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DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODUTIVOS NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS

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SÍNTESE PARA GESTORES, LEGISLADORES E OPERADORES DO DIREITO
APOIO
Direitos sexuais e
direitos reprodutivos
na perspectiva dos
direitos humanos
DIREITOS SEXUAIS E
DIREITOS REPRODUTIVOS
NA PERSPECTIVA DOS
DIREITOS HUMANOS
ADVOCACI
Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos
Rua da Assembléia 34 sala 804
Centro 20011-000 Rio de Janeiro RJ Brasil
Tel 55(21) 2507-6789 / 2531-7800
advocaci@advocaci.org.br
www.advocaci.org.br
Coordenação geral
Miriam Ventura
Redação do documento
Leila Linhares Barsted
Flávia Piovesan
Daniela Ikawa
Miriam Ventura
Equipe de pesquisa
Daniela Pereira Quintella
Fabiane Simioni
Henrique Heck
Luciano de Sousa Santos
Samantha Buglione
Copydesk
Jacqueline Hermann
D598
Catalogação – Sandra Infurna (CRB-7 4607)
Ficha catalográfica 
 Direitos sexuais e direitos reprodutivos na perspectiva dos direitos
humanos: síntese para gestores, legisladores e operadores do
Direito. / Miriam Ventura (org.) com a colaboração de Daniela Ikawa,
Flávia Piovesan e Leila Linhares Barsted. – Rio de Janeiro :
ADVOCACI, 2003.
120p.
Inclui glossário e referências bibliográficas
ISBN – 85-89452-01-8
I – Direitos Humanos II – Reprodução humana III – Sexualidade
 IV – Ventura, Miriam V – Ikawa, Daniela VI – Piovesan, Flávia
 VII – Barsted, Leila Linhares
Direitos sexuais e
direitos reprodutivos
na perspectiva dos
direitos humanos
SÍNTESE PARA GESTORES, LEGISLADORES E OPERADORES DO DIREITO
APOIO
RIO DE JANEIRO, OUTUBRO, 2003
EDIÇÕES ADVOCACI
SUMÁRIO
GLOSSÁRIO E ABREVIAÇÕES 7
APRESENTAÇÃO 9
1 INTRODUÇÃO 11
2 AS FONTES INTERNACIONAIS DOS DIREITOS SEXUAIS
E DOS DIREITOS REPRODUTIVOS 21
Convenção Internacional sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial – 1965 24
Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos – 1966 25
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais – 1966 26
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Contra a Mulher – 1979 28
Convenção Internacional Contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou
Degradantes – 1984 31
Convenção Sobre os Direitos da Criança – 1989 32
Plano de Ação da Conferência Mundial de População
e Desenvolvimento, Cairo – 1994 34
Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial
da Mulher, Pequim – 1995 35
3 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO
NA IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 37
Mecanismos de garantia e promoção dos
direitos humanos 39
4 A TITULARIDADE DOS DIREITOS SEXUAIS E DOS
DIREITOS REPRODUTIVOS 45
5 PRINCÍPIOS DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS 49
6 CAMPOS DE AÇÃO: DIRETRIZES PARA A EFETIVIDADE
DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS 55
Liberdade Sexual 57
Saúde 60
Educação 85
Trabalho 92
Família 99
Segurança 106
7 CONCLUSÃO 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117
GLOSSÁRIO, ABREVIAÇÕES E ENDEREÇOS ELETRÔNICOS PARA CONSULTA
CAT Comitê contra a Tortura: Comitê que monitora a Convenção Interna-
cional Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desu-
manos ou Degradantes, aprovada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 1984.
CCPR Comitê de Direitos Humanos que monitora o Pacto Internacional so-
bre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 1966.
CEDAW Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres que monitora a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulhe-
res, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1979.
CERD Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial que monitora a Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial, aprovada pela Assem-
bléia Geral das Nações Unidas, em 1965.
CESCR Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que monitora
o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1966.
Concluding
Observations
Documento que contém os comentários e recomendações formula-
dos pelos Comitês das Nações Unidas a partir dos relatórios dos
Estados-Partes, sobre o cumprimento de determinado Pacto ou Con-
venção Internacional. As referências a esses documentos vêm pre-
cedidas da sigla do Comitê, tipo do documento, país a que foi dirigi-
do, data, número completo do documento e parágrafo que contém a
recomendação. Ex. CRC, Concluding Observations: Nigeria, 30/10/
96, CRC/C/15/Add.61, par.31.
Conferência do Cairo Conferência Internacional das Nações Unidas sobre População e De-
senvolvimento, realizada no Cairo no ano de 1994.
Abreviaturas Termo completo e definição
Conferência de Pequim
ou Conferência
da Mulher
IV Conferência Internacional das Nações Unidas sobre a Mulher, rea-
lizada em Pequim no ano de 1995.
CRC Comitê da Criança, ou Comitê sobre Direitos das Crianças que
monitora a Convenção sobre Direitos das Crianças, aprovada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1989.
DST Doenças sexualmente transmissíveis.
Estados-Par tes Estados que assinaram e ratificaram os Tratados de Direitos Huma-
nos (Pactos e Convenções).
General Comment /
Recommendation
Documento produzido pelos Comitês que contém a interpretação de
artigos dos Pactos e Convenções respectivos. As referências a es-
ses documentos vêm precedidas da sigla do Comitê e em seguida o
tipo do documento, número, ano, tema, artigo da convenção que se
refere a recomendação. Ex. CCPR, General Comment n. 6, 1982, The
Right to Life (art. 6.).
HIV/Aids Vírus da imunodeficiência adquirida / síndrome da imunodeficiência
adquirida.
OIT Organização Internacional do Trabalho. Agência das Nações Unidas
responsável pela promoção da justiça social e internacionalização
dos direitos humanos relativos ao trabalho.
OMS Organização Mundial da Saúde. Agência das Nações Unidas responsá-
vel pelo desenvolvimento de pesquisas e promoção da saúde pública
no mundo.
ONG Organização não governamental
Plano do Cairo Documento consensual adotado pelos países participantes da Con-
ferência Internacional das Nações Unidas sobre População e Desen-
volvimento, realizada no Cairo no ano de 1994.
Plataforma de
Ação de Pequim
Documento consensual adotado pelos países participantes da IV Con-
ferência Internacional das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada
em Pequim no ano de 1995.
WHA World Health Assembly (Assembléia Geral da Organização Mundial
de Saúde). A Assembléia da OMS elabora e aprova recomendações
para os países sobre determinados temas de saúde pública.
Sites para consulta
www.advocaci.org.br – O presente trabalho está disponibilizado para download em nosso site.
www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/newhvdocsbytreaty – Este site das Nações Unidas disponibiliza
no link correspondente aos Comitês todos os documentos referidos na publicação.
www.ilo.org/public/english – Neste site estão disponibilizadas as convenções da OIT e de-
mais documentos.
www.who.int/en/ – Neste site estão disponibilizados os documentos da OMS.
www.law-lib.utoronto.ca/Diana/ – Neste site da Universidade de Toronto há disponibilizado
para download o trabalho “The Application of Human Rights to Reproductive and Sexual Health:
A Compilation of the Work of International Human Rights Treaty Bodies”, publicado em 22 de
novembro de 2000, contendo uma compilação das recomendações dos Comitês sobre saúde
sexual e reprodutiva, além de outros trabalhos sobre o tema.
Abreviaturas Termo completo e definição
Apresentação
A Advocaci é uma organização não governamental que tem como
objetivo o uso do direito como instrumento de intervenção nas polí-
ticas públicas para a promoção e defesados direitos humanos. Nas-
ce a partir da constatação de que, apesar da avançada legislação
nacional e internacional de proteção dos direitos humanos, o uso
destes instrumentos e sua implementação ainda é incipiente, sendo
necessário fomentar sua aplicação em todos os países, para alcançar
a efetivação destes direitos.
Essa publicação é fruto de um dos projetos desenvolvidos pela
organização, e foi apoiado integralmente pelo UNFPA – Fundo de
População das Nações Unidas, Divisão da América Latina e Caribe,
que não só disponibilizou os recursos para a realização do trabalho,
como também, estimulou a iniciativa no Brasil.
Tudo isso não seria possível sem a dedicação da equipe de pes-
quisa que durante meses se debruçou nos diversos documentos das
Nações Unidas, buscando recomendações, decisões, comentários,
enfim, tudo que servisse de base para a redação do documento. Tam-
bém não seria possível realizar tamanha empreitada, em tão curto
espaço de tempo, se não contássemos com o dedicado trabalho das
consultoras que avaliaram o material e deram forma à nossa idéia.
