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ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 1 RESUMO FARMACOLOGIA I RESUMO DO LIVRO FARMACOLOGIA DA ANALGESIA Todos nós já experimentamos dor em resposta a um estímulo intenso ou nocivo. Essa dor fisiológica nos ajuda a evitar uma possível lesão, atuando como alerta precoce ao sinal protetor. Entretanto, a dor também pode ser incapacitante, como a que ocorre após traumatismo, durante a recuperação de uma cirurgia ou em associação a afecções clínicas caracterizadas por inflamação, como a artrite reumatóide. Em circunstâncias nas quais há lesão tecidual e inflamação, os estímulos nocivos provocam dor mais intensa do que o normal, devido a um aumento na excitabilidade do sistema somatossensorial, e estímulos que normalmente não causariam dor tornam-se dolorosos. Fisiologia A dor é a consequência perceptual final do processamento neural de determinada informação sensorial. Em geral, o estímulo inicial surge na periferia e é transferido, sob múltiplos controles, através de transmissores sensoriais no sistema nervoso central (SNC) até o córtex. Esse sistema pode ser convenientemente analisado em termos dos locais de ação onde os fármacos intervêm para produzir analgesia. Em primeiro lugar, à transdução de estímulos nocivos externos e intensos despolariza as terminações nervosas periféricas de neurônios sensoriais primários de “alto limiar”. Os neurônios sensoriais primários, denominados nociceptores pelo fato de responderem a estímulos nocivos, são de alto limiar, uma vez que necessitam de um forte estímulo capaz de lesar potencialmente o tecido para a despolarização de suas terminações nervosas. Os potenciais de ação resultantes são conduzidos até o SNC pelos axônios dos neurônios sensoriais aferentes primários, seguindo o seu trajeto inicialmente nos nervos periféricos e, a seguir, nas raízes dorsais que, em seguida, fazem sinapse em neurônios no corno dorsal da medula espinal. Os neurônios de projeção secundários transmitem a informação ao tronco encefálico e ao tálamo que, a seguir, transmitem sinais ao córtex, hipotálamo e sistema límbico. A transmissão é modulada em todos os níveis do sistema nervoso por interneurônios inibitórios e excitatórios remotos e de circuito local. Regulação inibitória local e descendente na medula espinal A transmissão sináptica na medula espinal é regulada pelas ações interneurônios inibitórios locais e projeções que descem do tronco encefálico para o corno dorsal. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 2 RESUMO FARMACOLOGIA I Como esses sistemas podem limitar a transferência da informação sensorial para o cérebro, eles representam um importante local de intervenção farmacológica. Os principais neurotransmissores inibitórios no corno dorsal da medula espinal são os peptídios opioides, a norepinefrina, a serotonina (5-HT), a glicina e o GABA. Os peptídios opioides inibem a transmissão sináptica e são liberados em vários locais do SNC em resposta a estímulos nocivos. Todos os peptídios opioides endógenos, que incluem a β-endorfina, as encefalinas e as dinorfinas, compartilham a mesma sequência N-terminal. Os opioides são liberados proteoliticamente das proteínas precursoras maiores, a pró-opiomelanocortina, a proencefalina e a prodinorfina. Os receptores opioides são divididos em três classes μ, κ e δ que possuem receptores acoplados à proteína G. Os receptores opióides μ medeiam a analgesia induzida pela morfina. Os peptídios opioides endógenos são seletivos para seus receptores; as dinorfinas atuam primariamente sobre os receptores κ, enquanto tanto as encefalinas quanto a β-endorfina atuam sobre os receptores μ e δ. Os efeitos da sinalização dos receptores opioides consistem em redução da condução de cálcio pré-sináptica, aumento da condutância pós-sináptica de potássio e redução da atividade da adenil ciclase. A primeira função impede a liberação pré-sináptica de neurotransmissores; a segunda reduz as respostas neuronais pós-sinápticas a neurotransmissores excitatórios; e o papel fisiológico da última permanece desconhecido. Os opioides produzem analgesia através de sua ação no cérebro, no tronco encefálico, na medula espinal e nas terminações periféricas dos neurônios aferentes primários. No cérebro, os opióides alteram o humor, produzem sedação e diminuem a reação emocional à dor. A norepinefrina é liberada por projeções que descem do tronco encefálico para a medula espinal. O receptor α2-adrenérgico, um receptor acoplado à proteína G que, constitui o principal receptor da norepinefrina na medula espinal. A exemplo da ativação dos receptores opióides, a ativação dos receptores α2-adrenérgicos abre os canais de potássio pós-sinápticos, inibe os canais de cálcio pré-sinápticos regulados por voltagem e também inibe a adenil ciclase. Devido à expressão tanto pré-sináptica quanto pós-sináptica dos receptores α2-adrenérgicos, a liberação de norepinefrina espinal pode reduzir a liberação das vesículas pré-sinápticas e também diminuir a excitação pós-sináptica. A serotonina também é liberada na medula espinal por projeções que descem do tronco encefálico. Esse neurotransmissor atua sobre vários subtipos de receptores, que medeiam efeitos tanto excitatórios quanto inibitórios sobre a nocicepção. O canal regulado pelo ligante 5-HT3 (de serotonina) pode ser responsável pelas ações excitatórias da serotonina na medula espinal. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina foram testados no tratamento da dor, porém, de modo geral, tiveram pouco efeito benéfico. Os inibidores seletivos da recaptação de norepinefrina (NE) exercem uma ação analgésica. O tramadol, um opióide de ação central fraco, também possui ações monoaminérgicas e é amplamente utilizado no tratamento da dor leve. Sua eficácia relativamente fraca como agente isolado aumenta quando associado com acetaminofeno, e a ausência de potencial de abuso torna esse fármaco atraente para prescrição. Outros compostos também desempenham papéis reguladores na medula espinal. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 3 RESUMO FARMACOLOGIA I Fisiopatologia O circuito de processamento da dor descrito anteriormente é responsável pela produção de dor nociceptiva aguda, uma sensação adaptativa fisiológica produzida apenas por estímulos nocivos que atua como sinal de alerta ou protetor. Existem algumas situações clínicas, como traumatismo agudo, trabalho de parto ou cirurgia, em que é necessário controlar a dor nociceptiva. Nessas circunstâncias, a via da dor pode ser interrompida pelo bloqueio da transmissão com anestésicos locais ou pela administração de opióides em altas doses. Os opióides podem ser de ação rápida, como o remifentanil (fentanil) para uso intra-operatório, ou de ação mais lenta, como a morfina; quando administrada no perioperatório, a morfina mantém a sua atividade para o controle da dor no pós-operatório. Tanto a inflamação periférica quanto a lesão do sistema nervoso produzem dor, que se caracteriza por hipersensibilidade a estímulos nocivos e inócuos e por dor espontânea que surge na ausência de qualquer estímulo óbvio. A compreensão dos mecanismos responsáveis por esses tipos de dor clínica irá facilitar tanto o uso apropriado dos fármacos atualmente disponíveis quanto o desenvolvimento de novos agentes terapêuticos. Dor