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DELGADO, Nelson. Brasil Rural em Debate

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Prévia do material em texto

Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF
Brasil Rural
em Debate
Coletânea de Artigos
Coordenação
Nelson Giordano Delgado
Autores
Alfredo Wagner Berno de Almeida
Andrea Butto
Edna Castro
CONSEA
Grupo Temático de Juventude Rural do Condraf
Karina Kato
Philippe Bonnal
Nelson Giordano Delgado
Sérgio Pereira Leite
Brasília, dezembro de 2010
EXPEDIENTE
COORDENAÇÃO 
GERAL 
Vera Azevedo
COORDENAÇÃO 
EDITORIAL 
Marta Moraes
SECRETARIA DO 
CONDRAF
Vera Azevedo
Mônica Vasconcelos
Marta Moraes
Milena Araguaia
PROJETO GRÁFICO
Manu Parente
DIAGRAMAÇÃO
Racsow
REVISÃO
Eliéser Rufino de Souza
IMPRESSÃO
Gráfica Super Nova
TIRAGEM
1000 exemplares
 
 
 B823b Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Conselho Nacional de 
 Desenvolvimento Rural Sustentável. 
 Brasil rural em debate : coletânea de artigos/ coord. de 
 Nelson Giordano Delgado. Brasília : CONDRAF/MDA, 2010. 
 363 p. 21 cm. 
 
 ISBN: 978-85-60548-83-5. 
 
 1. Desenvolvimento rural – Brasil. 2. População rural – Condições sociais. 
3. Desenvolvimento rural – Políticas Públicas. I.Título. 
 
 CDD 338.10981/19.ed 
 
Parte I 
Novo Rural
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
1 . O papel do rural no desenvolvimento nacional: 
da modernização conservadora dos anos 1970 ao Governo Lula 
Nelson Giordano Delgado . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28
1 .1 A modernização conservadora da agricultura na década de 1970 . . . . .32
1 .2 O ajustamento doméstico à crise externa na década de 1980 . . . . . .38
1 .3 A década de 1990 . A “confluência perversa” de dois projetos 
contaditórios: projeto neoliberal e agronegócio e projeto 
democratizante, reforma agrária e novo modelo de desenvolvimento 
rural baseado na agricultura familiar . . . . . . . . . . . . . .44
1 .4 O Governo Lula: oportunidades abertas para o projeto 
democratizante e continuidade do projeto neoliberal . 
O CONDRAF e o significado do rural . . . . . . . . . . . . .58
1 .5 Comentários finais . . . . . . . . . . . . . . . . . .73
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . .77
2 . O mundo rural no Brasil: acesso a bens e serviços 
e processos de integração
Maria de Nazareth Baudel Wanderley . . . . . . . . . . . . . . . .79
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .79
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .80
Sumário
2 .1 A sociedade urbano-industrial vista a partir do mundo rural . . . . . .80
2 .2 Entre o campo e a cidade: relações de interdependência . . . . . . .91
2 .3 A agricultura e os agricultores . . . . . . . . . . . . . . .94
2 .4 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
Parte II 
Novos Atores Sociais
3 . Terras de preto, terras de santo, terras de índio: 
uso comum e conflito 
Alfredo Wagner . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Sistemas de uso comum na estrutura agrária . . . . . . . . . . 104
Noções preconcebidas: desconhecimento e irrelevância . . . . . . . 105
Questão imposta pelas mobilizações camponesas . . . . . . . . . 107
Uso comum nas regiões de colonização agrária . . . . . . . . . . 111
Fundamentos históricos e descrição . . . . . . . . . . . . 111
As terras de preto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
As terras de santo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
As terras dos índios . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
As terras de herança . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
As terras soltas e abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
Uso comum nas regiões de ocupação recente . . . . . . . . . . 124
As terras libertas e os centros . . . . . . . . . . . . . . 124
Diferenciação interna e antagonismos . . . . . . . . . . . . 126
4 . Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização, 
movimentos sociais e uso comum 
Alfredo Wagner . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
A instituição das “terras tradicionalmente ocupadas” . . . . . . . . 143
A abrangência do significado de “terras tradicionalmente ocupadas” 
e as dificuldades de efetivação . . . . . . . . . . . . . . . 153
Os limites das categorias cadastrais e censitárias . . . . . . . . . . 169
Os movimentos sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
Os processos de territorialização . . . . . . . . . . . . . . 202
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . 208
Anexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
5 . Mulheres na Política de Desenvolvimento do Brasil Rural 
Andrea Butto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214
5 .1 A produção teórica feminista sobre o desenvolvimento . . . . . . 214
5 .2 Mulheres no desenvolvimento rural e as territorialidades . . . . . . 218
5 .3 As políticas de desenvolvimento e sua 
 interface com as políticas para as mulheres . . . . . . . . . . 221
5 .4 Políticas para as mulheres rurais . . . . . . . . . . . . . 222
5 .5 Governar com participação . . . . . . . . . . . . . . 226
5 .6 O Brasil rural também para as mulheres rurais . . . . . . . . . 229
5 .7 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . 230
Referências Bibliográficas . . .. . . . . . . . . . . . . 230
6 . Juventude Rural e o desenvolvimento sustentável
Grupo Temático de Juventude Rural do CONDRAF . . . . . . . . . . 232
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
Parte III 
Novas Políiticas Públicas
7 . Do uso das noções de multifuncionalidade e território nas políticas 
agrícolas e rurais no Brasil
Philippe Bonnal 
Renato S. Maluf . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 246
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 246
7 .1 Multifuncionalidade, território e as políticas agrícola e rural . . . . . 247
Brasil Rural em Debate
7 .1 .1 O falso-verdadeiro debate sobre o conceito de 
 multifuncionalidade da agricultura . . . . . . . . . . 247
7 .1 .2 Território: um conceito polissêmico plebiscitado mundialmente . . 251
7 .1 .3 A interação multifuncionalidade-território 
 como palco para a ação pública no meio rural . . . . . . . 252
7 .2 Multifuncionalidade e enfoque territorial nas políticas agrícolas e rurais . 254
7 .2 .1 Estímulos e obstáculos ao enfoque da multifuncionalidade . . . 254
7 .2 .2 Desafios para a implementação do enfoque territorial . . . . . 258
7 .3 Multifuncionalidade da agricultura familiar e território . . . . . . 260
7 .3 .1 Expressões da multifuncionalidade da 
 agricultura familiar no Brasil e seus limites . . . . . . . . 260
7 .3 .2 Sistemas de atividade, funções de agricultura e 
 enfoque territorial . . . . . . . . . . . . . . . . 263
7 .4 Multifuncionalidade da agricultura, atividades rurais e território . . . 264
7 .5 Multifuncionalidade da agricultura e desenvolvimento 
 territorial: desafios e oportunidades . . . . . . . . . . . . 266
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . 269
8 . Políticas de Ordenamento territorial, 
desmatamento e dinâmicas de fronteira
Edna Castro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
8 .1 Globalização, fronteira e ação do Estado . . . . . . . . . . . 275
8 .2 Diferenciação e dinâmicas socioeconômicas na BR-163 . . . . . . 279
8 .3 Possibilidades e desafios da política de ordenamento territorial . . . . 284
8 .4 Estado e ações de ordenamento territorial . . . . . . . . . . 286
8 .5 Estrutura fundiária . . . . . . . . . . . . . . . . . 288
8 .6 Trajetórias espaciais rural-urbano . . . . . . . . . . . . . 289
8 .7 Modernização na fronteira . . . . . . . . . . . . . . . 290
8 .8 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . 295
9 . Terra: direitos patrimoniais e territoriais
Grupo de Trabalho sobre Terra e Patrimônio Territorial 
das Comissões Permanentes 5 e 6 do CONSEA . . . . . . . . . . . . 305
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305
9 .1 Terras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306
9 .2 Povos e comunidades tradicionais – estratégias de territorialização . . . 308
9 .3 Terra indígena e segurança alimentar . . . . . . . . . . . . 309
9 .4 Aterra como identidade quilombola . . . . . . . . . . . . 312
9 .5 Recomendações . . . . . . . . . . . . . . . . . . 314
10 . Políticas Públicas, desenvolvimento territorial 
atores sociais no meio rural brasileiro
Sérgio Pereira Leite 
Nelson Giordano Delgado 
Phelippe Bonnal 
Karina Kato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319
10 .1 Desenvolvimento territorial e governança . . . . . . . . . . 321
10 .1 .1 A territorialização da governança . . . . . . . . . . 322
10 .1 .2 O processo de governança e a perspectiva histórica . . . . . 325
10 .1 .3 O contexto e os desafios na lógica do desenvolvimento territorial . 330
10 .2 Territorialização das políticas públicas . . . . . . . . . . . 333
10 .3 Territorialização do desenvolvimento . . . . . . . . . . . 342
10 .3 .1 Os atores sociais e os processos de articulação . . . . . . 348
10 .4 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 354
10 .4 .1 Os territórios são efetivamente rurais 
 e não exclusivamente agrícolas . . . . . . . . . . . 356
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . 359
9Coletânea de Artigos
A Política de Desenvolvimento do Brasil Rural 
(PDBR), elaborada pelo Conselho Nacional de De-
senvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), é 
resultado dos debates acumulados em seus dez anos 
de existência que culminaram em junho de 2008, em 
Olinda, na I Conferência Nacional de Desenvolvi-
mento Rural Sustentável e Solidário (I CNDRSS) .