Além disso, a valiosa contribuição da revisora e dos tradutores pos-
sibilitou um texto acessível aos mais diversos públicos. Enfim, um
trabalho de equipe que contribui para o enriquecimento de todos e,
principalmente, para reforçar laços de solidariedade e de esperança
em um mundo onde a estrutura política e legal permita a expressão
de diferentes moralidades, portanto, mais justo, livre, pluralista e
solidário.
 A nossa expectativa é que essa singela contribuição possa de-
monstrar de forma bastante funcional a situação dos direitos sexuais
e direitos reprodutivos, seus avanços e desafios, e que, em breve,
muitas das recomendações apresentadas sejam incorporadas e
implementadas em nossos países, em prol deste mundo ideal.
Miriam Ventura
Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos – Advocaci
Coordenadora do Projeto “Direitos Sexuais e Reprodutivos
no Marco dos Direitos Humanos”
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Introdução
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A presente publicação resulta de um esforço de sistematização e de difusão dos parâmetros internacionais contidos nos mais importantes instrumentos de proteção aos direitos humanos,
relativos à sexualidade e à reprodução, visando sua incorporação às
legislações nacionais, sua implementação e aplicabilidade.
As Nações Unidas recomendam, em seus diversos documentos,
que legisladores, juízes, profissionais do direito, gestores e elabo-
radores de políticas públicas em geral conheçam e apliquem as nor-
mas internacionais de Direitos Humanos, sigam a interpretação dada
a essas normas pelos diversos Comitês e Conselhos das Nações Uni-
das, bem como a jurisprudência internacional que tem evoluído no
sentido de dar interpretação sistêmica a esses novos direitos.
Esse processo de consolidação e de implementação dos direitos
humanos tem imposto importantes desafios para os Estados demo-
cráticos nas últimas duas décadas, particularmente porque nesse
período, e paralelamente à elaboração de Tratados, Convenções,
Pactos e Planos de Ações das diversas Conferências das Nações
Unidas, foram criadas Cortes Internacionais, especialmente no cam-
po da proteção aos Direitos Humanos.
Em diversos eventos, as Nações Unidas têm buscado reforçar o
processo de elaboração legislativa e doutrinária relativa aos direi-
tos humanos. Assim, por exemplo, em outubro de 2000, em Viena,
foi realizado um Colóquio Internacional Judicial sobre a Aplicação
do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Plano Interno
com os objetivos de avaliar as formas de aplicação, pelos tribunais
de diferentes países, do Direito Internacional, expresso nas Con-
venções e Pactos de Direitos Humanos, bem como de examinar as
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estratégias que pudessem tornar mais efetivos a aplicação das nor-
mas internacionais de Direitos Humanos e os mecanismos para
sua difusão.
A questão central a ser afirmada é a de que esses instrumentos
internacionais são fontes e estabelecem princípios gerais do direito,
tendo, por isso, força de lei, gerando jurisprudência e constituindo-
se em doutrina jurídica democrática. São, portanto, instrumentos
fundamentais para o fortalecimento da democracia com justiça so-
cial e devem ser utilizados como bússola nas atividades de elabo-
radores e gestores de políticas públicas, de legisladores, de magis-
trados e demais operadores do direito.
DEZ ANOS DE CAIRO 1994-2004
No momento em que se completam 10 anos da elaboração do Pla-
no de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvol-
vimento, realizada em 1994, no Cairo, torna-se mais do que nunca
urgente introduzir na agenda política de gestores, legisladores e
operadores do direito o conteúdo e os princípios contidos nesse
Plano, que mantém sua extrema atualidade, refletida nas recomen-
dações dos Comitês das Nações Unidas. Esse esforço significa for-
talecer o reconhecimento da legislação e das políticas públicas re-
lativas aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, a partir da
ação dos principais responsáveis pela observância e cumprimento
da lei.
O Plano de Ação da Conferência Mundial de População e Desen-
volvimento incorporou as Recomendações já existentes desses di-
versos Comitês das Nações Unidas no que se refere ao direito à saú-
de sexual e à saúde reprodutiva, incluindo a recomendação para
que os Estados-Partes reconheçam esses e outros direitos que favo-
reçam o completo bem estar do ser humano, comprometendo-se a
fazer esforços para que tais direitos sejam implementados na lei e
na vida de homens e de mulheres.
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A partir desta Conferência, um novo paradigma internacional foi
introduzido no debate sobre população e desenvolvimento, contem-
plando a preocupação com as violações de direitos humanos cometi-
das no campo da reprodução, que, historicamente, tem se centrado
no “controle” do corpo das mulheres, ao invés de reconhecer a liber-
dade de homens e mulheres para um planejamento democrático.
Assim, o Plano de Ação do Cairo deslocou a questão demográfica
para o âmbito das questões relativas aos direitos reprodutivos e ao
direito ao desenvolvimento, como integrantes dos direitos humanos,
incluindo a perspectiva de gênero em todas as matérias sobre as
quais se debruçou. Este Plano foi fortalecido, em 1995, com a
IV Conferência Mundial da Mulher, realizada em Pequim.
Ao incorporar as Recomendações dos diversos Comitês das Na-
ções Unidas, este Plano introduziu o conceito de direitos reprodutivos
e sinalizou para o reconhecimento de direitos sexuais, destacando:
a) o direito de decidir livremente e responsavelmente sobre o nú-
mero, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos;
b) o direito de ter acesso à informação e aos meios para decidir;
c) o direito de exercer a sexualidade e a reprodução livre de discri-
minações, coerções ou violências.
Além disso, o Plano identificou aspectos essenciais a serem obser-
vados por legisladores e gestores no delineamento dessas políticas,
tais como a necessidade de amplo acesso à informação e à educa-
ção; e a serviços sociais, legais e de saúde, que favoreçam e garan-
tam um ambiente social adequado ao livre exercício dos direitos re-
produtivos1.
Para a implementação desses direitos,este Plano estabeleceu
que os Estados-Partes devem estimular e promover o relaciona-
mento mutuamente respeitoso e igualitário entre mulheres e ho-
mens; satisfazer as necessidades dos adolescentes, de modo a
capacitá-los a melhor decidir sobre o exercício de sua sexualidade;
e dedicar especial atenção aos segmentos populacionais mais vul-
1 Ventura, 2002.
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neráveis às violações de direitos humanos no campo da reprodu-
ção e da sexualidade.
A adoção desse conjunto de medidas visa permitir a proposição
de uma intervenção que respeite as especificidades, privilegie e ar-
ticule a ação comunitária participativa e interativa com a ação go-
vernamental2.
Os desafios para o alcance desses direitos são inúmeros, com
ênfase:
a) nos níveis inadequados de conhecimento da sexualidade;
b) na persistência de práticas sociais discriminatórias, principal-
mente em relação às mulheres, e especialmente às mulheres ne-
gras, aos portadores de HIV, à população negra em geral, aos ho-
mossexuais, dentre outros grupos mais vulneráveis socialmente;
c) na prevalência de comportamentos sexuais de alto risco, em lar-
ga medida decorrentes da falta de informações básicas;
d) no limitado poder das mulheres e meninas-adolescentes sobre
suas vidas sexuais e reprodutivas.
Mereceram destaque especial no Plano de Ação tanto os objetos
de proteção do direito – a sexualidade e a reprodução – como os
sujeitos de direitos – casais, mulheres, homens, adolescentes e pes-
soas idosas. Programas e políticas públicas voltadas para esses su-
jeitos de direitos foram inseridos no Plano de Ação e recomendada a
adoção de normas legais que garantam o exercício pleno dos direi-
tos reprodutivos e dos direitos sexuais de homens e mulheres.
O Plano de Ação da Conferência do Cairo, portanto, além de
legitimar, através de um documento de consenso internacional, o
conceito de direitos reprodutivos, estabeleceu as bases para um novo
modelo de intervenção na saúde reprodutiva, ancorado em princí-
pios éticos e jurídicos comprometidos com o respeito aos direitos
humanos.
Torna-se fundamental, para a elaboração, o desenho e a imple-
mentação de políticas públicas democráticas no campo dos direi-
2 Ventura, 2002, opus cit.
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tos sexuais e dos direitos reprodutivos, que o Plano de Ação do
Cairo seja tomado como elemento norteador, subsidiado pelo rico
trabalho interpretativo e sistematizador dos diversos Comitês das
Nações Unidas.
