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RESUMO – Acidente vascular encefálico Por Francisco Isensee Objetivos: 1) Diferenciação dos AVEs 2) Classificação dos AVEs 3) Etiologias 4) Síndromes 5) Tratamento O QUE É AVE? Define-se como AVE uma obstrução ou uma oclusão ou uma interrupção de fluxo sanguíneo em alguma região do cérebro, causada por motivo exclusivamente vascular. Se não houver um motivo vascular, não é caracterizado como AVE. Existe uma confusão muito grande sobre isso. Por exemplo, quando uma pessoa tem uma neoplasia e, por isso, o sangue fica um pouco mais denso e circula mais devagar pela região, pode propiciar a formação de um coágulo e isso pode gerar um AVE. Antigamente, colocava-se como a causa base do AVE a neoplasia, no entanto, na verdade, a causa do AVE foi o coágulo. A neoplasia agiu indiretamente, no entanto não faz parte da síndrome. Erro de nomenclatura: Geralmente, ao falar sobre o acidente vascular encefálico, as pessoas usam o termo “AVC”, no entanto, o correto é o termo “AVE”. Uma vez que o AVE mais comum é o AVC, os termos acabaram se transformando em sinônimos. O AVC trata-se do acidente vascular cerebral, que inclui apenas o telencéfalo e os hemisférios, porém existem os AVEs de tronco encefálico (AVTE), de cerebelo (AVCE), de ponte (AVP) ... (bem mais fatais). A palavra “derrame” é erroneamente usada pelo meio acadêmico para denominar o AVE. No entanto, o “derrame” está associado apenas ao AVE hemorrágico (o AVEi não é derrame). DIFERENCIAÇÃO DOS AVES e ETIOLOGIAS Existe o tipo isquêmico e o hemorrágico. Nos tipos hemorrágicos, existe o subaracnóideo (acometimento de artérias maiores) e o intraparenquimatoso (acometimento das arteríolas). Existe também o AVE subdural e epidural, no entanto são extremamente raros. O subdural está mais relacionado às veias pontinas, mas é muito raro e geralmente é fatal. Os protocolos basicamente só tratam do AVE hemorrágico subaracnóideo ou intraparenquimatoso. As hemorragias subdurais e epidurais estão mais associadas à traumas. O intraparenquimatoso é sempre, basicamente, devido à aneurisma de Charcot-Bouchard (microaneurismas). Esses aneurismas são comuns em hipertensos. A artéria mais comumente envolvida é a artéria cerebral média e afeta principalmente os núcleos da base (putamen e tálamo), ponte, cerebelo e lobos cerebrais. O subaracnóideo é devido a aneurismas de grandes artérias, podendo ser do tipo sacular ou fusiforme. Atualmente, os protocolos referem-se aos AVEs hemorrágicos não mais como AVEs e sim como Hemorragias Intracranianas Espontâneas, justamente porque existe a possibilidade de ocorrer uma hemorragia espontânea sem ser de decorrência vascular, como o caso da neoplasia. Nos tipos isquêmicos, são inúmeras causas. Esse tipo é causado por uma obstrução ou oclusão do vaso. Logo, qualquer coisa que interromper o fluxo, sem ser por extravasamento de sangue, é considerado uma isquemia. Basicamente, as formas de ocasionar essa oclusão se dividem em duas grandes causas: 1) Aterotrombose 2) Embolia Observação: Aterotrombose é diferente de aterosclerose (os livros se atrapalham quanto a isso). O embolo pode ser formado por uma aterosclerose ou por uma arritmia. E a aterotrombose é causada por uma aterosclerose. Aterotrombose Um vaso arterial intracraniano teve aterosclerose (irritação da parede vascular, que gera inflamação e cria um trombo), gera o trombo, que pode estenosar o vaso por uma diminuição da pressão (oclusão) ou o trombo pode entupir o vaso, causando uma obstrução. Na aterotrombose não tem êmbolo (que viria de outro lugar do corpo). A própria artéria inflamada (devido à vários fatores como DM, HAS, colesterol alto...) que formou o trombo que obstruiu o fluxo ou a parede do vaso está “grande” o suficiente para que ele se feche (como na imagem 2). É comum a trombose de grandes e pequenos vasos. Em pequenos vasos, gera o AVE comum, chamado de AVE lacunar. Embolia Quando ocorre a formação de um trombo em algum lugar do corpo e o trombo se solta, indo para outra parte do corpo, é chamado de fenômeno do tromboembolismo. Nesse caso, o embolo pode ser formado de duas maneiras: 1. Embolo vasogênico (um vaso sanguíneo gerou o embolo) → pode ser arterial (embolo artero-arterial) ou venoso (embolo veno-arterial). 