A Política, aprovada em março de 2010, apresenta 
à sociedade brasileira um conjunto de estratégias e 
ações capazes de contribuir para a afirmação de um 
novo papel para o rural na estratégia do desenvolvi-
mento nacional e a consolidação de uma vida dig-
na às populações que optaram por trabalhar e viver 
nas áreas rurais do país . A elaboração da proposta da 
PDBR, coordenada pelo CONDRAF, com partici-
pação dos conselheiros e da Secretaria do Conselho, 
envolveu os movimentos sociais e diversos órgãos 
públicos representados neste conselho, além dos co-
legiados territoriais e dos conselhos estaduais .
Após a aprovação da proposta, o Conselho partiu 
para a elaboração de um Projeto de Lei, a ser debatido 
no Congresso Nacional . A proposta da PDBR possui 
sete princípios: soberania, sustentabilidade, inclusão, 
diversidade, igualdade, solidariedade e democracia; e 
quatro diretrizes estratégicas que se complementam 
e se integram . São elas: potencialização da diversi-
dade e da multifuncionalidade dos espaços rurais; 
Apresentação
Humberto
Oliveira* 
* Secretário 
do CONDRAF .
10 Brasil Rural em Debate
dinamização econômica, inovações tecnológicas e sustentabilidade; 
qualidade de vida com inclusão social e igualdade de oportunidades; 
e fortalecimento do Estado, com protagonismo dos atores e gestão so-
cial .
Para qualificar todo este trabalho, o CONDRAF deu início a um amplo 
debate da PDBRcom o conjunto da sociedade brasileira, de modo a buscar 
uma melhor compreensão da proposição e da importância do meio rural 
para o desenvolvimento nacional e o suporte para sua implementação . 
A presente coletânea de textos, Brasil Rural em Debate, tem como 
objetivo apoiar a divulgação, o entendimento e o debate da proposta 
de PDBR aprovada pelo CONDRAF .
A Parte I da Coletânea, “Nova concepção sobre o rural e lugar do rural 
no desenvolvimento nacional”, debate os processos e as implicações conti-
dos no que o documento de Política chama de “concepção contemporânea 
do rural”, além de destacar e problematizar alguns lugares ou papéis que o 
rural ocupou na economia brasileira, desde a modernização conservadora 
da década de 1970 até o Governo Lula . A Parte II, “Novos atores do ru-
ral”, busca caracterizar novos atores ou sujeitos sociais do rural, suas lutas 
e demandas, que ganharam visibilidade nas últimas décadas e passaram, 
por meio de seus movimentos e organizações sociais, a reivindicar políticas 
públicas e possibilidade de protagonismo nos projetos de desenvolvimento 
rural em gestação . Finalizando a publicação, a Parte III, “Novas políticas 
públicas para o rural”, pretende facilitar a compreensão dos aspectos dis-
tintivos, da abrangência e das limitações de novas políticas públicas em 
curso para o meio rural .
Expressamos aqui nossos agradecimentos ao organizador deste livro, 
o professor Nelson Delgado, e a todos os autores dos textos que inte-
gram a Coletânea, pelos quais o CONDRAF espera dar sua contribui-
ção para o debate do Brasil Rural que queremos .
Esperamos que esta Coletânea possa contribuir com o debate sobre 
o rural no contexto da elaboração do Projeto de Lei e da própria Polí-
tica de Desenvolvimento do Brasil Rural .
11Coletânea de Artigos
Em junho de 2008, o Conselho Nacional de Desen-
volvimento Rural Sustentável (CONDRAF) realizou, 
em Olinda (PE), a sua I Conferência Nacional de De-
senvolvimento Rural Sustentável e Solidário (CNDRSS), 
da qual resultou um relatório final aprovado nas plenárias 
(CONDRAF, 2008) . Este documento se afirma como 
um posicionamento do CONDRAF – amparado pelo 
respaldo de ampla representação de delegados(as) na 
Conferência Nacional – por uma nova visão sobre o de-
senvolvimento rural do país, que pretende se materializar 
na construção de um projeto de futuro para o Brasil ru-
ral, com a expectativa de que seja parte integrante de um 
projeto de desenvolvimento nacional (Relatório Final da 
I CNDRSS, p . 53) .
Queremos chamar a atenção, inicialmente, 
para o fato de que a importância política e a 
contemporaneidade do relatório da I Conferên-
cia do CONDRAF residem, em nossa opinião, 
precisamente neste triplo posicionamento: (1) a 
proposição de que é necessária uma nova visão 
sobre o rural e o desenvolvimento rural no país; 
(2) de que esta nova visão tem de ser capaz de se 
expressar em um projeto de futuro para o meio 
rural; e (3) que este projeto de futuro não pode 
conceber o rural como uma dimensão autônoma 
e isolada da realidade brasileira, mas que deve 
garantir a sua importância para um projeto de 
Introdução*
* A elaboração e a publicação 
desta coletânea não teriam 
sido possíveis sem o apoio 
e a colaboração de Hum-
berto Oliveira, Ivanilson 
Guimarães, Lauro Mattei, 
João Torrens e, muito espe-
cialmente, Vera Azevedo, a 
quem agradeço . 
** Professor Associado 3 
do CPDA/UFRRJ .
Nelson 
Giordano 
Delgado**
12 Brasil Rural em Debate
desenvolvimento nacional, indo na contramão da experiência his-
tórica, na qual, quando esses projetos nacionais existiram – como, 
por exemplo, na segunda metade da década de 1950 –, marginaliza-
ram consideravelmente o lugar do rural em suas prioridades .
Com este triplo posicionamento o CONDRAF estabelece uma 
agenda de trabalho para o futuro bastante complexa e audaciosa . Por 
outro lado, como dificilmente poderia ser diferente, os resultados da 
I Conferência Nacional, tal como aparecem no Relatório Final, regis-
tram não muito mais do que um conjunto, muitas vezes desordenado, 
de ideias a respeito desta agenda, com tratamento relativamente desi-
gual para suas diversas partes . 
Em nosso entender, por exemplo, a declaração de que o rural brasi-
leiro se caracteriza pela presença de enorme diversidade é um compo-
nente estratégico da nova visão sobre o rural e o desenvolvimento rural 
anunciada pelo CONDRAF, sendo um dos pontos altos do relatório, 
por sua afirmação e por seus desdobramentos . Na verdade, o realmente 
novo desta visão é a concepção de que o Brasil rural comporta (tem 
capacidade para acomodar) uma ampla diversidade “de ecossistemas, ra-
ças, etnias, religiões, povos, culturas, segmentos econômicos e sociais, 
sistemas de produção, padrões tecnológicos” e formas de organização 
social e política (CONDRAF, 2008: 56) . Ou seja, há que resistir às ten-
tativas de homogeneizar o rural em suas várias dimensões, de modo que 
a nova visão sobre o rural e sobre o desenvolvimento rural pretende ser 
radicalmente democrática em sua disposição de preservar, acomodar e 
consolidar esses diversos componentes da diversidade como o principal 
recurso e o principal patrimônio do meio rural brasileiro . 
Em relação à formulação de um projeto de futuro para o meio rural e à propo-
sição de que o rural tem papéis a desempenhar num projeto de desenvolvimento 
nacional, o documento do CONDRAF é mais longo e menos preciso quanto às 
suas diretrizes, o que não é surpreendente, dada a complexidade técnica e política 
do desafio, o aprendizado de “tentativa e erro” requerido e as enormes dificuldades 
envolvidas, tanto pelo lado da oposição das elites agrárias, como pelo da fragmenta-
ção existente nos grupos sociais rurais e nos movimentos que os representam . 
13Coletânea de Artigos
O documento, então, trata basicamente de coletar os elementos 
principais que caracterizariam a tentativa de construir um consenso 
acerca do “Brasil rural que queremos” . Nesse sentido, são sugeridos 
cinco temas fundamentais, que estruturariam um modelo de desen-
volvimento1, alguns princípios e valores, que norteariam a construção 
deste projeto de futuro do “Brasil rural que queremos” – entre os quais 
destacam-se a sustentabilidade (em suas dimensões política, econômi-
ca, social, ambiental e territorial), a inclusão e a democratização, a 
diversidade e a igualdade – e quatro eixos temáticos estratégicos, em 
torno dos quais o projeto de futuro deveria ser organizado2 . 
Mas, no fundamental, o avanço nas tarefas de construção de um 
projeto de futuro para o meio rural, que explicite os lugares que pode 
ocupar no desenvolvimento nacional, deveria estar concentrado, se-
gundo as decisões da I Conferência, na elaboração de uma Política 
Nacional de Desenvolvimento Rural . Esta posição é explicitada logo 
na primeira frase da Introdução do Relatório Final: “O objetivo da I 
Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidá-
rio – I CNDRSS é contribuir para criar as condições políticas para a 
construção coletiva e solidária de uma Política Nacional de Desenvol-
vimento Sustentável e Solidário do Meio Rural que expresse o ‘Brasil 
rural que queremos’ ( . . .) .” (CONDRAF, 2008: 53) .