A AÇÃO DOS COMITÊS DAS NAÇÕES UNIDAS
Esses Comitês estão previstos em praticamente todas as Conven-
ções e Pactos das Nações Unidas voltados para a proteção dos di-
reitos humanos e atuam continuamente no monitoramento das ati-
vidades dos Estados-Partes na promoção desses direitos. Tal moni-
toramento é possível, dentre outros meios, através da apresentação
regular, por cada país, de Relatórios Nacionais que apresentam um
diagnóstico da situação e das medidas adotadas internamente para
implementar compromissos firmados nas Convenções e nos Pactos.
Quando da apresentação desses Relatórios Nacionais, os diver-
sos Comitês das Nações Unidas que monitoram a implementação
dos Tratados elaboram recomendações específicas para o país em
questão e, em sessões especiais, como esforço de sistematização de
seu trabalho, elaboram Recomendações Gerais que devem orientar
a ação dos Estados-Partes.
Nesse processo, os diversos Comitês destacam o quadro geral da
situação examinada como, por exemplo, a saúde das mulheres, a
situação dos adolescentes, a disseminação do HIV/Aids; apontam
para problemas que devem ser solucionados pelos Estados-Partes
para garantir informações mais qualificadas junto aos Comitês, sa-
nar violações e garantir a realização dos direitos firmados. Final-
mente, os Comitês elaboram Recomendações Gerais voltadas para a
atuação de todos os Estados-Partes na promoção dos direitos huma-
nos, em suas diversas áreas e dirigidas para diferentes sujeitos de
direitos.
Além do sistema global, há os sistemas regionais de direitos hu-
manos, na Europa, na África e no continente americano, que possuem
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mecanismos de monitoramento similares ao do sistema global, re-
forçando e ampliando regionalmente os princípios e normas do
direito internacional dos direitos humanos.
LINHAS GERAIS DA PUBLICAÇÃO
Para a elaboração da presente publicação, foram acessadas mais de
5.000 páginas relativas a recomendações gerais e específicas, até
fevereiro de 2003, proferidas pelos Comitês das Nações Unidas, para
cada uma das Convenções e dos Pactos da ONU, tais como:
a) Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as For-
mas de Discriminação Racial, de 1965;
b) Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais, de 1966;
c) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966;
d) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimi-
nação Contra as Mulheres, de 1979;
e) Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984;
f) Convenção sobre Direitos das Crianças, de 1989.
As Recomendações e os Comentários desses Comitês contêm
indicações precisas e fundamentais para o reconhecimento e efeti-
vidade dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. Além das
Recomendações dos Comitês de monitoramento dos Tratados, foram
destacadas as Convenções da Organização Internacional do Traba-
lho (OIT) e as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS),
considerando que essas agências das Nações Unidas possuem ins-
trumentos específicos que tratam de temas centrais para os direitos
sexuais e os direitos reprodutivos, como a proteção à maternidade e
à mulher no âmbito das relações trabalhistas, à saúde sexual e saú-
de reprodutiva.
Tomou-se como limite temporal, no exame da produção dos Co-
mitês, o ano de 1994, data da realização da Conferência Mundial de
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População e Desenvolvimento, embora não tenham sido descarta-
das as Recomendações de períodos anteriores, quando estas se re-
velaram de importância fundamental para a compreensão das mais
recentes.
Esta publicação está dividida em duas partes. A primeira parte
contém, além deste capítulo introdutório, capítulos relativos ao his-
tórico, aos objetivos das Convenções e Pactos acima referidos, infor-
mações sobre os Planos de Ação de Cairo e de Pequim, e sobre a
responsabilidade internacional dos Estados no cumprimento desses
compromissos. Logo após, fazemos uma breve discussão sobre a
titularidade desses direitos e, finalmente, são destacados os princí-
pios de direitos humanos norteadores dos direitos sexuais e dos di-
reitos reprodutivos.
Sob o enfoque das relações de gênero e dos princípios dos direi-
tos humanos, na segunda parte desta publicação, são apresentados,
além do direito à liberdade sexual que fundamenta as diretrizes inter-
nacionais, os principais campos de ação – saúde, educação, trabalho,
família, segurança – com as diretrizes para a efetividade dos direitos
sexuais e dos direitos reprodutivos. Dentro de cada campo de ação,
foram assinaladas questões voltadas para grupos específicos, histo-
ricamente mais vulneráveis às violações de direitos humanos.
Em cada um dos campos analisados, foram destacadas as reco-
mendações dos diversos Comitês das Nações Unidas relativas a cada
uma das Convenções já referidas, daOrganização Internacional do
Trabalho – OIT e da Organização Mundial de Saúde – OMS.
O conhecimento, a compreensão e a observância dessas recomen-
dações são instrumentos essenciais e obrigatórios para a ação de le-
gisladores, operadores do direito, elaboradores e gestores de políticas
públicas no seu dever de garantir os direitos reprodutivos e os direitos
sexuais como direitos humanos fundamentais, e de cumprir as obri-
gações assumidas pelos Estados-Partes no plano internacional.
Assim, o objetivo deste trabalho é divulgar o conjunto de reco-
mendações que tem pautado a sistematização dos direitos huma-
nos, aplicado aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, e, ain-
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da, demonstrar as possibilidades de articulação desses diversos ins-
trumentos, potencializando seus efeitos e sua incorporação nas le-
gislações nacionais e nas políticas públicas dos Estados-Partes das
Nações Unidas.
As fontes internacionais dos direitos sexuais
e dos direitos reprodutivos
CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE
A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE
DISCRIMINAÇÃO RACIAL – 1965
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS
E POLÍTICOS – 1966
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS
ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS – 1966
CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS
AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA
A MULHER – 1979
CONVENÇÃO INTERNACIONAL CONTRA A TORTURA
E OUTROS TRATAMENTOS OU PUNIÇÕES CRUÉIS,
DESUMANOS OU DEGRADANTES – 1984
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA –
1989
PLANO DE AÇÃO DA CONFERÊNCIA MUNDIAL DE
POPULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO, CAIRO – 1994
PLATAFORMA DE AÇÃO DA IV CONFERÊNCIA
MUNDIAL DA MULHER, PEQUIM – 1995
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A partir da aprovação da Declaração Universal de 1948 e da concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida, começa a se desenvolver o Direito Internacional
dos Direitos Humanos, com elaboração, aprovação e adoção de inú-
meros tratados internacionais voltados à proteção de direitos funda-
mentais, como as Convenções e Pactos, que permitiu a formação de
um sistema normativo de proteção destes direitos. A Declaração de
1948 definiu como princípios neste campo do direito a universalida-
de, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos.
O processo de universalização dos direitos humanos é, hoje, in-
tegrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobre-
tudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Esta-
dos, e estabelecem o consenso internacional acerca de temas cen-
trais aos direitos humanos. Neste sentido, cabe destacar que, até
7 de julho de 20033, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políti-
cos contava com a participação de 157 Estados-Partes; o Pacto In-
ternacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, com 154
Estados-Partes; a Convenção contra a Tortura agregava 145 Esta-
dos-Partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Ra-
cial, com 176 Estados-Partes; a Convenção sobre a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher reunia 175 Estados-Partes e a Con-
venção sobre os Direitos da Criança apresentava a mais ampla ade-
são, com 194 Estados-Partes.
3 Para conferir o estado atual da ratificação dos tratados internacionais dos direitos
humanos, ver: www.untreaty.org.
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As Convenções sobre a Eliminação de todas as formas de Discri-
minação Racial, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação
contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança con-
templam não apenas direitos civis e políticos, mas também direitos
sociais, econômicos e culturais, o que reafirma a idéia da indivisibi-
lidade dos direitos humanos. Portanto, a comunidade internacional
deve tratar os direitos humanos globalmente, de forma justa e eqüi-
tativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.
Ao lado do sistema normativo global, foram criados os sistemas
regionais de proteção dos direitos humanos na Europa, na África e
no continente americano. Adicionalmente, há um incipiente siste-
ma árabe e a proposta de criação de um sistema regional asiático.
Consolida-se, assim, a convivência do sistema global das Nações
Unidas com instrumentos do sistema regional.
Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas comple-
mentares, e visam interagir em benefício dos indivíduos protegidos.
O propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos, ga-
rantindo os mesmos direitos, é ampliar e fortalecer a proteção dos
direitos humanos. Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana,
estes sistemas se complementam e devem ainda interagir com o sis-
tema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade
possível na tutela e promoção de direitos fundamentais. Esta é a
lógica própria do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Neste capítulo são apresentados as Convenções e os Pactos das
Nações Unidas que operacionalizam o sistema global. Além desses
instrumentos, foram incluídos os Planos de Ação da Conferência
Mundial de População, de 1994, e da IV Conferência Mundial da
Mulher, de 1995, que, apesar de não terem o status de lei internaci-
onal, são documentos que introduziram os conceitos de direitos se-
xuais e de direitos reprodutivos, como direitos humanos, trazendo
um novo paradigma para as questões relacionadas à reprodução e à
sexualidade.
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CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS
AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL – 1965
Essa Convenção foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Uni-
das através da resolução n. 2106-A, em 21 de dezembro de 1965.
O compromisso das Nações Unidas de repudiar todas as formas
de discriminação racial foi a conseqüência imediata da luta contra o
colonialismo e contra todas as formas de segregação por motivo de
raça. Com essa Convenção, as Nações Unidas repudiaram as doutri-
nas sobre a superioridade baseada em diferenças raciais, consideran-
do-as moralmente condenáveis, socialmente injustas e perigosas.
A Convenção definiu como discriminação racial “toda a distin-
ção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, des-
cendência, origem nacional ou étnica que tenha por objetivo ou re-
sultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em
igualdade de condições de direitos humanos e liberdades funda-
mentais nos campos político, econômico, social, cultural, ou em qual-
quer outro campo da vida pública”.
A Convenção criou um Comitê sobre a Eliminação da Discrimi-
nação Racial – CERD para acompanhar seu cumprimento pelos Es-
tados-Partes signatários desse importante instrumento de direitos
humanos. Esses países devem apresentar a este Comitê, para apre-
ciação, um Relatório sobre as medidas adotadas para tornar efetiva
a aplicação do conteúdo da Convenção.
O Comitê destaca, dentre os direitos declarados na Convenção e
particularmente relevantes para a proteção dos direitos sexuais e
reprodutivos, aqueles que tratam:
a) do direito à liberdade e segurança da pessoa (artigo 5, letra b);
b) do direito à igualdade no acesso à saúde (artigo 5, letra e, n. IV);
c) do direito à educação (artigo5, letra e V, e artigo 7);
d) do direito à igualdade no casamento e na constituição da família
(artigo 5, letra d, IV).
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PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS – 1966
Adotado pela Resolução n. 2.200-A da Assembléia das Nações Uni-
das, em 16 de dezembro de 1966, esse Pacto consagra o direito à
autodeterminação dos povos e compromete os Estados-Partes que o
ratificaram a garantir os direitos nele enunciados a todos os indiví-
duos que se encontrem em seus territórios e que estejam sujeitos à
sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor,
sexo, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outra nature-
za, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou
qualquer outra situação.
Dentre os direitos nele protegidos estão: o direito à vida, à inte-
gridade física, à liberdade, à igualdade, incluindo a igualdade no
matrimônio, à vida privada e à intimidade, e à segurança pessoal,
dentre outros direitos de cidadania.
Declara o direito da participação dos cidadãos na condução dos
assuntos públicos, o que implica o direito de votar e ser votado em
eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e
igualitário, e por voto secreto. Garante, também, direitos relativos à
criança, incluindo o direito ao nome e à nacionalidade e proibindo
qualquer discriminação.
Tal como as demais Convenções, o Pacto prevê em seu artigo 28
a constituição de um Comitê perante o qual os Estados-Partes sig-
natários devem submeter, periodicamente, relatórios apontando os
avanços na sua implementação e destacando as dificuldades en-
contradas para o seu pleno funcionamento.
O Comitê do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos tem destacado
recomendações e apresentado comentários gerais sobre os direitos
nele previstos, que incidem decisivamente nos direitos sexuais e nos
direitos reprodutivos, dentre os quais:
a) o direito à vida4 (artigo 6);
4 CCPR, General Comment 6, 1982, The Right to Life (Art. 6).
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b) o direito à liberdade e à segurança5 (artigo 6);
c) o direito à liberdade de expressão6 (artigos 18 e 19 );
d) o direito ao respeito da privacidade (artigo 17);
e) o direito ao casamento e à constituição de família, à proteção da
honra e da reputação 7 (artigo 23);
f) o direito à igualdade entre homens e mulheres8 (artigo 3);
g) o direito de se ver livre de tratamento desumano ou degradante
(artigo 7).
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS,
SOCIAIS E CULTURAIS – 1966
Adotado pela Resolução n. 2.200-A da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 16 de dezembro de 1966, esse Pacto, de conformidade
com os princípios proclamados na Declaração de Direitos Huma-
nos, de 1948, tem como princípio o reconhecimento da dignidade
inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos
iguais e inalienáveis, que constituem o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo.
O Pacto reconhece que a realização do ideal dos seres humanos
livres, libertos do temor e da miséria, só pode ser concretizado atra-
vés de condições que permitam a cada um gozar de seus direitos
econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e
políticos.
Tal como o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, enuncia em seu
artigo 1º que todos os povos têm direito à autodeterminação, o que
5 CCPR, General Comment 8, 1982, Right to liberty and security of persons (Art. 9).
6 CCPR, General Comment 10, 1983, Freedom of expression (Art. 19).
7 CCPR. General Comment, 28, 2000, Equality of rights between men and women
(article 3), CCPR/C/21/Rev.1/Add.10.
8 CCPR. General Comment, 28, 2000, Equality of rights between men and women
(article 3), CCPR/C/21/Rev.1/Add.10.
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significa que têm direito a escolher livremente seu estatuto político
que assegure seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Estimula a cooperação internacional ao comprometer os Estados-
Partes, signatários do Pacto, a adotarem políticas que visem a cola-
boração nos planos econômico e técnico.
Esse instrumento internacional de proteção aos direitos huma-
nos obriga os Estados-Partes a assegurarem a homens e mulheres
igualdade no gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais. Den-
tre os que dizem respeito mais especificamente à proteção dos direi-
tos sexuais e dos direitos reprodutivos, referem-se: à igualdade no
atendimento à saúde; no acesso ao progresso científico e à educa-
ção; nas relações conjugais e de família; no direito à não discrimina-
ção por motivos de classe social, idade, raça/etnia, dentre outros.
Em seu artigo 16, o Pacto estabelece o compromisso dos Esta-
dos-Partes de apresentarem Relatórios periódicos ao Conselho Eco-
nômico e Social para exame do cumprimento das disposições nele
estabelecidas. Este Conselho, pelo artigo 19, poderá encaminhar à
Comissão de Direitos Humanos, nos casos de violação ou
descumprimento, para fins de estudo e de recomendação de ordem
geral, os relatórios apresentados pelos Estados-Partes.
Dentre os artigos particularmente relevantes para a proteção dos
direitos sexuais e reprodutivos, destacam-se aqueles que tratam:
a) da igualdade em relação à saúde (artigo 12);
b) do direito à vida e à segurança (artigo 6);
c) do direito de estar livre a tratamento desumano ou degradante
(artigo 7);
d) do direito à liberdade e à segurança da pessoa (artigo 9);
e) do direito à proteção contra interferência ilegal na privacidade,
na família e na casa (artigo 17);
f) do direito ao casamento e à constituição da família (artigo 23);
g) do direito à igualdade diante da lei e igualdade de proteção (ar-
tigo 26).
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CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS
DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER – 1979
Desde 1975, quando da 1ª Conferência Mundial da Mulher, realiza-
da no México, as Nações Unidas, reconhecendo a grave situação
social das mulheres em todo mundo e acatando as críticas e deman-
das do movimento feminista, consideraram fundamental empreen-
der esforços para mudar o quadro de discriminações nas leis e nas
práticas sociais.
A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discri-
minação contra as Mulheres9, aprovada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas através da Resolução 34/180, em 18 de dezembro de
1979, foi elaborada a partir dos resultados desta Conferência, com o
objetivo de dar visibilidade e tratar concretamente de uma ampla
gama de temas relacionados ao reconhecimento da igualdade de
direitos entre homens e mulheres nas esferas política, econômica,
social e familiar.