Clínica O tratamento ideal da dor deve basear-se na identificação e atuação sobre os mecanismos precisos da dor que operam em determinado paciente. Entretanto, as síndromes de dor clínica podem envolver uma combinação de mecanismos, e existem poucos instrumentos diagnósticos disponíveis para identificar quais os mecanismos particulares responsáveis. Pode ser complicado tratar as condições de dor crônica, e o tratamento efetivo exige habitualmente o uso de múltiplos fármacos (polifarmácia) paraobter o efeito terapêutico ideal e reduzir os efeitos adversos. As condições de dor inflamatória crônica exigem o uso de fármacos que reduzem a resposta inflamatória; esses agentes podem corrigir os distúrbios inflamatórios subjacentes (tratamento modificador da doença) e também reduzir a dor. Por exemplo, os agentes antiinflamatórios não-esteróides (AINE) constituem a primeira linha de tratamento para a artrite reumatóide. Ao reduzir a inflamação, essa intervenção pode diminuir a liberação de ligantes químicos que sensibilizam as terminações nervosas periféricas e, portanto, impedir a sensibilização periférica. Outros tratamentos antiinflamatórios modificadores da doença, que também podem reduzir a dor, incluem inibidores das citocinas ou agentes seqüestradores. Os principais agentes utilizados no tratamento da maioria das condições de dor neuropática ou disfuncional não-inflamatórias não são geralmente modificadores da doença, visto que os processos mórbidos subjacentes não são conhecidos (p. ex., fibromialgia) ou mostram-se refratários aos tratamentos atualmente disponíveis (p. ex., dor neuropática). A dor neuropática associada a lesão do tecido nervoso periférico, lesão da medula espinal ou acidente vascular cerebral necessita comumente do uso de diversos agentes para aliviar os sintomas da dor. Em geral, na dor não-maligna, os opióides têm sido utilizados como último recurso, devido a seus efeitos adversos e ao potencial de desenvolvimento de tolerância e dependência física. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 4 RESUMO FARMACOLOGIA I Todavia, nesses últimos anos, os opióides têm sido cada vez mais utilizados no manejo da dor crônica não associada ao câncer, apesar dos riscos de induzir um comportamento de busca da droga numa população bastante grande de pacientes, bem como de favorecer a oportunidade de desvio das drogas para uso ilícito. A dor aguda intensa causada por lesão ou inflamação é habitualmente tratada com opióides, tramadol e AINE de ação rápida. Por exemplo, a dor que ocorre em caso de fratura pode ser aliviada efetivamente pelo opióide remifentanila, cuja ação e depuração são rápidas. Um procedimento cirúrgico mais sério, envolvendo lesão tecidual que leva tempo para cicatrizar, pode exigir o uso de agentes e ação mais longa para controlar a dor no pós-operatório. As condições de dor inflamatória aguda, como a pancreatite, são freqüentemente tratadas com morfina. Sensibilização Periférica Diversos estímulos periféricos podem induzir os neurônios aferentes primários a baixar seus limiares de ativação e aumentar a sua responsividade. Essas alterações, que constituem a sensibilização periférica, podem resultar em alodinia, em que estímulos normalmente inócuos são percebidos como dolorosos, e em hiperalgesia, em que estímulos de alta intensidade são percebidos como mais dolorosos do que o habitual no local de lesão (zona de hiperalgesia primária). Os mecanismos responsáveis pela hiperalgesia primária envolvem alterações diretas na transdução, bem como alterações indiretas induzidas pela liberação de moléculas efetoras. Os principais efetores conhecidos que produzem sensibilização periférica são os mediadores inflamatórios bradicinina, prótons, histamina, prostaglandina E2 e fator de crescimento do nervo (NGF). Os mediadores químicos sensibilizadores atuam sobre receptores acoplados à proteína G ou tirosinocinases de receptores expressos nas terminações nervosas periféricas e neurônios nociceptivos. Ocorre ativação da fosfolipase C, fosfolipase A2 e adenil ciclase em resposta à ativação dos receptores acoplados à proteína G, como os receptores de bradicinina, prostaglandina E2 e adenosina. Por sua vez, essas enzimas de sinalização geram mediadores e ativam a proteinocinase A (PKA) e a proteinocinase C (PKC). A proteinocinase A fosforila o canal de sódio regulado por voltagem, resultando diminuição de seu limiar de ativação e aumento da corrente que passa quando o canal se abre. A proteinocinase C fosforila, reduzindo, assim, o seu limiar e, em consequência, aumentando a resposta das terminações nervosas periféricas a estímulos de calor. Além da intensificação da resposta periférica causada por um evento externo que produz inflamação, as próprias terminações nervosas periféricas podem contribuir para a inflamação (o componente neurogênico da inflamação). A despolarização e os estímulos químicos induzem a liberação de neuropeptídios, como a substância P e o CGRP, das terminações nervosas periféricas dos aferentes primários. Essa liberação periférica de neuropeptídios provoca vasodilatação e aumenta a permeabilidade capilar, contribuindo para a reação de pápula e eritema à lesão tecidual. Além disso, os neuropeptídios induzem a liberação de histamina e TNF-α pelas células inflamatórias. O recrutamento e a ativação dos granulócitos, bem como o aumento no diâmetro dos capilares locais e da permeabilidade ao plasma, resultam em resposta inflamatória no local da terminação nervosa periférica excitada. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 5 RESUMO FARMACOLOGIA I A sensibilização periférica constitui um importante alvo para a farmacologia clínica da dor. Os AINEs são os fármacos mais amplamente utilizados no tratamento da dor. Através da inibição da atividade das enzimas ciclo-oxigenases, os AINE diminuem a produção de prostaglandinas e, portanto, a resposta inflamatória local e a sensibilização periférica. Existem três isoformas da ciclo-oxigenase, a COX-1, COX-2 e COX-3. A COX-1 é constitutivamente ativa e mostra-se importante numa variedade de funções fisiológicas, como manutenção da integridade da mucosa gástrica e função normal das plaquetas. A COX-2 exibe supra-regulação seletiva no local de inflamação, em resposta à secreção local de citocinas, particularmente IL-1β e TNF-α, que atuam através do fator de transcrição NF-KB. Foram desenvolvidos inibidores seletivos da COX-2, como celecoxibe, rofecoxibe e o valdecoxibe, na tentativa de controlar a dor inflamatória e, ao mesmo tempo, diminuir alguns dos efeitos adversos perigosos dos AINES não-seletivos, como sangramento gastrintestinal. Todavia, estudos clínicos de grande porte conduzidos após a comercialização desses fármacos revelaram uma incidência aumentada de efeitos cardiovasculares graves, incluindo risco aumentado de infarto do miocárdio, associados ao tratamento com inibidores da COX-2. Isso levou à retirada do mercado de vários inibidores seletivos da COX-2. Não se sabe ao certo se os efeitos cardiovasculares consistem em um defeito de classe de todos os AINE ou de todos inibidores da COX-2, ou se são específicos de alguns agentes dentro da classe. Além das ciclo-oxigenases, as moléculas de transdução, os intermediários de sinalização e os canais de sódio expressos nas terminações nervosas periféricas podem