A partir das resoluções da I Conferência, o CONDRAF tratou de 
elaborar uma proposta de Política de Desenvolvimento do Brasil Rural 
(PDBR) que foi aprovada em fevereiro de 2010 (CONDRAF, 2010) . 
De posse desta proposta, o Conselho definiu uma agenda prioritária de 
trabalho até o final de 2011, na qual sobressaem duas atividades estra-
tégicas principais (MATTEI, 2010: 5) . A primeira é a elaboração de 
um Projeto de Lei, a ser debatido no Congresso Nacional, com vista à 
1 “Eliminação das desigualdades sociais, regionais, de gênero, de raça e etnia; desenvolvimento so-
cioeconômico; uso sustentável dos recursos naturais;garantia da soberania e segurança alimentar e 
nutricional; e educação do campo” (CONDRAF, 2008: 68).
2 Os eixos temáticos estratégicos são: desenvolvimento socioeconômico e ambiental; reforma agrária 
e acesso aos recursos ambientais; qualidade de vida no Brasil rural; e participação política e organi-
zação social (CONDRAF, 2008: 73-75).
14 Brasil Rural em Debate
instituição da Política Nacional de Desenvolvimento Rural3 . E a segunda 
é a realização de um amplo debate da PDBR com o conjunto da socieda-
de brasileira, de modo a buscar uma melhor compreensão da proposição 
e da importância do meio rural para o desenvolvimento nacional e o 
suporte para sua implementação . É para apoiar este debate nacional em 
torno da PDBR que esta Coletânea de Textos foi concebida . 
Não vamos fazer uma apresentação da proposta de Política do 
CONDRAF em toda a sua complexidade, porque não cabe, mas ape-
nas destacar três marcos referenciais que singularizam e distinguem sua 
concepção, todos os três podendo ser interpretados como tendo a ideia 
de diversidade como seu ponto de partida .
O primeiro marco de referência do documento é sua recusa em con-
siderar o desenvolvimento rural como “modernização agrícola”, ao as-
sumir uma visão na qual a multifuncionalidade dos espaços rurais é sua 
marca específica e o rural nem está associado exclusivamente à dimensão 
agrícola, nem é concebido como um resíduo do urbano (CONDRAF, 
2010: 8 e 33) . Nesta visão, o meio rural é interpretado como portador de 
três atributos fundamentais, complexos e interligados, complementares 
e indissociáveis: (1) é um espaço de produção e de atividades econômi-
cas diversificadas e intersetoriais, mas é também um fornecedor de bens 
públicos, especialmente de serviços ambientais; (2) é um espaço de vida, 
de organização social e de produção cultural para as pessoas; e (3) é um 
espaço em que a relação com a natureza é, ao mesmo tempo, estruturan-
te das características que assumem os dois atributos anteriores e determi-
nante das possibilidades de sustentabilidade ambiental, de preservação 
dos recursos naturais e de fornecimento de bens públicos sob a forma de 
serviços ambientais . Como consequência, o desenvolvimento rural está 
muito longe de ser entendido como “urbanização do campo”, passando 
a ser tratado como um processo multifacetado e multidimensional de 
3 O Plenário do CODRAF aprovará, em dezembro de 2010, o Projeto de Lei CONDRAF, a ser enviado 
pelo Executivo ao Congresso Nacional. Em paralelo, foi protocolado no Senado Federal, em outubro 
de 2010, o Projeto de Lei n° 258, do Senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), instituindo a Po-
lítica Nacional de Desenvolvimento Rural e dispondo sobre o Plano Nacional de Desenvolvimento 
do Brasil Rural (MATTEI, 2010: 5). 
15Coletânea de Artigos
melhoria das condições de trabalho e de vida das populações rurais e de 
provisão qualificada de um conjunto diversificado de bens e de serviços 
(econômicos, culturais, ambientais) para o conjunto da sociedade brasi-
leira e para o sistema mundial (CONDRAF, 2010: 17-18) . 
O segundo marco de referência é o reconhecimento da grande diver-
sidade de grupos sociais e de populações existentes no meio rural brasi-
leiro, de modo que a PDBR deve ser estruturada para considerar como 
seus beneficiários um leque muito mais abrangente de populações rurais 
do que era aceito no passado . Isto se deve ao fato de que muitas popu-
lações habitantes do meio rural saíram da “invisibilidade” pública nos 
últimos anos, em função da intensificação de lutas e conflitos específicos 
– distintos das tradicionais lutas por políticas agrícolas e por reforma 
agrária – e do surgimento de movimentos sociais que as representam . 
Ademais, as transformações recentes do rural reduziram ou eliminaram 
as barreiras entre rural e urbano em inúmeros municípios pelo interior 
do país, fazendo com que suas populações também sejam incorporadas 
aos beneficiários da PDBR . Em suma, o projeto de desenvolvimento 
rural proposto pelo Conselho deverá incluir como seus protagonistas um 
conjunto mais amplo de atores e de sujeitos sociais do que no passado, 
o que aumenta consideravelmente a complexidade política e técnica de 
sua implementação (CONDRAF, 2010: 9 e 13) . 
Por fim, o terceiro marco de referência da PDBR, em nossa interpreta-
ção, é a convicção manifesta de que, dada a diversidade de protagonistas 
e de beneficiários e a visão polissêmica e contemporânea de rural que a 
informa, as políticas públicas para o meio rural não podem continuar in-
sistindo no viés setorial e fragmentado que as caracteriza historicamente e 
que reflete a identificação subjacente de rural com agrícola . A consequên-
cia central é que o desafio da transversalidade dos três principais atributos 
do rural antes mencionados – produção econômica e de bens públicos de 
caráter ambiental; reprodução de modos de vida diferenciados; e relação 
com a natureza – deve invadir a formulação e a execução de políticas públi-
cas para o meio rural . Isto significa que a articulação das políticas setoriais 
e fragmentadas já existentes para o rural é tarefa urgente e inadiável, apesar 
16 Brasil Rural em Debate
das resistências existentes no aparelho de Estado, devidas aos nichos de 
poder que cada política e programa representam . E que as novas políticas 
públicas devem estar orientadas para a valorização da multifuncionalidade 
dos espaços rurais e para a superação da visão estreitamente dicotômica 
a respeito da relação rural e urbano, estimulando a interdependência e a 
complementaridade entre eles e enfrentando os conflitos e as oposições 
que possam surgir . Em particular, a PDBR defende a adoção da aborda-
gem territorial como o enfoque mais adequado para a implementação da 
concepção de desenvolvimento rural proposta e para viabilizar a participa-
ção das organizações da sociedade civil nas diversas fases de construção e 
de execução das políticas públicas (CONDRAF, 2010: 18-19, 21) .
A presente coletânea de textos tem como objetivo apoiar a divulgação, 
o entendimento e o debate da proposta de Política de Desenvolvimento 
do Brasil Rural aprovada pelo CONDRAF e, por isto, julgamos perti-
nente fazer a contextualização anterior, destacando aspectos relevantes 
do relatório final da I Conferência Nacional e do documento de Políti-
ca, pois justifica e ajuda a compreender o caminho seguido na escolha 
dos textos . Embora contendo, em sua maioria, textos de autores liga-
dos à universidade brasileira, esta coletânea não tem qualquer propósito 
acadêmico . Não se trata obviamente de uma cartilha, mas tratamos de 
selecionar textos de autores conhecidos e reconhecidos intelectualmen-
te não para alimentar um debate acadêmico sobre os temas escolhidos, 
mas para apoiar o debate político e técnico em torno da proposta do 
CONDRAF por parte de organizações e movimentos sociais, de técni-
cos governamentais e de pessoas interessadas na temática do rural e do 
desenvolvimento rural em diferentes segmentos da sociedade brasileira . 
Destacamos nesta Introdução o que chamamos de três marcos de re-
ferência do documento da PDBR, porque julgamos – num consenso 
obtido nas reuniões preparatórias que tivemos – que estes são os temas 
que demandam, em um primeiro momento, um esforço maior de escla-
recimento . Assim, dividimos a coletânea em três partes, que se referem a 
aspectos relativos aos marcos de referência mencionados anteriormente . 
17Coletânea de Artigos
A Parte I, denominada “Nova concepção sobre o rural e lugar do 
rural no desenvolvimento nacional”, discute tanto processos e impli-
cações contidos no que o documento de Política chama de “concepção 
contemporânea do rural”, como destaca e problematiza alguns lugares 
ou papéis que o rural ocupou na economia brasileira, desde a moder-
nização conservadora da década de 1970 até o Governo Lula. A Par-
te II, por sua vez, chamada de “Novos atores do rural”, concentra-se 
na tentativa de caracterizar novos atores ou sujeitos sociais do rural, 
suas lutas e demandas, que ganharam visibilidade nas últimas déca-
das e passaram, por meio de seus movimentos e organizações sociais, 
a reivindicar políticas públicas e possibilidade de protagonismo nos 
projetos de desenvolvimento rural em gestação . E a Parte III, “Novas 
políticas públicas para o rural”, pretende facilitar a compreensão dos 
aspectos distintivos, da abrangência e das limitações de novas políticas 
públicas em curso para o meio rural, a necessidade de que deem conta 
das exigências de transversalidade dos atributos fundamentais dos es-
paços rurais e sejam capazes de contemplar novos atores do rural .