Além disso, reconheceu direitos relativos à capacidade civil, à
nacionalidade, à seguridade social, à saúde, em especial à saúde
reprodutiva, à habitação e às condições de vida adequadas, à liber-
dade de escolha de esponsais e à idade mínima para o casamento,
dentre outros direitos10. Os Estados-Partes comprometeram-se, tam-
bém, ao assinar essa Convenção, a adotar medidas para suprimir
todas as formas de tráfico de mulheres e exploraçãoda prostituição.
Por este instrumento legal, a Assembléia Geral das Nações Uni-
das reconheceu que a discriminação contra as mulheres viola os prin-
cípios da igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana,
além de constituir obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade
e da família, e, dificultar o desenvolvimento das potencialidades das
mulheres.
9 Barsted, 2001.
10 Adiantou-se, assim, às questões que foram tratadas, em 1989, na Convenção dos Di-
reitos da Criança, que considerou o casamento de uma criança sem efeito legal.
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Para acompanhar e avaliar a implementação da Convenção pe-
los Estados-Partes, e os progressos alcançados na sua aplicação, as
Nações Unidas determinaram, no artigo 17 desta Convenção, a cria-
ção de um Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a
Mulher – CEDAW. Os Estados-Partes comprometeram-se a subme-
ter a este Comitê, um ano após a entrada em vigor da Convenção,
um Relatório sobre as medidas adotadas para tornar efetivo o seu
conteúdo. A cada quatro anos, esse Relatório deverá ser atualizado
e, mais uma vez, apresentado para exame do Comitê.
Em 1993, reforçando essa Convenção, as Nações Unidas, na
Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena,
reiteraram explicitamente que “os direitos das mulheres são direitos
humanos” e que devem ser protegidos pelos Estados-Partes através
da promoção de leis e de políticas públicas efetivas.
Dando um maior alento a esse processo de reconhecimento e de
titularidade de direitos, em 1999, a 54ª Sessão da Assembléia Geral
das Nações Unidas aprovou um Protocolo Opcional a essa Conven-
ção, objetivando tornar o Comitê sobre a Eliminação da Discrimina-
ção contra a Mulher – CEDAW mais eficaz, aumentando a efetiva
proteção aos direitos humanos das mulheres. Além de conferir ao
Comitê competência para receber denúncias de violações de direitos
humanos das mulheres, o Protocolo Opcional é uma espécie de legis-
lação processual que dinamiza o texto da Convenção, estabelecendo
os procedimentos necessários para a apresentação de denúncias.
O Comitê, a partir da análise dos Relatórios apresentados pelos
Estados-Partes, tem destacado algumas questões e grupos de mu-
lheres mais fortemente atingidos pela discriminação de gênero. Apon-
ta, por exemplo, para a precariedade dos dados estatísticos relativos
à situação das mulheres em diversos países11; destaca a grave ma-
nutenção da prática da mutilação genital feminina comum em dis-
tintos Estados-Partes12, bem como a situação das mulheres que
11 CEDAW, General Recommendation n.12, 1989, Violence against women.
12 CEDAW, General Recommendation n.14, 1990, Female circumcision.
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vivem com HIV/Aids13. Aponta, ainda, a situação das mulheres por-
tadoras de deficiências no que se refere à necessidade de cuidados
específicos de saúde14; chama atenção para a permanência, em gran-
de número de países-membros das Nações Unidas, da violência con-
tra as mulheres e sua repercussão sobre sua saúde física, mental e
sexual15; reforça a necessidade da promoção e reconhecimento le-
gal da igualdade entre os homens e as mulheres nas relações conju-
gais e de família16.
Dentre os artigos da Convenção particularmente relevantes para
a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos, destacam-se aqueles
que tratam:
a) da igualdade de direitos no campo da saúde (artigo 11, inciso 1,
letra f; artigo 12; artigo 14, inciso 2, letra b);
b) da igualdade de direito para receber informações (artigo 10, le-
tra e; artigo 14, letra b; artigo 16, letra 3);
c) do direito igual à educação (artigo 5, letra b; artigo 10; artigo 14,
inciso 2, letra d; artigo 16, letra e);
d) da igualdade de direitos no casamento e na constituição da fa-
mília (artigo 16);
e) da igualdade de direitos na vida privada e familiar (artigo 16);
f) do direito à não discriminação por motivo de sexo (toda a Con-
venção, explicitamente os artigos 1 a 5);
g) do direito à liberdade e segurança da pessoa (artigos 1 e 6).
13 CEDAW, General Recommendation n.15, 1990, Avoidance of discrimination against
women in national strategies for the prevention and control of acquired immunodeficiency
syndrome (AIDS).
14 CEDAW, General Recommendation n.18, 1991, Disabled women.
15 CEDAW, General Recommendation n.19, 1992, Violence against women.
16 CEDAW, General Recommendation n.21, 1994, Equality in marriage and family
relations.
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CONVENÇÃO INTERNACIONAL CONTRA A TORTURA
E OUTROS TRATAMENTOS OU PUNIÇÕES CRUÉIS, DESUMANOS
OU DEGRADANTES – 1984
Essa Convenção foi adotada através da Resolução n. 39/46, da As-
sembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984.
A Convenção define como tortura “qualquer ato pelo qual dores
ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencional-
mente a uma pessoa a fim de obter dela ou de terceira pessoa, infor-
mações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pes-
soa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar
ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo
baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores
ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra
pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou
com o seu consentimento ou aquiescência...”.
A Convenção criou um Comitê para acompanhar seu cumpri-
mento pelos Estados-Partes signatários perante o qual os países sig-
natários deverão apresentar, para apreciação, Relatório sobre as
medidas que adotaram para tornar efetiva sua aplicação, e reapre-
sentá-lo a cada quatro anos.
As recomendações deste Comitê são particularmente relevantes
para a proteção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, pois
reconhecem as violências e abusos sexuais contra prisioneiros(as),
minorias étnicas/raciais, tráfico de mulheres e outros delitos de na-
tureza sexual, como atos de tortura e tratamento desumano e degra-
dante. Dentre os artigos da Convenção que se relacionam com a
questão dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, destacam-
se aqueles que tratam:
a) do direito à vida e a tratamento digno em quaisquer circunstân-
cias (todos os artigos);
b) do direito à segurança pessoal (artigos 1 e 2);
c) do direito à não discriminação (artigo 1);
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d) do direito de buscar e receber informações (artigo 6, parágrafo 3);
e) do direito à indenização e reparação dos danos sofridos (artigo 14).
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA – 1989
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assem-
bléia Geral das Nações Unidas através da resolução n. L.44, em 20
de novembro de 1989. Como as demais, a Convenção criou um Co-
mitê sobre os Direitos das Crianças para acompanhar o cumprimen-
to pelos Estados-Partes da lei internacional, obrigando-os à apre-
sentação de relatórios periódicos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança é um importante ins-
trumento de proteção dos direitos humanos das crianças e adoles-centes, de ambos os sexos, e supera, definitivamente, concepções
que consideram esse grupo etário como objeto de intervenção da
família, do Estado e da sociedade.
Essa Convenção apresenta importantes dispositivos, apoiados em
dois princípios básicos:
a) o reconhecimento de que as crianças e os adolescentes, de am-
bos os sexos, são sujeitos plenos de direito, em peculiar condição
de desenvolvimento, merecedores de respeito, dignidade e li-
berdade;
b) o reconhecimento de que crianças e adolescentes, de ambos os
sexos, são pessoas que necessitam de cuidados especiais.
Tais princípios implicam tanto na rejeição do conceito de crian-
ça e adolescente como objeto passivo de intervenção por parte do
Estado, da família e da sociedade, como na afirmação de que as
crianças e os adolescentes, de ambos os sexos, além de todos os di-
reitos de que desfrutam os adultos, têm direitos específicos.
Dessa forma, a Convenção introduziu no plano normativo in-
ternacional o valor intrínseco da criança e do adolescente como
ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição
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de pessoa em desenvolvimento; o reconhecimento como sujei-
tos de direitos e a sua prioridade absoluta nas políticas públicas17.
O reconhecimento pelas Nações Unidas da criança e do adoles-
cente como sujeitos sociais, portadores de direitos e garantias pró-
prias, independentes de seus pais e/ou familiares e do próprio Esta-
do, foi a grande mudança de paradigma que estabeleceu obrigações
diferenciadas para o Estado, para as famílias e para a sociedade em
geral18.
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi, ao longo da déca-
da de 1990, reforçada por inúmeros documentos das Nações Uni-
das, incluindo declarações e planos de ação do ciclo de conferênci-
as sobre direitos humanos desta década, que reconheceram para as
crianças e adolescentes a titularidade de direitos em diversos cam-
pos, como o direito à saúde, incluindo o direito à proteção da saúde
sexual e da saúde reprodutiva19.
O Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança tem
se destacado por sua constante atuação em prol dos direitos huma-
nos das crianças e dos adolescentes.
Dentre os artigos dessa Convenção particularmente relevantes
para a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos, destacam-se
aqueles que tratam:
a) do direito à vida e à sobrevivência (artigo 6);
b) do direito à liberdade e à segurança pessoal (artigo 37,
letras b-d);
c) do direito à igualdade em relação à saúde (artigo 24);
d) do direito de buscar e receber informações (artigos 12, 13 e 17);
e) do direito à educação (artigos 28 e 29);
f) do direito à vida privada e familiar (artigo 16);
g) do direito à não discriminação por motivo de sexo (artigo 2,
inciso 1);
17 Ventura e Chaves Jr., 2003.
18 Ventura e Chaves, 2003, opus cit.
19 Ventura e Chaves, 2003, opus cit.
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h) do direito à não discriminação por qualquer motivo, tais como
idade ou por ser portadora de deficiência (artigo 2, inciso 2).
PLANO DE AÇÃO DA CONFERÊNCIA MUNDIAL DE POPULAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO, CAIRO20 – 1994
A Conferência Mundial de População e Desenvolvimento, realizada
no Cairo, em 1994, introduziu no seu Plano de Ação um novo para-
digma para o debate sobre população, deslocando a questão
demográfica para o campo das questões relativas aos direitos huma-
nos e, mais especificamente, para o âmbito do respeito aos direitos
reprodutivos como direitos humanos21. Esse Plano de Ação, apesar
de não ter força de lei, como as Convenções e os Pactos, possui po-
der normativo porque interpreta e traça diretrizes para implementa-
ção das leis internacionais no campo das políticas públicas.
Em 1992, quando da realização, no Rio de Janeiro, da Conferên-
cia das Nações Unidas sobre Meio-ambiente e Desenvolvimento,
ficou clara a existência de uma forte reação, particularmente dos
grupos e organizações de mulheres, à visão autoritária e controlista
sobre as questões relacionadas à população e ao desenvolvimento.
Tais grupos destacaram que as causas da produção da pobreza estão
nos modelos de desenvolvimento excludentes, e que não podem ser
corrigidos pela simples redução da população pobre.
O Plano de Ação do Cairo fez um diagnóstico da situação mun-
dial no que se refere às relações entre população e desenvolvimen-
to, com ênfase especial na situação das mulheres e das meninas, e
no papel dos homens diante das responsabilidades familiares, parti-
cularmente no campo da reprodução. O Plano aponta ainda para os
20 Barsted, 1999a.
21 As Conferências anteriores, realizadas em Bucareste (1974) e no México (1984),
enfatizaram a necessidade de limitar o crescimento populacional, sobretudo nos paí-
ses em desenvolvimento, como forma de combater a pobreza e a desigualdade social.
A Conferência do Cairo abandonou essa perspectiva.
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impactos diferenciados, sobre homens e mulheres, dos efeitos de
processos sociais, econômicos, culturais, políticos e ambientais.
Aprofundando, portanto, os princípios defendidos no Pacto dos Di-
reitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Este Plano definiu como base dos programas de população e
desenvolvimento a promoção da eqüidade e da igualdade entre os
sexos, e a promoção dos direitos das mulheres, assim como a elimi-
nação de todo tipo de violência contra as mulheres, de modo a asse-
gurar que sejam elas que controlem a sua própria fecundidade, sem
qualquer forma de coação.
O Plano de Ação incluiu ainda, como um de seus princípios, o
direito de toda pessoa usufruir, no mais alto nível possível, de saúde
física e mental, e o dever dos Estados-Partes de adotarem todas as
medidas necessárias para assegurar, em condições de igualdade entre
homens e mulheres, em todos os seus ciclos de vida, o acesso uni-
versal aos serviços de atenção médica, incluídos aqueles relaciona-
dos à saúde reprodutiva e à saúde sexual, afirmando que não de-
vem exercer nenhuma forma de coação ou estabelecer condição para
prestar atendimento.
PLATAFORMA DE AÇÃO DA IV CONFERÊNCIA MUNDIAL
DA MULHER, PEQUIM22 – 1995
A IV Conferência Mundial da Mulher, realizada pelas Nações Uni-
das em Pequim, China, em 1995, aprovou uma Declaração e uma
Plataforma de Ação com a finalidade de fazer avançar os objetivos
de igualdade, desenvolvimento e paz para todas as mulheres, refor-
çando o Plano de Ação do Cairo. Essa Plataforma de Ação, tal como
o Plano de Cairo, apesar de não ter força de lei, como as Convenções
e os Pactos, possui poder normativo porque interpreta e traça dire-
trizes para implementação das leis internacionais no campo das po-
líticas públicas.
22 Barsted, 1999a, opus cit.
A Conferência de Pequim foi a última Conferência Mundial da
Mulher do século XX. Sua realização foi precedida pelas Conferên-
cias Mundiais da Mulher realizadas em 1975 e em 1985, respecti-
vamente no México e em Nairóbi. A Conferência de Pequim benefi-
ciou-se dos avanços conquistados na Conferência de Direitos Hu-
manos (Viena, 1993) e na Conferência Mundial de População e De-
senvolvimento (Cairo, 1994), bem como do rico debate produzido
pelo ciclo de Conferências sobre desenvolvimento social promovido
pelas Nações Unidas ao longo de toda a década de 1990.
 Tal como naConferência do Cairo, o movimento de mulheres
articulou-se internacionalmente para que as Nações Unidas ratifi-
cassem as conquistas das Conferências anteriores e avançassem ain-
da mais em direção à definição de direitos e de estratégias necessá-
rias para a concretização da igualdade entre homens e mulheres e,
conseqüentemente, da cidadania das mulheres.
Um dos capítulos importantes da Plataforma de Pequim é o rela-
tivo à Mulher e Saúde, que trata de questões fundamentais, dentre
as quais o reconhecimento de direitos sexuais e de direitos reprodu-
tivos, incluindo a necessidade do abrandamento da legislação dos
Estados-Partes quanto à criminalização do aborto, considerado por
esse documento como um grave problema de saúde pública. Este
mesmo capítulo afirmou também o direito ao livre exercício da sexua-
lidade, complementando e reforçando o Plano de Ação do Cairo, de
1994.
O documento da IV Conferência Mundial da Mulher reconhece
os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e enfatiza a necessi-
dade da garantia da autodeterminação, da igualdade e da seguran-
ça sexual e reprodutiva das mulheres, direitos fundamentais para a
plena vivência da saúde sexual e reprodutiva feminina. Criou, tam-
bém, deveres para os Estados-Partes no que se refere ao reconheci-
mento e proteção de tais direitos.
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Responsabilidade internacional do Estado
na implementação dos direitos humanos
MECANISMOS DE GARANTIA E
PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
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Os tratados internacionais de direitos humanos, denominadosconvenções e pactos, são ratificados no pleno e livre exercí-cio da soberania dos Estados, gerando obrigações e respon-
sabilidades no campo internacional e nacional. Esses documentos
são resultado e expressão de um consenso entre países que os ela-
boram e assinam.
A aceitação consensual pelos Estados é condição para a valida-
de dos Tratados, que, como previsto no art. 52 da Convenção de
Viena, serão nulos se a adesão for obtida mediante ameaça ou o uso
da força, pois violam os princípios de Direito Internacional consa-
grados pela Carta das Nações Unidas.
Os tratados internacionais de direitos humanos se regem por dois
princípios básicos:
a) O princípio da boa fé serve como critério para avaliação do cum-
primento pelos Estados-Partes das obrigações assumidas na es-
fera internacional. Significa que os países devem ser leais aos
compromissos assumidos, buscando adequar seu ordenamento
interno às normas internacionais e implementar ações e políti-
cas que favoreçam a plena realização dos direitos reconhecidos.
A partir desse princípio, pode-se afirmar que a responsabilidade
dos Estados-Partes não se limita à ratificação ao tratado, mas a
realização de ações concretas que traduzam a vontade política
de implementá-las nacionalmente;
b) O princípio da prevalência da norma mais favorável à vítima foi
consolidado por declarações e tratados internacionais de direi-
tos humanos, tanto no âmbito global quanto nos âmbitos regio-
nais. Esse princípio visa resolver as contradições normativas, seja
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entre duas normas internacionais, seja entre uma norma inter-
nacional e uma norma nacional, substituindo princípios tradicio-
nais de solução de antagonismos entre normas legais.