constituir alvos para o desenvolvimento de novos agentes analgésicos capazes de reduzir a hipersensibilidade à dor periférica. Sensibilização Central Com frequência, a hiperalgesia e a alodinia estendem-se além da área primária de inflamação e lesão tecidual. A hipersensibilidade à dor nessa região, descrita como a área de hiperalgesia secundária e/ou alodinia, depende de alterações do processamento sensorial no corno dorsal da medula espinal. Essas alterações, que constituem uma forma de plasticidade neuronal denominada sensibilização central, ocorrem quando a transmissão sináptica repetitiva e habitualmente de alta intensidade ativa cascatas de transdução de sinais intracelulares nos neurônios do corno dorsal que intensificam a resposta a estímulos subsequentes. Vários dos receptores pós-sinápticos expressos pelos neurônios do corno dorsal estão envolvidos na indução da sensibilização central. Esses receptores incluem os receptores AMPA, NMDA e metabotrópicos de glutamato,bem como o receptor da substância P (neurocinina) NK1 e o receptor de BDNF (neurotrofina) TrkB. Por exemplo, após a sua fosforilação, os receptores Com mais frequência, a sensibilização central desaparece lentamente após cessar o estímulo indutor. Entretanto, a lesão ou a inflamação crônicas podem produzir um estado de sensibilização central que persiste com o decorrer do tempo. O bloqueio dos receptores NMDA pode impedir tanto a indução quanto a manutenção da sensibilização central. Por exemplo, foi constado que o bloqueio dos receptores NMDA, instituído no pré-operatório, reduz a dor apresentada no pós-operatório. Um componente da dor pós-operatória é provavelmente atribuível à sensibilização central dependente dos receptores NMDA, associada aos intensos estímulos periféricos que ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 6 RESUMO FARMACOLOGIA I ocorrem durante a cirurgia. Embora muitas das proteínas de sinalização envolvidas na sensibilização do corno dorsal sejam expressas em todas as células, pode existir a possibilidade de direcionar o tratamento para a medula espinal através de injeção intratecalou epidural. CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS Diversas classes de fármacos são amplamente utilizadas para alívio da dor. Esses fármacos incluem: agonistas dos receptores de opióides, AINE, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes (bloqueadores dos canais de sódio), antagonistas do receptor NMDA e agonistas adrenérgicos. Agonistas dos Receptores Opióides Os agonistas dos receptores opióides constituem a principal classe de fármacos utilizada no controle agudo da dor moderada a intensa. A morfina, o agonista do receptor opióide de ocorrência natural de maior importância histórica, continua sendo amplamente utilizada; entretanto, opióides sintéticos e semi-sintéticos contribuem para a versatilidade farmacocinética. Historicamente, os opióides têm sido mais amplamente utilizados no tratamento da dor aguda e relacionada com o câncer; entretanto, nestes últimos anos, tornaram-se também um componente no manejo da dor crônica não causada por câncer. Mecanismos de Ação e Principais Efeitos Adversos Os agonistas dos receptores opióides produzem analgesia e outros efeitos através de sua ação sobre os receptores opióides μ. Os locais de ação analgésica incluem o cérebro, o tronco encefálico, a medula espinal e as terminações nervosas periféricas aferentes primárias, conforme descrito anteriormente. Através de receptores no centro de controle respiratório medular, na zona quimiorreceptora medular e no trato gastrintestinal, os opióides também provocam depressão respiratória, náusea e vômitos e constipação, respectivamente. Além disso, os opióides podem causar sedação, confusão, tontura e euforia. O uso de opióides está frequentemente associado ao desenvolvimento de tolerância, em que o uso repetido de uma dose constante do fármaco resulta em diminuição de seu efeito terapêutico. Os mecanismos moleculares responsáveis pela tolerância continuam sendo objeto de controvérsia e podem envolver uma combinação de regulação gênica e modificação pós-tradução da atividade dos receptores opióides. O desenvolvimento de tolerância requer uma mudança de analgésico ou um aumento na dose ou frequência de administração para manter a analgesia. Além disso, pode ocorrer dependência física, de modo que a interrupção súbita do tratamento resulta no desenvolvimento de uma síndrome de abstinência característica. A adição, em que a dependência física é acompanhada de uso abusivo da substância ou comportamento de busca da droga, constitui um efeito adverso potencial da administração de opióides. A incidência e a prevalência da adição de opióides em pacientes que fazem uso de opióides para fins terapêuticos não são conhecidas, porém não são insignificantes. Contrabalançar o risco de adição opióide com o tratamento insuficiente da dor é uma ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 7 RESUMO FARMACOLOGIA I questão complexa no controle da dor, bem como um assunto de considerável controvérsia. Morfina, Codeína e Derivados A morfina, a codeína (metilmorfina) e seus derivados semi-sintéticos constituem os opióides mais amplamente utilizados para o controle da dor. Tipicamente, a morfina é considerada o opióide de referência com o qual outros opióides são comparados. A morfina é metabolizada no fígado, e o seu metabolismo de primeira passagem diminui a sua disponibilidade oral. Para atender às necessidades de suas diversas indicações, dispõe-se de várias vias diferentes para a administração de morfina. As preparações orais de liberação controlada são comercializadas para reduzir o número de doses diárias necessárias para produzir analgesia. Essas formulações contêm uma alta dose de opióide a ser liberada no decorrer de 12-24 horas. Infelizmente, pelo fato de conterem altas doses e serem amplamente utilizadas, as formulações de liberação prolongada têm sido associadas a um alto potencial de abuso, sobretudo quando são ilegalmente reformuladas para liberar de uma vez a dose inteira, em lugar de fazê-lo no decorrer de várias horas. Os indivíduos que fazem uso abusivo dessas formulações procuram obter uma “excitação” com o rápido aumento dos níveis plasmáticos. A morfina intravenosa ou subcutânea costuma ser administrada em dispositivos de analgesia controlados pelo paciente, que são empregados no tratamento da dor do câncer e nas dores agudas intensas em decorrência de traumatismo, queimaduras, cirurgias e crise vasoclusiva da anemia falciforme. A morfina epidural ou intratecal pode produzir analgesia altamente efetiva, visto que alcança concentrações localmente altas no corno dorsal da medula espinal. A administração epidural do fármaco resulta em duração de ação muito mais longa que a sua administração parenteral, devido ao tempo necessário para a difusão da morfina — um composto relativamente hidrofílico — do SNC para a circulação sistêmica. À semelhança da morfina, a codeína é um agonista dos receptores opióides de ocorrência natural. Embora seja muito menos efetiva do que a morfina no tratamento da dor, a codeína costuma ser utilizada pelos seus efeitos antitussivo (isto é, supressor da tosse) e antidiarréico, visto que possui disponibilidade oral consideravelmente maior do que a morfina. A ação analgésica da codeína