Vamos indicar sucintamente, a seguir, os principais temas contidos nos 
textos que foram escolhidos para compor cada parte da coletânea . 
Para a Parte I (Nova concepção sobre o rural e lugar do rural no 
desenvolvimento nacional) selecionamos dois textos: um de Maria Na-
zareth Bauley Wanderley4 e outro de Nelson Giordano Delgado, organi-
zador desta Coletânea5 . O instigante artigo da Prof . Nazareth Wanderley 
parte da constatação de que as relações entre o rural e o urbano não 
podem ser consideradas como antagônicas, mas se inscrevem cada vez 
mais num espaço comum, como relações de complementaridade e de 
4 O artigo “O mundo rural brasileiro: acesso a bens e serviços e integração campo-cidade” foi publicado 
originalmente na revista Estudos Sociedade e Agricultura, v. 17, n. 1, 2009, p. 60-85. 
5 “O papel do rural no desenvolvimento nacional: da modernização conservadora dos anos 1970 ao 
Governo Lula”, 2010, 30 p. Uma primeira versão deste texto foi escrita para o CONDRAF, em 2009, 
com o título “Papel e lugar do rural no desenvolvimento nacional” e foi apresentada e debatida em 
sua 35ª reunião ordinária, de 18 de março daquele ano. A versão atual vai ser publicada no livro 
Moreira, R.J., de Castro, E. G. e Bruno, R.L. (orgs). Questões Rurais Brasileiras no Início do Século 
XXI. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2010. 
18 Brasil Rural em Debate
interdependência . Assim sendo, os processos de reprodução do mundo 
rural no Brasil não podem mais ser entendidos no contexto e sob o do-
mínio de uma civilização agrária, mas sim inseridos em uma sociedade 
urbano-industrial . O que não significa, no entanto, que essa inserção 
possa ser considerada de forma abstrata, dissociada das condições histó-
ricas em que ocorreram essas transformações . 
No caso brasileiro, por exemplo, a autora destaca três aspectos que 
acompanharam essas mudanças associadas à consolidação de uma so-
ciedade urbano-industrial e que deixaram “marcas” importantes, tanto 
no urbano, como no rural: a urbanização gerou uma grande quantida-
de de pequenos municípios pouco “urbanos”; os setores industriais e 
de serviços se mantiveram concentrados nas grandes cidades, apesar do 
processo de interiorização ocorrido; e a propriedade da terra permaneceu 
altamente concentrada . O artigo da Prof . Nazareth Wanderley analisa e 
discute, então, diversas características assumidas pelos processos econô-
micos e sociais de reprodução do mundo rural no interior da sociedade 
urbano-industrial brasileira, particularmente os que dizem respeito às 
relações campo-cidade como uma via de mão dupla e que interferem no 
lugar da agricultura e dos agricultores no mundo rural . 
Tendo como referência a constatação de que todo campo é agrícola, 
mas que o mundo rural não se confunde com a agricultura, a Prof . Na-
zareth Wanderley chama atenção para duas consequências desta con-
cepção: (1) uma maior vinculação com o urbano não significa “crise 
do rural”; e (2) o acesso a empregos, bens e serviços, tanto nos centros 
urbanos, como nas áreas rurais, é uma demanda das famílias de agri-
cultores, para as quais as relações com as cidades são elementos cons-
tituintes de suas estratégias de reprodução . Por fim, é importante não 
esquecer a dimensão político-social da integração do mundo rural à 
sociedade urbano-industrial, expressa no reconhecimento das popula-
ções rurais como sujeitos de direitos, transformando seu acesso a bens 
e serviços, em uma manifestação concreta do exercício da cidadania .
19Coletânea de Artigos
O segundo texto da Parte I, por sua vez, apresenta uma caracterização 
da relação que se estabelece entre comportamento da economia e da polí-
tica macroeconômica e conduta da agricultura e das políticas públicas para 
o setor desde a década de 1970 . Neste recorrido, é possível verificar que o 
papel ou o lugar ocupado pela agricultura no desenvolvimento nacional 
não é fixo, nem único, mas resultado de lutas políticas que decidem os 
rumos da economia brasileira e de seu tipo de inserção no sistema eco-
nômico mundial e das particularidades e objetivos das políticas públicas 
para o meio rural . De modo geral, percebe-se que os lugares e os papéis 
assumidos pela agricultura na economia do país têm sido decididos por 
suas elites econômicas e políticas e implementados pelos formuladores da 
política econômica, de modo que a agricultura, com a qual o meio rural é 
identificado, tem sido estimulada, em primeiro lugar, para responder aos 
estímulos do mercado externo ou para enfrentar as crises recorrentes do 
balanço de pagamentos, via aumento das exportações, e, subsidiariamente, 
para dar conta do abastecimento alimentar interno, em uma economia 
caracterizada por salários de base tradicionalmente reduzidos . 
Por outro lado, nossa análise permite sugerir que a existência ou 
não de um ambiente democrático tem se mostrado decisiva para esta-
belecer o conteúdo e o significado dominantes em relação ao concei-
to de rural e de desenvolvimento rural e para o surgimento progres-
sivo de visões alternativas sobre os mesmos, buscando dar conta dos 
interesses e objetivos de grupos sociais excluídos dos processos eco-
nômicos e sociais dominantes na economia e na agricultura . Em par-
ticular, o projeto democratizante em curso no meio rural brasileiro, 
na década de 1990, protagonizado hegemonicamente pelas catego-
rias de agricultores familiares e de sem-terra, desempenhou um papel 
importante nesta direção, construindo um descolamento crescente 
da noção de rural da noção de agrícola, a qual se completou com o 
reconhecimento da crise ambiental do modelo dominante de moder-
nização do campo, a partir da década de 1980, e com o surgimento 
de novos sujeitos sociais no meio rural portadores de identidades nas 
quais a dimensão de agricultor (a) não é necessariamente a dominan-
te . Os novos desafios trazidos pelo reconhecimento da diversidade e 
20 Brasil Rural em Debate
da complexidade características do meio rural brasileiro introduzem 
importantes complicações para a formulação de um projeto demo-
cratizante para o rural brasileiro no século XXI e para a identificação 
de seus principais protagonistas .
Para a Parte II (Novos atores sociais) da coletânea selecionamos quatro 
textos: dois de Alfredo Wagner Berno de Almeida6 sobre as chamadas popu-
lações de terras tradicionalmente ocupadas e os movimentos sociais que as 
representam, um da Andrea Butto7 sobre as mulheres na política de desen-
volvimento para o Brasil rural e um texto do Grupo Temático de Juventude 
Rural do CONDRAF8 sobre as reivindicações dos jovens e suas contribui-
ções para a construção de políticas públicas para o meio rural . De acordo 
com o que argumentamos anteriormente, o objetivo nesta parte é disponi-
bilizar textos que nos ajudem a compreender melhor as origens, identidades, 
demandas e movimentos sociais representativos dos novos atores do rural, 
que a concepção de política de desenvolvimento rural do CONDRAF pre-
tende necessariamente contemplar, o que lhe concede, aliás, um atributo 
distintivo em relação às propostas ou projetos formuladosanteriormente . 
Note-se que, além de reafirmar a relevância das mulheres e dos jovens 
como atores sociais indispensáveis para a construção de um novo desenvol-
vimento para o Brasil rural, nossa escolha de textos, para esta parte da cole-
tânea, guiou-se por uma opção explícita: destacar a presença das chamadas 
populações de terras tradicionalmente ocupadas, que representam uma par-
cela expressiva da população no meio rural . E isto por duas razões principais .
Primeiro, porque essa denominação abrange uma realidade bas-
tante complexa, com grande diversidade de povos, de relações 
6 São os textos “Terras de preto, terras de santo, terras de índio – uso comum e con� ito” e “Terras 
tradicionalmente ocupadas. Processos de territorialização e movimentos sociais”, ambos publicados 
no livro Terras de quilombos, terras indígenas, “babaçuais livres”, “castanhais do povo”, faxinais 
e fundos de pastos: Terras Tradicionalmente Ocupadas. Manaus: PGSCA-UFAM, 2ª ed., 2008. O 
segundo também foi publicado na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, vol. 6, nº 1, 
maio 2004, p. 9-32.
7 “Mulheres na política do Brasil Rural”, 2010, 14 p.
8 “Juventude rural e o desenvolvimento rural sustentável”, 2010, 10 p.
