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Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários - René Wellek e Austin Warren - Parte2

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15.IInagein,Inetáfora, 
síinbolo, Inito 
Quando paramos de classificar os poemas pelo seu tema 
ou temas e passamos a perguntar que tipo de discurso é a poe-
sia e quando, em vez de parafrasear em prosa, identificamos o 
"significado" de um poema com todo o seu complexo de estru-
turas, encontramos, então, como estrutura poética central, a se-
qüência representada pelos quatro termos do nosso título. Os 
dois principais princípios organizadores da poesia, disse um dos 
nossos contemporâneos, são o metro e a metáfora; além disso, 
o metro e a metáfora "estão juntos", e a nossa definição de poe-
sia terá de ser geral o suficiente para incluir ambos e explicar 
por que se acompanham1• 
A teoria geral de poesia implícita nessa declaração foi ex-
posta brilhantemente por Coleridge na Biographia Literaria. 
Temos, nesses quatro termos, um único referente? Seman-
ticamente, os termos sobrepõem-se; eles apontam claramente 
para a mesma área de interesse. Talvez se possa dizer que a 
nossa seqüência - imagem, metáfora, símbolo e mito - repre-
senta a convergência de duas linhas, ambas importantes para a 
teoria da poesia. Uma é a particularidade sensorial, ou o contí-
nuo sensorial e estético, que vincula a poesia à música e à pin-
tura e a desvincula da filosofia e da ciência; a outra é a "figu-
ração" ou "tropologia" - o discurso "oblíquo" que fala em meto-
1. Max Eastman, The Literary Mind in an Age of Science, Nova York, 
1931 , p. 165. 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 245 
nímias e metáforas, comparando parcialmente os mundos, pre-
cisando os seus temas ao dar-lhes traduções em outras expres-
sões2. Ambas são características, differentiae, da literatura, em 
contraste com o discurso científico. Em vez de almejar um sis-
tema de abstrações coerentemente expresso por um sistema de 
monossignos, a poesia organiza um padrão único, irrepetível 
de palavras, cada uma um objeto bem como um signo, e usado 
de maneira imprevisível por qualquer sistema fora do poema3• 
As dificuldades semânticas do nosso tópico são proble-
máticas e nenhum alívio imediato parece possível além da 
atenção vigilante a como os termos são usados nos seus con-
textos, especialmente nas suas oposições polares. 
A imagística é um tópico que pertence à psicologia e ao 
estudo literário. Na psicologia, a palavra "imagem" significa 
uma reprodução mental, uma memória, uma experiência sensa-
cional ou perceptual passada, não necessariamente visual. As 
investigações pioneiras de Francis Galton, em 1880, que pes-
quisavam até que ponto os homens podiam reproduzir visual-
mente o passado, descobriram que os homens diferiam gran-
demente no seu grau de visualização. Mas as imagens não são 
apenas visuais. As classificações dos psicólogos e dos estetas 
são numerosas. Há não apenas imagens "gustativas" e "olfati-
vas", mas também há imagens térmicas e imagens de pressão 
("cinestésicas", "hápticas'', "empáticas"). Há a importante dis-
tinção entre as imagens estáticas e as cinésicas (ou "dinâmi-
cas"). O uso das imagens cromáticas pode ou não ser tradicio-
nalmente ou privadamente simbólico. As imagens sinestésicas 
2. Sobre "Tipos de discurso'', ver Charles Morris, Signs, Languages, 
and Behavior, Nova York, 1946, pp. 123 ss. Morris distingue doze tipos de 
"discurso", dos quais os relevantes para o nosso capítulo - e nossos quatro 
termos - são o "fictivo" (o mundo do romance), o "mitológico" e o "poético". 
3. Monossigno e plurissigno são usados por Philip Wheelwright, em 
"The Semantics of Poetry", Kennyon Review, li (1940), pp. 263-83. O plu-
rissigno é "semanticamente reflexivo no sentido de que é uma parte do que 
significa. Isto é, o plurissigno, o símbolo poético, não é meramente emprega-
do mas fruído; o seu valor não é inteiramente instrumental mas, em boa par-
te, estético, intrinseco." 
246 TEORIA DA LITERATURA 
(sejam elas resultado da constituição psicológica anormal do 
poeta, sejam da convenção literária) traduzem de um sentido 
para outro, por exemplo, som em cor. Finalmente, há a distin-
ção, útil para o leitor de poesia, entre imagens "presas" e "li-
vres": as primeiras, imagens auditivas e musculares, suscitadas 
necessariamente, apesar de lermos para nós mesmos, e quase 
as mesmas para todos os leitores adequados; as segundas, vi-
suais e outras, variando muito de pessoa para pessoa ou de tipo 
para tipo4• 
As conclusões gerais de 1. A. Richards, apresentadas nos 
seus Principies, de 1924, ainda parecem corretas: que 
sempre se deu muita importância às qualidades sensoriais das 
imagens. O que dá eficácia a uma imagem é menos a sua vivi-
dez como imagem do que o seu caráter como acontecimento 
mental ligado peculiarmente à sensação. 
A sua eficácia provém de ser "uma sobrevivente" e uma 
"representação" da sensação5• 
Das imagens como representantes vestigiais das sensa-
ções, passamos com facilidade esclarecedora para a segunda 
linha, que atravessa toda a nossa área - a da analogia e da com-
paração. Mesmo as imagens visuais não devem ser procuradas 
exclusivamente na poesia descritiva, e poucos que tentaram es-
crever poesia "imagista" ou "física" conseguiram restringir-se 
a imagens do mundo externo. Na verdade, raramente deseja-
ram fazê-lo. Ezra Pound, teórico de muitos movimentos poéti-
cos, definiu a "imagem" não como uma representação pictóri-
ca, mas como "aquilo que apresenta um complexo intelectual e 
emocional em um instante do tempo", uma "unificação de idéias 
díspares". O credo imagista afirmava: "Cremos que a poesia 
4. Ver E. G. Boring, Sensation and Perception in the History of Experi-
mental Psychology, Nova York, 1942; June Downey, Creative lmagination: 
Studies in the Psychology of Literature, Nova York, 1929; Jean-Paul Sartre, 
L 'imagination, Paris, 1936. 
5.1. A. Richards, Principies of Literary Criticism, Londres, 1924, capí-
tulo XVI, "The Analysis of a Poem". 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 247 
deve representar as particularidades exatamente e não tratar de 
generalidades vagas, por mais que [ ... ] sonoras". No elogio de 
Dante e nos ataques a Milton, Eliot parece ater-se mais dogma-
ticamente à ênfase na Bildlichkeit. A imaginação de Dante, ele 
diz, "é uma imaginação visual". Ele é um alegorista e, "para 
um poeta competente, alegoria significa 'imagens visuais cla-
ras"'. Por outro lado, a imaginação de Milton, infelizmente, é 
uma "imaginação auditiva". As imagens visuais em "r..:Allegro" 
e "II Penseroso" são 
todas gerais [ ... ]não são um lavrador, uma ordenhadeira e um 
pastor específicos que Milton vê [ ... ] o efeito sensorial desses 
versos está inteiramente no ouvido e é associado aos conceitos 
de lavrador, ordenhadeira e pastor6• 
Em todos esses pronunciamentos, a ênfase está antes na 
particularidade e na união das palavras (analogia, por exem-
plo, alegoria; "unificação de idéias díspares") do que no senso-
rial. A imagem visual é uma sensação ou uma percepção mas 
também "representa", refere-se a algo invisível, algo "interior". 
Pode ser, ao mesmo tempo, tanto apresentação como represen-
tação ("o negro morcego da noite voou". "Ali, diante de nós, 
estendem-se Desertos de vasta eternidade"). A imagem pode 
existir como "descrição" ou (como nos nossos exemplos) como 
metáfora. Mas podem as imagens não oferecidas como metá-
fora, como vistas pelo "olho da mente", ser também simbólicas? 
Nem toda percepção é seletiva?7 
Assim, Middleton Murray, para quem "símile" e "metáfo-
ra" estão associados com a "classificação formal" da retórica, 
6. Ezra Pound, Pavannes and Divisions, Nova York, 1918; T. S. Eliot, 
"Dante", Selected Essays, Nova York, 1932, p. 204; Eliot, "A Note on the 
Verse of John Milton", Essays and Studies by Members of the English Asso-
ciation, XXI, Oxford, 1936, p. 34. 
7. "A psicologia moderna ensinou-nos que esses dois sentidos do termo 
' imagem' se sobrepõem.Podemos dizer que toda imagem mental espontânea 
é, em certa medida, simbólica." Charles Baudouin, Psychoanalysis and Aes-
thetics, Nova York, 1924, p. 28. 
248 TEORIA DA LITERATURA 
aconselha-nos o uso de "imagem" como um termo para incluir 
ambos, mas previne-nos de que devemos "excluir resolutamen-
te das nossas mentes a sugestão de que a imagem é única ou 
mesmo predominantemente visual". A imagem "pode ser vi-
sual, pode ser auditiva" ou "pode ser inteiramente psicológica"8• 
Em escritores tão diferentes como Shakespeare, Emily Bronte 
e Poe, podemos ver que o cenário (um sistema de "proprieda-
de·s") é, muitas vezes, uma metáfora ou símbolo: o mar furio-
so, a tempestade, a charneca selvagem, o castelo em ruínas ao 
lado do frio e sombrio lago na montanha. 
Como a "imagem", o "símbolo" deu o seu nome a um mo-
vimento literário específico9• Como a "imagem", ele continua a 
surgir em contextos amplamente diferentes e com fins muito 
diversos. Surge como um termo na lógica, na matemática, na 
semântica, na semiótica e na epistemologia; também teve uma 
longa história nos mundos da teologia ("símbolo" é um sinôni-
mo de "credo"), da liturgia, das belas-artes e da poesia. O ele-
mento comum em todos esses usos correntes é provavelmente 
o de algo que significa, que representa outra coisa. Mas o ver-
bo grego, que significa juntar, comparar, sugere que a idéia de 
analogia entre signo e significado esteve presente na origem. 
Ainda sobrevive em alguns dos usos modernos do termo. Os 
símbolos algébricos e lógicos são signos de convenção, de 
acordo, mas os símbolos religiosos baseiam-se em alguma re-
lação intrinseca entre o "signo" e a coisa "significada'', metoní-
mica ou metafórica: a Cruz, o Cordeiro, o Bom Pastor. Na teoria 
literária, parece desejável que a palavra seja usada neste senti-
do: como um objeto que se refere a outro objeto mas que exige 
atenção por direito próprio, como uma apresentação1º. 
8. J. M. Murry, "Metaphor'', Countries of the Mind, segunda série, Lon-
dres, 1931, pp. 1-16; L. MacNeice, Modern Poetry, Nova York, 1938, p. 113. 
