Buscar

Entrevista MGM Jornal de Domingo.Campo Grande.24fev2008

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 4 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

���24 de fevereiro de 2008
Circulando desde Fevereiro de 1992
  
Entrevista - Gilmar Ferreira Mendes 
Ministro Gilmar Ferreira Mendes
"As denúncias têm que ser bem fundamentadas"
A entrevista da semana é com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Ferreira Mendes, advogado com título de Mestrado e Doutorado na Westfälische Wilhelms - Universität Münster, na República Federal da Alemanha
Jornal de Domingo – Após a adoção da súmula vinculante e da repercussão geral, é possível dizer que o STF encontrou o caminho para o eficaz enfrentamento da morosidade dos julgamentos?
Gilmar Mendes – Embora acredite que estamos no caminho certo, ainda é muito cedo para dizer que a súmula vinculante vem cumprindo seu papel de desafogar o Judiciário. Temos poucas súmulas editadas. Precisamos nos debruçar sobre o trabalho de feitura de súmula, que é muito difícil, pois há um temor de que, editada a súmula, não possamos, pelo menos em um curto espaço de tempo, revisitá-la. Daí a necessidade de selecionarmos bem as matérias. Todavia, acreditamos que a súmula cumprirá um papel importante de racionalização do afazer judicial, evitando que orientações já pacificadas tenham de ser a toda hora reafirmadas pelo Tribunal.
Atualmente há três súmulas vinculantes em vigor. Para a aprovação de uma súmula, o Tribunal precisa fixar uma orientação jurisprudencial, e aprová-la por dois terços dos votos do Plenário. É um processo longo. Na última rodada, tínhamos dez propostas de súmula e três foram aprovadas. O Tribunal tem hoje a tendência não apenas de adotar a súmula vinculante, com maior ênfase, como também a repercussão geral, que permite à Corte selecionar os processos mais relevantes e que geram conseqüências na vida do cidadão. 
Inspirada, em alguma medida, na fórmula americana, o instituto da repercussão geral certamente necessitará de certo lapso de tempo para que possa se firmar entre nós. Afinal, são anos de prática do Recurso Extraordinário como um recurso individual. Temos que mudar essa concepção de forma a introduzir uma nova cultura judiciária na população e, especialmente, na comunidade jurídica, que estava acostumada a levar seus pleitos para o STF, tivesse ela razão ou não, fossem as questões relevantes ou não. 
Dependemos, portanto, da conjugação desses dois institutos para um código de maior racionalidade. Isso, evidentemente, não significa que o Tribunal deixará de julgar as causas, mas, certamente, que irá projetar decisões com efeito vinculante, que de fato fixem jurisprudência.
O caminho está, portanto, sendo construído pelo Poder Público brasileiro, tendo o Judiciário e o Legislativo papéis fundamentais na consecução deste desiderato. São exemplos concretos desse trabalho conjunto: a própria Emenda Constitucional nº 45/04, a edição das Leis nº 11.417/06, 11.418/06 e 11.419/06, bem como a sua regulamentação pelo Supremo Tribunal Federal. Neste ano de 2008, espera-se que o STF dê mais alguns passos em direção à implementação da súmula vinculante e da repercussão geral.
Jornal de Domingo – De que forma pode o Supremo Tribunal Federal tornar-se uma Corte exclusivamente Constitucional?
Gilmar Mendes – Na verdade, tenho defendido que o Supremo Tribunal Federal já é uma Corte Constitucional, com competências adicionais. 
O Tribunal desempenha funções típicas de uma Corte Constitucional, analisando e julgando processos de caráter objetivo, tais como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e os conflitos federativos, por exemplo. 
No que se refere às competências que reputo adicionais, a Emenda Constitucional n. 45/2004 transferiu para o Superior Tribunal de Justiça a competência para a homologação de sentenças estrangeiras. Outros institutos, como por exemplo a extradição, continuam, por razões históricas, sendo julgados no Supremo Tribunal Federal. 
Ademais, o processo de objetivação do recurso extraordinário e a exigência de repercussão geral nesses feitos trazem promissoras perspectivas nesse sentido.
As minhas expectativas são as melhores possíveis. É preciso que tenhamos a capacidade de fazer alguns ajustes, o que permitirá ao Supremo Tribunal Federal ocupar-se somente das questões constitucionais relevantes e cumprir plenamente as funções de uma Corte Constitucional. 
Jornal de Domingo – O acesso público pela TV aos julgamentos do STF é salutar?
Gilmar Mendes – Reputo de extrema importância o acesso da população aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal pela televisão e também pela rádio, e em tempo real, o que a possibilita exercer sua cidadania de maneira plena.
