Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Matheus Bitondi Harmonia Apostila 2015 Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 1 Índice 1. Dados preliminares ….......................................................................................................... 1.1. Série harmônica …........................................................................................................ 1.2. Classificação dos intervalos …..................................................................................... 1.3. Tríades …...................................................................................................................... 1.4. Tétrades ….................................................................................................................... 2 2 2 3 3 2. Escalas …............................................................................................................................. 2.1. Escala maior …............................................................................................................. 2.2. Escala menor …............................................................................................................ 4 4 6 3. Campo harmônico …........................................................................................................... 3.1. Campo harmônico maior ….......................................................................................... 3.1.1. Funções principais: I, IV e V …................................................................................. 3.1.2. Relativos e antirrelativos: ii, iii e vi …....................................................................... 3.1.3. viiº ….......................................................................................................................... 3.2. Campo harmônico menor …......................................................................................... 3.2.1. Funções principais: i, iv e V ….................................................................................. 3.2.2. Relativos e antirrelativos: iiº, III e VI ….................................................................... 3.2.3. viiº ….......................................................................................................................... 8 8 9 10 12 14 14 16 18 4. Condução de vozes ….......................................................................................................... 20 5. Progressão harmônica …...................................................................................................... 22 6. Cadências …......................................................................................................................... 23 7. Inversões da tríade …........................................................................................................... 25 8. Dominante com 7ª …........................................................................................................... 27 9. Outras funções com 7ª …..................................................................................................... 9.1. Preparação da 7ª …....................................................................................................... 29 30 10. Inversões da tétrade …......................................................................................................... 31 11. Dominante com 6ª e 4ª ….................................................................................................... 34 12. Dominante com 9ª, 11ª e 13ª …........................................................................................... 36 13. Funções individuais …......................................................................................................... 38 14. Acordes alterados .................................................................................................... 14.1. Acorde napolitano e acorde de 6ª napolitana ................................................... 14.2. Acordes de 6ª aumentada ............................................................................... 42 42 44 Bibliografia ................................................................................................................ 49 Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 2 1. Dados preliminares 1.1. Série harmônica Cada altura captada pelo ouvido é formada por um som fundamental e uma sequência de parciais ou harmônicos denominada série harmônica. Percebemos como altura apenas o som fundamental. Os harmônicos contribuem para a percepção do timbre deste som fundamental. Fig.1: Série harmônica da nota Dó. 1.2. Classificação dos intervalos Por suas propriedades acústicas e seu efeito, os intervalos são divididos em consonâncias e dissonâncias. Por sua vez, os intervalos consonantes dividem-se em consonâncias perfeitas e consonâncias imperfeitas. consonâncias perfeitas consonâncias imperfeitas dissonâncias Uníssono, 8ªj e 5ªj 3as e 6as 4ªj*, 2as, 7as, Trítono e demais intervalos aumentados e diminutos * No contexto tonal, a 4ªj se apresenta, em determinadas situações, como um intervalo instável, e por isso deve ser tratada como uma dissonância. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 3 1.3. Tríades Tríades são acordes formados por três notas específicas: a fundamental, sua 3ª e sua 5ª. A fundamental é a nota que dá nome ao acorde; a 3ª confere seu caráter maior ou menor; a 5ª, quando justa, atua como reforço tímbrico da fundamental, e dissona com ela se for diminuta ou aumentada. Fig.2: Tríades possíveis construídas sobre a nota Dó. 1.4. Tétrades Tétrades são tríades acrescidas de 7ª, nota dissonante geralmente de origem melódica. Fig.3: Tétrades possíveis construídas sobre a nota Dó. Outras possibilidades de combinação, como a Tétrade Diminuta com 7ªM e a Tétrade Aumentada com 7ªm, são pouco comuns no repertório por apresentarem intervalos diminutos ou aumentados entre a 5ª e a 7ª. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 4 2. Escalas Uma escala é um conjunto das notas mais prováveis de serem encontradas em uma tonalidade. A música tonal emprega um tipo de escala que denominamos diatônica, ou seja, uma escala de sete notas, obtidas pela divisão da 8ª em cinco tons e dois semitons. Dentro desta escala, cada nota apresenta uma função e uma tendência direcional dentro do discurso musical. A diferente distribuição dos tons e semitons dentro da oitava diatônica dá origem a dois modos: o modo maior e o modo menor. 2.1. Escala maior O modo maior apresenta a seguinte distribuição de tons e semitons: T T S T T T S. Assim, os intervalos que o constituem a partir da tônica são: T 2ªM 3ªM 4ªj 5ªj 6ªM 7ªM. Fig.4: Escala de Dó Maior. Como dito anteriormente, cada uma destas notas apresenta uma função dentro do contexto tonal, além de uma tendência direcional, o que estabelece uma hierarquia entre elas. A tabela a seguir apresenta a função e a direcionalidade de cada nota da escala, dispostas segundo suas relações hierárquicas. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 5 Grau Nomenclatura Função / Direcionalidade 1º Tônica Repouso; tende à estaticidade. 5º Dominante Tensão; instabilidade gera a necessidade de continuação do discurso. 7º Sensível tonal Impulso em direção à tônica; instabilidade gera expectativa pela voltada tônica, alcançada pelo semitom ascendente. 3º Mediante Repouso relativo; tende à estaticidade, embora em menor grau do que a tônica. 4º Sensível modal Impulso em direção à mediante; gera expectativa pela mediante, alcançada pelo semitom descendente. 2º Supertônica Passagem e impulso em direção à tônica; funciona como ligação entre a tônica e a mediante ou, em situações cadenciais, apresenta tendência em direção à tônica, embora com menor força do que a sensível tonal. 6º Superdominante ou Submediante Passagem e impulso em direção à dominante; cumpre o mesmo papel da supertônica, porém ligando a dominante à sensível tonal; em certos contextos, apresenta ainda tendência à dominante. O trítono formado entre a sensível tonal e a sensível modal é responsável pela grande força direcional e pela instabilidade destas notas. Juntamente com a dominante, este intervalo de trítono é responsável pelo constante conflito entre tensão e repouso que caracteriza todo discurso tonal. A resolução deste trítono, conduzindo as duas sensíveis de acordo com suas tendências direcionais, leva ao repouso representado pela tônica e pela mediante. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 6 2.2. Escala menor O modo menor apresenta a seguinte distribuição de intervalos: T S T T S T T; e os intervalos formados a partir da tônica são: T 2ªM 3ªm 4ªj 5ªj 6ªm 7ªm. A essa distribuição damos o nome de escala menor natural, uma vez que não apresenta quaisquer alterações. Fig.5: Escala de Dó Menor Natural. Todas as notas deste modo apresentam a mesma função e tendência direcional que se verifica no modo maior, com exceção do 7º grau, o que torna o emprego desta escala problemático no contexto tonal. A ausência de uma sensível em relação de semitom com a tônica e que a ela conduza enfraquece seu poder resolutivo e ameniza o conflito entre tensão e repouso necessário ao discurso tonal. A prática musical resolveu este problema harmônico alterando o 7º grau da escala, de modo a aproximá-lo da tônica. A esta escala damos o nome de escala menor harmônica; e a configuração dos intervalos passa a ser: T 2ªM 3ªm 4ªj 5ªj 6ªm 7ªM. Fig.6: Escala de Dó Menor Harmônica. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 7 Esta alteração, por sua vez, gera um problema de caráter melódico, representado pelo intervalo de 2ª aumentada que se forma entre o 6º e o 7º graus da escala. Em uma época em que a música era predominantemente vocal, tal intervalo dissonante causava problemas de afinação. A prática musical resolveu este problema elevando o 6º grau em um semitom, equalizando as distâncias entre este e o 5º e o 7º graus. À escala que resulta desta nova alteração damos o nome de escala menor melódica; e sua configuração intervalar é: T 2ªM 3ªm 4ªj 5ªj 6ªM 7ªM. Fig.7: Escala de Dó Menor Melódica. Deve-se lembrar, porém, que toda esta sequência de alterações do modo menor teve início visando à geração de uma sensível que conduzisse à tônica. Contudo, dentro do discurso musical há situações nas quais a tônica não é desejada – e é até evitada. Nestes casos, o 6º e o 7º graus voltam às suas posições originais. Podemos formular, então, que a escala menor melódica aproxima-se da tônica com 6ªM e 7ªM e distancia-se da mesma com 6ªm e 7ªm. Fig.8: Escala de Dó Menor Melódica aproximando-se e distanciando-se da tônica. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 8 3. Campo harmônico O campo harmônico é o conjunto de tríades possíveis de serem formadas a partir das notas de uma escala. Por consequência, é também o conjunto dos acordes mais prováveis de serem encontrados em uma determinada tonalidade. Assim como acontece com as notas da escala, cada acorde do campo harmônico apresenta uma função própria e uma determinada tendência direcional. A função e a direcionalidade dos acordes são determinadas pela função e direcionalidade das notas que os compõem. A cada acorde do campo harmônico confere-se um algarismo romano, indicando a posição deste acorde dentro da escala. Nesta apostila, faremos a diferenciação entre acordes maiores, representados por caracteres maiúsculos (I, II, III, IV, V, VI, VII), e acordes menores, representados por caracteres minúsculos (i, ii, iii, iv, v, vi, vii). 3.1. Campo harmônico maior O campo harmônico construído a partir da escala maior apresenta a seguinte sequência de acordes: I ii iii IV V vi viiº. A figura a seguir mostra os acordes do campo harmônico de Dó maior com suas respectivas funções. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 9 Fig.9: Campo harmônico de Dó Maior. 3.1.1. Funções principais: I, IV e V As três funções principais são tônica, subdominante e dominante, representadas respectivamente pelos acordes I, IV e V. Juntos, estes três acordes contêm todas as sete notas da escala, sendo suficientes para o estabelecimento da tonalidade. Como dito anteriormente, a função e a direcionalidade de cada acorde são determinadas pelas tendências das notas que o compõem. Assim como a nota tônica, o acorde de tônica (T) expressa repouso e estabilidade. As notas que o formam têm as seguintes tendências direcionais: Fundamental: estável. 