9. Um estudo admirável de um movimento literário e da sua influência 
sobre outro é René Taupin, L 'injluence du symbolisme français sur la poésie 
américaine .. ., Paris, 1929. 
1 O. Para a terminologia que se segue aqui, ver Craig la Driére, The Ame-
rican Bookman, 1 (1944), pp. 103-4. 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 249 
Há um tipo de mente que fala de "mero simbolismo", re-
duzindo a religião e a poesia a imagens sensoriais ordenadas 
ritualisticamente, ou esvaziando os "signos" ou "imagens" apre-
sentados em nome das realidades transcendentais, morais ou 
filosóficas, que se encontram para além deles. Outro tipo de 
mente pensa em simbolismo como algo calculado e desejado, 
uma tradução mental deliberada de conceitos em termos ilus-
trativos, pedagógicos, sensoriais. Mas, diz Coleridge, enquanto 
a alegoria é meramente "uma tradução de noções abstratas em 
uma linguagem pictórica, que nada mais é que uma abstração a 
partir de objetos dos sentidos[ ... ]'', o símbolo 
é caracterizado por uma translucidez do especial [a espécie] 
no individual ou do geral [gênero] no especial [ ... ] acima de 
tudo, pela translucidez do eterno através do temporal e no tem-
poral" . 
Há algum sentido importante em que "símbolo" seja di-
ferente de "imagem" e "metáfora"? Primeiramente, pensamos 
na recorrência e persistência do "símbolo". Uma "imagem" 
pode ser invocada uma vez como metáfora, mas, se ocorrer 
com persistência, como apresentação e representação, torna-
se um símbolo, pode até tornar-se parte de um sistema sim-
bólico (ou mítico). Sobre os poemas líricos de Blake, as Can-
ções da inocência e da experiência , J. H. Wicksteed escreve: 
"Há relativamente pouco simbolismo real, mas existe um uso 
constante e abundante da metáfora simbólica." Yeats tem um 
ensaio inicial sobre os "Símbolos dominantes" na poesia de 
Shelley. 
Encontramos na sua poesia, além de inúmeras imagens que 
não têm a definição [fixidez?] dos símbolos, muitas imagens 
11. S. T. Coleridge, The Statesman 's Manual: Complete Works (org. 
Shedd), Nova York, 1853, vol. I, pp. 437-8. Essa distinção entre símbolo e 
alegoria foi traçada com clareza pela primeira vez por Goethe. Ver Curt Ri-
chard Müller, Die geschichtlichen Voraussetzungen des Symbolbegriffa in 
Goethes Kunstanschauung, Leipzig, 1937. 
250 TEORIA DA LITERATURA 
que certamente são símbolos, e, com o passar dos anos, ele co-
meçou a usar estes com um propósito simbólico cada vez mais 
deliberado 
- imagens como cavernas e torres 12 • 
O que acontece com freqüência impressionante é a trans-
formação daquilo que é "propriedade'', na obra inicial de um 
escritor, no "símbolo" do seu trabalho posterior. Assim, nos 
seus primeiros romances, Henry James esforça-se para visuali-
zar pessoas e lugares, ao passo que, nos romances posteriores, 
todas as imagens tornaram-se metafóricas ou simbólicas. 
Sempre que se discute o simbolismo poético, tende-se a fa-
zer distinção entre o "simbolismo privado" do poeta moderno e o 
simbolismo amplamente inteligível dos poetas passados. A ex-
pressão era, de início, pelo menos, uma acusação, mas os nossos 
sentimentos e postura para com o simbolismo poético permane-
cem altamente ambivalentes. É dificil encontrar expressão alter-
nativa a "privado": se usamos "convencional" ou "tradicional'', 
chocamo-nos com o nosso desejo de que a poesia seja nova e sur-
preendente. "Simbolismo privado" implica um sistema, e um es-
tudante cuidadoso pode interpretar um "simbolismo privado" do 
mesmo modo que um criptógrafo pode decodificar uma mensa-
gem estranha. Muitos sistemas privados (por exemplo, os de Bla-
ke e Yeats) apresentam grandes imbricações com tradições simbó-
licas, embora não com as de aceitação mais ampla ou corrente13• 
12. J. H. Wicksteed, Blake's Innocence and Experience ... , Londres, 
1928, p. 23; W. B. Yeats, Essays, Londres, 1924, pp. 95 ss., sobre os "Símbo-
los Dominantes" de Shelley. 
Quando as metáforas se tomam símbolos? (a) Quando o "veículo" da 
metáfora é concreto-sensual, como o cordeiro. A cruz não é uma metáfora, 
mas um símbolo metonímico que representa Aquele que morreu nela, como 
a grelha de São Lourenço e a roda de Santa Catarina, ou que representa o so-
frimento, caso em que o instrumento significa aquilo que ele faz, o efeito da 
sua ação. (b) Quando a metáfora é recorrente e central, como em Crashaw, 
Y eats e Eliot. O processo normal é a transformação de imagens em metáforas 
e de metáforas em símbolos, como em Henry James. 
13. A "heterodoxia blakeana", diz M. O. Percival (Blake's Circle of 
Destiny, Nova York, 1938, p. 1), "foi igualmente tradicional como a ortodo-
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 251 
Quando ultrapassamos o "simbolismo privado" e o "sim-
bolismo tradicional", encontramos, no outro pólo, um tipo de 
simbolismo "natural" público que oferece as suas próprias difi-
culdades. Os poemas de Frost, alguns dos melhores dele, usam 
símbolos naturais cuja referência achamos dificil controlar: pen-
samos em ''A estrada não trilhada", "Muros", "A montanha". Em 
"Parando nas florestas", "milhas a percorrer antes de dormir" é li-
teralmente verdadeiro a respeito do viajante, supomos; mas, na 
linguagem do simbolismo natural, "dormir" é "morrer", e, se, por 
contraste, juntamos "as florestas são adoráveis, escuras e profun-
das" (panegíricos todos os três adjetivos) com a restrição moral e 
social de "promessas a manter", não podemos rejeitar inteiramen-
te a equação passageira, não enfatizada, da contemplação estética 
com uma espécie de renúncia a ser uma pessoa responsável. Pre-
sumivelmente, nenhum leitor assíduo de poesia se enganará com 
Frost; mas, em parte por causa do seu simbolismo natural, Frost 
atraiu um amplo público, parte do qual, ao captar a possibilidadedos símbolos, irá concentrar-se excessivamente no simbolismo 
natural e seus acompanhantes, dando aos seus plurissignos uma 
fixidez e uma rigidez alheias à natureza do enunciado poético, es-
pecialmente do enunciado poético contemporâneo14 • 
O quarto dos nossos termos é "mito", que surge na Poética de 
Aristóteles como a palavra para enredo, estrutura narrativa, "fábu-
la". Seu antônimo e contraponto é logos. O "mito" é narrativa, his-
tória, em contraposição a discurso dialético, exposição; também é 
o irracional ou intuitivo em contraposição ao sistematicamente fi-
losófico: é a tragédia de Ésquilo contra a dialética de Sócrates15 • 
"Mito", um termo favorito da crítica moderna, aponta e 
paira sobre uma importante área do significado, compartilhada 
pela religião, pelo folclore, pela antropologia, pela sociologia, 
xia de Dante". Diz Mark Schorer (William Blake, Nova York, 1946, p. 23): 
"Blake, como Y eats, encontrou sustentação metafórica para a sua visão dialé-
tica no [ ... ] sistema de correspondência de Swedenborg e Boehme, nos estu-
dos analógicos dos cabalistas e na alquimia de Paracelso e Agripa." 
14. Ver os comentários sobre Frost de Cleanth Brooks, Modern Póetry 
and the Tradition, Chapei Hill, 1939, pp. 110 ss. 
15. Ver Nietzsche, Die Geburt der Tragodie< Leipzig, 1872. 
252 TEORIA DA LITERATURA 
pela psicanálise e pelas belas-artes. Em algumas das suas opo-
sições habituais, é contraposto a "história", "ciência", "filoso-
fia", "alegoria" ou "verdade"16• 
Nos séculos XVII e XVIII, a Era do Iluminismo, o termo 
tinha uma conotação pejorativa: um mito era uma ficção - cien-
tífica - ou historicamente falso. Contudo, já na Scienza nuova, 
de Vico, a ênfase deslocou-se para o que, desde os românticos 
alemães, Coleridge, Emerson e Nietzsche, tornou-se gradual-
mente dominante - a concepção de "mito" como um tipo ou 
equivalente da verdade, tal qual a poesia-, não um competidor 
pela verdade histórica ou científica, mas um suplemento11 • 
Historicamente, o mito segue o ritual e é correlativo a ele; 
é "a parte falada do ritual, a história que o ritual representa". O 
ritual é executado para uma sociedade pelo seu representante 
sacerdotal, com o intuito de afastar ou obter algo, é um agen-
dum recorrente e permanentemente necessário, como as co-
lheitas e a fertilidade humana, como a iniciação dos jovens na 
cultura da sua sociedade, sendo uma providência adequada 
para o futuro dos mortos. Mas, em um sentido mais amplo, o 
mito vem a significar qualquer relato de composição anônima, 
falando sobre origens e destinos: a explicação que a sociedade 
oferece aos seus jovens de por que o mundo existe e por que 
fazemos o que fazemos, suas imagens pedagógicas da nature-
za e do destino do homem18 • 
Para a teoria literária, os motivos importantes são prova-
velmente a imagem ou quadro, o social, o sobrenatural (ou não 
naturalista ou irracional), a narrativa ou relato, o arquetípico 
ou universal, a representação simbólica como acontecimentos 
no tempo de nossos ideais atemporais, o programático ou esca-
tológico, o místico. No pensamento contemporâneo, o recurso 
16. Para um grupo representativo de definições, ver Lord Raglan, The 
Hero ... , Londres, 1937. 
17. Ver Fritz Strich, Die Mythologie in der deutschen Literatur von 
Klopstock bis Wagner, 2 vols. , Berlim, 1910. 