resulta, em grande parte, de sua desmetilação hepática à morfina, que possui atividade agonista μ consideravelmente maior. Os polimorfismos genéticos nas enzimas P450 são responsáveis pela desmetilação da codeína. Os compostos semi-sintéticos oxicodona e hidrocodona são análogos da codeína mais efetivos, que também estão disponíveis por via oral e são amplamente utilizados, muitas vezes em combinação com acetaminofeno. Agonistas Sintéticos As duas principais classes de agonistas sintéticos dos receptores μ são as fenileptilaminas (metadona) e as fenilpiperidinas (fentanil, meperidina). A metadona é mais conhecida pelo seu uso no tratamento da adição de drogas, mas também pode ser utilizada no controle da dor. A metadona possui uma meia-vida de eliminação de 24 horas, que pode estar relacionada com a sua interação com as proteínas plasmáticas, e seus efeitos analgésicos duram, tipicamente, 4 a 8 horas. Em ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 8 RESUMO FARMACOLOGIA I consequência de sua longa duração de ação, a metadona é frequentemente utilizada para obter alívio prolongado da dor crônica em pacientes com câncer terminal. A metadona também exibe alguma atividade antagonista no receptor NMDA, porém esse mecanismo não tende a ser clinicamente relevante. O fentanil, um exemplo de agonista opióide sintético de ação curta, com meia-vida de eliminação comparável à da morfina, é 75 a 100 vezes mais potente do que a morfina. Em virtude de sua altalipofilicidade, o fentanil é biodisponível através de diversas vias peculiares. Por exemplo, o fentanil foi formulado em pastilhas para administração trasmucosa bucal, que é particularmente valiosa para evitar o tratamento parenteral em pacientes pediátricos. O fentanil também pode ser administrado por via transdérmica, na forma de disco que libera lentamente o fármaco, proporcionando analgesia sistêmica de ação longa. O alfentanil, que é ainda mais potente do que o fentanil, e o sufentanil, que é menos potente, estão estruturalmente relacionados com o fentanil. O remifentanil, a fenilpiperidina mais recentemente desenvolvida, exibe um comportamento farmacocinético distinto. O remifentanil contém um metil éster que é essencial para sua atividade, mas que também atua como substrato para a ação de numerosas esterases teciduais inespecíficas. Por conseguinte, apresenta um metabolismo e eliminação inusitadamente rápidos. Quando administrado na forma de infusão contínua durante a anestesia, o remifentanil permite uma equivalência precisa de sua dose com a resposta clínica. Entretanto, o rápido término de sua ação exige que o uso do remifentanil durante a anestesia seja associado com a administração de um fármaco de ação mais longa para manter a analgesia no pós-operatório. Outra fenilpiperidina é a meperidina, um agonista μ com eficácia analgésica semelhante à da morfina; 75-100 mg de meperidina equivalem a 10 mg de morfina. Sua atividade analgésica fica reduzida à metade quando administrada por via oral, e, com frequência, o fármaco produz disforia. O metabólito tóxico da meperidina, a normeperidina, pode causar aumento da excitabilidade do SNC e convulsões. A normeperidina é excretada pelos rins, e a sua meia-vida de eliminação é mais longa que a da meperidina; por conseguinte, a toxicidade da meperidina representa um problema particular com o uso de doses repetidas do fármaco ou em pacientes com doença renal crônica. Ao contrário de outros opióides, a meperidina provoca mais midríase do que miose. Agonistas Parciais e Mistos Embora os agonitas dos receptores opióides sejam predominantemente agonitas μ, foram também desenvolvidos diversos fármacos que são agonistas parciais ou agonistas μ ou ᴋ parciais ou mistos. Esses agentes incluem os agonistas μ parciais, o butorfanol e a buprenorfina, bem como a nalbufina, um agonista λ com atividade antagonista μ. O butorfanol e a buprenorfina produzem analgesia semelhante à da morfina, porém com sintomas eufóricos mais leves. A nalbufina e compostos semelhantes são analgésicos efetivos, devido à sua ação nos receptores ᴋ; todavia, estão também associados a disforia psicológica indesejável. A tendência reduzida desses agentes a produzir euforia pode diminuir a probabilidade de comportamento de abuso de substâncias em indivíduos susceptíveis. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 9 RESUMO FARMACOLOGIA I Antagonistas dos Receptores Opióides Os antagonistas dos receptores opióides μ são utilizados para reverter os efeitos colaterais potencialmente fatais da administração de opióides, especificamente a depressão respiratória. A naloxona, que é um desses antagonistas, é um derivado sintético da oximorfona, administrada por via parenteral. Como a meia-vida da naloxona é mais curta que a da morfina, não é seguro deixar o paciente não assistido imediatamente após o tratamento bem-sucedido de um episódio de depressão respiratória com naloxona; a monitoração do paciente só pode ser afrouxada quando houver certeza de que a morfina não se encontra mais no sistema. O antagonista naltrexona administrado por via oral é primariamente utilizado em condições ambulatoriais, tipicamente para desintoxicação de indivíduos com adição de opióides. Estão sendo desenvolvidas combinações de agonistas e antagonistas de opióides para reduzir o uso ilícito de drogas. AGENTES ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO-ESTERÓIDES E ANALGÉSICOS NÃO-OPIÓIDES Características Gerais Os agentes antiinflamatórios não-esteróides inibem a atividade das enzimas ciclo- oxigenases (COX-1, COX-2 e COX-3), que são necessárias para a produção de prostaglandinas. Os AINES afetam as vias da dor através de pelo menos três mecanismos diferentes. Em primeiro lugar, as prostaglandinas reduzem o limiar de ativação nas terminações periféricas dos neurônios nociceptores aferentes primários. Ao reduzir a síntese de prostaglandinas, os AINES diminuem a hiperalgesia inflamatória e a anodinia. Em segundo lugar, os AINES diminuem o recrutamento dos leucócitos e, portanto, a produção de mediadores inflamatórios derivados dos leucócitos. Em terceiro lugar, os AINES atravessam a barreira hematoencefálica e impedem a geração de prostaglandinas que atuam como neuromoduladores produtores de dor no corno dorsal da medula espinal. Como o acetaminofeno e os AINES atuam através de mecanismos diferentes daqueles dos opióides, as combinações de AINE-opióide ou acetaminofeno-opióide podem atuar de modo sinérgico para reduzir a dor. Os AINES e os inibidores da COX-2 atuam em nível tanto periférico quanto central, enquanto o acetaminofeno só possui ação central. Dados pré-clínicos sugerem que, embora a ação aguda dos AINES seja periférica, grande parte de seu efeito analgésico provém de sua ação central, impedindo a redução da inibição glicinérgica induzida pela PGE2. A exemplo dos opióides, os AINES inibitórios da COX não seletivos possuem alguns efeitos colaterais deletérios, particularmente lesão da mucosa gástrica e dos rins. Em algumas situações, esses efeitos colaterais podem ser minimizados mediante co- tratamento com outros fármacos, como o misoprostol; esse agente ajuda a substituir a atividade das prostaglandinas essencial para a função normal da mucosa gástrica, embora tenha seus próprios efeitos adversos (diarréia, contração uterina). Acredita-se