21Coletânea de Artigos
com a terra, com os mercados e com o Estado, de demandas e de 
movimentos sociais . Além disso, existe ainda uma certa perplexidade 
quanto ao tratamento desses povos nos projetos e nas políticas de desen-
volvimento rural em gestação . De alguma maneira eles são um “proble-
ma”, tanto à direita, como à esquerda . Ainda são considerados “restos” de 
sociedades ou de momentos históricos “anteriores”, elementos de atraso 
que obstaculizam o progresso das forças produtivas e a generalização de 
mercados de terra pelo Brasil . Por isto, o esforço de avançar na compreen-
são destes povos é essencial para o projeto democrático no mundo rural, 
para concretizar a perspectiva de que o meio rural brasileiro comporta a 
preservação e o fortalecimento de sua diversidade . Neste sentido, a ade-
quada consideração das características e das demandas distintivas dessas 
populações é um dos grandes desafios para a legitimação da PDBR . 
Segundo, porque dispomos de dois excelentes trabalhos de Alfredo 
Wagner que buscam caracterizar de forma abrangente a complexidade do 
mundo rural vivenciado por estas populações . Trata-se de sistemas de uso 
comum da terra, de terras que inicialmente nunca foram inventariadas . 
Seu interesse público começa a ser despertado pelos conflitos que sur-
gem nestas áreas, tanto em regiões de colonização antiga, como recente, 
expondo publicamente a pertinência desses sistemas de uso comum das 
terras (as terras tradicionalmente ocupadas) e sua importância econômica 
e populacional . Os textos do autor descrevem e analisam, então, as dife-
renciações internas existente nestes sistemas (“terras de preto”, “terras dos 
índios”, “fundos de pasto”, “faxinais” etc), seus antagonismos, suas lógicas 
híbridas (nas quais convivem tensamente as noções de propriedade pri-
vada, de apossamento comum, de laços de reciprocidade) e suas relações 
com os sistemas dominantes . Alfredo Wagner faz também um exaustivo 
levantamento dos processos não homogêneos de territorialização das terras 
tradicionalmente ocupadas – que incluem, entre outros, quilombolas, po-
vos indígenas, quebradeiras de coco babaçu, seringueiros, ribeirinhos – e 
de seus movimentos sociais, que se distinguem por especificidades que 
têm a ver com etnia, princípios ecológicos e de gênero, base econômica 
heterogênea e profundo enraizamento local .
A Andrea Butto inicia seu texto assinalando temas e abordagens 
que, desde a metade do século passado, representam contribuições do 
22 Brasil Rural em Debate
movimento feminista para o aprofundamento e o alargamento do campo 
do desenvolvimento, tanto do ponto de vista conceitual, como da formu-
lação de políticas públicas . A partir dessa contextualização inicial e reco-
nhecendo que a temática do desenvolvimento rural necessita ser abordada 
em uma perspectiva multidimensional (econômica, social, política, am-
biental), a autora ressalta que pensar esta temática a partir das relações de 
gênero exige a consideração da desigualdade que as mulheres vivenciam no 
meio rural em todas essas dimensões . O texto da Andrea Butto caminha, 
então, na direção de salientar, com detalhes, tanto as interfaces com as 
questões de gênero das políticas públicas de desenvolvimento rural imple-
mentadas no Brasil, a partir de 2003, como as políticas específicas para as 
mulheres rurais que foram executadas neste período . Refletindo, do ponto 
de vista das mulheres, sobre as condições de viabilização da PDBR conclui 
que “o anuncio da inclusão da perspectiva de gênero como parte de um 
enfoque transversal deverá não apenas fortalecer a presença das mulheres 
na gestão social, na preservação ambiental, na reforma agrária, no respeito 
aos direitos humanos e no direito à documentação, mas também nas de-
mais estratégias e ações previstas nos eixos estruturantes da política” .
O texto do Grupo Temático da Juventude Rural (GTJR) do 
CONDRAF, por sua vez, expressa a importância estratégica que o tema 
da juventude assume numa nova visão do rural e do desenvolvimento 
rural no país . Nesta perspectiva, o texto assinala que o GTJR foi criado 
pelo CONDRAF com o objetivo de fortalecer a articulação das diversas 
políticas públicas de desenvolvimento rural para apoiar a construção de 
um Pacto da Juventude que fortaleça a capacidade de protagonismo dos 
jovens rurais, tendo em vista o atendimento de suas demandas e necessi-
dades . Assim sendo, o texto é estruturado de modo a delinear, com de-
talhes, as diretrizes que compõem os quatro eixos temáticos de atuação 
do GTJR, sugeridos como reivindicações prioritárias destes novos atores 
sociais do mundo rural, ou seja, (1) acesso à terra; (2) trabalho e renda; 
(3) educação no, do e para o campo, e qualidade de vida; e (4) participa-
ção e organização política da juventude rural . 
Por fim, na Parte III (Novas políticas públicas para o rural), escolhe-
23Coletânea de Artigos
mos incluir dois documentos e três textos de autores . Um dos documentos 
é o Decreto nº 6 .040, de 7 de fevereiro de 2007, da Presidência da Repú-
blica, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável 
dos Povos e Comunidades Tradicionais . Este Decreto define o que se con-
sidera como Povos e Comunidades Tradicionais e como Territórios Tradi-
cionais, determinando o reconhecimento governamental para estes povos 
e territórios e estabelecendo seus direitos a uma política nacional de desen-
volvimento sustentável adaptada às suas especificidades sociais, culturais, 
religiosas, étnicas e econômicas próprias . O Decreto define os princípios, 
os objetivos e os instrumentos de implementação da Política Nacional, 
nos quais se destacam os fóruns regionais e locais e a construção de Planos 
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais .
O outro documento acrescentado foi o elaborado, em 2008, pelo 
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), 
por meio de seu Grupo de Trabalho sobre Terra e Patrimônio Territo-
rial das Comissões Permanentes 5 e 6, e denominado Terra: direitos 
patrimoniais e territoriais . Seu objetivo principal é apresentar diretrizes 
para a construção de políticas públicas para os povos e comunidades 
tradicionais, os povos indígenas e as comunidades quilombolas, ten-
do em vista a garantia de seus direitos patrimoniais, o uso sustentável 
da terra e a promoção da soberania alimentar e nutricional para esses 
grupos . O documento fecha com um conjunto de recomendações que 
o Grupo de Trabalho do CONSEA considera relevantes para que os 
objetivos enunciados sejam alcançados .
O texto de Edna Castro9 é importante para esta coletânea,porque tem 
como tema a questão das políticas de ordenamento territorial na Ama-
zônia, onde esta problemática é fundamental e um foco permanente de 
conflitos sociais . Apesar de ser um tema antigo, ele se reinventa a cada 
momento, embora podendo assumir formas diferenciadas, em função das 
tensões existentes entre os grupos sociais envolvidos nas dinâmicas socioe-
conômicas regionais e da própria ação do Estado na Amazônia . Umas das 
9 “Políticas de ordenamento territorial, desmatamento e dinâmicas de fronteira” publicado em Novos 
Cadernos NAEA, v. 10, n. 2, 2007, p. 105-126.
24 Brasil Rural em Debate
formas atuais que o conflito social se reveste na região é o desmatamento, 
de modo que a contribuição da Prof . Edna Castro, ao discutir as políticas 
de ordenamento territorial, agrega elementos adicionais para o entendi-
mento das novas políticas públicas que a proposta do CONDRAF requer .
A autora concentra sua análise na região da BR-163, rodovia Cuiabá-San-
tarém, no Pará, partindo dos efeitos dos processos de mobilidade do capital 
e do trabalho sobre os usos da terra, os conflitos sociais e os desmatamentos 
da floresta, especialmente em função da expansão da pecuária . Neste senti-
do, para a Prof . Edna Castro, a compreensão das alterações territoriais e da 
dinâmica do desmatamento exige a investigação das ações e estratégias dos 
diferentes atores presentes nesta fronteira de recursos . Assim, a autora ela-
bora uma análise detalhada da heterogeneidade de dinâmicas socioeconô-
micas e sócio-territoriais na região da BR-163, onde novos processos sociais 
e novas áreas de interesse para a expansão do agronegócio são identificáveis 
e onde é possível perceber uma diversidade de interesses, de alianças e de 
redes de mercado . De forma sintética, a autora sugere que, para avaliar as 
condições de viabilização das políticas de ordenamento territorial na região 
(e certamente em outras regiões), é necessário investigar cuidadosamente: 
(1) quem são os agentes econômicos e sociais presentes e como agem; (2) 
qual é a sua capacidade econômica e de articulação política; (3) quê arran-
jos institucionais existem e como podem lidar com as questões e conflitos 
enraizados na dinâmica territorial (que envolvem a estrutura fundiária e a 
ilegalidade dos direitos de propriedade, as várias instâncias da ação estatal 
etc .); e (4) como os custos de oportunidade e de mobilidade do capital 
afetam as motivações econômicas dos agentes . Trabalhando com este re-
ferencial, a Prof . Edna Castro estuda, então, as possibilidades e os desafios 
da política de ordenamento territorial na Amazônia . 