18. S. H. Hooke, Myth and Ritual, Oxford, 1933; J. A. Stewart, The 
Myths of Plato, Londres, 1905; Ernst Cassirer, Philosophie der symbolischen 
Formen, vol. II, "Das mytische Denken", Berlim, 1925, pp. 271 ss. (trad. in-
glesa, New Haven, 1955). 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 253 
ao mito pode concentrar-se em qualquer um destes, espalhan-
do-se sobre outros. Assim, Sorel fala da "Greve Geral" de to-
dos os trabalhadores do mundo como um "mito", querendo di-
zer que, embora tal ideal nunca venha a se tomar fato histórico, 
ele deve, para motivar e dinamizar os trabalhadores, ser apre-
sentado como um acontecimento histórico futuro; o mito é pro-
grama. Assim, Niebuhr fala da escatologia cristã como mítica: 
a imagem da Segunda Vinda e do Juízo Final como história fu-
tura de avaliações presentes, permanentes, morais e espirituais19• 
Se o mítico tem como seu contrário a ciência ou a filosofia, ele 
opõe o concreto intuitivo retratável ao abstrato racional. De 
modo geral, também nisso, na oposição que é central para os 
teóricos literários e apologistas, o mito é social, anônimo, co-
munal. Nos tempos modernos, podemos identificar os criado-
res - ou alguns dos criadores - de um mito, mas ele ainda pode 
ter a condição qualitativa de mito se sua autoria for esquecida, 
não conhecida pelas pessoas em geral ou, em todo caso, não 
importante para a sua validação - se ele foi aceito pela comu-
nidade, recebeu o "consentimento dos fiéis". 
O termo não é fácil de fixar: ele aponta hoje para uma 
"área de significado". Ouvimos falar de pintores e poetas em 
busca de uma mitologia; ouvimos falar do "mito" do progresso 
ou da democracia. Ouvimos falar do "Retomo do mito na lite-
ratura mundial". Não obstante, ouvimos também que não po-
demos criar um mito ou escolher acreditar em um ou desejar 
que um venha a ser: o livro sucedeu ao mito, e a cidade cosmo-
polita à sociedade homogênea da cidade-Estado2º. 
O homem moderno carece de mito - ou de uma mitologia, 
de um sistema de mitos interligados? Essa seria a visão de 
Nietzsche: que Sócrates e os sofistas, os "intelectuais", haviam 
destruído a vida da "cultura" grega. Similarmente, argumen-
tar-se-ia que o Iluminismo destruiu - ou começou a destruir -
19. Georges Sorel, Reflexions on Violence (tr. T. E. Hulme), Nova 
York, 1914; Reinhold Niebuhr, "The Truth Value ofMyths", The Nature of 
Religious Experience .. ., Nova York, 1937. 
20. Ver especialmente R. M. Guastalla, Le mythe et !e livre: essai sur 
!'origine de la littérature, Paris, 1940. 
254 TEORIA DA LITERATURA 
a "mitologia" cristã. Outros autores, porém, acham que o ho-
mem moderno possui mitos rasos, inadequados ou talvez até 
"falsos'', como o inito do "progresso", da "igualdade", da edu-
cação universal ou do bem-estar higiênico e elegante ao qual 
convidam os anúncios de propaganda. O denominador comum 
entre as duas concepções parece ser o julgamento (verdadeiro, 
provavelmente) de que, quando estilos de vida antigos, viven-
ciàdos por muito tempo, coerentes em si mesmos (os rituais, 
com os mitos que os acompanham) são rompidos pelo "moder-
nismo", a maioria dos homens (ou todos) são empobrecidos: 
como não conseguem viver apenas de abstrações, os homens 
têm de preencher os seus vácuos com mitos rudes, improvisa-
dos, fragmentários (imagens do que podia ou devia ser). Falar 
da necessidade do mito, no caso do escritor imaginativo, é um 
sinal da necessidade que ele sente de comunhão com a sua so-
ciedade, de uma posição reconhecida como artista que funcio-
na dentro da sociedade. Os simbolistas franceses existiram em 
isolamento auto-reconhecido, foram especialistas herméticos, 
que acreditavam que o poeta devia escolher entre a prostitui-
ção comercial da sua arte e a pureza e frieza estéticas. Yeats, 
porém, apesar de toda a sua veneração por Mallarmé, sentiu a 
necessidade de união com a Irlanda; então, compôs a mitologia 
céltica tradicional com a sua própria versão mitificadora da Ir-
landa dos últimos tempos, na qual os anglo-irlandeses da épo-
ca neoclássica (Swift, Berkeley e Burke) são tão livremente in-
terpretados quanto os heróis americanos da imaginação de Va-
chel Lindsay21• 
Para muitos autores, o mito é o denominador comum en-
tre a poesia e a religião. Há uma visão moderna, naturalmente 
(representada por Matthew Arnold e por 1. A. Richards em sua 
fase inicial), de que a poesia assumirá cada vez mais o lugar da 
religião sobrenatural, na qual os intelectuais modernos não po-
dem mais acreditar. É provávelque se possa desenvolver um 
21. Ver Donald Davidson, "Yeats and the Centaur'', Southern Review, 
VII (1941), pp. 510-16 . 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 255 
argumento mais impressionante a favor da opinião de que a 
poesia não pode assumir o lugar da religião por muito tempo, já 
que não consegue sobreviver a ela por muito tempo. A religião 
é o mistério maior; a poesia, o menor. O mito religioso é a auto-
rização em larga escala da metáfora poética. Assim, Thuns Phi-
lip Wheelwright, ao protestar que, pelos positivistas, "a verda-
' de réligiosa e a verdade poética são rejeitadas como ficções", 
afirma que a "perspectiva necess~ria é [ ... ] uma perspectiva 
mítico-religiosa". Um representante mais antigo dessa visão é 
John Dennis; um relativamente recente é Arthur Machen22 • 
Podemos acusar o estudo literário mais antigo de tratar 
toda a série (imagem, metáfora, símbolo, mito) de maneira ex-
terna e superficial. Vistos, na maioria das vezes, como decora-
ç9es, ornamentos retóricos, foram estudados, portanto, como 
partes destacáveis das obras em que surgem. Em nossa opi-
nião, por outro lado, o significado e a função da literatura têm 
presença central na metáfora e no mito. Há atividades como o 
pensamento metafórico e mítico, o pensamento por meio de 
metáforas, o pensamento em narrativa ou visão poética. Todos 
esses termos chamam a nossa atenção para os aspectos de uma 
obra literária que transpõem e unem com exatidão velhos com-
ponentes divisores, "forma" e "matéria". Esses termos olham 
em ambas as direções, isto é, indicam a atração da poesia, por 
um lado, pela "imagem" e pelo "mundo" e, por outro, pela re-
ligião ou pela Weltanschauung. Podemos sentir essa tensão 
quando investigamos os métodos modernos de estudá-los. 
Como os métodos mais antigos consideravam-nos como recur-
sos estéticos (concebidos, não obstante, como meramente de-
corativos), o risco reacionário hoje em dia talvez seja a ênfase 
demasiado pesada na Weltanschauung. O retórico escocês, es-
crevendo no fim do período neoclássico, pensava, muito natu-
22. Arthur Machen, Hyeroglyphics, Londres, 1923, defende habilmente 
(ainda que não de maneira técnica e em uma versão altamente romântica) a 
visão de que a religião (isto é, o mito e o ritual) constitui o clima maior den-
tro do qual apenas a poesia (isto é, o simbolismo, a contemplação estética) 
pode respirar e se desenvolver. 
256 TEORIA DA LITERATURA 
ralmente, que os símiles e as metáforas eram calculados, esco-
lhidos; os analistas de hoje, trabalhando após Freud, inclinam-
se a ver todas as imagens como reveladoras do inconsciente. É 
necessário um bom equilíbrio para evitar, por um lado, o inte-
resse retórico e, por outro lado, a biografia psicológica e a "caça 
de mensagens". 
Nos últimos vinte e cinco anos de estudo literário, empe-
nhamo-nos com afinco na teoria e prática. Isto é, tentamos ti-
pologias da figuração ou, mais especificamente, das imagens 
poéticas, e também dedicamos monografias e ensaios às ima-
gens de poetas ou obras específicas (com Shakespeare como 
tema favorito). A "crítica prática" tendo continuado com parti-
cular ardor, começamos a ter algumas dissertações teóricas e 
metodológicas perspicazes, examinando os pressupostos, às ve-
zes simples demais, dos praticantes. 
Foram muitas as tentativas de reduzir todas as figuras mi-
nuciosamente subdivididas - cercada de duzentos e cinqüenta 
nas listas ambiciosas - em duas ou três categorias. Uma delas é 
a de "esquemas" e "tropos": uma divisão em "figuras sonoras" 
e "figuras sensoriais". Outra tentativa separa figuras de "dis-
curso" ou "figuras verbais" de "figuras de pensamento". Am-
bas as dicotomias têm o defeito, porém, de sugerir uma estrutu-
ra exterior, ou mais exterior, que carece de função expressiva. 
Assim, sob qualquer sistema tradicional, a rima e a aliteração 
são, ambas, "esquemas" fonéticos, ornamentos acústicos; contu-
do, tanto a rima inicial como a rima final podem servir, como 
sabemos, como vinculadores de sentido, como conectivos se-
mânticos. O século XIX considerava o trocadilho uma "brinca-
deira com palavras", a "forma mais baixa de espirituosidade"; o 
século XVIII já o classificara, com Addison, como uma espécie 
de "falsa presença de espírito". Mas os poetas barrocos e moder-
nos usam-no seriamente como um duplicador de idéias, um "ho-
mófono" ou "homônimo", uma "ambigüidade" propositada23• 
23 . A classificação padrão antiga dos esquemas e tropos é Instituto da 
Oratória, de Quintiliano. Para o tratamento isabelino mais elaborado, ver Put-
tenharn, Art of English Poesie ( org. Wil!cock and Walker), Cambridge, 1936. 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 257 
Deixando os esquemas de lado, podemos dividir, de ma-
neira mais relevante, os trapos da poesia em figuras de conti-
güidade e figuras d~ similaridade. 
As figuras de contigüidade tradicionais são a metonímia e 
a sinédoque. As relações que elas expressam são analisáveis 
lógica ou quantitativamente: a causa pelo efeito ou o contrário; 
o continente pelo conteúdo, o adjunto pelo seu sujeito ("a pro-
fundidade salgada" =o mar). Na sinédoque, dizemos que as 
relações entre as figuras e o seu referente são internas. Ofere-
cem-nos uma amostra de algo, uma parte pretendida como re-
presentação do todo, uma espécie representando um gênero, 
matéria significando a forma e o uso que lhe são dados. 
Na conhecida passagem de Shirley que ilustra o uso tradi-
cional da metonímia, apetrechos convencionais - instrumentos 
ou ferramentas - representam as classes sociais: 
Sceptre and crown must tumble down 
And in the dust be equal made 
Wifh the poor crqoked scythe and spade. 
[Cetro e ç01;oa devem cair 
E no pó igualar-se 
Às pobres e recurvadas foice e pá.] 
Mais notável é o "adjetivo transferido" metonímico, um 
traço estilístico de Virgílio, Spenser, Milton, Gray, poetas ar-
tísticos clássicos: "o dote morto de Sansfoys" muda o epíteto . 
do possuidor para a coisa possuída. Nos "tintilares sonolento~" 
de Gray e nos "alegres sinos" de Milton, os epítetos referem-se 
aos que usam e aos que fazem soar os sinos, respectivamente. 