que os efeitos anti-inflamatórios e analgésicos dos AINES sejam primariamente atribuíveis à inibição da COX-2, uma enzima induzível ativa nos estados inflamatórios, enquanto os efeitos adversos são primariamente atribuíveis à inibição da COX-1, uma enzima constitutiva responsável pela produção de prostanóides envolvidos na ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 10 RESUMO FARMACOLOGIA I manutenção fisiológica dos tecidos e regulação vascular. Entretanto, esse ponto de vista pode representar uma excessiva simplificação do processo, visto que a COX-2 pode ser induzida para sustentar a atividade da COX-1 na presença de lesão da mucosa gástrica, enquanto a COX-1 pode produzir prostaglandina em associação com a COX-2 nos estados inflamatórios. Existe também uma preocupação de que a inibição da COX- 2 possa promover trombose e reduzir ou retardar cicatrização de feridas. Agentes Específicos Existem várias classes importantes de AINE, incluindo os salicilatos (aspirina ou acetilsalicilato), os derivados do ácido indolacético (indometacina), os derivados do ácido pirrol acético (diclofenaco), os derivados do ácido propiônico (ibuprofeno) e as benzotiazinas (piroxicam). Os para-aminofenóis (acetaminofeno) constituem uma classe relacionada de compostos com atividade analgésica e antipirética, porém sem atividade antiinflamatória. Os inibidores eletivos da COX-2, o celecoxibe, o rofecoxibe e o valdecoxibe, foram projetados para produzir uma analgesia equivalente à dos AINES, diminuindo, ao mesmo tempo, os efeitos adversos associados a uso crônico dos AINES. Os resultados foram decepcionantes, e tanto o rofecoxibe quanto o valdecoxibe foram retirados do mercado, devido ao risco aumentado de efeitos cardiovasculares e reações cutâneas. Os agentes representativos são discutidos a seguir. O ácido acetilsalicílico (aspirina) atua através da acetilação covalente do sítio ativo da ciclo-oxigenase, tanto na COX-1, COX-2 e COX-3. A aspirinaé rapidamente absorvida e distribuída por todo o corpo. O uso crônico da aspirina pode provocar irritação e erosão gástricas, hemorragia, vômitos e necrose tubular renal. A aspirina é de grande valia no tratamento da dor leve ou moderada. Os coxibes são inibidores enzimáticos seletivos da COX-2. Na atualidade, apenas o celecoxibe continua sendo utilizado clinicamente nos Estados Unidos. Essa classe de fármacos foi originalmente reservada para pacientes que necessitavam de AINE, mas que corriam alto risco de desenvolver efeitos colaterais gastrointestinais, renais ou hematológicos. O ibuprofeno, um fármaco amplamente utilizado, é um derivado do ácido propiônico. O ibuprofeno é utilizado primariamente para a analgesia e pela sua ação antiinflamatória, mas também atua como antipirético e apresenta uma incidência de efeitos adversos menor que a da aspirina. Outro derivado comum do ácido propiônico é o naproxeno. Quando comparado com o ibuprofeno, o naproxeno é mais potente e apresenta meia-vida mais longa; por conseguinte, pode ser administrado com menos frequência, produzindo uma eficácia analgésica equivalente. O perfil de efeitos adversos assemelha-se ao do ibuprofeno, e, em geral, o naproxeno é bem tolerado. A exemplo de todos os AINES, o ibuprofeno pode causar complicações GI, incluindo desde dispepsia até sangramento gastrintestinal. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 11 RESUMO FARMACOLOGIA I Os derivados do ácido pirrol acético, o diclofenaco e o cetorolaco, são utilizados no tratamento da dor moderada a intensa. O cetorolaco pode ser administrado por via oral ou parenteral, enquanto o diclofenaco é disponível em formulações orais e géis. Ambos os fármacos estão associados a um risco de efeitos adversos graves, incluindo anafilaxia, insuficiência renal aguda, síndrome de Stevens-Johnson (exantema difuso e potencialmente fatal, que acomete a pele e as mucosas) e sangramento gastrintestinal. O acetaminofeno (paracetamol) diminui preferencialmente a síntese de prostaglandinas centrais através de inibição de COX-3; em consequência, o fármaco produz analgesia e antipirese, porém tem pouca eficácia anti- inflamatória. Com frequência, o acetaminofeno é associado com opióides para tratamento de dor moderada, e dispõe-se de preparações de acetaminofeno associado com codeína, hidrocodona, oxicodona, pentazocina ou propoxifeno. O tramadol é um analgésico de ação central. A analgesia resulta, aparentemente, de um efeito monoaminérgico no SNC. O tramadol tem tendência mínima a abuso, mas provoca náusea, tontura e constipação. A administração do fármaco em associação com o acetaminofeno melhora a sua eficácia analgésica. FARMACOLOGIA DOS EICOSANÓIDES Fisiologia do metabolismo do ácido araquidônico Os eicosanóides estão criticamente envolvidos em diversas vias metabólicas, que desempenham funções diversificadas na inflamação e sinalização celular. Todas essas vias dependem de reações que envolvem o metabolismo do ácido araquidônico. Geração do ácido araquidônico O ácido araquidônico, o precursor comum dos eicosanóides, deve ser biossintetizado a partir do precursor de ácido graxo essencial, o ácido, que só pode ser obtido a partir da dieta. O ácido araquidônico é liberado dos fosfolipídios celulares pela enzima fosfolipase A2, que hidrolisa a ligação acil éster. Essa reação importante, que representa a primeira etapa na cascata do ácido araquidônico, constitui a etapa que determina a velocidade global no processo de geração dos eicosanóides. Embora se acreditasse a princípio que os glicocorticóides tivessem a capacidade de inibir diretamente a atividade da fosfolipase A2, já se sabe, hoje em dia, que os glicocorticóides atuam ao induzir a síntese de lipocortinas, uma família de proteínas reguladoras da fosfolipase A2. Uma das lipocortinas, a anexina 1, medeia algumas das ações antiinflamatórias dos glicocorticóides. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 12 RESUMO FARMACOLOGIA I Via da ciclo-oxigenase O ácido araquidônico intracelular não-esterificado é rapidamente convertido pelas enzimas ciclo-oxigenase, lipoxigenase ou epoxigenase do citocromo; a enzima específica envolvida é que determina a classe específica de eicosanóides locais produzidos. A via da ciclo-oxigenase leva à formação de prostaglandinas, prostaciclina e tromboxanos; as vias da lipoxigenase levam aos leucotrienos e lipoxinas; e as vias da epoxigenase levam à produção de ácidos epoxieicosatetraenóico. Nos seres humanos, são encontradas três isoformas da ciclo-oxigenase, designadas como COX-1, COX-2 e COX-3. Em consequência das diferenças na sua localização celular, perfil de regulação, expressão nos tecidos e exigência de substrato, a COX-1 e a COX-2 produzem, em última análise, diferentes conjuntos de produtos eicosanóides, que estão envolvidos em duas vias diferentes. Acredita-se que a COX-1 constitutivamente expressa atue em atividades fisiológicas ou de “manutenção”, como homeostasia vascular, manutenção do fluxo sanguíneo renal e gastrointestinal, função renal, proliferação da mucosa intestinal, função plaquetária e antitrombogênese. Diversas funções especializadas ou “convocadas quando necessário” são atribuídas à enzima COX2 induzível, incluindo funções na inflamação, febre, dor, transdução de estímulos dolorosos na medula espinal, mitogênese (particularmente no epitélio