2. Cardioembolo → ocorre devido a vários motivos O embolo arteroarterial (mais comum dos êmbolos vasogênicos) foi causado por qualquer artéria (seja carótida, por ramos do arco da aorta...). A artéria tem aterosclerose, forma um trombo, que se solta e vai para a circulação encefálica até que encontra um vaso com o seu diâmetro e o entope, criando uma inflamação na região e cria um novo trombo, que pode inclusive se desprender e ir mais para a frente, gerando outra obstrução (trombo secundário). O embolo venoarterial é chamado de paradoxal. Ele veio de uma veia, no entanto, para ele ter vindo de uma veia e subido para o encéfalo, ele precisaria de um problema cardíaco pré-existente, algo que permita um shunt direita- esquerda. Uma causa comum desses êmbolos é o forame oval patente (FOP). Observação: AVE LACUNAR As lacunas são lesões de pequeno tamanho (menor que 1 cm de diâmetro), ocorrendo em consequência de danos em arteríolas de pequeno calibre. Quadro: hemiparesia ou hemiplegia proporcionada, completa, sem alterações de sensibilidade associadas e, especialmente, hemiplegias à direita em destros sem comprometimento da fala. O início é abrupto. Obs.: É chamado de “paradoxal” porque não deveria ter acontecido. Se a vítima não tivesse o shunt (seja por FOP, por tetralogia de Fallout...), isso não teria acontecido. Nesses casos de embolo venoarterial seria possível ocorrer um tromboembolismo pulmonar, no entanto o encefálico só ocorreu por causa do shunt. Já no cardioembolismo, pode acontecer: 1) O coração tem algum problema valvar, seja por Lúpus, endocardite, febre reumática..., que causou uma vegetação na válvula e essa vegetação se desprende e sobe para a circulação encefálica. Nesse caso, pode ocorrer uma infecção (encefalite), uma vez que as artérias seguem até o parênquima e se a vegetação (que contém bactérias) subir, gera uma encefalite (que pode ocorrer sem a meningite ou pode haver a meningite sem encefalite). Em geral, o que ocorre é que a vegetação gera um trombo e o trombo sobe e gera o AVE. 2) O coração tem uma arritmia. As mais comuns são a fibrilação atrial (pode ser decorrente de uma febre reumática, idiopática...) ou hipocinesia ventricular (o ventrículo se mexe pouco, gerando congestão sanguínea, que pode gerar trombo por coagulação). A fibrilação atrial acaba gerando pequenos trombos que sobem e entopem alguma veia. Além desses motivos, pode ocorrer por outras causas: vasculite (porém vasculites em geral causam o hemorrágico, porque o vaso doente acaba partindo); paraneoplasia (o tumor provoca uma congestão, deixa o sangue mais grosso, favorecendo a formação de trombo e embolo. Quem tem câncer encefálico tem que tomar cuidado...); causa desconhecida (quando não se fez todos os exames possíveis para confirmar a causa), causa criptogenica (quando se fez todos os exames possíveis, mas não se achou a causa); causa indeterminada (quando tem mais de um fator de causa). TRATAMENTO Atendimento pré-hospitalar Atendimento inicial: glicemia, pressão, gasometria, etc. Observação: Indicação para diminuir HAS em AVE: - Hemorrágico: PAM menor que 130 mmHg - Isquêmico: Se for trombolisar: PAs menor ou igual a 185, PAd menor ou igual a 110 mmHg Obs.: redução da pressão em AVE deve ser feto com cautela, por causado risco de fazer hipoperfusão cerebral e aumentar a área de hipóxia. Tratamento de pressão no AVCi: Pct com pressão alta (240x180), reduzir a pressão devagar ao longo de dias e meses, porque a redução brusca pode provocar infarto, angina e AVE. Em casos de emergência hipertensiva: edema ou encefalopatia → reduzir PA de forma mais rápida Observação: CHADS2 É um método de estratificação do risco de eventos cardiovasculares (formação de trombos a partir da fibrilação atrial), sendo útil na decisão terapêutica em doentes de moderado/alto risco. Os guidelines norte-americanos de fibrilação atrial têm recomendado a aplicação do escore CHADS2 para a estratificação do risco de eventos tromboembólicos em portadores desta arritmia. Cada fator de risco soma 1, exceto o último, que vale 2 pontos: C (Congestion) = insuficiência cardíaca congestiva H (Hypertension) = hipertensão arterial sistêmica A (Age) = idade > 75anos D (Diabetes) S (Stroke) = acidente vascular encefálico prévio (AIT ou AVE) = 2 pontos - Escala de Cicinnati (mais usado): Nesta escala, serão avaliados a queda facial, a debilidade dos braços e a fala anormal, onde, pacientes com aparecimento súbito de um destes três achados possui 72% de probabilidade de um AVC; se os três achados