Quando o moscardo de Milton está "soprando a sua trompa mo-
dorrenta", o epíteto invoca a quente noite de verão, ligada por 
;issociação ao som do moscardo. Em todos os casos do tipo, ci-
tados fora do seu contexto, outro tipo de leitura, animista, pa-
rece possível. O que estabeleceu a distinção é o que está em 
operação: se a lógica associativa ou, em vez disso, uma perso-
nalização persistente. 
258 TEORIA DA LITERATURA 
A poesia devocional, católica ou evangélica, pareceria de 
início inevitavelmente metafórica - e, de fato, o é, na maior 
parte das vezes. Mas dr. Watts, o escritor neoclássico, conse-
gue um efeito impressionante, comovente além de solene, a 
partir da metonímia: 
When I survey the wondrous cross 
On which the Prince of Glory died, 
My richest gain I count but loss 
And pour contempt on ali my pride. 
See, from his head, his hands, his side 
Sorrow and /ove flow mingled down; 
Did e' er such /ove and sorrow meet 
Or thorns compose so rich a crown? 
[Quando examino a cruz maravilhosa 
Na qual o Príncipe da Glória morreu, 
Meu mais rico ganho conto como perda 
E verto desprezo sobre meu orgulho. 
Vê, da cabeça, das mãos, do flanco, 
Dor e amor escorrem misturados; 
Já se encontraram tal amor e tal dor 
Ou compuseram os espinhos tão rica coroa?] 
Um leitor treinado em outro estilo temporal poderia ouvir 
este hino sem perceber que "dor" e "amor" igualam-se a "água" 
e "sangue". Ele morreu por amor: o seu amor é a causa; o san-
gue, o efeito. No Quarles do século XVII, "verter desprezo" su-
geriria a metáfora visualizável, mas, então, a figura seria desen-
volvida - talvez com o fogo do orgulho apagado por um balde 
de desprezo; mas "verter", no caso, é um intensivosemântico: 
desprezo o meu orgulho de maneira vigorosa, superlativa. 
Estes são, afinal, usos restritos da palavra. Recentemente, 
algumas concepções mais audazes da metonímia como modo 
literário foram sugeridas, até mesmo a noção de que a metoní-
mia e a metáfora podem ser as estruturas caracterizadoras de 
dois tipos poéticos - a poesia de associação pór contigüidade, 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 259 
de movimento dentro de um mundo único do discurso, e poe-
sia de associação por comparação, unindo uma pluralidade de 
mundos, misturando, na notável expressão de Bühler, um "co-
quetel de esferas"24 • 
Em uma brilhante discussão crítica de Whitman, D. S. 
Mirsky diz: 
As imagens fracionais separadas da "Song of the Broad 
Axe" são intermináveis imagens metonímicas, exemplos, espé-
cimes dos elementos que compreendem a construtividade de-
mocrática25. 
Poderíamos caracterizar o método poético usual de Whit-
man como um desdobramento analítico, um desenrolar item 
por item de certas grandes categorias paralelas. Nos seus cân-
ticos paralelísticos, como "Song of Myself'', ele é dominado 
pelo desejo de apresentar detalhes, indivíduos, partes como 
partes de um todo. Apesar de todo o seu amor por listas, ele 
não é realmente um pluralista ou personalista, mas um monis-
ta panteísta; e o efeito total dos seus catálogos não é complexi-
dade, mas simplicidade. Primeiro, ele expõe as suas categorias 
e, então, as ilustra copiosamente. 
A metáfora, que teve a atenção dos teóricos da poesia e 
dos retóricos desde Aristóteles, que era ambas as coisas, tam-
bém conquistou a atenção dos teóricos da lingüística em anos 
recentes. Richards protestou com veemência contra o trata-
mento da metáfora como desvio da prática lingüística normal 
em detrimento do seu recurso característico e indispensável. A 
"perna" da cadeira, o "pé" do monte e o "braço" da poltrona, to-
dos aplicam, por analogia, partes do corpo humano a partes de 
objetos inanimados. Essas extensões, porém, foram assimila-
das pela língua e já não são comumente sentidas como metafó-
24. Karl Bühler, Sprachtheorie, Jena, 1934, p. 343; Stephen J. Brown, 
The World of Imagery, pp. 149 ss.; Roman Jakobson, "Randbemerkungen zur 
Prosa des Dichters Pastemak", Slavische Rundschau, VII (1935), pp. 357-73. 
25. D. S. Mirsky, "Walt Whitman: Poet of American Democracy'', Cri-
tics Group Dialectics, n? 1, 1937, pp. 11-29. 
260 TEORIA DA LITERATURA 
ricas, mesmo pelos que têm sensibilidade literária e lingüísti-
ca. Eles são metáfora "desbotada", "gasta" ou "morta"26 • 
Devemos distinguir a metáfora como o "princípio onipre-
sente da língua" (Richards) da metáfora especificamente poé-
tica. George Campbell atribui o primeiro ao "gramático", o se-
gundo ao "retórico". O gramático julga as palavras por etimo-
logias; o retórico, conforme tenham ou não o "efeito de metá-
fora sobre o ouvinte". Wundt negaria o termo "metáfora" a tais 
"transposições" lingüísticas como a "perna" da mesa e o "pé" 
do monte, tornando critério do metaforismo verdadeiro a in-
tenção calculada, deliberada do usuário de criar um efeito emo-
tivo. H. Konrad contrasta a metáfora "lingüística" com a metá-
fora "estética", assinalando que a primeira (por exemplo, a 
"perna" da mesa) sublinha a característica dominante do obje-
to, ao passo que a segunda é concebida para dar uma nova im-
pressão do objeto, para "banhá-lo em uma nova atmosfera"21 • 
Dos casos mais dificeis de classificar, o mais importante, 
provavelmente, é o das metáforas comuns a uma escola ou ge-
ração poética, as metáforas compartilhadas. Exemplos seriam 
"casa de ossos", "estrada do cisne", "tesouro de palavras" e ou-
tros kennings* dos poetas do inglês antigo; as "metáforas fixas" 
de Homero, como a "aurora de dedos róseos" (usada vinte e se-
te vezes no primeiro livro da Ilíada); os "dentes de pérola", "lá-
bios de rubi", "pescoços de marfim" e "cabelos de fio de metal 
dourado" dos isabelinos; ou a "planície aquosa", as "correntes 
prateadas" e os "prados esmaltados" dos neoclássicos28 • Para os 
26. G. Campbell, Philosophy of Rhetoric, Londres, 1776, pp. 321, 326. 
27. I. A. Richards, Philosophy of Rhetoric, Londres, 1936, p. 117, cha-
ma o primeiro tipo de Campbell de "metáfora verbal", pois sustenta que a me-
táfora literária não é uma ligação verbal mas uma transação entre contextos, 
uma analogia entre objetos. 
* Expressões poéticas convencionais empregadas no lugar dos nomes de 
coisas e pessoas (por vezes acrescentando-se a eles), particularmente na poesia 
irlandesa e anglo-saxônica da Alta Idade Média. (N. do R. T.) 
28. Ver Milman Parry, "The Traditional Metaphor in Homer", Classi-
cal Philology, XXVIII (1933), pp. 30-43. Parry deixa clara a identificação 
não histórica que Aristóteles faz do metaforismo \ie Homero com o de poetas 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 261 
leitores modernos, algumas delas (especialmente as do anglo-
saxão) são audazes e "poéticas", ao passo que a maioria das ou-
tras é desbotada e antiquada. A ignorância, com certeza, pode 
conferir uma originalidade ilegítima aos primeiros exemplos 
de uma convenção desconhecida. Na verdade, as metáforas eti-
mológicas de uma lingua, não "percebidas" pelos falantes da 
língua em que se encontram, são constantemente consideradas, 
por estrangeiros com sensibilidade analítica, como conquistas 
poéticas individuais29 • Temos de conhecer intimamente tanto a 
língua como a convenção literária para podermos sentir e me-
dir a intenção metafórica de um poeta específico. Na poesia do 
inglês antigo, "casa de ossos" e "tesouro de palavras" são, sem 
dúvida, do mesmo tipo que as "palavras aladas" de Homero. 
São uma parte da educação do poeta e dão prazer aos ouvintes 
pelo seu tradicionalismo, por pertencerem à linguagem profis-
sional, ritual da poesia. O metafórico nelas não é nem inteira-
mente percebido nem inteiramente perdido: como grande par-
te do simbolismo eclesiástico, pode-se dizer que são rituais30 • 
Na nossa época, geneticamente orientada, deu-se muita 
atenção às origens da metáfora como princípio lingüístico e 
como modo literário de visão e operação. "A ontogenia repete 
a filogenia", e, inversamente, acreditamos que podemos re-
construir a cultura pré-histórica por meio da observação analí-
tica das sociedades primitivas e das crianças. Segundo Heinz 
Wemer, a metáfora toma-se ativa apenas entre povos primiti-
vos que possuem tabus, objetos cujos nomes "próprios" não 
podem ser ditos. 31 Refletimos imediatamente sobre o rico ta-
posteriores, compara as "metáforas fixas" de Homero com as dos poetas an-
glo-saxões e (mais restritamente) com os dos neoclássicos do século XVIII. 
29. Ver C. Bally, Traité de stylistiquefrançaise, Heidelberg, 1909, vol. I, 
pp. 184 ss.: "Le langage figuré''. Nas pp. 194-5, Bally, falando não como teóri-
co literário, mas como lingüista, classifica as metáforas como: "Images concre-
tes, saisies par l'imagination, images affectives, saisies par une opération in-
tellectuelle. [ ... ]" Eu chamaria de suas três categorias ( 1) metáfora poética, (2) 
metáfora ritual ("fixa") e (3) metáfora lingüística (etimológica, ou enterrada). 
30. Para uma defesa da metáfora ritual e de imagens de guilda no estilo de Milton, ver C. S. Lewis, Preface to Paradise Lost, Londres, 1942, pp. 39 ss. 