gastrointestinal), adaptação renal a estresses, deposição de osso trabecular, ovulação, placentação e contrações uterinas no trabalho de parto. Os estudos cinéticos de proteínas sugerem que pode existir uma terceira isoforma da ciclo-oxigenase funcional. A suposta isoforma COX-3 pode ser um produto do mesmo gene da COX-1, porém com diferentes características protéicas, possivelmente devido ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 13 RESUMO FARMACOLOGIA I a uma junção (splicing) alternativa do mRNA ou modificação pós-tradução. Além disso, a COX-3 pode constituir um alvo de ação potencial do acetaminofeno. Via da Lipoxigenase As vias da lipoxigenase representam o segundo destino importante do ácido araquidônico. Essas vias levam à formação dos leucotrienos e das lipoxinas. As lipoxigenases são enzimas que catalisam a inserção de oxigênio molecular no ácido araquidônico. As lipoxigenases são designadas de acordo com a posição em que catalisam a inserção de O2 no ácido araquidônico. Inativação Metabólica dos Eicosanóides Locais As prostaglandinas, os leucotrienos, os tromboxanos e as lipoxinas são inativados por hidroxilação, β-oxidação (resultando em perda de dois carbonos) ou ω-oxidação (a derivados de ácido dicarboxílico). Esses processos de degradação tornam as moléculas mais hidrofílicas e passíveis de serem excretadas na urina. Esquema Integrado da Inflamação Conforme descrito anteriormente, os eicosanóides são gerados localmente através de numerosas reações complexas. A inflamação aguda resulta de uma complexa rede de interações moleculares e celulares, induzidas por respostas a uma variedade de estímulos como traumatismo, isquemia, agentes infecciosos ou reações de anticorpos. A inflamação superficial aguda gera dor local, edema, eritema e calor; a inflamação nos órgãos viscerais pode apresentar sintomas semelhantes e resultar em grave comprometimento da função orgânica. Os leucotrienos e as lipoxinas, bem como os tromboxanos, as prostaglandinas e as prostaciclinas, são críticos na geração, manutenção e mediação das respostas inflamatórias. A cascata inflamatória é desencadeada quando células em determinada região são expostas a uma substância estranha ou são lesadas. Essa agressão estimula uma cascata local de citocinas (incluindo interleucinas ou TNF), que aumenta os níveis de mRNA da COX-2 eda enzima. A seguir, a COX-2 facilita a produção dos eicosanóides proinflamatórios e vasoativos. As concentrações localmente elevadas de PGE2 promovem o acúmulo e a infiltração de células inflamatórias através de aumento do fluxo sanguíneo e aumento da permeabilidade vascular. O aumento da permeabilidade vascular também resulta em extravasamento de líquido e infiltração celular, causando edema. Com a agregação de inúmeras células inflamatórias, são desencadeadas vias de biossíntese transcelulares para gerar eicosanóides. Na síntese transcelular, os intermediários eicosanóides são doados de um tipo celular para outro, gerando uma maior diversidade de eicosanóides. Isso demonstra a importância da adesão e da interações celulares nas respostas inflamatórias e imunes. O corpo procura assegurar que a resposta inflamatória não prossiga descontrolada. As lipoxinas ajudam a resolver a inflamação e a promover o retorno do tecido a seu estado de homeostasia. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 14 RESUMO FARMACOLOGIA I Os eicosanóides derivados da COX-2 também podem atuar na cicatrização de feridas e resolução. Por conseguinte, a sequência cronológica dos eventos é importante numa resposta inflamatória organizada. A PGE2 inibe as funções dos linfócitos B e T e das células NK. A PGE2 e a PGI2 são potentes sensibilizadores para a dor, enquanto as lipoxinas reduzem a nocicepção. Esses fatores medeiam e regulam de modo coordenado a transmissão da inflamação aguda para a forma crônica. CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS A intervenção farmacológica na biossíntese e na ação dos eicosanóides mostra-se particularmente útil no controle da inflamação e das respostas imunes aberrantes. As intervenções farmacológicas podem ser dirigidas para qualquer uma das diversas etapas delineadas anteriormente para obter os efeitos desejados com seletividade. As estratégias aqui consideradas incluem a alteração da expressão de enzimas-chave, a inibição competitiva e não-competitiva da atividade de enzimas específicas (p. ex., PGE2 sintase), a ativação de receptores com agonistas exógenos dos receptores e a prevenção da ativação de receptores com antagonistas exógenos dos receptores. Como sempre, é preciso avaliar os benefícios terapêuticos em relação aos possíveis efeitos adversos produzidos. Inibidores da Fosfolipase A inibição da fosfolipase A2 impede a geração de ácido araquidônico, a etapa que limita a velocidade no processo de biossíntese dos eicosanóides. Na ausência de mediadores proinflamatórios derivados do ácido araquidônico, a inflamação torna-se limitada. Os glicocorticóides (também conhecidos como corticosteróides, dos quais a prednisona é um membro) constituem a base do tratamento de numerosas doenças auto-imunes e inflamatórias. Os glicocorticóides induzem uma família de proteínas secretadas, dependentes de cálcio e de fosfolipídio, denominadas lipocortinas. As lipocortinas interferem na ação da fosfolipase A2, portanto, limitam a liberação do ácido araquidônico. As anexinas, como a anexina 1 e peptídios derivados da anexina 1, também são induzidas pelos glicocorticóides. Por sua vez, as anexinas atuam em receptores acoplados à proteína G presente nos leucócitos, bloqueando as respostas proinflamatórias e intensificando os mecanismos anti-inflamatórios endógenos; um dos mecanismos anti-inflamatórios envolve a ativação do receptor de lipoxina A4. Estão sendo desenvolvidas pequenas moléculas inibidoras de fosfolipase específicas; esses fármacos podem oferecer a possibilidade de redução dos efeitos adversos associados ao uso dos glicocorticóides. Inibidores da Ciclo-oxigenase Os inibidores da via da ciclo-oxigenase estão entre alguns dos fármacos mais frequentemente prescritos em medicina. Os agentes anti-inflamatórios não-esteróides (AINES) e o acetaminofeno constituem os agentes mais comumente utilizados dessa classe. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 15 RESUMO FARMACOLOGIA I Inibidores Não-Seletivos Tradicionais: AINES Os AINES são importantes em virtude de suas propriedades anti-inflamatórias, antipiréticas e analgésicas combinadas. O objetivo final da maioria das terapias com AINE consistem em inibir a geração de eicosanóides proinflamatórios mediada pela COX e em limitar a extensão da inflamação, febre e dor. A atividade antipirética desses fármacos provavelmente está relacionada com a redução dos níveis de PGE2, particularmente na região do cérebro que circunda o hipotálamo. Apesar dos benefícios oferecidos pelos AINES atuais, esses fármacos suprimem apenas os sinais da resposta inflamatória subjacente. Foram desenvolvidos inúmeros AINES nesse último século, e a maioria consiste em derivados de ácido carboxílico policíclico. Com exceção da aspirina, todos os AINES atuam como inibidores competitivos e reversíveis da ciclo-oxigenase. Esses fármacos bloqueiam o canal hidrofóbico da ciclo-oxigenase ao qual se liga o substrato ácido araquidônico, impedindo assim o acesso do ácido araquidônico ao sítio ativo da enzima. Os AINES tradicionais inibem tanto a COX-1 quanto a COX-2 em diferentes graus. Devido à inibição da COX-1, o tratamento a longo prazo com AINE apresenta muitos efeitos deletérios. As funções citoprotetoras dos produtos eicosanóides da COX-1 são eliminadas, levando a um espectro de gastropatia induzida por AINE, incluindo dispepsia, gastrotoxicidade, lesão e hemorragia subepiteliais, erosão da mucosa gástrica, ulceração franca e necrose da mucosa gástrica. A regulação do fluxo sanguíneo para os rins também é afetada, diminuindo a TFG e causando potencialmente isquemia renal, necrose papilar, nefrite intersticial e insuficiência renal. Os estudos epidemiológicos sugerem que 20 a 30% das internações de pacientes com mais de 60 anos de idade devem-se a complicações do uso de AINE. A funcionalidade do ácido orgânico dos AINES confere importantes propriedades farmacocinéticas a esses agentes, incluindo absorção quase completa pelo intestino, ligação à albumina plasmática, acúmulo das células que se encontram no local de inflamação e excreção renal eficiente. Os AINES podem ser divididos em duas classes: de meia-vida curta (<6 horas) e de meia-vida longa (>10 horas). Os AINES com meias- vidas de eliminação longas incluem o naproxeno, os salicilatos, o piroxicam e a fenilbutazona. A classificação clínica dos AINES baseia-se na estrutura de um componente-chave em cada subclasse de fármacos. A discussão que se segue categoriza os AINES por classe química; as descrições de cada fármaco são seguidas de uma discussão da escolha de determinado AINE para uma situação clínica específica. Salicilatos Os salicilatos incluem a aspirina (ácido acetilsalicílico) e seus derivados. A aspirina, que é o mais antigo dos AINES, é amplamente utilizada no tratamento da dor leve a moderada, cefaleia, mialgia e artralgia. Ao contrário de outros AINES, a aspirina atua de modo irreversível, acetilando o resíduo serina do sítio ativo da COX-1 e da COX-2. A acetilação da COX-1 destrói a atividade de ciclo-oxigenase da enzima, impedindo a formação de prostaglandinas, tromboxanos e prostaciclinas derivados da COX-1. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 16 RESUMO FARMACOLOGIA I A aspirina, em baixas doses, diariamente é utilizada como agente antitrombogênico para profilaxia e manejo do infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral pós- evento. Convém lembrar que a aspirina é antitrombogênica, devido à inibição irreversível da COX, que impede a biossíntese de TXA2 pelas plaquetas. Dentro de 1 hora após a administração oral de aspirina, ocorre destruição irreversível da atividade COX-1 nas plaquetas. As plaquetas, que carecem de núcleo, são incapazes de sintetizar novas proteínas. Em consequência, a COX-1 irreversivelmente acetilada nãopode ser substituída por proteínas recém-sintetizadas, e essas plaquetas são inibidas de modo irreversível durante o seu tempo de sobrevida (cerca de 10 dias). Embora a aspirina também iniba de modo irreversível a COX-1 e a COX-2 das células endoteliais vasculares, a célula endotelial tem a capacidade de sintetizar nova proteína COX e, portanto, pode rapidamente reiniciar a síntese de PGI2. A administração de uma dose única de aspirina diminui por vários dias a quantidade de tromboxano passível de ser gerado, desviando o equilíbrio TxA2 -PGI2 vascular para uma vasodilatação mediada por PGI2, inibição plaquetária e antitrombogênese. A inibição da COX-2 mediada pela aspirina impede a geração de prostaglandinas. Ao contrário da COX-1, que é totalmente inativada, a COX-2 modificada pela aspirina retém parte de sua atividade catalítica e pode formar um novo produto, a partir do ácido araquidônico. A aspirina é, em geral, bem tolerada. Suas principais toxicidades consistem em gastropatia e nefropatia, que são compartilhadas por todos os AINES. A terapia a longo prazo com aspirina pode resultar em ulceração e hemorragia gastrintestinais, nefrotoxicidade e lesão hepática. Duas toxicidades singulares são a hiper-reatividade das vias aéreas induzida pela aspirina em indivíduos asmáticos (a denominada asma sensível à aspirina) e a síndrome de Reye. A prevalência da sensibilidade à aspirina em pacientes com asma é estimada em cerca de 10%. Nesses pacientes, a exposição à aspirina resulta em congestão ocular e nasal, juntamente com obstrução grave das vias aéreas. Os pacientes sensíveis à aspirina também mostram-se reativos a outros AINES, incluindo indometacina, naproxeno, ibuprofeno, mefenamato e fenilbutazona. Nos indivíduos asmáticos, uma possível etiologia da sensibilidade à aspirina/AINES consiste no fato de que a exposição a esses fármacos leva a níveis aumentados de leucotrienos, que estão implicados na patogenia da Asma. A síndrome de Reye é uma afecção caracterizada por encefalopatia hepática e esteatose hepática em crianças de pouca idade. A terapia com aspirina durante o curso de uma infecção viral febril tem sido implicada como etiologia potencial da lesão hepática. Embora não se tenha definitivamente estabelecido qualquer relação causal entre o uso de aspirina e a síndrome de Reye, a aspirina geralmente não é administrada a crianças, devido ao temor da síndrome de Reye. O acetaminofeno é amplamente utilizado em lugar da aspirina para crianças. Derivados do Ácido Propiônico Os AINES derivados do ácido propiônico incluem o ibuprofeno, o naproxeno, o cetoprofeno e o flurbiprofeno. O ibuprofeno é um analgésico relativamente potente, utilizado no tratamento da artrite reumatóide, osteoartrite, espondilite anquilosante, gota e dismenorréia primária. O naproxeno, que possui meia-vida plasmática longa, é ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 17 RESUMO FARMACOLOGIA I 20 vezes mais potente do que a aspirina, inibe diretamente a função dos leucócitos e provoca efeitos adversos gastrintestinais menos graves do que a aspirina. Derivados do Ácido Acético Os AINES derivados do ácido acético incluem os ácidos indolacéticos — indometacina, sulindaco e etodolaco — e os ácidos fenilacéticos, diclofenaco e cetorolaco (um derivado do ácido fenilacético substituído). Além de inibir a ciclo-oxigenase, muitos dos AINES derivados do ácido acético promovem a incorporação do ácido araquidônico não-esterificado em triglicerídios, reduzindo, assim, a disponibilidade do substrato para a ação da ciclo-oxigenase e lipoxigenase. O diclofenaco é um antiinflamatório mais potente do que a indometacina e o naproxeno.O diclofenaco também diminui as concentrações intracelulares de ácido araquidônico ao alterar o transporte celular dos ácidos graxos; esse fármaco é amplamente utilizado no tratamento da dor associada a cálculos renais. O cetorolaco é primariamente empregado pelas suas propriedades analgésicas fortes, particularmente para pacientes no pós-operatório. Os AINES derivados do ácido acético são principalmente utilizados para aliviar os sintomas no tratamento a longo prazo da artrite reumatóide, osteoartrite, espondilite anquilosante e outros distúrbios musculoesqueléticos. O uso de AINES derivados do ácido acético provoca ulceração gastrointestinal e, raramente, hepatite e icterícia. A indometacina também possui aplicação específica para promover o fechamento do canal arterial persistente em recém-nascidos ao inibir os eicosanóides