Os critérios pautados pela lógica interpretativa fundamentalmen-
te formal – a norma posterior substitui a anterior e a especial revoga
a geral que dispõe sobre a mesma matéria, sem considerar os valo-
res em jogo – é substituída por uma lógica interpretativa essencial-
mente material, orientada pela prevalência da norma que melhor pro-
teja a dignidade da pessoa, ou seja, pela prevalência da norma mais
favorável, que confira maior proteção e benefício à pessoa humana.
Um exemplo é a Convenção pela Eliminação da Discriminação
contra a Mulher, de 1979 que, em seu artigo 23, estipula que “nada
do disposto nesta Convenção prejudicará qualquer disposição que
seja mais propícia à obtenção da igualdade entre homens e mulhe-
res e que esteja contida: a) na legislação de um Estado-Parte; ou b)
em qualquer outra convenção, tratado ou acordo internacional vi-
gente nesse Estado”.
Esse princípio, portanto, obriga aos Estados-Partes a não revo-
garem normas de seu ordenamento interno que sejam mais benéfi-
cas à garantia dos direitos humanos, mesmo que estas sejam dife-
rentes das normas contidas nas Convenções e Pactos.
MECANISMOS DE GARANTIA E PROMOÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
De forma sucinta, pode-se afirmar que a existência de instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos envolve alguns ele-
mentos básicos:
a) a celebração de um consenso internacional sobre a necessidade
de adotar parâmetros mínimos de proteção aos direitos humanos,
estabelecendo para os Estados obrigações de fazer e de não fazer;
b) a criação de órgãos de proteção dos direitos humanos (ex: Comi-
tês, Comissões, Cortes internacionais);
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c) a criação de mecanismos internacional, regionais e nacionais,
que visem o cumprimento dos direitos humanos.
Os mecanismos internacionais de direitos humanos podem ser
divididos em duas categorias23: convencionais e não convencio-
nais. Os mecanismos convencionais são aqueles criados através dos
tratados de direitos humanos para fiscalizar o modo como os países
signatários cumprem as obrigações assumidas. Os órgãos responsá-
veis pela fiscalização são os Comitês de Direitos Humanos das Na-
ções Unidas.
Os não convencionais são mecanismos previstos nas resoluções
elaboradas por órgãos criados pela Carta das Nações Unidas, como
a Assembléia Geral, o Conselho Econômico e Social, e a Comissão
de Direitos Humanos24, dentre outros, e das agências especiali-
zadas.
O campo de ação dos Comitês das Nações Unidas criados a par-
tir dos Tratados difere do campo de ação da Comissão de Direitos
Humanos, por exemplo, “enquanto a comissão de Direitos Huma-
nos, o organismo baseado na Carta já mencionado, pode fiscalizar e
estabelecer princípios de direitos humanos em todos os países, o
trabalho dos comitês se aplica apenas aos Estados que ratificaram
ou aceitaram os diferentes Pactos”25.
O sistema global de proteção aos direitos humanos conta, por-
tanto, com mecanismos convencionais e não-convencionais diferen-
ciados, mas que não se excluem. Essa diversidade permite a escolha
do instrumento que melhor atenda o caso específico, levando-se em
consideração, por exemplo, ser ou não o Estado violador parte de
uma convenção determinada, haver ou não suficiente pressão polí-
tica para sensibilizar órgãos de proteção essencialmente políticos a
darem cumprimento as Convenções e Pactos, dentre outros.
23 Ver a respeito Schuler e Thomas, 2001, e Piovesan e Ikawa, 2002.
24 Ver sobre o assunto, site do Alto Comissariado de Direitos Humanos. Sub-Commission
onthe Promotion and Protection of Human Rights. http://www.unhchr.ch/html/menu2/2/
sc.htm, 19/7/2001.
25 Schuler e Thomas, 2001, opus cit, p.16.
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Apresentaremos aqui os mecanismos convencionais, consideran-
do que este trabalho concentra-se na análise das recomendações
dos Comitês das Nações Unidas produzidas a partir dos relatórios
apresentados pelos países, que constitui um dos mecanismos con-
vencionais.
Os Comitês das Nações Unidas, conhecidos como organismos
de fiscalização de tratados, são:
� O Comitê de Direitos Humanos, que fiscaliza o Pacto Internacio-
nal de Direitos Civis e Políticos;
� O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que fis-
caliza o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;
� O Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina-
ção Contra a Mulher, que fiscaliza a Convenção para a Elimina-
ção de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher;
� O Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina-
ção Racial, que fiscaliza a Convenção Internacional para a Eli-
minação de Todas as Formas de Discriminação Racial;
� Comitê a Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que fiscaliza a Convenção
contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, De-
sumanas ou Degradantes;
� Comitê dos Direitos da Criança, que fiscaliza a Convenções so-
bre Direitos das Crianças.
Os Comitês são integrados por experts, eleitos pelos Estados-Par-
tes. Esses experts são pessoas de reconhecida competência em ma-
téria de direitos humanos e devem servir ao Comitê de forma inde-
pendente e autônoma, e não como representantes do Estado.
Os Comitês são órgãos políticos ou “quase judiciais”, que avaliam
os cumprimentos dos tratados. Isto significa que as decisões dos
Comitês são de aconselhamento e recomendação, não tendo poder
de sanção e punição jurídica, mas apenas de caráter moral e político.
Porém, as decisões dos Comitês podem ter caráter judicial quan-
do os países ratificam Cláusulas e/ou Protocolos Facultativos às Con-
venções e Pactos, outorgando a esses organismos poderes dessa na-
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tureza. Há grande mobilização da sociedade civil organizada para
que os países adotem esses Protocolos Facultativos, considerando
que através deles são introduzidos mecanismos de garantia dos di-
reitos humanos mais eficazes.
Dentre os instrumentos para fiscalização dos Pactos e Conven-
ções, submetidos a esses organismos, destacam-se: a) os relatórios;
b) as comunicações interestatais; e c) as petições individuais.
a) Relatórios: Os relatórios são documentos que devem ser elabora-
dos periodicamente pelos Estados-Partes e dirigidos aos Comi-
tês e Comissões específicos de cada tratado de proteção de direi-
tos humanos. Seu conteúdo deve indicar as medidas legislativas,
administrativas e judiciais que foram ou estão sendo adotadas
pelo Estado com vistas a atender e implementar os dispositivos
do Tratado. Além disso, os países devem informar os fatores e
dificuldades enfrentados para que os Comitês possam avaliar os
esforços (a boa-fé) dos países na implementação das leis inter-
nacionais, bem como permitir que esses experts recomendem
medidas específicas e/ou prestem assistência especializada para
o enfrentamento do problema;
b) Comunicações interestatais: Essas comunicações constituem
denúncias de um Estado-Parte em relação a outro Estado-Parte,
concernentes a violações aos direitos humanos, e conforme enun-
ciado de um Tratado determinado. Este mecanismo vem usual-
mente previsto nos tratados sob a forma de cláusula facultativa,
exigindo que o país faça uma declaração específica, admitindo
sua utilização;
c) Petições internacionais: Pode-se afirmar que constituem a via mais
eficaz dentre os mecanismos previstos até o momento. Por elas,
na hipótese de violação de direitos humanos por algum Estado-
Parte, e respeitados determinados requisitos de admissibilidade
(como o esgotamento prévio dos recursos internos para solução
ou reparação da violação), é possível recorrer a instâncias inter-
nacionais competentes (Comitês, Cortes, Comissões), que pode-
rão adotar medidas que restaurem ou reparem os direitos então
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violados. O sistema de petições reconhece a capacidade proces-
sual internacional dos indivíduos e permite sua atuação direta
na esfera internacional, constituindo “um mecanismo de prote-
ção de marcante significação, além de conquista de transcen-
dência histórica”26. Este mecanismo, também, vem previsto nos
tratados sob a forma de cláusula facultativa, permitindo que o
país adote o Tratado mas não admita o mecanismo referido.