31. Ver Heinz Werner, Die Ursprünge der Metapher, Leipzig, 1919. 
262 TEORIA DA LITERATURA 
lento judaico para metaforizar o inominável Javé como uma 
Rocha, um Sol, um Leão e assim por diante e, então, sobre os 
eufemismos da nossa sociedade. Mas, obviamente, a necessi-
dade temerosa não é a única mãe da invenção. Metaforizamos 
também o que amamos, aquilo em que queremos nos deter e 
que queremos contemplar, para ser visto de todos os ângulos e 
sob todas as luzes, refletido em foco especializado por todos 
os tipos de coisas semelhantes.Se passamos da motivação da metáfora lingüística e ritual 
para a teleologia da metáfora poética, temos de invocar algo mui-
to mais abrangente - toda a função da literatura imaginativa. Os 
quatro elementos básicos em toda a nossa concepção de metá-
fora pareceriam ser a analogia, a visão dupla, a imagem senso-
rial, reveladora do imperceptível, a projeção animista. Os quatro 
nunca estão presentes em igual medida: as posturas variam dt; 
nação para nação e de um período estético a outro. Segundo um 
teórico, a metáfora greco-romana quase se restringe à analogia 
(um paralelismo qu,ase jurídico), ao passo que das Bild (o sím-
bolo-imagem) é uma figura tipicamente teutônica32• Tal contraste 
cultural, porém, não dá conta da poesia italiana e da poesia fran-
cesa, especialmente de Baudelaire e Rimbaud a Valéry. Um ar-
gumento mais plausível poderia ser apresentado a favor de um 
contraste entre períodos e entre filosofias de vida dominantes. 
Cada estilo de período tem as suas próprias figuras carac-
terísticas, expressivas da sua Weltanschauung; no caso das fi-
guras básicas como a metáfora, cada período tem o seu tipo ca-
racterístico de método metafórico. A poesia neoclássica, por 
exemplo, é caracterizada pelo símile, pela perífrase, pelo epíte-
to ornamental, pelo epigrama, pelo equilíbrio, pela antítese. As 
posições intelectuais possíveis reduzem-se a duas ou três, não a 
pluralidades. Freqüentemente, a terceira posição é uma posição 
de centro e mediação entre duas heresias polares nomeadas: 
32. Hermann Pongs, Das Bild in der Dichtung. I: Versuch einer Mor-
phologie der rnetaphorischen Forrnen, Marburgo, 1927. II: Voruntersuchun-
gen zurn Syrnbol, Marburgo, 1939. 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 
Some foreign writers, some our own despise, 
The ancients only, or the modems, prize. 
[Alguns desprezam os escritores estrangeiros, alguns 
desprezam os nossos, 
Os antigos apenas, ou os modernos, valorizam.] 
263 
No período barroco, as figuras características são o para-
doxo, o oxímoro, a catacrese. Estas são figuras cristãs, místi-
cas, pluralistas. A verdade é complexa. Há muitos modos de 
conhecer, cada um com a sua própria legitimidade. Alguns ti-
pos de verdade têm de ser afirmados por negação ou distorção 
calculada. Pode-se falar de Deus antropomorficamente pois ele 
fez o homem à sua imagem, mas ele é também o Outro trans-
cendental. Portanto, na religião barroca, a verdade a respeito 
de Deus pode ser expressada através de imagens analógicas (o 
Cordeiro, o Noivo). Também pode ser expressada por conjuga-
ções de contraditórios ou contrários, como na "profunda mas 
ofuscante escuridão" de Vaughan. A mente neoclássica gosta de 
distinções claras e progressões racionais: os movimentos me-
tonímicos do gênero para a espécie, ou do particular para a es-
pécie. Mas a mente barroca invoca um universo simultanea-
mente de muitos mundos e de mundos, todos eles, ligados de 
maneiras imprevisíveis. 
Do ponto de vista da teoria poética neoclássica, as figuras 
barrocas características são, naturalmente, de mau gosto, são 
"falsa presença de espírito" - perversões deliberadas do natu-
ral e racional ou acrobacias insinceras, ao passo que, historica-
mente, são expressões retórico-poéticas de uma epistemologia 
pluralista e de uma ontologia sobrenaturalista. 
A "catacrese" oferece um exemplo interessante. Em 1599, 
John Hoskyns anglicizou o termo como "abuso" e deplora que 
ele "agora tenha se tomado moda .. . ". Ele a considera uma ex-
pressão forçada, "mais desesperada do que uma metáfora", e 
cita "uma voz bela aos seus ouvidos" da Arcadia de Sidney 
como exemplo de um termo visual perversamente aplicado à 
audição. Pope (Art of Sinking, 1728) cita "desbastar uma bar-
ba" e "barbear a grama" como catacréticos. George Campbell 
264 TEORIA DA LITERATURA 
(Philosophy of Rhetoric, 1776) cita "bela voz" e "melodioso 
ao olho" como um par catacrético, embora admita que "doce, 
originalmente do paladar, agora pode ser aplicado a um per-
fume, uma melodia, uma perspectiva" . Crendo que a metáfora 
adequada usa os "objetos da sensação" para denotar os "obje-
tos da intelecção pura", Campbell deplora que se analogizem 
o~jetos dos sentidos com outros objetos dos sentidos. Por ou-
tro lado, um retórico católico recente (de gosto barroco-ro-
mântico) define catacrese como a metáfora extraída da simila-
ridade entre dois objetos materiais, insta para que os méritos 
do tropo sejam estudados e ilustra-o com figuras como "les 
perles de la rosée" e "il neige des feuilles" 33 • 
Outro tipo de metáfora aceitável para a sensibilidade bar-
roca, de mau gosto para a neoclássica, traduz o mais elevado 
no mais humilde; podemos chamá-la metáfora diminuidora ou 
domesticadora. As "esferas" mais caracteristicamente mistura-
das pela poesia barroca são o mundo natural e o mundo de ofi-
cios e artificios do homem. Sabendo porém que a Arte é uma 
imitação da Natureza, o neoclassicismo julga mórbida e per-
versa a assimilação da Natureza à Arte. Thomas Gibbons, por 
exemplo, em 1767, previne contra tropos preciosistas e "fan-
tásticos" e cita como exemplos 
as seguintes descrições de várias partes da Criação: as bossas 
das montanhas, o esmalte dos mares menores, o rendilhado do 
vasto oceano e o arabesco das rochas34• 
Com certeza, restam algumas metáforas natureza > arte 
no verso neoclássico, mas sob a condição de que a metáfora 
surja como epíteto ocioso. Pastorais e Windsor Forest, de Pope, 
oferecem amostras: "Frescos rubores que sobem pintam o vi-
dro aquoso"; "lá, a ruborizada Flora pinta o chão esmaltado". 
33 . L. B. Osborn (org.), The .. . Writings of John Hoskyns, New Haven, 
1937, p. 125; George Campbell, Philosophy of Rhetoric, pp. 335-7; A. Pope, 
The Art of Sinking; A. Dion, L 'art d 'écrire, Quebec, 1911 , pp. 111-12. 
34. Thomas Gibbons, Rhetoric ... , Londres, 1767, pp . 15-16. 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 265 
Mas o verso em geral era claro, e Dryden, escrevendo em 1681, 
não se envergonhou de confessar que, quando era criança, pen-
sava como cnança: 
Lembro-me de quando [ ... ] julguei o inimitável Spenser um 
poeta medíocre em comparação com o Du Bartas de Sylvester e 
fui tomado de êxtase quando li estes versos: 
Now when the winter's keen breath began 
To chrystallize the Baltic ocean, 
To glaze the lakes, to bridle up the Floods, 
And periwig with snow the baldpate woods. 35 
[Ora, quando o hálito penetrante do inverno começou 
A cristalizar o oceano Báltico, 
A vitrificar os lagos, a frear as torrentes, 
E a emperucar com neve as florestas carecas.] 
O jovem Milton, outro leitor de Du Bartas, termina a sua 
Nativity Od~ com um conceito no mesmo estilo. Eliot reinicia 
a tradição na celebrada abertura de "Prufrock" 
When the evening is spread out against the sky 
Like a patient etherized upon a table ... 
[Quando se estende a noite contra o céu 
Como um paciente eterizado sobre uma mesa ... ] 
Os motivos por trás da prática barroca não são tão pronta-
mente redutíveis a um como protestam os clássicos, a menos 
que simplesmente recorramos a sua abrangência mais ampla, 
ao seu gosto pela riqueza em vez da pureza, da polifonia em 
vez da monofonia. Motivos mais específicos são o apetite pela 
surpresa e pelo choque, o encarnacionismo cristão, a domesti-
cação pedagógica do remoto pela analogia doméstica. 
35. John Dryden, Essays (org. W. P. Ker) , Oxford, 1900, vol. I, p. 247 
("Dedication of The Spanish Friar"). 
266 TEORIA DA LITERATURA 
Até aqui, consideramos a natureza da figuração, com ênfa-
se especial sobre a metonímia e a metáfora, e sugerimos o pos-
sível caráter periódico-estilístico dessas figuras. Voltamo-nos ago-
ra para os estudos das imagens metafóricas, que são mais criti-
co-literárias que histórico-literárias. 
Dois estudos gerais das imagens metafóricas, um norte-americano e o outro alemão, parecem merecer apresentação 
específica. 
Em 1934, Henry Wells publicou o estudo Poetic lmagery, 
que tenta construir uma tipologia, os tipos induzidos ilustrados 
principalmente a partir da literatura isabelina. Rico em discer-
nimentos sensíveis e generalizações sugestivas, o livro tem me-
nos sucesso na construção sistemática. Wells pensa no seu es-
quema como acrônico, aplicável a todos os períodos, não ape-
nas ao isabelino, e acredita ser descritivo, não avaliativo, no seu 
trabalho. Diz-se que a base da sua investigação é a ordenação 
de grupos de figuras "tal como surgem na escala que ascende 
do mais inferior, ou mais próximo do literal, ao mais imagina-
tivo, ou impressionista", mas afirma-se que a escala, a do "cará-
ter e grau da atividade imaginativa", não tem nenhuma influên-
cia direta sobre a avaliação delas. Seus sete tipos de imagens, 
dispostas na ordem que ele lhes atribui, são: as decorativas, as 
rebaixadas, as violentas (ou fustianas ), as radicais, as intensivas, 
as expansivas e as exuberantes. Elas podem ser reordenadas com 
vantagem segundo as pistas históricas e avaliatórias oferecidas 
porWells. 
As formas mais cruas esteticamente são as violentas e as 
decorativas, ou a "metáfora das massas" e a metáfora do artifi-
cio. A imagem decorativa, abundante na Arcadia de Sidney, é 
tida como "tipicamente isabelina". A imagem violenta, ilustra-
da com Kyd e outros isabelinos, é característica de um período 
inicial da cultura mas, como a maioria dos homens permane-
ce em um nível subliterário, ela pertence, nas formas subliterá-
rias, a "qualquer período"; sociologicamente, o "fustiano" 
constitui "um corpo de metáforas grande e socialmente impor-
tante". O julgamento avaliativo de ambos os tipos é o de que 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 267 
são "deficientes no elemento subjetivo exigido"; de que, mui-
tas vezes, ligam uma imagem fisica a outra (como na catacrese ), 
em vez de relacionar o "mundo exterior da natureza ao mundo 
interior do homem". Novamente, nas metáforas decorativas e 
violentas, os termos da relação permanecem separados, fixos, 
não invadidos um pelo outro. Mas, nas formas mais elevadas 
de metáfora, segundo Wells, cada termo age sobre o outro e o 
altera, de modo que a relação cria um terceiro termo, uma nova 
compreensão. 
