intelectual, a transformação da cidade maquinista por meio de uma nova revolução, desta vez social. Gropius funda uma escola para disseminar sua opinião, e não só propõe modelos como os põe em prática, tirando proveito das possibilidades da indústria para solucionar o problema que foi “criado” por ela. Percebe-se ainda, que apesar de tão diferentes, os dois tinham em comum a ideia de que a revolução industrial não havia sido de todo mal, pois trouxe novas possibilidades para a humanidade que antes não seriam possíveis. 4. BIBLIOGRAFIA CHOAY, Françoise. O Urbanismo: Utopias e realidades uma antologia. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. 350 p. ENGELS, Friedrich. A questão da Habitação. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988. 88 p. GOITIA, Fernando Chueca. Breve História do Urbanismo. 5. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2003. 209 p. GROPIUS, Walter. Bauhaus: Novaarquitetura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. 221 p. (Coleção Debates) PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno: De William Morris a Walter Gropius. 2. ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1995. 239 p. 3 PEDAGOGIA & COMUNICAÇÃO (Brasil) (Ed.). Friedrich Engels. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/friedrich-engels.htm>. Acesso em: 22 abr. 2016. 3 - PEDAGOGIA & COMUNICAÇÃO (Brasil) (Ed.). Walter Gropius. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/walter-gropius.htm>. Acesso em: 22 abr. 2016. ATLAS (Ed.). Walter Gropius. Disponível em: <http://bauhaus-online.de/en/atlas/personen/walter-gropius>.Acesso em: 22 abr. 2016.
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