Os dois textos adicionais que foram incluídos nesta parte tratam mais 
diretamente das novas abordagens das políticas públicas para o meio 
rural, em que são enfatizadas a necessidade de transversalidade nessas 
políticas e as vantagens envolvidas na incorporação das noções de ter-
ritório e de desenvolvimento territorial no processo de formulação e de 
25Coletânea de Artigos
execução das mesmas . O texto de Philippe Bonnal e Renato S . Maluf10 
preocupa-se fundamentalmente com a maneira como as noções de mul-
tifuncionalidade e de território têm sido utilizadas nas políticas agríco-
las e rurais no país . Para tanto, os autores defendem a ideia de que a 
multifuncionalidade é um fenômeno inerente às atividades agrícolas e 
rurais, na medida em que expressa a ligação fundamental dos aspectos 
sociais, ambientais e produtivos no meio rural de qualquer país, região 
ou território, sendo, portanto, uma noção de natureza transversal . O 
conceito de território, por sua vez, é um conceito também carregado 
de transversalidade entre várias dimensões da realidade social (econô-
mica, política, cultural etc .), além de incorporar as dimensões material 
e simbólica, presentes em qualquer espaço social . Nesse sentido, o con-
ceito de território pode ser utilizado com objetivos e formas diversos 
pela intervenção pública, tais como aprimorar o sistema de governança, 
transformar a atividade econômica, reduzir os desequilíbrios econômi-
cos e sociais regionais etc . Os autores apresentam, então, um esquema de 
análise da interação entre multifuncionalidade e território nas atividades 
rurais, tendo como referência as políticas agrícolas existentes no Brasil, 
destacando seus limites e possibilidades atuais .
Por fim, o texto de Sérgio Leite, Nelson Delgado, Philippe Bonnal 
e Karina Kato11 propõe uma análise da abordagem territorial, na qual 
se procura explicitar as interações e articulações entre desenvolvimento 
territorial, políticas públicas e atores sociais, com especial referência ao 
Brasil . Os autores reconhecem a existência de um crescente interesse 
pelo desenvolvimento territorial rural no país, a partir do início do 
século, o que produziu o surgimento de diversas iniciativas inovado-
ras, mas desarticuladas e utilizando noções de território e escalas de 
territorialidade diversas . Nesse sentido, consideram que a análise dos 
10 “Do uso das noções de multifuncionalidade e território nas políticas agrícolas e rurais no Brasil” 
publicado originalmente em Lima, E.N., Delgado, N.G. e Moreira, R.J. (orgs.). Mundo Rural IV. 
Con� gurações Rural-Urbanas: Poderes e Políticas. Rio de Janeiro, Mauad: UFRRJ, 2007, p. 216-
235.
11 Políticas públicas, desenvolvimento territorial e atores sociais no meio rural brasileiro. 2009. 
Mimeo, 24 p.
26 Brasil Rural em Debate
obstáculos à articulação das políticas territoriais e as estratégias para 
nfrontá-los exigem a consideração de três elementos presentes nesses 
espaços: (1) os programas existentes; (2) as arenas decisórias e os espa-
ços públicos existentes nos territórios (a institucionalidade territorial 
prevalecente); e (3) o empoderamento dos atores sociais (do Estado, da 
sociedade civil e do mercado) presentes nos territórios . Com base nos 
desdobramentos dessa proposição, investigam três dimensões identi-
ficadas na utilização da abordagem territorial no Brasil, da perspec-
tiva da intervenção governamental: a territorialização da governança, 
a territorialização das políticas públicas e a territorialização do desen-
volvimento . Embora constatando que no Brasil existe um consenso 
crescente acerca de pensar territorialmente as política públicas e de 
consolidar o território como um espaço intermediário de articulação 
das políticas públicas de desenvolvimento rural, os autores finalizam 
destacando diversos desafios que a política de desenvolvimento territo-
rial rural ainda enfrenta no país . 
Referências Bibliográfi cas 
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO . Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Rural Sustentável . Relatório Final da 1ª Conferência Nacional de Desenvolvimen-
to Rural Sustentável e Solidário (Olinda/PE, 25-28 de junho de 2008). Por um Brasil 
com Gente. Brasília, 2008 .
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO . Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Rural Sustentável . Política de Desenvolvimento do Brasil Rural. Proposta aprovada 
pelo CONDRAF no dia 24 de fevereiro de 2010 . Brasília, 2010 . 
MATTEI, Lauro . A Política de Desenvolvimento do Brasil Rural em Debate . 2010 . Mimeo, 
versão preliminar . Florianópolis . 
Parte I Novo 
Rural
28 Brasil Rural em Debate
Introdução
O objetivo deste ensaio é apresentar uma descrição 
e análise da relação que se estabelece entre o comporta-
mento da economia e da política macroeconômica e a 
conduta da agricultura e da política agrícola em vários 
momentos da história recente do país, a começar pela 
década de 1970, a última década de elevado cresci-
mento da economia, mas que já anuncia os problemas 
que virão a seguir . Uma das observações do texto é que 
o papel, por assim dizer, imaginado pelas elites e os for-
muladores da política econômica para a agricultura na 
economia nacional não é fixo, mas de alguma forma 
tem sidoadaptado, em primeiro lugar, para responder 
aos estímulos do mercado externo ou para enfrentar as 
crises recorrentes do balanço de pagamentos, via au-
mento das exportações, e, subsidiariamente, para dar 
conta do abastecimento alimentar interno, em uma 
economia caracterizada por salários de base tradicio-
nalmente reduzidos .
Este comportamento da relação economia e agricul-
tura não se deve, evidentemente, a uma conduta ine-
vitável e fatalista das chamadas “forças econômicas”, 
para as quais não exista possibilidade de alternativas . 
Nelson 
Giordano 
Delgado
1. O papel do rural no 
desenvolvimento nacional: 
da modernização conservadora 
dos anos 1970 ao Governo Lula*
* Este ensaio é uma ver-
são levemente adapta-
da de um texto escrito 
para o CONDRAF 
em fevereiro de 2009 
e intitulado “Papel 
e Lugar do Rural no 
Desenvo lv imento 
Nacional” . 
29Coletânea de Artigos
Decorre, isto sim, de forma central, do tipo de governança predominan-
te internamente e da correlação de forças políticas nos planos nacional e 
internacional, dos quais dependem as escolhas de política econômica, ou 
mesmo sua falta de opções em determinados momentos, os objetivos e as 
características assumidas pelo crescimento econômico, e os grupos sociais 
que vão ser favorecidos ou penalizados pelo comportamento da economia 
e da agricultura . 
A existência ou não de um ambiente democrático se mostrou de-
cisiva para estabelecer o conteúdo e o significado dominantes acerca 
do conceito de rural e de desenvolvimento rural e para que pudessem 
surgir progressivamente visões alternativas sobre os mesmos, buscan-
do dar conta dos interesses e objetivos de grupos sociais excluídos 
dos processos econômicos e sociais dominantes na economia e na 
agricultura . Por exemplo, na década de 1970, o governo da ditadura 
militar promoveu um processo de modernização conservadora que 
concebeu o rural como sinônimo de agrícola e o desenvolvimento 
rural como idêntico à modernização agrícola, produzindo transfor-
mações socioeconômicas no meio rural cujos efeitos foram bastante 
penosos para os trabalhadores rurais e muito favoráveis às elites agrá-
rias, agrícolas e agroindustriais . 
Com o processo de democratização da sociedade brasileira na década 
de 1980, revitalizou-se o movimento sindical, surgiram novos movimen-
tos sociais no campo, complexificaram-se os personagens e as demandas 
do mundo do trabalho rural e começou a ser elaborada uma crítica con-
tundente ao modelo de modernização agrícola adotado, conhecido inter-
nacionalmente como revolução verde, desvinculando progressivamente o 
conceito de rural do de agrícola e o de desenvolvimento rural do de mo-
dernização agrícola . Isso significa, obviamente, que os conceitos de rural 
e de desenvolvimento rural são conceitos em disputa na luta política por 
projetos e concepções alternativos sobre o mundo rural, cujo significado 
é também objeto de disputa, no sentido do reconhecimento, perante a 
sociedade e o Estado, de quem são os seus personagens e atores (quem 
conquista “visibilidade” e quem permanece “invisível”), quem tem acesso 
30 Brasil Rural em Debate
aos direitos sociais, à proteção do Estado e às políticas públicas, sobre o 
que e sobre quem estamos falando quando tratamos do mundo rural em 
suas dimensões ambiental, econômica, social, cultural e política .
Nossa hipótese, neste ensaio, é que a década de 1990 é decisiva para 
demarcar os termos em que a disputa se faz na sociedade brasileira em 
relação ao futuro das relações entre economia e agricultura – sobre o pa-
pel da agricultura na economia – e sobre a apropriação do significado do 
Brasil rural e do desenvolvimento rural . Nesta década há uma “confluência 
perversa”, para usar um termo cunhado por Dagnino (2004), entre dois 
projetos políticos alternativos que, por razões diversas, passam a conviver 
na sociedade brasileira de forma não estanque, pois são excludentes em 
várias de suas formas de manifestação . São o projeto neoliberal e o projeto 
que estamos chamando de democratizante – não de democrático, pois 
queremos enfatizá-lo como um processo de democratização da sociedade . 
Quando consideramos o mundo rural, argumentamos que o prota-
gonista fundamental do projeto neoliberal é o agronegócio, cujo peso 
político, tão importante na história do Brasil, foi revitalizado por seu 
papel crucial no que Delgado (2005) chamou de “ajustamento cons-
trangido à globalização” e que consolidou a visão, na perspectiva das 
elites, de que o papel da agricultura na economia consiste na geração 
de saldos crescentes na balança comercial para tentar manter sob con-
trole a conta de transações correntes da balança de pagamentos .