Em seguida, à medida que subimos na escala, vêm a ima-
gem exuberante e a intensiva, a primeira uma versão mais sutil 
da violenta, a segunda uma versão mais sutil da decorativa. Dei-
xamos para trás formas óbvias de exibição, quer de energia, quer 
de engenho. Na imagem exuberante, chegamos historicamente a 
Marlowe, o primeiro dos grandes isabelinos, e a Burns e Smart, 
os pré-românticos; esta imagem, diz Wells, é "especialmente 
proeminente em boa parte da poesia inicial". Ela justapõe 
"dois termos amplos e imaginativamente valiosos", duas su-
perficies amplas, lisas, em contato face a face. Em outras pala-
vras, essa categoria abrange comparações frouxas, relações ba-
seadas em simples categorias avaliativas. Burns escreve: 
My lave is like a red, red rose .. . 
My lave is like a melady 
That 's sweetly played in tune. 
[Meu amor é como uma rosa vermelha, vermelha ... 
Meu amor é como uma melodia 
Que é docemente tocada no tom.] 
O terreno comum entre uma bela mulher, uma rosa ver-
melha fresca e uma melodia bem tocada é a sua beleza e dese-
jabilidade; todas são, no seu tipo, as melhores. Não é a face ro-
sada que torna a mulher semelhante a uma rosa nem a sua voz 
doce que a torna semelhante a uma melodia (analogias que pro-
268 TEORIA DA LITERATURA 
<luziriam imagens decorativas); sua semelhança com uma rosa 
não está na cor, na textura ou na estrutura, mas no valor36• 
A imagem intensificadora de Wells é uma imagem que 
pode ser visualizada com precisão, do tipo associado aos ma-
nuscritos com iluminuras e aos cortejos da Idade Média. Na 
poesia, é a imagem de Dante e, especialmente, na poesia ingle-
sa, a imagem de Spenser. A imagem é não apenas clara mas -
talvez por conseqüência - diminutiva, diagramática: o Inferno 
de Dante, não o de Milton. "Tais metáforas são oferecidas, mais 
do que as outras, como emblemas ou símbolos." As figuras de 
cortejo em "Lícidas" - Camo, com seu manto peludo e chapéu 
de junça, e São Pedro, com sua mitra e duas chaves - também 
são imagens intensivas. São imagens de "guilda": o "pastoral" 
e a "elegia" tinham, na época de Milton, um estoque de moti-
vos e imagens. Pode haver imagens estereotipadas, assim como 
uma "dicção poética" estereotipada. Seu caráter tradicional, 
institucional, e a sua relação íntima com as artes visuais e a ce-
rimônia simbólica fazem Wells, pensando em termos de histó-
ria cultural, vincular a imagem intensiva à religião conserva-
dora, ao medieval, ao sacerdotal, ao católico. 
As três categorias mais elevadas são a rebaixada, a radical 
e a expansiva (consideradas, seria de pensar, em ordem ascen-
dente). Brevemente, a imagem decaída é a imagem de uma 
poesia clássica; a radical, a imagem dos metafisicos, principal-
mente Donne; e a expansiva, a imagem predominantemente de 
Shakespeare, assim como as de Bacon, Browne e Burke. As de-
nominações comuns das três, as suas marcas de altitude compar-
tilhada, são o caráter especificamente literário (sua recalcitrân-
cia à visualização pictórica), o seu caráter interno (o pensamen-
to metafórico), a interpenetração dos termos (seu casamento 
fértil, procriador). 
36. Ver I. A. Richards, Philosophy of Rhetoric, Londres, 1936, pp. 117-
18: "Pode-se fazer uma divisão muito ampla entre metáforas que funcionam 
através de alguma semelhança direta entre as duas coisas, o conteúdo e o veí-
culo, e as que funcionam através de alguma postura comum que podemos [ ... ] 
assumir para com ambas." 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 269 
A imagem rebaixada, a não ser confundida com a desbota-
da ou pobre, mantém-se "abaixo da visibilidade plena", sugere 
o concreto sensual sem projetá-lo nem esclarecê-lo definitiva-
mente. A falta de tons harmônicos a toma adequada à escrita 
contemplativa: seu exemplar isabelino é Samuel Daniel, que 
escreveu, em versos admirados por Wordsworth e Thoreau: 
.unless above himself he can 
Erect himself, how poor a thing is man! 
[A menos que acima de si mesmo possa 
se erguer, que coisa pobre é o homem!] 
Mas Shakespeare é um mestre nela. Em Lear, Edgar diz: 
Men must endure 
Their going hence, even as their coming hither; 
Ripeness is ali. 
[Os homens devem aceitar 
que daqui se vão, assim como vêm; 
A maturidade é tudo.] 
"Maturidade" é uma imagem rebaixada, presumivelmente 
dos pomares e campos. Há uma analogia sugerida entre a ine-
vitabilidade dos ciclos naturais da vegetação e dos ciclos da 
vida. Uma geração neoclássica poderia citar como "mistas" al-
gumas das imagens rebaixadas de Shakespeare: 
O how can summer 's honey breath hold out 
Against the wreckful siege ofbattering days. 
[Oh, como pode o hálito de mel do verão resistir 
Ao assédio arrasador dos aríetes dos dias.] 
Esta sentença exigiria expansão analítica elaborada pois 
coloca figura sobre figura: "dias" é metonímia de tempo, época, 
que então é metaforizada como sitiando uma cidade e tentando 
tomá-la com aríetes. O que está tentando - como uma cidade, 
270 TEORIA DA LITERATURA 
ou como governante de uma cidade - "resistir" aos assaltos? E 
a juventude, metaforizada como o verão ou, mais exatamente, 
como a doce fragrância do verão: a fragrância das flores deve-
rão está para a terra como o hálito doce está para o corpo hu-
mano, uma parte ou adjunto do todo. Se tentamos ajustar com 
precisão, em uma imagem, o assédio com aríetes e o hálito, 
não saímos do lugar. O movimento figurativo é rápido e, por-
. tanto, elíptico37 • 
A imagem radical - assim chamada porque os seus termos 
se encontramapenas nas raízes, em um terreno lógico invisível, 
como causa final, em vez de por meio de evidentes superficies 
justapostas - é a imagem cujo termo menor parece "apoético'', 
seja porque é muito doméstico e utilitário, seja porque é muito 
técnico, científico, erudito. Isto é, a imagem radical toma como 
veículo metafórico algo que não possui nenhuma associação 
emotiva evidente, que pertence ao discurso prosaico, abstrato 
ou prático. Assim, Donne, na sua poesia religiosa, usa muitas 
figuras de "le géometre enjlammé". Novamente, em "First An-
niversary", ele usa uma imagem pseudomédica que, exceto 
pela sobreposição especificada dos seus termos, parece per-
versamente orientada na direção errada (isto é, pejorativa): 
But as some serpents 'poison hurteth not 
Except it be from the tive serpent shot, 
So doth her virtue need her here, to fit 
That unto us; she working more than it. 
[Mas como o veneno de certas serpentes 
Não fere se não for da serpente viva expelido, 
A virtude dela precisa dela aqui, para ajustar 
Esta a nós; ela funcionando mais do que esta.] 
37. O Shakespeare posterior é abundante em figuras rapidamente mutá-
veis, o que os pedagogos mais velhos chamariam de "metáforas mistas". Sha-
kespeare pensa mais rápido do que fala, por assim dizer, diz Wolfgang Cle-
men, Shakespeares Bilder ... , Bonn, 1936, p. 144 (tràd. inglesa, The Develop-
ment of Shakespeare's lmagery, Cambridge, Mass., 1951). 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 271 
Esse é provavelmente o tipo característico da imagem ra-
dical: o exemplo mais óbvio e menos perverso seria a figura da 
bússola em "Valediction Forbidding Mourning' ', de Donne. 
Mas, como Wells sutilmente observa, as imagens radicais po-
dem ser derivadas de áreas de imagem romanticamente suges-
tivas como montanhas, rios e mares, se adotamos um "estilo 
analítico"38 . 
Por último, há a imagem expansiva, cujo nome a liga, por 
oposição, à intensiva. Se a intensiva é a figura medieval e ecle-
siástica, a expansiva é a do pensamento profético e progressis-
ta, da "paixão forte e da meditação original", que culmina nas 
metáforas abrangentes da filosofia e da religião representadas 
em Burke, Bacon, Browne e, de maneira proeminente, em Sha-
kespeare. Por definição, a imagem expansiva é uma imagem 
em que cada termo abre um vasto panorama à imaginação e mo-
difica vigorosamente o outro: a "interação" e a "interpenetra-
ção" que, segundo a moderna teoria poética, são formas centrais 
de ação poética, ocorrem com mais riqueza na metáfora ex-
pansiva. Podemos tirar exemplos de Romeu e Julieta: 
Yet, wert thou as far 
As that vast shore washt with the farthest sea, 
I should adventure for such merchandise. 
[Contudo, se fosses tão distante 
Como aquele vasto litoral, banhado pelo mar mais longínquo, 
Eu me aventuraria por tal mercadoria.] 
E de Macbeth : 
38. H. W. Wells, Poetic Jmagery, Nova York, 1924, p. 127. A passagem 
citada é de Donne, The First Anniversary: An Anatomy of lhe World ... , versos 
409-12. 
Como usuários característicos da imagem radical, Wells (op. cit., pp. 
13 6-7) cita Donne, W ebster, Marston, Chapman, T ourneur e Shakespeare e, 
de fins do século XIX, George Meredith (cujo Modem Lave ele declara ser 
"um corpo incomumente condensado e interessante de pensamento simbóli-
co") e Francis Thompson. 
272 
Light thickens, and the crow 
Makes wing to the rooky wood: 
TEORIA DA LITERATURA 
Good things of day begin to droop and drowse. 
[A luz se adensa, e a gralha 
Voa para a floresta que abriga: 
As boas coisas do dia começam a se vergar e dormitar.] 