estiverem presentes a probabilidade passa a ser maior que 85% - Escala de Los Angeles (LAPSS) A escala é considerada positiva caso o paciente apresente desvio de rima e ou perda de força nos membros superiores. Atendimento hospitalar Problema: cada hospital tem o seu protocolo. Temos os protocolos gerais (do ACLS, pelo AHA em parceria com o NINDS – NIH), mas cada hospital pode mudar algumas coisas do protocolo (as que são permitidas mudar). O AHA apresenta em protocolo que pode-se usar ou a escala NIHSS (usada quase no mundo inteiro) ou a escala canadense. No Hospital Albert Einstein, por exemplo, em protocolo, um enfermeiro faz a escala de LA dentro do hospital e transfere o paciente para o atendimento de AVE. Mas no ACLS, a pessoa já chega ao hospital e vai direto para o atendimento geral (sendo feito antes o atendimento pré-hospitalar). Observação: tempos ideais para desfecho Avaliação porta-neurologista: 15 min Avaliação porta-neuroimagem: 25 min Porta-interpretação: 45 min Porta-tratamento: 60 min Inicialmente, faz-se uma avaliação geral (promove oxigênio, faz o ABCD do ACLS), faz um acesso intravenoso periférico (não pode ser central!) para recolhimento de gasometria, checagem da glicose e faz o diagnóstico diferencial. Depois, o neurologista aplica a escala do NIHSS. A escala (em anexo) tem pontuação de 0-48 pontos e quanto maior a pontuação, pior (diferente de Glasgow – quanto menor a pontuação, pior) • Déficit ligeiro. NIHSS < 5 • Déficit moderado NIHSS entre 5-17 • Déficit grave NIHSS entre 17-22 • Déficit muito grave NIHSS > 22 Observação: no déficit ligeiro, não trombolisa, porque o risco de sangramento é maior do que o benefício. No déficit muito grave, também não trombolisa mais, porque já tomou muita parte do encéfalo e a chance de sangrar é muito alta. Nessa etapa do NIHSS, o neurologista já solicitou exame de imagem (TC!). Assim que liberar a tomografia, o neurologista para o que está fazendo e conduz o paciente à tomografia porque é uma etapa mais importante. Só pode iniciar o tratamento após o resultado da tomografia! A TC deve ser sem contraste. Usa-se TC ao invés da RM porque a TC detecta melhor hemorragia. O objetivo da TC não é diagnosticar (isso é clínico!), ela detecta a etiologia (isquêmica ou hemorrágica) e definir o subtipo de AVE. Porém, AVE de tronco e de cerebelo são melhor detectados pela RM. Caso você faça a TC e encontre um desses tipos de AVE, você pode pedir a RM depois, mas ela demora. Em geral, os pacientes com AVE de tronco ou cerebelo chegam altamente rebaixada, em péssimo estado e o NIHSS seria muito alto, não sendo permitido fazer a trombólise. Assim, como ele está fora de janela, você pode pedir a RM. Em uma TC sem contraste, a terminologia é baseada na densidade. Um sinal hipodenso (cinza) está relacionado à liquido, à edema; quando ocorre uma isquemia, geralmente forma um edema, assim percebe-se na região da isquemia uma área mais escura, diferente da área do parênquima. Quando ocorre hiperdensidade (branco luminoso), em geral traduz uma hemorragia (sangue agudo). 2) Dica para a vida: Existe um sinal chamado “sinal da artéria cerebral média” (setas imagem 2), que é hiperdenso. É um sinal no formato do vaso que aparece branco (como uma hemorragia) porém é uma isquemia (IMAGEM 2). É um sinal muito comum (a ACM é a artéria mais acometida). Como ocorre o entupimento por um trombo, o sangue não se move e a densidade na região aumenta, por isso fica hiperdenso. TRATAMENTO – ISQUÊMICO Critérios de inclusão – trombólise intravenosa de até 3 horas com rt-PA Observação: No protocolo, é até 3 horas. Em casos selecionados (pcts com menos de 80 anos, sem hiperglicemia, com pressão “x”...) pode fazer até 4 horas e 30min. Critérios de inclusão a) AVC isquêmico em qualquer território encefálico; b) Possibilidade de se iniciar a infusão do rt- PA dentro de 3 horas do início dos sintomas (para isso, o horário do início dos sintomas deve ser precisamente estabelecido. Caso os sintomas forem observados ao acordar, deve-se considerar o último horário no qual o paciente foi observado normal); c) Tomografia computadorizada do crânio ou ressonância magnética sem evidência de hemorragia; d) Idade superior a 18 anos (não existe pesquisa protocolada em nenhum dos guidelines) Critérios de exclusão a) Uso de anticoagulantes orais com tempo de pró-trombina (TP) >15 segundos (RNI>1,7); b) Uso de heparina