No dia 20 de fevereiro último, em solenidade realizada no Tribunal, a presidente Ministra Ellen Gracie e o Ministro das Comunicações, Hélio Costa, celebraram o início das transmissões da TV Justiça no sistema digital, o que fortalecerá o objetivo de a emissora firmar-se como uma TV pública efetiva, que, mantida integralmente com o dinheiro do contribuinte, tem a obrigação de ser acessível a todos os cidadãos.
Tenho conhecimento de que alguns dos programas emitidos pela TV Justiça têm tido audiência elevada, e a assistência aos julgamentos das sessões plenárias do Tribunal refletem justamente a preocupação da população brasileira sobre os grandes temas que afetam a comunidade. 
Penso que a TV e Rádio Justiça prestam grande serviço à publicidade das atividades do Judiciário. Na minha visão, ainda é preciso fazer com que o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, faça parte do imaginário cultural do povo brasileiro. A aproximação que se faz por meio dos meios de comunicação tem que acontecer também nos demais órgãos públicos, nas escolas, nas instituições parceiras dos serviços públicos, dentre outros.
O acesso público ao Judiciário pelo rádio e pela televisão e, agora, com sinal digital, é mais um passo na aproximação do Judiciário com todos os cidadãos e na democratização das informações sobre a Justiça. 
Jornal de Domingo – O senhor teria um estudo que mostra que metade das denúncias do Ministério Público são ineptas, isso não é inconseqüência? Não deveriam ser ressarcidos os que são desmoralizados injustamente?
Gilmar Mendes – Não há um estudo sistematizado ainda. O que há são dados tópicos que demonstram o alto índice de rejeição das denúncias apresentadas originariamente ao Supremo Tribunal Federal. Esse dado merece ser elucidado com mais rigor técnico-científico para que políticas públicas adequadas possam coibir eventuais desvios e abusos nessa seara.
O que se há de considerar nesses casos é que o simples fato de uma conduta ser moralmente reprovável ou até constituir irregularidade administrativa não deve justificar, por si só, a propositura de uma ação penal. 
E as denúncias têm que ser bem fundamentadas, de modo a oferecer substrato a uma persecução criminal minimamente aceitável. Não podem, portanto, ser lastreadas em suposições. E isso porque denúncias genéricas, imprecisas e vagas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, além de traduzirem persecução criminal injusta, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito e são incompatíveis com o postulado do direito à defesa e ao contraditório e com o princípio da dignidade humana que, entre nós, tem base positiva no artigo 1o, inciso III, da CF. 
Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. 
Não se pode dar curso a ação penal que, a priori, já se sabe inviável. A transformação do processo penal em instituto de penalização é reveladora de uma visão totalitária, muito comum nos países do socialismo real, e não pode ser referendada pelo Judiciário.
A questão crucial, neste caso, é que o processo penal não pode ser utilizado como instrumento de perseguição. Não se pode perdera dimensão de que o rigor e a prudência devem ser observados, não somente por aqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais, mas, sobretudo, por aqueles que podem decidir sobre o seu curso.
Jornal de Domingo – Julgamentos polêmicos estão sendo pautados e pré-definidos pela imprensa?
Gilmar Mendes – Não, de forma alguma. Muito embora haja um saudável diálogo entre o Poder Judiciário e a Imprensa, gerando conseqüências positivas para a publicidade, o que acaba fortalecendo a própria democracia brasileira, as pautas, pelo menos as do Supremo Tribunal Federal, são definidas a partir de uma avaliação institucional, que leva em conta critérios técnico-jurídicos e de política judiciária, havendo um setor especializado da Presidência da Corte, composto por assessores e técnicos altamente qualificados, encarregado desse mister.
O que se há de observar é a necessidade de os órgãos judicantes não se deixarem influenciar pelos – assim dizer – "julgamentos prévios" por parte da imprensa e da opinião pública. Volto aqui aos casos de recebimento de denúncias fortemente ineptas por juízes e tribunais que, às vezes, podem traduzir essa hipótese. 
Trata-se de situações marcadamente deturpadas, nas quais o juízo de acolhimento de denúncias ineptas é norteado pela satisfação de um determinado anseio identificável na opinião pública. Algo que, na prática judicial brasileira, tem assumido o nome de "in dubio pro societate", em contraposição à lógica das garantias constitucionais de presunção de não culpabilidade, o "in dubio pro reo". É evidente a erronia dessa orientação e a ameaça que a sua adoção pode trazer para a credibilidade do Judiciário e para o fortalecimento das instituições democráticas. 
Jornal de Domingo – A indicação de ministros pelo Presidente é salutar para as instituições?
Gilmar Mendes – Na verdade o Presidente não indica os Ministros do Supremo Tribunal Federal, mas os nomeia, depois de aprovada a escolha de nomes pelo Senado Federal, e por maioria absoluta, conforme reza o parágrafo único do art. 101 da Constituição de 1988. Estamos aqui diante pleno atendimento das normas constitucionais e da preservação do Estado Democrático de Direito.