Nestas últimas linhas, Shakespeare nos oferece um "cená-
rio metafisico para o crime", que se transforma em uma metáfo-
ra expansiva que faz um paralelo entre a noite e o mal demonía-
co, a luz e a bondade, não porém de maneira tão óbvia e alegóri-
ca, mas com particularidade sugestiva e concretude sensorial: "a 
luz se adensa", as coisas "se vergam e dormitam". O poeticamen-
te vago e o poeticamente específico encontram-se no verso "As 
coisas boas do dia começam a se vergar e dormitar. O sujeito e 
o predicado trabalham um sobre o outro, avançando e recuando, 
enquanto prestamos atenção: começando com o verbo, pergun-
tamos que tipo de coisas - pássaros, animais, pessoas, flores -
vergam-se ou dormitam; então, ao notarmos o nomear abstrato 
do sujeito, perguntamo-nos se os verbos são metáfora de "deixar 
de estar vigilante", "tremer de medo diante do poder do mal"39• 
Retóricos como Quintiliano dão muita importância à dis-
tinção entre a metáfora que anima o inanimado e a que torna 
inanimado o animado, mas apresentam-na como uma distinção 
entre recursos retóricos. Com Pongs, nosso segundo tipologis-
ta, a distinção torna-se um contraste grandioso entre posturas 
polares - a da imaginação mítica, que projeta a personalidade 
sobre o mundo exterior das coisas, que animiza e anima a na-
tureza, e o tipo contrário de imaginação, que procura o seu ca-
minho no estranho, que se desanimiza ou se dessubjetiva. To-
das as possibilidades da expressão figurativa esgotam-se nes-
ses dois pólos, o subjetivo e o objetivo40 • 
39. As imagens de Macbeth são brilhantemente examinadas por 
Cleanth Brooks em "The Naked Babe and the Cloak ofManliness", The Well 
Wrought Urn, Nova York, 1947, pp. 21-46. 
40. Já desde Quintiliano (Institutos, livro VIII, cap. 6) percebe-se que 
uma distinção básica entre tipos de metáforas equaciona a distinção entre or-
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 273 
A primeira forma foi chamada por Ruskin de "falácia pa-
tética"; se pensamos que ela se aplica ascendentemente até Deus 
e descendentemente até a árvore e a pedra, podemos chamá-la 
de imaginação antropomórfica41 • Um estudante do simbolismo 
místico observa que há três tipos gerais de união terrena dispo-
níveis à expressão simbólica da experiência mística mais ele-
vada: (1) a união entre objetos inanimados (misturas tisicas e 
uniões químicas: o espírito no fogo de Deus como centelha, ma-
deira, cera, ferro; Deus como água para o solo do espírito ou 
como o oceano para o qual flui o rio do espírito); (2) uniões fi-
guradas segundo a maneira como o corpo se apropria dos ele-
mentos essenciais da sua vida: 
Nas Escrituras, Deus é representado por essas coisas particula-
res das quais não podemos afastar-nos completamente - a luz e 
o ar, que entram em cada fenda, e a água, que, em uma forma ou 
outra, todos recebemos diariamente42 ; 
então, para místicos de todo o mundo, Deus é o alimento e a 
bebida do espírito, o seu pão, peixe, água, leite, vinho; (3) as re-
lações humanas - a de filho com pai, esposa com marido. 
A primeira destas seria atribuída por Pongs ao segundo 
tipo final de intuição metafórica, ao da Einfühlung, ela própria 
subdividida no "místico" e no "mágico". A metáfora mística 
ilustramos mais com os místicos do que com os poetas. Os ele-
gânico e inorgânico. Os quatro tipos de Quintiliano são: uma espécie de coisa 
vivente por outra; uma coisa inanimada por outra; o inanimado pelo animado 
e o animado pelo inanimado. 
Pongs chama o primeiro dos seus tipos de Beseeltypus e o segundo de 
Erfiihltypus. O primeiro animiza ou antropomorfiza, o segundo enfatiza. 
41. Sobre Ruskin a respeito da "Falácia patética", ver Modern Painters, 
Londres, 1856, vol. III, pt. 4. Os exemplos citados eximem a símile da acusa-
ção porque ela mantém o fato natural separado da avaliação emocional. 
Sobre as heresias polares do antropomorfismo e do simbolismo, ver o 
brilhante livro de M. T.-L. Penido, Le rôle de l'analogie en théologie dogma-
tique, Paris, 1931, pp. 197 ss. 
42. M. A. Ewer, Survey of Mystical Symbolism, Londres, 1933, p. 164-6. 
274 TEORIA DA LITERATURA 
mentos inorgânicos são tratados simbolicamente, não como me-
ros conceitos ou analogias conceituais, mas como representações 
que tambémsão apresentações. 
A metáfora mágica é interpretada à maneira do historia-
dor da arte Worringer, como uma "abstração" do mundo da na-
tureza. Worringer estudou as artes do Egito, Bizâncio e Pérsia, 
artes que 
reduzem a natureza orgânica, incluindo o homem, a formas geo-
métrico-lineares e com freqüência abandonam totalmente o mun-
do orgânico por um mundo de linhas, formas e cores puras. [ ... ] 
O ornamento destaca-se agora[ ... ] como algo que não se-
gue a corrente da vida mas que a confronta rigidamente. [ ... ]A 
intenção não é mais fingir mas conjurar. [ ... ] 
O ornamento[ ... ] é algo tirado do Tempo; é a sua extensão 
pura, estabelecida e estável43 • 
Os antropólogos encontram animismo e magia nas cultu-
ras primitivas. O primeiro busca alcançar, propiciar, persuadir, 
unir-se a espíritos personalizados - os mortos, os deuses. O se-
gundo, pré-ciência, estuda as leis do poder exercido pelas coi-
sas: palavras sagradas, amuletos, bastões e varas, imagens, re-
líquias. Existe a magia branca - a dos cabalistas cristãos, como 
Comélio Agripa e Paracelso, e existe a magia negra, a dos ho-
mens maus. Fundamental para ambas, porém, é a crença no po-
der das coisas. A magia toca a arte através da feitura de ima-
gens. A tradição ocidental associa o pintor e o escultor à perícia 
do artesão, a Hefesto e Dédalo, a Pigmalião, que conseguem 
trazer a imagem à vida. Na estética do folclore, o fazedor de 
imagens é um feiticeiro ou mágico, ao passo que o poeta é o 
43. Vossler, Spengler, T. E. Hulme (Speculations, Londres, 1924), e 
Y eats, assim como Pongs, foram estimulados por Abstraktion und Einfah-
lung, de Wilhelm Worringer, Berlim, 1908 (trad. inglesa, Abstraction and 
Empathy, Nova York, 1953). 
Nossa primeira citação vem do admirável estudo de Joseph Frank, 
"Spatial Form in Modem Literature", Sewanee Review, LIII (1945), p. 645; a 
segunda vem de Spengler, que cita Worringer na sua discussão da cultura dos 
magos, Decline of the West, Nova York, 1926, vol. 1, pp. 183 ss., 192. 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 275 
inspirado, o possuído, o produtivamente louco44• Contudo, o poe-
ta primitivo pode compor feitiços e encantos, e o poeta moder-
no pode, como Yeats, adotar o uso mágico das imagens, ima-
gens literais, como um meio de usar as imagens mágico-sim-
bólicas em sua poesia45 • O misticismo toma a linha contrária: a 
imagem é um símbolo efetuado por um estado espiritual, é uma 
imagem expressiva, não uma imagem causadora, e não é neces-
sária ao estado: o mesmo estado espiritual pode se expressar em 
outros símbolos46• 
A metáfora mística e a magia são ambas desanimizadoras: 
elas se chocam com a projeção de si mesmo do homem no mun-
do não humano; elas invocam o "outro" - o mundo impessoal 
das coisas, a arte monumental, a lei tisica. O "Tigre" de Blake é 
uma metáfora mística: Deus, ou um aspecto de Deus, é um tigre (menos que o homem, mais que o homem); o tigre, por sua vez (e, pelo tigre, o seu criador), é interpretado como metal forjado 
sob grande calor. O tigre não é um animal do mundo natural do jardim zoológico, um tigre que Blake possa ter visto na Torre de 
Londres, mas uma criatura visionária, símbolo e também coisa. 
A metáfora mágica carece dessa translucidez. É a másca-
ra da Medusa, que transforma os viventes em pedra. Pongs cita 
Stefan George como representante dessa postura mágica, des-
se desejo de petrificar o que vive: 
Não é a partir do impulso natural da psique humana de se 
projetar que opera a espiritualização doadora de forma de Geor-
ge; ela se origina de uma poderosa destruição da vida biológica, 
de um "estranhamento" ("alienação") voluntário como base da 
preparação do mundo interior, mágico47• 
44. Ver Ernest Kris, "Approaches to Art", em Psychoanalysis Today (org. S. Lorand), Nova York, 1944, pp. 360-2. 
45. W. B. Yeats, Autobiography, Nova York, 1938, pp. 161, 219-25. 
46. K. Vossler, Spirit of Language in Civilization (trad. Londres, 1932), 
p. 4. Karl Vossler observa bem que os magos e místicos são tipos permanentes 
e opostos. "Há luta constante entre a magia, que usa a linguagem como ferra-
menta e, com isso, busca trazer tanto quanto possível, até Deus, sob o seu con-
trole, e o rnísticismo, que rompe, torna sem valor e rejeita todas as formas." 
47. H. Pongs, Das Bild, vol. 1, p. 296. 
276 TEORIA DA LITERATURA 
Na poesia inglesa, Dickinson e Yeats buscam de maneiras 
diferentes essa desanimização, essa metáfora antimística. Emily 
Dickinson, quando quer traduzir a percepção da morte e a expe-
riência da ressurreição, gosta de invocar a experiência da morte, 
do enrijecimento, da petrificação. "Não era a morte", mas era 
As if my life were shaven 
And fitted to a frame, 
And could not breathe without a key .. . 
How many times these low feet staggered, 
Only the soldered mouth can tell; 
Try! can you stir the awful rivet? 
Try! can you lifi the hasps of steel?48 
[Como se a minha vida fosse raspada 
E colocada em uma moldura, 
E não pudesse respirar sem uma chave ... 
Quantas vezes estes pés baixos cambalearam, 
Apenas a boca soldada pode dizer; 
Tente! Consegue sacudir o horrível cravo? 
Tente! Consegue erguer os cadeados de aço?] 
Yeats chega ao máximo da poesia como magia em "Bi-
zâncio" (1930). Em "Navegando para Bizâncio'', ele já estabe-
leceu a oposição entre o mundo da vida biológica- "Os jovens 
nos braços um do outro [ ... ] os mares cheios de cavalas" - e o 
mundo da arte bizantina, onde tudo é fixo, rígido, não natural, 
o mundo do "mosaico dourado" e do "esmalte dourado". Bio-
logicamente, o homem é um "animal moribundo"; sua esperan-
ça de sobrevivência é ser "colhido no artificio da eternidade", 
não para outra vez assumir "a forma corporal de qualquer coisa 
natural", mas para ser uma obra de arte, um pássaro dourado 
sobre um ramo dourado. "Bizâncio", de certo ponto de vista, 
48. Emily Dickinson, Collected Poems, Boston, 1937, pp. 192, 161; ver 
também p. 38 ("I laughed a wooden laugh" [Ri uma risada de madeira] e p. 215 
("A clock stopped- not the mantel's" [Um relógio parou-não o da lareira]. 
O ESTCDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 277 
ilustração densamente escrita do "sistema" de Yeats, um 
ma doutrinal, é, a partir de outro ponto de vista, especifica-
::;:iente literário, uma estrutura de imagens não naturais que rea-
gem intimamente entre si, o todo compondo uma espécie de ri-
trml ou liturgia prescritos49• 
As categorias de Pongs, que apresentamos com certa li-
3erdade, têm o caráter especial de relacionar estilo poético com 
·isào de vida50• Embora se considere que cada estilo de perío-
. possui suas próprias versões diferenciadas dessas catego-
ria , estas são essencialmente atemporais, maneiras altemati-
as de encarar a vida e reagir a ela. Todas as três, porém, estão 
o ra das linhas gerais do que muitas vezes se caracteriza como 
pensamento moderno, isto é, racionalismo, positivismo, ciên-
cia. Tal classificação de metáforas, portanto, sugere que a poe-
sia permanece leal aos modos pré-científicos de pensamento. 
O poeta conserva a visão animista da criança e do homem pri-
mitivo, o arquétipo da criança51• 
Em anos recentes, houve muitos estudos de poetas especí-
ficos, ou mesmo de poemas ou peças específicas, em torno das 
suas imagens simbólicas. Em tal "crítica prática'', as suposições 
do crítico tomam-se importantes. O que ele está procurando? 
Está analisando o poeta ou o poema? 
Devemos fazer distinção entre o estudo das esferas de on-
de são extraídas as imagens (as quais, como diz MacNeice, "ain-
da pertencem mais adequadamente ao estudo do tema" 52) e o 
estudo das "maneiras como as imagens podem ser usadas", o 
caráter da relação entre o "conteúdo" e o "veículo" (a metáfora). 
A maior parte das monografias sobre as imagens de um poeta 
específico (por exemplo, Donne s Imagery, de Rugofi) perten-
ce à primeiraclasse. Elas mapeiam e pesam os interesses de 
49. Para a significação de Bizâncio, ver Yeats, A Vision, Londres, 1938, 
pp. 279-81. 
50. Herman Nohl, Stil und Weltanschauung, Jena, 1920. 
51 . Ver Émile Cailliet, Symbolisme et âmes primitives, Paris, 1936, para 
uma aceitação notavelmente despudorada e acrítica da equivalência entre a 
mente pré-lógica dos povos primitivos e os propósitos dos poetas simbolistas. 
52. MacNeice, op. cit., p. 111. 
278 TEORIA DA LITERATURA 
um poeta reunindo e distribuindo as suas metáforas entre a na-
tureza, a arte, a indústria, as ciências fisicas, as humanidades, a 
cidade e o campo. Mas podemos também classificar os temas 
ou objetos que impelem o poeta à metáfora como, por exem-
plo, mulheres, religião, morte, aviões. Mais significativa do que 
a classificação, porém, é a descoberta de equivalentes de gran-
de escala, correlatos psíquicos. Pode-se supor que as duas esfe-
ras invoquem repetidamente uma a outra para exibir a sua in-
terpenetração real na psique criativa do poeta. Assim, nas "Can-
ções e sonetos" de Donne, nos seus poemas de amor profano, a 
glosa metafórica é constantemente extraída do mundo católico 
do amor sagrado: ao amor sexual ele aplica os conceitos de êx-
tase, canonização, martírio, relíquias, ao passo que, em alguns 
dos seus "Sonetos sacros", ele se dirige a Deus com violentas 
figuras eróticas: 
Yet dearly 1 !ove you, and would be lovédfain 
But am betrothed unto your enemy. 
Divorce me, untie, or break that knot again, 
Take me to you, imprison me, for 1 
Except you enthrall me, never shall be free, 
Nor ever chaste, except you ravish me. 
[Contudo, amo-te muito e queria ser amado 
Mas estou prometido ao teu inimigo. 
Divorcia-me, desfaz ou parte esse nó outra vez, 
Toma-me para ti, aprisiona-me, pois eu, 
A não ser que me aprisiones, nunca serei livre 
Nem casto, a não ser que me violentes.] 
O intercâmbio entre as esferas do sexo e da religião reco-
nhece que o sexo é uma religião e a religião é um amor. 
Um tipo de estudo enfatiza a auto-expressão, a revelação 
da psique do poeta através das imagens que ele usa. Supõe que 
as imagens do poeta são como as imagens de um sonho, isto 
é, sem a censura da discrição ou da vergonha: não suas decla-
rações patentes, mas oferecidas à guisa de ilustração, podería-
mos esperar que traíssem os seus reais centros de interesse. Mas 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERA.TURA 279 
pode-se questionar se um poeta já foi tão acrítico quanto a suas 
imagens53• 
Outra suposição, com certeza errada, é a de que o poeta 
deve ter percebido literalmente qualquer coisa que puder ima-
ginar (com base nisso, Gladys 1. Wade, no seu estudo de Tra-
heme, reconstrói o início da vida dele )54. Segundo Dr. Johnson, 
uma admiradora dos poemas de Thomson achava que conhecia 
os gostos do poeta por meio das suas obras. 
A partir de suas obras, ela conseguiu concluir três aspectos 
do seu caráter: que ele era um grande amante, um grande nada-
dor e rigorosamente abstinente; mas, disse Savage (seu íntimo), 
ele não conhece nenhum amor que não o do sexo, talvez nunca 
tenha estado em água fria na vida, e se entrega a todo luxo que 
está ao seu alcance. 
Sua concepção das características e hábitos pessoais do 
poeta era ridiculamente inexata. Tampouco podemos argumen-
tar que a ausência de imagens metafóricas é equivalente à au-
sência de interesse. Na vida de Donne, de Walton, não há uma 
imagem de pescaria entre as suas onze figuras. A poesia do 
compositor Machaut, do século XIV, não usa nenhum tropo ex-
traído da música55• 
A suposição de que as imagens de um poeta são a contri-
buição central do seu inconsciente e que, portanto, o poeta fala 
como um homem, não como um artista, parece, por sua vez, 
remontar às suposições flutuantes, não muito coerentes, sobre 
como reconhecer a "sinceridade". Por um lado, supõe-se popu-
53. Ver Harold Rosenberg, "Myth and Poem", Symposium, II (1931), 
pp. 179 ss. 
54. Gladys Wade, Thomas Traherne, Princeton, 1944, pp. 26-37. Ver a 
resenha crítica do livro por E. N. S. Thompson, Philological Quarterly, 
XXIII (1944), pp. 383-4. 
55. Dr. Johnson, Lives of the Poets, "Thomson''. 
Sobre o argumento do silêncio imagístico, inclusive os exemplos que 
citamos, ver o penetrante "Analysis oflmagery", de L. H. Homstein, PMLA, 
LVTI (1 942), pp. 638-53. 
280 TEORIA DA LITERATURA 
larmente que as imagens impressionantes devem ser elabora-
das e, portanto, insinceras: um homem realmente comovido fa-
laria em linguagem simples, sem figuras, ou utilizando figuras 
banais e desbotadas. Mas há uma idéia rival, de que a figura ba-
nal, que evoca a resposta pronta, é um sinal de insinceridade, 
de aceitar uma aproximação tosca do sentimento no lugar de 
uma formulação escrupulosa dele. Aqui, confundimos os homens 
em geral com os homens literários, homens que falam com ou-
tros homens escrevendo ou, melhor, homens que falam com poe-
mas. A franqueza pessoal comum e as imagens banais são emi-
nentemente compatíveis. Quanto à "sinceridade" em um poe-
ma, o termo parece quase sem sentido. Uma expressão sincera 
do quê? Do suposto estado emocional do qual provém? Ou do 
estado em que o poema foi escrito? Ou uma expressão sincera 
do poema, isto é, do construto lingüístico que assume forma na 
mente do autor quando ele escreve? Com certeza, tem de ser a 
última: o poema é uma expressão sincera do poema. 
As imagens de um poeta são reveladoras do seu eu. Como 
esse eu é definido? Mario Praz e Lillian H. Hornstein riram-se 
à custa do Shakespeare de Caroline Spurgeon, o inglês universal 
do século XX. Pode-se supor que o grande poeta compartilhava 
a nossa "humanidade comum"56• Não precisamos de nenhuma 
chave imagística das escrituras para descobrir isso. Se o valor 
do estudo da imagem encontra-se em descobrir algo recôndito, 
presumivelmente será possível lermos algumas assinaturas pri-
vadas, destrancar o segredo do coração de Shakespeare. 
Em vez de descobrir nas imagens de Shakespeare a sua 
humanidade universal, podemos encontrar uma espécie de re-
lato hieroglífico da sua saúde psíquica no momento em que 
56. Mario Praz, English Studies, XVIII (1936), pp. 177-81, faz uma re-
senha espirituosa de Shakespeare's lmagery and What it Tells Us, de Caroli-
ne Spurgeon (Cambridge, 1935), especialmente da primeira parte, "The Re-
velation ofthe Man", com a sua "falácia de tentar ler[ ... ] nas imagens de Sha-
kespeare os seus sentidos, gostos e interesses" e com razão elogia Clemen 
(cujo livro apareceu em 1936) por pensar que "o uso e a escolha de imagens 
por Shakespeare não é tão condicionado pelos seus gostos pessoais como 
pelo que são, em cada caso, as suas intenções artísticas [ .. .]". 
O ESTUDO INTRÍNSECO DA LITERATURA 281 
está compondo uma peça específica. Assim, Caroline Spurgeon 
diz de Troilo e Hamlet: 
Se não o soubéssemos por outras razões, poderíamos ter 
certeza, pela similaridade e pela continuidade do simbolismo nas 
duas peças, que foram escritas quase juntas e em uma época em 
que o autor sofria alguma desilusão, revés ou perturbação de tal 
natureza que não sentimos em nenhuma outra parte com a mes-
ma intensidade. 
Aqui, Caroline Spurgeon supõe não que a causa específi-
ca da desilusão de Shakespeare possa ser localizada, mas que 
Hamlet expressa desilusão e que esta deve ser do próprio Sha-
kespeare57. Ele não poderia ter escrito uma peça tão excelente 
se não fosse sincero, isto é, se não expressasse o seu próprio 
estado de espírito. Tal doutrina choca-se com a visão de Sha-
kespeare defendida por E. E. Stoll e outros, que enfatizam a 
sua arte, a sua dramaturgia, a sua habilidosa produção de peças 
novas e melhores dentro do padrão de sucessos precedentes: 
por exemplo, Hamlet como um prosseguimento d'A tragédia 
espanhola; O conto de inverno e A tempestade como equiva-
lentes,

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