3ªM: estável. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 10 O acorde de dominante (D) expressa tensão e instabilidade. As notas que o compõem têm as seguintes tendências direcionais: Fundamental: instável; tensão. 3ªM: sensível tonal; tende em direção à tônica. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. O acorde de subdominante (S) expressa movimento, abandonando o repouso da tônica e dirigindo-se à tensão da dominante. As notas que o compõem têm as seguintes tendências direcionais: Fundamental: sensível modal; tende à 3ª da escala. 3ªM: tendência à dominante. 5j: reforço tímbrico da fundamental. 3.1.2. Relativos e antirrelativos: ii, iii e vi Os demais acordes do campo harmônico desempenham funções relacionadas aos três acordes principais: são seus relativos e antirrelativos. Estes termos se referem à proximidade de 3ª entre os acordes. Isso quer dizer que: Um acorde maior tem seu relativo uma 3ª abaixo e seu antirrelativo uma 3ª acima; Inversamente, um acorde menor tem seu relativo uma 3ª acima e seu antirrelativo uma 3ª abaixo; Fig.10: Relativos e antirrelativos. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 11 Como se observa na figura acima, um acorde maior tem seu relativo e antirrelativo menores, e um acorde menor tem seu relativo e antirrelativo maiores. Os acordes ii, iii e vi são relativos e antirrelativos das funções principais I, IV e V. O vi desempenha a função de tônica relativa (Tr), pois se situa uma 3ª abaixo da tônica e contém duas notas em comum com ela. As notas que o formam apresentam as seguintes tendências: Fundamental: tendência à dominante. 3ªm: tônica da tonalidade; estável. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. Com menor frequência, o vi também cumpre a função de subdominante antirrelativa (Sa), pois também contém duas notas em comum com a subdominante, localiza-se uma 3ª acima dela e as tendências direcionais das notas que a compõem lhe conferem a sensação de movimento típica da função. A classificação deste acorde como tônica relativa ou subdominante antirrelativa dependerá do contexto em que ele se manifesta. O ii desempenha a função de subdominante relativa (Sr), pois se situa uma 3ª abaixo da subdominante e contém duas notas em comum com ela. As notas que o formam apresentamas seguintes tendências: Fundamental: tendência à tônica. 3ªm: sensível modal; tende à 3ª da escala. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. O iii desempenha a função de tônica antirrelativa (Ta), pois se situa uma 3ª acima da tônica e contém duas notas em comum com ela. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 12 As notas que o formam apresentam as seguintes tendências: Fundamental: estável. 3ªm: tensão, porém atenuada pela semelhança entre os acordes iii e I. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. Observe-se como, em todos os acordes, as notas têm suas tendências direcionais atenuadas quando estão em posição de 5ªj na tríade, uma vez que a sensação de consonância perfeita produzida por este intervalo faz que estas notas sejam ouvidas como reforço da série harmônica das notas fundamentais. 3.1.3. viiº Por ser um acorde diminuto, o vii é tratado como um caso particular pela teoria harmônica. A tendência direcional das notas que o compõem e o trítono formado entre a fundamental e a 5ª diminuta deixam claros o seu caráter tenso e o seu parentesco com a dominante: Fundamental: sensível; tende à tônica. 3ªm: tendência à tônica. 5ªdim: sensível modal; tende à 3ª da escala. Sua posição uma 3ª acima da dominante sugere a classificação como dominante antirrelativa (Da). Porém, seria estranho afirmar que a dominante, um acorde maior, tem um antirrelativo diminuto, enquanto todos os antirrelativos dos outros acordes maiores do campo harmônico são menores. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 13 Diante disso, a teoria harmônica prefere explicar o viiº como sendo uma dominante com 7ª sem fundamental (D 7 ): Fig.11: viiº: dominante com sétima sem fundamental. Tal explicação tampouco soa de todo satisfatória, pois sugere a presença de um acorde incompleto – ou “defectivo” – dentro do campo harmônico. O quadro abaixo resume as funções de cada grau do campo harmônico maior, destacando os acordes principais: Grau Função I T ii Sr iii Ta IV S V D vi Tr ou Sa viiº Da ou D 7 Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 14 3.2. Campo harmônico menor O campo harmônico construído a partir da escala menor apresenta a seguinte sequência de acordes: i iiº III iv V VI viiº. Fig.12: Campo harmônico de Dó menor. 3.2.1. Funções principais: i, iv e V Assim como no campo harmônico maior, as três funções principais, tônica, subdominante e dominante, são representadas respectivamente pelos acordes i, iv e V. Note-se, porém, que os acordes i e iv apresentam 3ªm. Da mesma forma, suas tendências direcionais são idênticas às verificadas no campo harmônico maior. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 15 i: tônica (t): repouso, estabilidade Fundamental: estável. 3ªm: estável. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. iv: subdominante (s): movimento Fundamental: sensível modal; tende à 3ª da escala. 3ªm: tendência à dominante, devido à relação de semitom entre as duas notas. 5j: reforço tímbrico da fundamental. V: dominante (D): tensão, instabilidade Fundamental: instável; tensão. 3ªM: sensível; tende em direção à tônica. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. É importante lembrar que, no campo harmônico menor, a 3ª do acorde de dominante deve ser alterada, de modo a gerar a sensível tonal, nota responsável pela instabilidade e pela forte tendência direcional que caracterizam a função. Uma dominante menor, ou seja, sem sensível, perde seu poder de atração em relação à tônica e deixa de contrastar com esta, atenuando a diferença entre tensão e repouso e comprometendo o estabelecimento da tonalidade. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 16 Em casos mais raros, porém, observa-se o uso do quinto grau menor (v), ou seja, sem a alteração em sua 3ª. Nestes casos, o acorde perde sua função de dominante, passando a ser interpretado como mero acorde de passagem. Fig.13: v como acorde de passagem. 3.2.2. Relativos e antirrelativos: iiº, III e VI Assim como no campo harmônico maior, os demais graus apresentam funções aparentadas aos acordes principais. Neste momento, vale lembrar que, por serem menores, os acordes de tônica e subdominante, seus relativos e antirrelativos estão em posições inversas às observadas no campo harmônico maior. III: tônica relativa (tR) Fundamental: estável. 3ªM: tensão, porém atenuada pela semelhança entre os acordes III e i. 5ªj: estável; reforço tímbrico da fundamental. Neste acorde, geralmente não se verifica a alteração da 5ª para gerar a sensível tonal, uma vez que o acorde apresenta a função de tônica e, por isso, a força direcional e a instabilidade proporcionadas pela sensível são indesejáveis. Em casos mais raros, porém, o repertório registra a ocorrência do III aumentado. Isso acontece quando este acorde se segue à dominante, funcionando como um prolongamento desta. Nestes casos, o III #5 preserva a sensível do acorde anterior, e adquire a função de dominante relativa (DR). Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 17 Fig.14: III aumentado. iiº: subdominante antirrelativa (sa) Fundamental: tendência à tônica. 3ªm: sensível modal; tende à 3ª da escala. 5ªj: tendência à dominante, devido à relação de semitom entre as duas notas. Mais uma vez, encontramos dentro do campo harmônico um acorde diminuto como antirrelativo de um acorde menor, enquanto a regra afirma que um acorde menor tem seu relativo e seu antirrelativo maiores. Neste caso, porém, as teorias geralmente se omitem. A prática, porém, registra um amplo uso do ii diminuto na função de subdominante, preparando a dominante. Aliás, como se viu anteriormente, é justamente a 5ª diminuta deste acorde que cumpre a função de preparação da dominante, apresentando tendência direcional a esta nota. VI: tônica antirrelativa ou subdominante relativa (tA ou sR) Fundamental: tendência à dominante, devido à relação de semitom entre as duas notas. 3ªM: tônica; estável. 5ªj: reforço tímbrico da fundamental. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 18 No campo harmônico menor, a tendência da fundamental do VI em direção ao V, pela relação de semitom existente entre estes dois graus, torna bastante frequente o aparecimento do VI na função de subdominante relativa. Contudo, a presença da tônica como 3ª deste acorde também permite seu emprego como tônica antirrelativa, resolvendo a tensão da dominante. 3.2.3. viiº Por ter a função de dominante, o vii do campo harmônico menor exige a alteração de sua fundamental, de modo a gerar a sensível tonal. Desta forma, o acorde se torna diminuto e idêntico ao vii do campo harmônico maior, e por isso é tratado da mesma maneira pela teoria: como Da ou D 7 . Assim, também as tendências das notas que o compõem são idênticas: Fundamental: sensível; tende à tônica. 3ªm: tendência à tônica. 5ªdim: sensível modal; tende à 3ª da escala. No repertório, existem ainda alguns raros casos em que este acorde aparece sem a alteração em sua fundamental – e, portanto, maior (VII). Quando isso acontece, o acorde perde sua função de dominante e se converte em mero acorde de passagem, geralmente entre o i e o iv 6 . Fig.15: VII como acorde de passagem. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 19 O quadro abaixo resume as funções de cada grau do campo harmônico menor, destacando os acordes principais:Grau Função i t iiº sa III tR iv s V D VI tA ou sR viiº Da ou D 7 Como se pode observar, cada grau apresenta função semelhante tanto no campo harmônico maior como no menor, variando apenas a sua relação de 3ª, ou seja, se é relativo ou antirrelativo. Maior Menor T S D t s D I iii vi IV ii (vi) V viiº I III VI iv iiº (VI) V viiº Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 20 4. Condução de vozes A textura a quatro vozes baseada na escrita coral fornece um meio adequado para o estudo das relações harmônicas, pois permite uma fácil visualização do caminho percorrido por cada nota do acorde. Assim, adota-se a seguinte distribuição das vozes: Fig.16: Textura a quatro vozes. Para preservar a homogeneidade da textura na distribuição das vozes, é recomendável que não se ultrapasse o limite intervalar de uma 8ª entre as vozes de soprano e contralto e contralto e tenor. Por sua vez, a distância entre tenor e baixo pode exceder a 8ª, uma vez que o baixo ocupa uma posição destacada como sustentação da estrutura acórdica. Uma vez que trabalhamos inicialmente com acordes de três notas dispostos em quatro vozes, uma das notas da tríade deverá ser dobrada, isto é, duas vozes farão soar uma mesma nota, mais frequentemente em oitavas diferentes. O procedimento mais indicado é o dobramento da fundamental, já que é esta a nota mais importante do acorde. Na impossibilidade de dobrar a fundamental, deve-se optar pela 5ª, que normalmente funciona como reforço daquela nota. A última opção, que deve ser evitada, é o dobramento da 3ª do acorde, pois esta nota pode “roubar” o caráter de fundamental do acorde, alterando sua função. Quando necessário, a 5ª do acorde pode ser omitida, sendo então triplicada a fundamental. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 21 Utiliza-se a seguinte tessitura para cada voz: Fig.17: Tessitura das vozes. Para conduzir as vozes de uma acorde a outro, deve-se atentar para os seguintes passos: 1) Mover o baixo; 2) Se houver uma nota comum entre os dois acordes, ela deve ser mantida na mesma voz; 3) Mover as vozes restantes pelo menor intervalo possível. O movimento de um acorde para outro deve ser o mais discreto possível. Fig.18: Condução das vozes entre Dó maior e Sol maior. Deve-se atentar ainda para que não ocorram movimentos de uníssono, 5ªj e 8ªj paralelos, tais como os exemplificados abaixo: Fig.19: Movimentos de 5ªj e 8ªj paralelos. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 22 5. Progressão harmônica Chamamos progressão a uma sequência de acordes que apresenta lógica e coerência, características geralmente relacionadas à sensação de começo, meio e fim. Normalmente, uma progressão apresenta três segmentos: 1) Estabelecimento da tonalidade: o início da progressão deve deixar clara a função de cada acorde no contexto. Normalmente, são utilizados os acorde de tônica e dominante, para demonstrar o contraste entre repouso e tensão; 2) Distanciamento do repouso e condução ao ponto máximo de tensão: o segundo trecho da progressão tende a caminhar de forma mais ou menos linear do repouso ao ponto culminante de tensão da frase. Para isso, o acorde de tônica é evitado e o acorde de dominante é reservado para o clímax; 3) Cadência: a progressão geralmente se encerra com o retorno ao repouso, representado pela volta do acorde de tônica. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 23 6. Cadências Qualquer frase musical ou progressão harmônica é concluída por uma cadência. Uma cadência pode ser muito ou pouco conclusiva, conforme a intenção do discurso musical. No repertório tonal, encontramos com maior frequência as seguintes formas cadenciais: Cadência autêntica: é caracterizada pela resolução da dominante na tônica (V – I ou, menos frequentemente viiº – I). O movimento da sensível tonal em direção à tônica faz com que este seja a mais conclusiva entre as diversas formas cadenciais. Fig.20: Cadência autêntica. Cadência plagal: a tônica é precedida pela subdominante (IV – I ou, menos frequentemente, ii – I). Observa-se o movimento da sensível modal em direção à mediante. Por ser menos conclusiva que a cadência autêntica, esta forma cadencial é encontrada em finais de frases, seções ou movimentos, mas dificilmente em finais de peças. Fig.21: Cadência plagal. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 24 Cadência à dominante: como o nome indica, esta forma cadencial se caracteriza por uma parada no acorde de dominante, não importando o acorde que o precede. Por ser claramente inconclusiva, esta cadência só muito raramente é encontrada em finais de peças. Fig.22: Cadência à dominante. Cadência de engano: após o aparecimento da dominante, gerando a expectativa da resolução na tônica, segue-se um outro acorde qualquer, frustrando a expectativa do ouvinte. A cadência de engano mais comumente encontrada no repertório é V – vi, mas outras também podem ocorrer de forma bem efetiva. Qualquer uma delas exige a continuidade do discurso. Deve-se observar, ainda, que na cadência de engano não há a necessidade de resolução da sensível. Fig.23: Cadência de engano. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 25 7. Inversões da tríade Dizemos que uma tríade está invertida quando sua fundamental não se encontra no baixo. Geralmente, os acordes invertidos são empregados para conferir um caráter mais melódico ao baixo, fazendo-o mover-se por graus conjuntos e evitando saltos. Quando uma inversão acontece, o acorde tem a sua função enfraquecida. Por isso, o emprego de acordes invertidos deve observar certos cuidados. Para as tríades, são possíveis as seguintes inversões: 1ª inversão: a 3ª do acorde está no baixo. A função do acorde se preserva, mas de maneira menos enfática. Por isso, deve-se ter cuidado ao empregar o acorde de tônica na 1ª inversão quando o intuito for estabelecer a tonalidade ou encerrar uma progressão (cadência). Fig.24: Tríades na 1ª inversão. Para indicar que uma tríade se encontra na 1ª inversão, grafa-se um 6 ao lado do grau, devido ao intervalo de 6ª que se forma a partir do baixo. Deve-se ter cuidado, ainda, para não dobrar a 3ª do acorde. Uma vez que esta nota já se encontra no baixo, ele não deve aparecer em nenhuma outra voz. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 26 2ª inversão: a 5ª do acorde está no baixo. A função do acorde é enfraquecida devido ao intervalo de 4ª (dissonância) que se forma a partir do baixo. Fig.25: Tríades na 2ª inversão. Para indicar a 2ª inversão, grafa-se um 6 e um 4 ao lado do grau, devido aos intervalos de 6ª e 4ª que se formam a partir do baixo. Por ter sua função enfraquecida, o acorde na 2ª inversão somente será usado em duas situações: 1) Quando o baixo for introduzido e abandonado por grau conjunto. Fig.26: Tratamento da tríade na 2ª inversão. 2) Quando o baixo vier ligado da nota anterior. Fig.27: Tratamento da tríade na 2ª inversão. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 27 8. Dominante com 7ª É comum que o V receba uma 7ªm, tornando-se uma tétrade. Fig.28: Dominante com 7ª. O acréscimo de uma 7ªm à tríade da dominante gera um trítono entre a 3ª (sensível tonal) e a 7ª (sensível modal). Se esta tétrade ruma para o acorde de tônica, deve-se atentar para a resolução deste trítono, seguindo a tendência direcional das sensíveis. Assim, a 3ª do acorde de dominante (sensível tonal) deve ascender paraa tônica, e a 7ª do acorde de dominante (sensível modal) deve descender para a 3ª do acorde de tônica. Este procedimento é recomendado principalmente se o movimento harmônico V7 – I constituir uma cadência autêntica, na qual se pretende a resolução completa da tensão da dominante. Fig.29: Resolução da dominante com 7ª. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 28 Como se observa nas figuras acima, se um acorde de dominante com 7ª se encontra completo (com 5ª), sua resolução se dará em uma tônica incompleta (sem 5ª). Ao contrário, se a dominante com 7ª se encontra incompleta, a tônica que a sucede estará completa. Este fenômeno é consequência da condução das vozes pelo menor caminho possível. As tentativas de resolução de uma dominante com 7ª completa em uma tônica também completa geralmente resultam em paralelismo de 5ª. Caso a dominante om 7ª se encaminhe para um acorde diferente da tônica, não é necessário resolver o trítono, ficando as sensíveis livres para se moverem conforme a conveniência. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 29 9. Outras funções com 7ª Além da dominante, qualquer outro acorde do campo harmônico pode receber uma 7ª. Fig.30: Outros acordes com 7ª. O acréscimo de 7as aos demais acordes do campo harmônico dá origem a diferentes tipos de tétrade. O quadro abaixo discrimina estes tipos nos modos maior e menor: Campo harmônico maior Campo harmônico menor I 7 maior com 7ª maior i7 menor com 7ª menor ii7 menor com 7ª menor iiº7 diminuto com 7ª menor (meio diminuto) iii7 menor com 7ª menor III7 maior com 7ª maior IV7 maior com 7ª maior iv7 menor com 7ª menor V7 maior com 7 menor V7 maior com 7 menor vi7 menor com 7ª menor VI7 maior com 7ª maior viiº7 diminuto com 7ª menor (meio diminuto) viiº7 diminuto com 7ª diminuta Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 30 Em uma tonalidade menor, se eventualmente o acorde de tônica com 7ª sucede uma dominante, pode ocorrer que sua 7ª seja maior, ao contrário do que mostra o quadro acima. Isso acontece porque a sensível tonal alterada na dominante permanece após a chegada do acorde de tônica. Fig.31: Acorde de tônica menor com 7ªM. O mesmo pode acontecer caso a dominante em questão seja substituída pelo viiº. Deve-se lembrar ainda que a tônica presente na cadência final de uma frase raramente contém 7ª, pois, sendo esta nota uma dissonância, ela enfraquece a sensação de repouso que este acorde propõe. 9.1. Preparação da 7ª Nos exercícios propostos, sempre que possível as 7as dos acordes deverão ser preparadas, como ocorre em grande parte do repertório. Isso quer dizer que a 7ª de um acorde deve vir ligada a partir de uma consonância do acorde anterior. Fig.32: Preparação da 7ª. Obviamente, a preparação da 7ª só será possível quando o acorde precedente contiver a mesma nota. Caso isso não ocorra, a 7ª deverá ser alcançada pelo menor movimento possível. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 31 10. Inversões da tétrade Assim como as tríades, as tétrades também podem sofrer inversões, de modo a tornar mais melódica a condução do baixo. Porém, ao contrário do que acontece com a tríade, a inversão de uma tétrade afeta pouco a percepção clara de sua função harmônica, uma vez que esta clareza já se encontra relativizada pela presença da própria 7ª, uma nota dissonante e desestabilizadora. As inversões possíveis da tétrade são: 1ª inversão: a 3ª do acorde está no baixo. Fig.33: Tétrades na 1ª inversão. Para indicar a 1ª inversão da tétrade, grafa-se um 6 e um 5 ao lado do grau, referentes aos intervalos de 6ª e 5ª gerados a partir do baixo. 2ª inversão: a 5ª do acorde está no baixo. Neste caso, são tomados os mesmos cuidados relativos à 2ª inversão da tríade, ou seja, o baixo deve ser introduzido e abandonado por grau conjunto ou vir ligado de uma nota do acorde anterior. Fig.34: Tétrades na 2ª inversão. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 32 Indica-se a 2ª inversão da tétrade grafando-se um 4 e um 3 ao lado do grau, referentes aos intervalos de 4ª e 3ª gerados a partir do baixo. 3ª inversão: a 7ª do acorde está no baixo. Neste caso, deve-se lembrar de que as 7as devem ser preparadas sempre que possível. Assim, o mais indicado é que o baixo, voz que contém a 7ª, venha ligado do acorde anterior. Fig.35: Tétrades na 3ª inversão. Para indicar a 3ª inversão da tétrade, grafa-se um 2 ao lado do grau, devido ao intervalo de 2ª formado a partir do baixo. No caso da dominante na 3ª inversão (V2), deve-se observar que a 7ª que se encontra no baixo é a sensível modal. Portanto, se esta dominante seguir para uma resolução na tônica, este acorde se encontrará na 1ª inversão (I 6 ), pois a sensível modal tende direcionalmente à 3ª. ‘ Fig.36: Resolução da dominante na 3ª inversão. Como a tônica na 1ª inversão tem seu caráter conclusivo enfraquecido, dificilmente encontraremos a dominante na 3ª inversão em posições cadenciais. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 33 A tabela a seguir ilustra as inversões da tétrade e sua cifragem. Inversão Nota do baixo Cifragem posição fundamental fundamental 7 1ª inversão 3ª 6 5 2ª inversão 5ª 4 3 3ª inversão 7ª 2 Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 34 11. Dominante com 6ª e 4ª Nas posições cadenciais, é comum que a dominante seja estendida por meio de uma apojatura dupla. Nestes casos, ataca-se no tempo forte do compasso uma dominante com 4ª e 6ª. No tempo fraco, a 4ª descende à 3ª e a 6ª descende à 5ª, revelando-se então a tríade perfeita sobre a dominante. Fig.37: Apojatura dupla sobre a dominante. Este procedimento visa a estender e valorizar a dominante na cadência, por ser geralmente este acorde o ponto culminante de tensão da progressão. A figura acima indica também a sua cifragem. Ao se deparar com esta cifragem, deve-se proceder de acordo com os seguintes passos: 1) Posicionar a fundamental da dominante no baixo; 2) Dobrar a fundamental em alguma das outras vozes, de acordo com a condução a partir do acorde anterior; 3) Acrescentar a 4ª na voz mais conveniente, de acordo com a condução; 4) Conduzir a 4ª à 3ª, no tempo fraco; 5) Acrescentar a 6ª na voz mais conveniente, de acordo com a condução; 6) Conduzir a 6ª à 5ª, no tempo fraco; Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 35 Pode ocorrer, ainda, que a dominante que se completa no tempo fraco do compasso receba também uma 7ª. Neste caso, é a fundamental duplicada que deve caminhar para a 7ª. Repare nas diferentes cifragens, indicando a posição da 7ª no compasso. Fig.38: Apojatura dupla sobre a dominante com 7ª. Como se observa, este procedimento acrescenta movimento à dominante cadencial. Por fim, não se deve esquecer que, ao final deste procedimento, tem-se a dominante completa, que deve ser resolvida como visto anteriormente, ou seja, pela condução das sensíveis segundo suas tendências direcionais. Fig.39: Cadência com dominante estendida. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 36 12. Dominante com 9ª, 11ª e 13ª No repertório, também podem ocorrer dominantes acrescidas de tensões, como a 9ª, a 11ª e a 13ª. Quando isso acontece, deve-se atentar para os seguintes pontos: 1) A tensão (9ª,11ª ou 13ª) deve ser posicionada no soprano, por se tratar de uma nota de origem melódica, ou seja, que é acrescida ao acorde de modo a dar sentido à melodia; 2) A exemplo da 7ª, estas tensões são dissonâncias, e devem ser preparadas sempre que possível,isto é, devem vir ligadas do acorde anterior; 3) Todo acorde com 9ª,11ª ou 13ª deve conter também a 7ª; 4) Como trabalhamos com um acorde de cinco notas e apenas quatro vozes, a 5ª deve ser suprimida. A resolução destes acordes dá-se da seguinte maneira: Dominante com 9ª (V9): Após a resolução das sensíveis, a 9ª do acorde de dominante descende à 5ª do acorde de tônica. Fig.40: Resolução da dominante com 9ª. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 37 Dominante com 11ª (V11): Após a resolução das sensíveis, a 11ª do acorde de dominante permanece estática, tornando-se a fundamental do acorde de tônica. Fig.41: Resolução da dominante com 11ª. Dominante com 13ª (V13): Após a resolução das sensíveis, a 13ª do acorde de dominante salta para a fundamental do acorde de tônica. Fig.42: Resolução da dominante com 13ª. Não se deve esquecer ainda que, em tonalidades menores, a 9ª e a 13ª da dominante são menores. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 38 13. Funções individuais Como visto anteriormente, a função de tônica de uma nota é determinada pela posição das sensíveis tonal e modal dentro da escala. Assim, a resolução das sensíveis e, consequentemente, do trítono formado por elas leva ao repouso proporcionado pela tônica e pela mediante. Fig.43: Resolução das sensíveis. Portanto, se alteramos uma nota qualquer da escala, alteramos também a posição do trítono dentro dela. Por sua vez, as notas que formam este novo trítono tenderão a ser ouvidas como sensíveis, e exigirão a resolução em uma nova tônica. Fig.44: Alteração da posição do trítono na escala. Na figura acima, a alteração da nota Fá para Fá# transporta o trítono do intervalo Fá-Si para o intervalo Fá#-Dó. Com isso, o Fá# passa a ser ouvido como sensível tonal e pede resolução em Sol; e o Dó passa a ser ouvido como sensível modal, pedindo resolução em Si. Tem-se assim uma nova tônica: Sol maior. Observe-se que, após a alteração do Fá, o Si, que antes era a sensível tonal (instável), perde sua força direcional e passa a ser a mediante (estável). Já o Dó, que antes era a tônica (estável), adquire força direcional na presença do Fá#, tornando-se a sensível modal (instável). Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 39 Na figura abaixo, vemos outro exemplo deste fenômeno: Fig.45: Alteração da posição do trítono na escala. Desta vez, alterando-se o Si para Sib, desloca-se o trítono para o intervalo Mi-Sib, no qual Mi passa a ser a sensível tonal e Sib a sensível modal, pedindo resolução respectivamente em Fá e Lá (Fá maior). Nota-se que o Si, que antes era a sensível tonal e tendia a resolver ascendentemente no Dó, quando é alterado para Sib passa a ser a sensível modal, tendendo no sentido oposto, ou seja, descendentemente para o Lá. Por sua vez, o Mi, antes mediante e estável, adquire força direcional e passa a tender ao Fá. Dos dois exemplos acima, depreende-se que se uma nota da escala é alterada ascendentemente, ela tende a se tornar sensível tonal da próxima nota. E, inversamente, se uma nota é alterada descendentemente, ela tende a ser ouvida como sensível modal da nota anterior. Esta “lei” torna possível deslocar momentaneamente o ponto de resolução da tônica para outros graus da escala. Na figura 44, ao alterarmos o Fá para Fá#, tornamos possível a construção de um acorde de Ré maior com 7ª menor, que funciona como uma dominante do Sol maior, que, por sua vez, é a dominante da tonalidade original. Temos então a dominante da dominante (D/D ou V/V). Na figura 45, a alteração do Si para Sib, possibilita a formação de um acorde de Dó maior com 7ª menor, que serve como dominante de Fá maior, subdominante da tonalidade original. Temos então a dominante da subdominante (D/S ou V/IV). Poder-se-ia proceder da mesma forma, alterando outras notas da escala de forma a gerar dominantes de qualquer outro grau. A esses acordes chamamos dominantes individuais ou secundárias. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 40 Por este processo, cada acorde do campo harmônico pode receber sua própria dominante, embora seja mais rara a ocorrência do V/vii no repertório. Por ser o vii um acorde diminuto, ele se mostra ineficaz para a resolução do trítono contido em sua dominante. Fig.46: Dominantes individuais. Como podemos observar, as dominantes individuais expandem os recursos do campo harmônico, tornando possível dentro de uma determinada tonalidade o emprego de todas as notas da escala cromática. Não se deve esquecer que as dominantes individuais são acordes tomados de outras tonalidades, por isso trarão geralmente os acidentes de suas escalas de origem. Como estes acordes são quase sempre tétrades maiores com 7ª menor, deve-se atentar para a resolução do trítono, sempre segundo a tendência direcional das sensíveis que o formam. Assim como substitui a dominante, o viiº, geralmente com 7ª diminuta, também pode substituir uma dominante individual. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 41 Fig.47: Dominantes antirrelativas individuais. Da mesma forma, deve-se atentar para a resolução do trítono. Além das dominantes individuais, o mesmo processo de alteração de notas da escala é capaz de gerar outras funções relacionadas aos diversos graus da escala, sendo mais comuns, depois das dominantes, as subdominantes individuais, que podem ser representadas pelo IV ou pelo ii de cada grau da tonalidade original. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 42 14. Acordes alterados No repertório, é comum que alguns acordes tenham suas notas alteradas cromaticamente. Normalmente, estas alterações são decorrentes da condução melódica das vozes por intervalos cromáticos. 14.1. Acorde napolitano e acorde de 6ª napolitana Na tonalidade menor, algumas vezes o 2º grau da escala sofre uma alteração cromática que o desloca em um semitom abaixo. Fig.48: Escala menor com 2º grau abaixado. Quando a sensível tonal não está presente em um trecho em tonalidade menor, torna-se impossível a distinção entre a escala menor e sua relativa maior, uma vez que a única diferença entre as duas é a alteração do 7º grau no modo menor. Neste caso, é possível que a sensação de tônica seja deslocada do 1º para o 3º grau da escala, já que este apresenta um intervalo de semitom com o 2º grau, que lhe serve como sensível. Assim, para evitar que o 3º grau tome a função de tônica do 1º, torna-se conveniente alterar o 2º grau para baixo, evitando que este funcione como sensível do 3º. Como consequência desta alteração do 2º grau da escala, a tríade construída sobre ele deixa de ser diminuta e se torna maior, e passa a ser indicada II. Tradicionalmente, a teoria se refere a este acorde como acorde napolitano. Fig.49: Acorde napolitano. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 43 No repertório, este acorde também se manifesta muitas vezes em sua 1ª inversão. Nestes casos, a teoria tende a interpretá-lo não mais como um 2º grau alterado, mas sim como um 4º grau menor acrescido de uma 6ª menor. Este acorde é tradicionalmente denominado acorde de 6ª napolitana, e será indicado iv6. Fig.50: Acorde de 6ª napolitana. Tanto o acorde napolitano quanto o acorde de 6ª napolitana preservam a função dos graus a partir dos quais se originam, ou seja, são subdominantes. O emprego destes dois acordes em posições cadenciais, preparando a dominante, ocasiona o que chamaremos de cercamento da tônica. Por este procedimento, a tônica final da frase harmônica é circundada, ou “cercada”,pelas notas que dela distam um semitom acima e um semitom abaixo, respectivamente, o 2º grau abaixado e a sensível tonal. Fig.51: Cercamento da tônica. Embora com menos frequência, o repertório registra o uso destes dois acordes também em contextos em que a tonalidade é maior. Nestes casos, estes acordes são explicados como Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 44 empréstimos modais, ou seja, acordes “emprestados” do modo menor da mesma tonalidade. No contexto maior, deve-se atentar para as alterações da 5ª do acorde napolitano e da 3ª do acorde de 6ª napolitana. Fig.52: Acorde napolitano e acorde de 6ª napolitana em tonalidade maior. 14.2. Acordes de 6ª aumentada Em tonalidades menores, é comum que a dominante da dominante se apresente com a quinta alterada cromaticamente para baixo. Quando isso ocorre, forma-se um intervalo de 6ª aumentada entre a 5ª abaixada e a 3ª do acorde. Fig.53: 6ª aumentada formada entre a 5ª abaixada e a 3ª do V7/V. Esta alteração deriva da formação do V7/V a partir do modo menor da tonalidade principal. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 45 Desta forma, quando se altera o 4º grau da escala para gerar a sensível individual da dominante, forma-se o V7/V com as seguintes notas: Fig.54: V7/V formado a partir da escala menor com 4º grau alterado (sensível do V). Assim como acontece com o acorde de 6ª napolitana e com o acorde napolitano, a alteração presente nos acordes de 6ª aumentada resulta no mesmo procedimento de cercamento. No caso destes últimos, porém, a nota cercada geralmente não é a tônica, mas sim a dominante; e, diferentemente dos primeiros, aqui as notas que participam do cercamento soam simultaneamente. Fig.55: Acorde de 6ª aumentada cercando a fundamental da dominante. Para pôr em evidência a alteração destes acordes e o movimento de cercamento que ela gera, a quinta abaixada é geralmente posicionada no baixo. Na resolução destes acordes, o intervalo de 6ª aumentada formado pelas duas notas que cercam a fundamental da dominante (Láb e Fá# na figura acima) deve progredir em movimento contrário, atingindo a oitava. A sensível modal da dominante (Dó na figura) deve descender à sua 3ª, como normalmente acontece. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 46 Tradicionalmente, as teorias distinguem três variações do acorde de 6ª aumentada: o acorde de 6ª francesa, o acorde de 6ª alemã e o acorde de 6ª italiana. Todas estas variações obviamente apresentam o intervalo de 6ª aumentada, mas diferenciam-se devido às notas que completam o acorde. Acorde de 6ª francesa: trata-se de uma dominante individual com 7ª e 5ª abaixada no baixo (V #6 fr.). Fig.56: Acorde de 6ª francesa e sua resolução. Acorde de 6ª alemã: trata-se de uma dominante individual com 7ª, 5ª abaixada no baixo, sem fundamental e com 9ªm (V #6 al.). Fig.57: Acorde de 6ª alemã e sua resolução. No acorde de 6ª alemã, todas as vozes caminham por semitons. Assim, a resolução da 5ª abaixada e da 9ªm (respectivamente Láb e Mib na figura) geram um movimento de 5as paralelas. Para evitá-lo, é comum que este acorde seja seguido por uma dominante com 6ª e 4ª cadencial. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 47 Fig.58: Resolução do acorde de 6ª alemã na dominante com 6ª e 4ª cadencial. Acorde de 6ª italiana: trata-se de uma dominante individual com 7ª, 5ª abaixada no baixo e sem fundamental (V #6 it.). Fig.59: Acorde de 6ª italiana e sua resolução. No acorde de 6ª italiana, a 7ª deve ser dobrada, porém apenas uma delas deve ser resolvida na 3ª do próximo acorde, cumprindo sua função de sensível modal individual. A outra deve seguir ascendentemente, de modo a evitar uma oitava ou um uníssono paralelo. Embora com menor frequência, os acordes de 6ª aumentada também são empregados na tonalidade maior. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 48 A tabela abaixo resume as características dos acordes de 6ª aumentada. 6ª francesa Dominante com 7ª e 5ª abaixada no baixo V #6 fr. 6ª alemã Dominante com 7ª, 5ª abaixada no baixo, sem fundamental e com 9ª menor V #6 al. 6ª italiana Dominante com 7ª, 5ª abaixada no baixo e sem fundamental V #6 it. Matheus Bitondi – Apostila de Harmonia - 49 Bibliografia BRISOLLA, Cyro. Princípios de Harmonia Funcional. São Paulo: Annablume, 2008. HINDEMITH, Paul. Harmonia Tradicional. São Paulo: Irmãos Vitale, 1998. HINDEMITH, Paul. Unterweisung im Tonsatz. Mainz: B. Schott´s Söhne, 1940. KOSTKA, Stefan & PAYNE, Dorothy. Tonal Hamony. New York: McGraw-Hill, 2012. MOTE, Dieter de la. Armonia. Barcelona: Labor, 1994. SALZER, Felix. Structural hearing. New York: Dover Publications, Inc., 1982. SCHENKER, Heinrich. Harmony. Chicago: The University of Chicago Press, 1980. SCHOENBERG, Arnold. Funções estruturais da harmonia. São Paulo: Via Lettera, 2004. SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. São Paulo: Editora Unesp, 1999.
Compartilhar