Trata-se, portanto, de uma escolha constitucional e que se fundamenta em modelos do Direito Comparado, com adaptações. Não há como avaliar qual dos modelos existentes traria melhores resultados, pois tudo depende de como estas indicações repercutem na vida institucional do país. Eleições diretas, eleições indiretas, indicações de diversos órgãos, modelos mistos, etc... todas estas são soluções que, por si sós, não qualificam ou desqualificam os modelos. Tudo depende do contexto histórico, do papel que cada indicado acaba exercendo nas respectivas instituições, enfim, é difícil obter uma avaliação segura, que permita afirmar que um modelo seria melhor que outro.
Jornal de Domingo – A Justiça é a instância suprema do país. Ela tem se portado a altura dessa envergadura? 
Gilmar Mendes – A Constituição de 1988 reforçou enormemente o Judiciário como poder. Há vários aspectos positivos. O Judiciário, enquanto organismo autônomo, assumiu um caráter um tanto quanto insular. Houve um ensimesmamento e certo alheamento em relação ao conjunto. Cada tribunal se tornou um ente autônomo e perdeu-se um pouco a perspectiva do todo. Por isso, temos discutido hoje as bases de um novo modelo de planejamento e a necessidade de maior transparência nas atividades judiciais em geral, especialmente nas atividades administrativas. Estamos em outro contexto, inclusive de aprendizado institucional, com a introdução do Conselho Nacional de Justiça. 
É necessário fazer correções, especialmente no que concerne às questões de organização, transparência e celeridade na prestação jurisdicional. É preciso ter a visão de que o Poder Judiciário também é um prestador de serviço, e que a crise processual do Judiciário, em termos de estatística, é um dado positivo, pois mostra que as pessoas estão recorrendo à Justiça. E se elas recorrem ao Judiciário é porque acreditam nele. Em 2001, constituímos os Juizados Especiais Federais com 200 mil processos, e em pouco tempo esse número aumentou. Isso é negativo de um lado, mas mostra que pessoas que não eram atingidas pelo modelo do Judiciário tradicional passaram a recorrer aos Juizados Especiais. Isso é democratização de acesso.
Temos vários problemas apontados nos muitos diagnósticos e pesquisas. De um lado, a demora no processo decisório; do outro, uma certa indefinição em uma série de questões. Precisamos aprimorar-nos no que concerne a uma maior celeridade na prestação jurisdicional. Às vezes, a Justiça não está presente em alguns lugares do país, devido a deficiência de distribuição no território nacional. Demos passos significativos, por exemplo, no âmbito da Justiça Federal, com o processo de interiorização dos juizados especiais, mas ainda há carências. Há, portanto, um grande desafio no que diz respeito ao planejamento da prestação jurisdicional. Nesse sentido, imagino que o próprio Conselho Nacional de Justiça possa dar uma efetiva contribuição, permitindo-nos fazer as análises corretas e prever ações compatíveis com esses diagnósticos. 
É difícil falar nas principais conquistas. Há um quadro de legitimidade e de credibilidade que se vem construindo ao longo dos anos. Mas, especialmente nos últimos tempos, tenho a impressão de que se definiu a idéia de independência institucional do Judiciário e a independência funcional do juiz, marcadas em diferentes disposições da Constituição e no modelo legal que se vem construindo. Nesse contexto, podemos referir-nos hoje à autonomia financeira e administrativa do Poder Judiciário, que são elementos importantes dessa independência institucional. 
É fundamental que saibamos preservar a independência do Poder Judiciário. Há experiências históricas que nos mostram que é possível que exista o direito ao devido processo legal e o princípio do Estado de Direito, sem um catálogo de direitos fundamentais. Mas não se conhece nenhuma experiência de êxito, de respeito aos direitos básicos do cidadão, sem a independência judicial. Portanto, é fundamental que não percamos isso de vista, não por interesse do Judiciário, mas pensando na defesa dos direitos do cidadão.
Penso que há avanços significativos e que o Judiciário tem dado respostas positivas aos desafios lançados pela Constituição de 1988 e, ainda, que vem cumprindo de forma satisfatória seu papel junto à sociedade brasileira. 
E especialmente o Supremo Tribunal Federal, que é a instância suprema desse poder, vem exercendo sua missão constitucional da melhor forma possível. Infelizmente não há estudos, ou pelo menos ainda não são conhecidos, que revelem dados acerca da importância social e da influência do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, nos demais setores da sociedade brasileira. Mas, numa visão geral, entendo que a Justiça vem cumprindo sua missão constitucional.

Continue navegando