Por outro lado, no campo do mundo do trabalho, sugerimos que o proje-
to democratizante foi sendo construído no meio rural principalmente atra-
vés da luta pela reforma agrária e pela elaboração de um “projeto alternativo 
de desenvolvimento rural baseado na agricultura familiar”, tendo como seus 
protagonistas mais importantes as identidades estabelecidas na década de 
1990 de “sem-terra”, “assentados” e “agricultores familiares” . Como conse-
quência desse movimento, o projeto democratizante desconstruiu intelectu-
al e politicamente a concepção de rural como agrícola e de desenvolvimento 
como modernização, e continua buscando reconstruir, intelectual e politica-
mente, conteúdos mais adequados para as noções de rural e de desenvolvi-
mento rural, numa trajetória difícil e complexa e ainda não concluída .
31Coletânea de Artigos
O ensaio está estruturado em cinco seções, além desta introdução e 
das referências bibliográficas utilizadas . Na segunda seção, apresenta-
mos uma breve caracterização da crise política e econômica do início 
da década de 1960, que é enfrentada através do golpe militar de 1964 . 
Com o golpe, é recomposto o pacto político dominante que susten-
tava a industrialização e que mantém a participação das elites agrá-
rias . Como consequência, o governo militar promoveu uma política 
de incentivo à modernização da agricultura na década de 1970, que 
ficou conhecida como “modernização conservadora”, pois seu objeti-
vo, entre outros, foi transformar o latifúndio em uma grande empresa 
capitalista . São descritos, então, os principais efeitos desse processo, 
inclusive no mundo do trabalho rural .
A terceira seção trata das relações entre política macroeconômica e 
agricultura que passaram a prevalecer em função do ajustamento da eco-
nomia brasileira à crise da dívida externa, na década de 1980, desenca-
deada pela enorme elevação das taxas de juros internacionais ocasionadas 
pela política econômica norte-americana . A essência do ajustamento in-
terno residiu na custosa adaptação da economia à geração de superávits 
crescentes na balança comercial e na transformação da agricultura em 
principal instrumento para o equilíbrio da conta de transações correntes 
da balança de pagamentos, através de um grande estímulo governamen-
tal às exportações . A partir dos anos 1980 este passou a ser o principal 
papel da agricultura na economia nacional, da perspectiva do Governo e 
das elites políticas e econômicas . Com a luta pelo processo de democra-
tização do país, o tema da reforma agrária foi revigorado politicamente 
e a questão agrária tornou-se mais complexa com o surgimento de no-
vos personagens e novas reivindicações nos movimentos sociais rurais . 
A seção termina com uma breve menção ao plano de reforma agrária 
apresentado pelo Governo da Nova República .
A quarta seção lida com a década de 1990 e com a adoção de uma 
política de liberalização comercial, de desregulação e de desmonte dos 
instrumentos de política agrícola utilizados até o final da década an-
terior . Seus efeitos na agricultura familiar foram bastante danosos . Ao 
32 Brasil Rural em Debate
mesmo tempo, acelerou-seo endividamento externo, em função do 
ajuste ultraliberal do primeiro Governo Fernando Henrique Cardo-
so . Como consequência, o segundo Governo FHC voltou a utilizar a 
política de ajustamento externo baseado na expansão das exportações 
agropecuárias e um verdadeiro “relançamento” do agronegócio foi fa-
vorecido pela política governamental desde então .
Apresentamos, ademais, nesta seção uma discussão sobre as caracterís-
ticas e os objetivos dos dois projetos em competição no meio rural -pelo 
significado do desenvolvimento, pelo protagonismo do mesmo e pelas 
políticas públicas governamentais- que denotamos como sendo o proje-
to neoliberal do agronegócio e o projeto democratizante que, na década 
de 1990, tem como suas idéias-força a reforma agrária e o modelo de de-
senvolvimento rural baseado na agricultura familiar e como seus princi-
pais personagens os “sem-terra”, “assentados” e “agricultores familiares” . 
Na quinta seção, coerentes com nossa distinção entre os dois modelos 
políticos que, a partir dos anos 1990, disputam o significado e as políti-
cas de desenvolvimento, buscamos sugerir os pontos de continuidade do 
Governo Lula com o projeto neoliberal, bem como as janelas de opor-
tunidade que abriu para o avanço do projeto democratizante no meio 
rural, embora tendo clareza que a eleição de Lula foi uma conquista do 
projeto democratizante . Terminamos a seção com uma breve aproxima-
ção ao conceito de rural que aparece no documento Condraf (2008) . 
Por fim, a sexta seção encerra o documento com algumas breves 
interrogações acerca de obstáculos, desafios e oportunidades para o 
desenvolvimento rural no país . 
1.1 A modernização conservadora 
da agricultura na década de 1970
Desde a Grande Depressão de 1930, e principalmente a partir do 
Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek na segunda metade 
dos anos 1950, a economia brasileira foi dominada, até o final da déca-
da de 1970, pela idéia-força da industrialização, como o instrumento 
33Coletânea de Artigos
fundamental para a eliminação da considerável defasagem que a sepa-
rava das economias capitalistas industrializadas . Essa idéia consolidou-
-se como o principal objetivo de política econômica da burocracia es-
tatal e dos formuladores da política pública, não importa quão diversos 
tenham sido os governos neste período . O padrão de industrialização 
implementado desde os anos 1950 teve algumas características bem 
marcantes, mas só nos interessa ressaltar aqui duas: a importância deci-
siva do Estado para sua implementação e o caráter conservador do pro-
cesso, no sentido de que não representou qualquer rompimento com 
as elites agrárias e esteve baseado na manutenção de salários reduzidos .
Os papéis desempenhados pelo Estado neste modelo de crescimen-
to dependente foram múltiplos: (1) foi agente produtivo, por meio 
da criação, expansão e consolidação de um importante setor produti-
vo estatal (que será privatizado, em parte, na década de 1990); (2) foi 
agente financeiro, responsável pela criação, captação e centralização 
dos créditos de longo prazo necessários à transformação da estrutura 
produtiva industrial, principalmente por meio do atual BNDES; (3) 
foi articulador dos capitais privados nacionais e internacionais que 
participaram do processo de acumulação industrial e transplantaram, 
de forma incompleta e deformada, a estrutura industrial prevalecente 
nos países capitalistas centrais; (4) foi expressão e sustentáculo de 
um pacto de poder autoritário e excludente das camadas populares, 
especialmente do meio rural, que, ao mesmo tempo em que tornava 
hegemônico o projeto industrializante, mantinha intocada a estrutu-
ra de poder no campo e garantia mecanismos de valorização especu-
lativa dos capitais (na época, em grande parte nacionais) instalados 
nas órbitas bancária, imobiliária e comercial; e (5) foi formulador e 
executor de políticas públicas, tanto no nível macroeconômico como 
setorial, que privilegiaram a constituição de uma economia urba-
no-industrial, protegendo a produção, subsidiando investimentos, 
criando mercados, mantendo os preços dos alimentos controlados 
e os salários reduzidos, elevando os lucros industriais, expandindo a 
infraestrutura de energia e transportes etc .
34 Brasil Rural em Debate
No início da década de 1960, este modelo de industrialização de-
pendente e excludente entrou em crise, no sentido de que seus meca-
nismos tradicionais de financiamento e suas frentes de expansão foram 
abaladas pela aceleração da inflação e pela perda de capacidade do Es-
tado de manter a articulação do pacto de poder político que o susten-
tava . As críticas ao padrão dependente e excludente da industrializa-
ção acentuaram-se entre intelectuais e partidos políticos de esquerda 
(e centro-esquerda) e passaram a expressar-se politicamente através da 
mobilização crescente dos movimentos sindical e camponês . Naciona-
lismo, reforma agrária e crescimento dos salários e do mercado interno 
se tornaram bandeiras políticas e econômicas fundamentais de lutas 
que visavam à derrota das elites agrárias e a superação do pacto de po-
der que sustentou historicamente a industrialização, buscando fazê-la 
mais democrática, menos excludente e dependente, e tendo o cresci-
mento do consumo de bens salários (e não de bens de luxo/supérfluos) 
como uma de suas frentes de expansão essenciais .
O golpe de estado militar de 1964 foi decisivo para enfrentar os 
conflitos existentes de modo a manter o pacto político tradicional 
que incluía as elites agrárias como um de seus componentes . A re-
pressão política sobre os movimentos sindical e camponês e sobre os 
intelectuais e os partidos de esquerda foi o mecanismo utilizado para 
recompor o pacto político dominante e, a partir daí, definir meca-
nismos de financiamento e de retomada da acumulação industrial 
que acentuaram seu caráter dependente e excludente, por meio do 
aumento da participação das empresas multinacionais, da conten-
ção dos salários reais, e da expansão do setor produtivo estatal e dos 
setores de bens de consumo duráveis, viabilizado pelo aumento do 
crédito para o consumo da classe média . 