nas últimas 48 horas com TTPa elevado; c) AVC isquêmico ou traumatismo crânio-encefálico grave nos últimos 3 meses; d) História pregressa de alguma forma de hemorragia intracraniana ou de malformação vascular cerebral; e) TC de crânio com hipodensidade precoce igual ou maior do que um terço do hemisfério; f) PA sistólica >=185 mmHg ou PA diastólica >=110 mmHg (em 3 ocasiões, com 10 minutos de intervalo) refratária ao tratamento antihipertensivo; g) Melhora rápida e completa dos sinais e sintomas no período anterior ao início da trombólise; h) Déficits neurológicos leves (sem repercussão funcional significativa); i) Cirurgia de grande porte ou procedimento invasivo dentro das últimas 2 semanas; j) Hemorragia geniturinária ou gastrointestinal (nas últimas 3 semanas), ou história de varizes esofagianas; k) Punção arterial em local não compressível na última semana; l) Coagulopatia com TP prolongado (RNI>1,7), TTPa elevado, ou plaquetas <100000/mm3; m) Glicemia < 50 mg/dl com reversão dos sintomas após a correção; n) Evidência de endocardite ou êmbolo séptico, gravidez; o) Infarto do miocárdio recente (3 meses). p) Suspeita clínica de hemorragia subaracnóide ou dissecção aguda de aorta (vômitos em jato, náuseas, rigidez de nuca...) → mesmo que a TC não dê nada Obs.: Sobre a pressão → se o paciente não for passar pela trombólise (fora de janela), pode deixar a pressão subir até 220x120 (hipertensão permissiva). Para pacientes que vão trombolisar, a pressão deve ser menor que 185x110 devido ao risco de sangramento. É necessário fazer, inicialmente, um estudo da diástase sanguínea (avalia níveis de plaquetas). Caso o paciente refira que não tem histórico de plaquetopenia, o médico pode fazer a trombólise antes do resultado do estudo. No entanto, caso o estudo confirme a plaquetopenia, a trombólise deve ser interrompidaimediatamente. Para o protocolo estendido (4 hrs e 30 min), os critérios de inclusão são os mesmos, mas os de exclusão são um pouco diferentes. Pessoas com menos de 80 anos, NIH grave (>25), uso de qualquer anticoagulante oral independente do RNI e pessoas diabéticas não poderiam ser trombolisadas após as 3 horas. Alguns critérios de exclusão são colocados em certos protocolos como “Critérios de exclusão relativos”→ cabe ao neurologista decidir se ele pode ser trombolisado ou não: 1) Pct teve convulsão no início dos sintomas 2) Pct teve melhora muito rápida (ex: ele estava com NIH de 25 e agora está com NIH de 10) 3) Pct teve alguma cirurgia ou trauma nos últimos 15 dias 4) Hemorragia gastrointestinal ou urinária dentro do último mês 5) IAM nos últimos 3 meses Após confirmar a trombólise, administra-se, via IV, a alteplase (rt-PA), 0.9 mg/kg, sendo a dose máxima 90kg. Primeiramente, administra-se 10% em bolus e, depois, administra-se os outros 90% por infusão contínua durante cerca de 1 hora. Enquanto o paciente está sendo trombolisado ou enquanto ele espera o resultado do exame, o médico tenta procurar saber a etiologia do AVC. Assim, ele procura fazer ECG e outros exames para procurar as causas. Se o paciente chegou e está fora da janela, o médico segue outros protocolos: o de trombolise intra-arterial e trombectomia (no entanto, hoje em dia eles estão em 1 só protocolo). Caso ele não possa fazer nenhum desses dois, administra-se aspirina. A trombólise intra-arterial é a passagem de um cateter pela artéria a fim de administrar a alteplase localmente (age direto e mais rápido sobre o trombo), sem risco de chegar ao outro hemisfério. No entanto, só é possível realizar esse procedimento se o pct tiver AVEi de grandes vasos. O cateter chega ao coágulo, fura o coágulo e injeta o trombolítico. Esse procedimento tem uma janela de até 6 horas. No entanto, apesar do efeito trombolítico ser menos intenso, esse método é invasivo, por isso não é o mais usado. Na trombectomia, ocorre a destruição mecânica do trombo. Só funciona em vasos maiores, devido ao calibre do cateter. Apenas duas máquinas de trombectomia são aprovadas no mundo, a Mercy e a Penumbra (uma delas suga o coágulo e a outra destrói). No entanto, apesar do protocolo colocar os dois procedimentos separados, alguns protocolos de hospitais pensam “se eu já vou passar um cateter até o trombo, por que não injetar o trombolítico, espera um pouco para ver se funciona e, se não funcionar, eu quebro mecanicamente? ”
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