26 Cançado Trindade, 1991, opus cit., p. 8.
A titularidade dos direitos sexuais
e dos direitos reprodutivos
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A concepção de titularidade de direitos está inscrita na Decla- ração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Expressa a idéia de que todo indivíduo possui “direitos naturais” que de-
vem ser reconhecidos, respeitados e garantidos, obrigatoriamente,
pelos governos. Nesse sentido, a titularidade27 significa não só ter
direito mas, também, poder exercer esses direitos. Ou seja, para um
indivíduo ser titular de direitos é necessário um conjunto de condi-
ções que implicam tanto na existência de uma declaração formal
desses direitos, em leis nacionais e internacionais; na correspon-
dência entre esses direitos e os costumes, valores e comportamentos
sociais; e na implementação efetiva desses direitos; como na
introjeção dos mesmos nas representações sociais, incluindo o pró-
prio sentimento de titularidade.
A vivência da titularidade de direitos, em muitos dos Estados-
Partes, ainda é dificultada para homens e mulheres. No entanto,
pelo fato das mulheres terem obtido mais tardiamente o status de
cidadãs28, e de ainda estarem pouco representadas nas instâncias
de poder no Estado e na sociedade, estas são afetadas de forma mais
direta, tanto no que diz respeito às discriminações sociais, quanto
ao auto-reconhecimento de que são titulares de direitos, incluindo o
direito de terem direitos.
A eqüidade de gênero, portanto, é uma questão é central para a
efetividade dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. Confor-
27 A respeito da noção de titularidade de direitos, ver Petchesky e Judd (org), 1998. Ver
também Barsted, in Almeida, Soares, e Gaspary. (org.), 2002, p. 7-12.
28 O voto feminino só foi conseguido no século XX.
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me se depreende dos diversos Relatórios Nacionais apresentados
aos diferentes Comitês das Nações Unidas, as declarações formais
internacionais de direitosforam incorporadas aos ordenamentos ju-
rídicos de muitos Estados-Partes, porém, no que se refere às demais
condições para a concretização da titularidade de direitos, ainda vi-
goram distorções, contradições e discriminações, que ofuscam a
titularidade legal entre os diferentes sujeitos, em especial entre ho-
mens e mulheres29.
Essas desigualdades podem ser observadas nas estatísticas re-
lativas às dificuldades enfrentadas especialmente por estas últi-
mas no acesso ao trabalho, à renda, à ascensão profissional, aos
cargos de poder, bem como ao acesso aos serviços de saúde, em
especial de saúde sexual e reprodutiva, além da permanência da
violência doméstica e sexual, dentre outros indicadores de ausên-
cia de cidadania.
Quanto às representações sociais a respeito da titularidade de
direitos, constata-se a permanência dos estereótipos sexuais que tam-
bém inferiorizam especialmente as mulheres, e limitam o exercício
de seus direitos, frutos tanto de um desconhecimento real sobre os
direitos, como de impedimentos de fundamento religioso que impe-
dem o exercício dos direitos.
As ações propostas para incluir segmentos estigmatizados e ex-
cluídos socialmente geraram, na década de 1990, a noção de
empoderamento desses grupos, dentre os quais as mulheres. Esse
processo se traduziu nos avanços consolidados nos Programas de
Ação da Conferência Mundial de População e Desenvolvimento, e
da IV Conferência Mundial da Mulher, para designar a necessidade
de processos sociais capazes de aumentar as potencialidades de gru-
pos mais vulneráveis ou historicamente discriminados para superar
as discriminações.
O acesso a direitos sociais e a garantia de direitos individuais,
são elementos essenciais para o empoderamento desses grupos.
29 Ver a respeito Barsted, 2002, opus cit.
Nesse sentido, esses Programas e as diversas recomendações inter-
nacionais têm definido metas políticas como: a melhoria do acesso à
educação; ao trabalho em condições dignas; à assistência à saúde;
à redução da morbi-mortalidade materna, da violência doméstica e
sexual, dentre outras, que favoreçam a concretização e a afirmação
dos direitos sexuais e direitos reprodutivos.
 Além disso, as Nações Unidas têm atuado não só para ampliar o
conhecimento de todos os direitos humanos junto a legisladores,
gestores de políticas públicas e operadores do direito, mas também
no sentido de incentivarem as mulheres e outros grupos específicos
para a tomada de conhecimento e de consciência sobre seus direitos
e sua titularidade, visando sua mobilização para a efetivação prática
desses direitos.
É essa a essência do processo denominado de “empodera-
mento”, voltado para fortalecer a cidadania, em especial dos gru-
pos vulneráveis, a partir da conjugação de mudanças estruturais e
pessoais. Para os direitos sexuais e direitos reprodutivos na perspec-
tiva dos direitos humanos, é importante ter direitos formais, conhecê-
los, sentir-se titular desses direitos e mobilizar-se para exercer esses
direitos.
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Princípios dos direitos sexuais e reprodutivos
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Em 1994, na Conferência Internacional sobre População e De-senvolvimento, no Cairo, 184 Estados reconheceram os direi- tos reprodutivos e os direitos sexuais como direitos humanos30.
O Plano de Ação do Cairo recomenda à comunidade internacional
uma série de objetivos e metas, dentre as quais destacam-se:
a) o crescimento econômico sustentado como marco do desenvol-
vimento sustentável;
b) a educação, em particular das meninas;
c) a igualdade entre os sexos;
d) a redução da mortalidade neonatal, infantil e materna; e
e) o acesso universal aos serviços de saúde reprodutiva, em parti-
cular de planificação familiar e de saúde sexual.
Sob a perspectiva de relações eqüitativas entre os gêneros e na
ótica dos direitos humanos, o conceito de direitos sexuais e direitos
reprodutivos aponta em duas vertentes diversas e complementares.
De um lado, aponta para a dimensão individual desses direitos,
afirmando o direito à liberdade, privacidade, intimidade e autono-
mia, o que compreende a garantia do livre exercício da sexualidade
e da reprodução humana, sem qualquer tipo de discriminação, coer-
ção ou violência. Nesse sentido, consagra-se a liberdade de mulhe-
res e homens para decidirem quando e se desejam reproduzir-se.
Trata-se de uma dimensão onde se impõe a não interferência do
Estado na regulação ou controle da sexualidade e reprodução.
30 Em 1995, as Conferências internacionais de Copenhague (Cúpula Mundial de De-
senvolvimento Social) e Pequim (IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Desenvolvi-
mento e Paz) reafirmaram esta concepção.
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Por outro lado, o efetivo exercício dos direitos sexuais e dos di-
reitos reprodutivos de forma consciente, responsável e satisfatória,
demanda políticas públicas específicas que assegurem um conjunto
de direitos indispensáveis para seu livre exercício. Assim, os Esta-
dos-Partes devem garantir:
� acesso a informações e educação sexual e reprodutiva;
� serviços de saúde sexual e de saúde reprodutiva, acessíveis, se-
guros e adequados à toda população, incluindo o acesso ao pro-
gresso científico através da oferta de tratamentos e medicamen-
tos, que garantam o controle por homens e mulheres de sua
fecundidade;
� serviços social e legal de suporte para o exercício desses di-
reitos;
� políticas de segurança para coibir e eliminar todo tipo de vio-
lência;
� políticas que promovam e garantam a igualdade e eqüidade entre
os sexos, não permitindo a submissão das mulheres e meninas,
eliminando toda e qualquer discriminação sexual;
� políticas que promovam e estabeleçam a responsabilidade pes-
soal e social dos homens em relação ao seu comportamento se-
xual e fertilidade, e pelo bem-estar de suas companheiras e
filhos.
Essas são as principais obrigações assumidas pelos Estados sig-
natários Plano de Ação do Cairo: políticas públicas garantidoras dos
direitos reprodutivos com ênfase no direito à saúde sexual e repro-
dutiva, considerando a saúde não como mera ausência de enfermi-
dades e doenças, mas como a capacidade de desfrutar de uma vida
sexual segura e satisfatória e de reproduzir-se ou não, quando e com
a freqüência desejada.
Os direitos sexuais e os direitos reprodutivos invocam, assim,
“assunto de vida e morte, de grande satisfação e profundo sofrimen-
to, de paixão e frios cálculos, de intimidade e políticas sociais”31.
31 Dworkin, 1994.
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Apresentados os delineamentos conceituais dos direitos sexuais
e reprodutivos, importa fixar, como ponto de partida, os princípi-
os destes direitos na concepção contemporânea dos direitos hu-
manos.
a) o princípio da universalidade;
b) o princípio da indivisibilidade;
c) o princípio da diversidade; e
d) o princípio democrático.
Os princípios são sínteses dos valores éticos e jurídicos contidos
nas diversas leis nacionais e internacionais.

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