Apesar da criação do Estatuto da Terra, em novembro de 1964, e 
de uma posição relativamente favorável a uma mudança fundiária 
conservadora no plano de ação econômica do primeiro governo da 
ditadura militar, a falta de sustentação política dessas intenções di-
vergentes na base social e política de apoio do governo militar levou 
35Coletânea de Artigos
à supressão de qualquer intenção de mudança na estrutura agrária 
brasileira a partir do Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968, 
e à adoção da proposta de que, em vez de reformar o latifúndio, era 
necessário implementar uma política de modernização da agricultu-
ra brasileira com o objetivo de transformá-lo numa grande empre-
sa capitalista . Com a hegemonia política dessa visão no governo da 
ditadura militar foi iniciada, no final da década de 1960, a política 
estatal que promoveria a chamada modernização conservadora da 
agricultura brasileira na década de 1970 .
Embora o conjunto da política de modernização agrícola desse pe-
ríodo tenha mobilizado um espectro um pouco mais amplo de instru-
mentos – como incentivos fiscais às exportações, minidesvalorizações 
cambiais, criação da EMBRAPA e da EMBRATER etc . –, é consensu-
al que a política de crédito rural subsidiado, iniciada com a criação do 
Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), em 1965, foi seu carro-
-chefe fundamental . Pelo menos até 1976, a oferta de crédito rural foi 
incrivelmente abundante e subsidiada, de modo que a participação do 
crédito na renda agrícola foi sempre muito elevada . Essa fartura do 
crédito agrícola esteve associada às mudanças institucionais realizadas 
pelo governo (criação do Banco Central e reforma do sistema finan-
ceiro nacional)e principalmente a uma conjuntura mundial favorável, 
marcada por grande disponibilidade de recursos financeiros . 
Ademais, este foi um período de grande crescimento do comércio 
internacional, com melhoria significativa dos termos de troca para a 
economia brasileira e com melhoria dos preços agrícolas para exporta-
ção . Dada a base social de sustentação da ditadura militar, a conjun-
tura financeira e comercial bastante favorável estimulou uma política 
de abertura da economia voltada para o crescimento das exportações 
agrícolas . Lembremos que é deste período o início e a notável expansão 
da produção de soja no país, especialmente na região Sul .
Algumas características da modernização conservadora da agricultura 
brasileira são igualmente consensuais: (1) o crédito agrícola subsidiado 
se concentrou nas regiões Sul e Sudeste, acentuando os desequilíbrios 
36 Brasil Rural em Debate
regionais existentes; (2) privilegiou principalmente os grandes produ-
tores e alguns médios, aumentando a concentração fundiária (houve 
uma queda do número de estabelecimentos com menos de 50 ha); (3) 
favoreceu basicamente os produtos agrícolas destinados à exportação, 
o que, juntamente com o aumento da relação preços das exportações/
preços dos produtos alimentares, provocou um acentuado desequilíbrio 
na relação entre produção para exportação e produção para alimentação, 
piorando a distribuição de renda no meio rural; (4) a modernização da 
agricultura esteve intimamente associada a uma onda de internalização 
do que na época se chamou de “complexo agroindustrial”, a montante 
e a jusante, com liderança das empresas multinacionais, num processo 
que foi também conhecido como de “industrialização (e internaciona-
lização) da agricultura” ou de “revolução verde”; (5) é impensável sem 
a conjuntura internacional extremamente favorável, tanto do ponto de 
vista da demanda por exportações de produtos agrícolas, como pela dis-
ponibilidade de crédito no sistema financeiro mundial; e (6) promoveu 
um violento processo de expulsão de mão-de-obra do campo, especial-
mente nas regiões onde a modernização foi mais intensa: o Sudeste e o 
Sul foram responsáveis por cerca de 60% do total das migrações líquidas 
do meio rural nas décadas de 1960 e 1970 .
É evidente que as características da modernização agrícola deste perío-
do estão profundamente associadas à ditadura militar, cuja base social de 
apoio político influenciou decisivamente quais foram os grupos sociais 
favorecidos e quais foram os penalizados: principalmente agricultores 
capitalistas, empresas do CAI (nacionais e multinacionais), latifundiá-
rios “tradicionais” e “modernos”, sistema financeiro, no primeiro caso, 
e basicamente pequenos agricultores, assalariados rurais (em particular 
os temporários, “bóias-frias”), populações rurais sem-terra, no segundo . 
Neste período, para os atores governamentais e empresariais, rural 
era sinônimo de agrícola e desenvolvimento rural era igual a desen-
volvimento agrícola que, por sua vez, era identificado com moder-
nização da agricultura . As populações excluídas do processo de mo-
37Coletânea de Artigos
dernização eram consideradas pelo governo militar e por organismos 
internacionais como populações de “baixa renda”, para as quais eram 
destinados, especialmente no Nordeste, os chamados “projetos de 
desenvolvimento rural integrado”, difundidos pelo Banco Mundial 
por toda a América Latina . 
A Amazônia era considerada da perspectiva de uma estratégia 
de integração nacional – que incluia também o Nordeste e o Cen-
tro-Oeste – concebida através da execução de grandes programas 
especiais, como o Programa de Pólos Agropecuários e Agromine-
rais da Amazônia (Polamazônia) e outros, que visavam estimular 
a instalação de capitais nacionais e multinacionais na região, bem 
como a expansão de uma agropecuária empresarial moderna . Essa 
estratégia seria complementada por uma política de colonização e 
de desenvolvimento agropecuário orientado para a ocupação das 
chamadas “regiões de fronteira”1 . A questão ambiental, apesar de 
iniciativas e de reflexões existentes no âmbito mundial e doméstico, 
não aparecia ainda como uma questão central das agendas nacional 
e internacional .
Note-se, no entanto, que o caráter excludente da modernização con-
servadora da agricultura aumentou a demanda por terra por parte do mo-
vimento sindical remanescente – apoiada por setores da Igreja Católica, 
como a Comissão Pastoral da Terra, criada em 1975 –, que foi abafada e 
reprimida pela repressão política dominante, mas que se manteve espa-
lhada por todo o país e enraizada nas experiências cotidianas dos traba-
lhadores . Como ressalta Medeiros (2002), essa luta pela terra, nos anos 
1970, produziu uma apropriação particular do Estatuto da Terra pelo mo-
vimento sindical, que se centrou na reivindicação da desapropropriação 
1 Em outro ensaio, referimo-nos à existência de uma “tensão” nos planos de desenvolvimento do governo 
militar em relação às “regiões de fronteira”, como eram considerados a Amazônia e o Centro-Oeste. Tais 
regiões eram concebidas como espaços geoeconômicos nos quais o governo militar pretendia ser possível 
tanto a consolidação de uma agricultura camponesa mercantil, aliviando as tensões sociais no meio rural 
em outras regiões, como a expansão de uma agropecuária empresarial moderna, voltada para o mercado 
interno e, principalmente, para a exportação. A prática do governo foi, no entanto, francamente favorável 
aos grupos empresariais, inviabilizando o desenvolvimento da agricultura camponesa e intensi� cando, 
ao invés de reduzir, os focos de tensão social inclusive nessas áreas (Delgado, 1988). 
38 Brasil Rural em Debate
das áreas de conflito geradas pelo projeto de modernização dominante . 
Nesse sentido, seu personagem mais característico, embora não único, foi 
o “posseiro”, ameaçado pelos grandes projetos agropecuários incentivados 
pela política governamental, em especial na Amazônia . 
1.2 O ajustamento doméstico à crise 
externa na década de 1980
As condições de articulação, de financiamento e de continuidade do 
padrão de crescimento industrial, que predominou no pós-guerra, rom-
peram-se definitivamente a partir do início da década de 1980, como 
consequência da crise da dívida externa e de suas principais formas de 
manifestação: a impossibilidade de acesso ao mercado internacional 
de crédito combinada com a elevação brusca da remessa de juros por 
conta do enorme aumento das taxas internacionais; a profunda crise 
institucional e financeira do Estado nacional; e a aceleração vertigino-
sa da inflação2 . Com isso, a política macroeconômica – especialmente 
monetária, fiscal e comercial – ficou refém da necessidade de viabilizar 
internamente os pagamentos relativos ao serviço da dívida externa e de 
impedir que o agravamento do endividamento público externo e da taxa 
de crescimento dos preços empurrasse a economia para a hiperinflação . 
E tudo isso com a aceitação, a partir de 1983, do monitoramento e da 
fiscalização do Fundo Monetário Internacional (FMI) . 
O resultado foi a adoção de uma política econômica recessiva, acompa-
nhada por desvalorizações significativas da taxa de câmbio, com o objetivo 
de promover um amplo deslocamento de recursos dos setores produtores 
de bens destinados ao mercado doméstico para os setores voltados às ex-
portações ou à substituição das importações . Desta forma, a possibilidade 
de retomada do crescimento econômico passa a depender, prioritariamen-
2 Note-se que a crise da dívida externa foi provocada principalmente pelas mudanças na política 
econômica norte-americana no início dos anos 1980, que promoveram uma notável e imediata ele-
vação das taxas de juros internacionais, como parte de um processo econômico, político e militar 
conhecido como a “retomada da hegemonia norte-americana” e que

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