vasodilatadores PGE2 e PGI2. Derivados do Oxicam O piroxicam é tão eficaz quanto a aspirina, o naproxeno e o ibuprofeno no tratamento da artrite reumatóide e osteoartrite, mas pode ser mais bem tolerado. O piroxicam exerce efeitos adicionais na modulação da função dos neutrófilos, inibindo a colagenase, a proteoglicanase e o surto oxidativo. Em virtude de sua meia-vida extremamente longa, o piroxicam pode ser administrado uma vez ao dia. A exemplo, de outros AINES, o piroxicam exibe efeitos adversos gastrintestinais, como ulceração, e prolonga o tempo de sangramento, devido a seu efeito antiplaquetário. Derivados do Fenamato Os dois AINES derivados do fenamato são o mefenamato e o meclofenamato. Ambos inibem as ciclo-oxigenases, mas também antagonizam em vários graus os receptores de prostanóides. Como os fenamatos possuem menos atividade anti-inflamatória e são mais tóxicos do que a aspirina, existe pouca vantagem no seu uso. O mefenamato é apenas utilizado para a dismenorréia primária, enquanto o meclofenamato é utilizado no tratamento da artrite reumatóide e osteoartrite. Cetonas A nabumetona é um pro-fármaco cetona que é oxidado in vivo à forma ácida ativa. Em comparação com outros AINES não seletivos, a nabumetona possui atividade ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 18 RESUMO FARMACOLOGIA I preferencial contra a COX-2. A incidência de efeitos adversos gastrointestinais é relativamente baixa, embora seja frequentemente relatada a ocorrência de cefaleia e tonteira. Acetaminofeno (Paracetamol) O acetaminofeno, apesar de ser algumas vezes classificado com os AINES, não é tecnicamente um AINE: embora o acetaminofeno exerça efeitos analgésicos e antipiréticos semelhantes aos da aspirina, o efeito anti-inflamatório do acetaminofeno é insignificante, devido à inibição fraca das ciclo-oxigenases. Todavia, o tratamento com acetaminofeno pode ser valioso em certos pacientes, como as crianças, que correm risco relacionado aos efeitos adversos da aspirina. A hepatotoxicidade constitui o efeito adverso mais importante do acetaminofeno. A modificação do acetaminofeno por enzimas hepáticas do citocromo P450 produz uma molécula reativa, que normalmente é destoxificada por conjugação com glutationa. Uma overdose de acetaminofeno pode sobrepujar as reservas de glutationa, resultando em lesão celular e oxidativa e, nos casos graves, em necrose hepática aguda. Seleção do AINE Apropriado Os efeitos anti-inflamatórios, analgésicos e antipiréticos dos AINES parecem variar entre os numerosos agentes que compõem essa classe. Todavia, apesar das diferenças observadas na química, seletividade tecidual, seletividade enzimática, farmacocinética e farmacodinâmica, as diferenças na sua eficácia podem não ser clinicamente significativas. De modo global, o fundamento lógico e a escolha do AINE não fazem, em geral, uma considerável diferença no tratamento da artrite reumatoide ou da osteoartrite. Entretanto, a terapia bem-sucedida com AINE continua sendo considerada mais uma arte do que uma ciência, e o tratamento para cada paciente deve ser orientado para obter os efeitos anti-inflamatórios, analgésicos e antipiréticos desejados, minimizando, ao mesmo tempo, os efeitos adversos. É possível reduzir os efeitos adversos gástricos da terapiaa longo prazo com AINE com a co-administração de antagonistas dos receptores H2 (histamínicos) ou inibidores da bomba de prótons. Inibidores da COX-2 Devido aos efeitos adversos gastrointestinais algumas vezes graves associados à terapia prolongada com AINE, que se acredita sejam causados pela inibição da COX-1, foram desenvolvidas estratégias recentes para inibição das vias da ciclo-oxigenase, enfocando a inibição seletiva da COX-2. Essa abordagem tem a vantagem teórica de inibir os mediadores químicos responsáveis pela inflamação, enquanto mantém os efeitos citoprotetores dos produtos da atividade da COX-1. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 19 RESUMO FARMACOLOGIA I Inibidores Seletivos da COX-2 Embora a COX-2 só tenha sido identificada na década de 1990, pesquisas intensas levaram prontamente ao desenvolvimento de inibidores seletivos da COX-2 para uso clínico. Em comparação com a COX-1, a COX-2 possui um canal hidrofóbico maior através do qual o substrato (ácido araquidônico) penetra no sítio ativo. Diferenças estruturais sutis existentes entre a COX-2 e a COX-1 permitiram o desenvolvimento de fármacos que atuam preferencialmente sobre a COX-2. Os inibidores seletivos da COX-2 — celecoxibe, rofecoxibe, valdecoxibe e meloxicam — são derivados do ácido sulfônico, com seletividade 100 vezes maior para a COX-2 do que para a COX-1. A inibição relativa das duas isozimas da ciclo-oxigenase em qualquer tecido também é uma função do metabolismo do fármaco, da farmacocinética e, possivelmente, de polimorfismos da enzima. Os inibidores seletivos da COX-2 possuem propriedades antiinflamatórias, antipiréticas e analgésicas semelhantes aos AINES tradicionais, porém não compartilham as ações antiplaquetárias dos inibidores da COX-1. No momento atual, apenas o celecoxibe foi aprovado para uso. Recentemente, o rofecoxibe foi retirado do mercado, devido a um aumento da trombogenicidade com o seu uso prolongado. Os perfis de segurança a longo prazo dos inibidores da COX-2 constituem um assunto questionável, e existe a preocupação de que esses fármacos — em particular, o rofecoxibe — tenham efeitos deletérios sobre os sistemas cardiovascular e renal ao induzir hipertensão, insuficiência renal e insuficiência cardíaca. O aumento da trombogenicidade que se manifesta com o seu uso clínico pode ser devido à inibição prolongada da COX-2 vascular no interior das células endoteliais, resultando em diminuição da formação de PGI2. Além disso, a inibição da COX-2 pode gerar problemas na cicatrização de feridas, angiogênese e resolução da inflamação. Os inibidores seletivos da COX-2 são de custo muito mais elevado do que doses equivalentes de muitos AINES, particularmente aspirina e indometacina. O celecoxibe continua sendo o inibidor seletivo da COX-2 atualmente aprovado para uso na osteoartrite, artrite reumatóide, dor aguda em adultos e dismenorréia primária. Esse fármaco também foi aprovado para reduzir o número de pólipos colorretais adenomatosos em indivíduos com polipose adenomatosa familiar. Esperava-se que os inibidores da COX-2 de segunda geração em desenvolvimento — como o parecoxibe (um pro-fármaco do valdecoxibe), o etoricoxibe e o lumiracoxibe — pudessem demonstrar um aumento de seletividade para a COX-2 em relação à COX-1 e não tivessem os efeitos cardiovasculares adversos dos inibidores da COX-2 disponíveis. Entretanto, é necessário um maior desenvolvimento clínico dessa classe de fármacos. Glicocorticóides A prednisona e outros glicocorticóides inibem a ação da COX-2 e a formação de prostaglandinas através de vários mecanismos: 1. Exprimem o gene da COX-2 e a expressão da enzima 2. Reprimem a expressão de citocinas que ativam a COX-2 3. Limitam o reservatório disponível de substrato da COX-2 (ácido araquidônico) através de bloqueio indireto da fosfolipase A2. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 20 RESUMO FARMACOLOGIA I Os glicocorticóides também estimulam as vias anti-inflamatórias endógenas. Todos esses mecanismos em conjunto criam um poderoso efeito anti-inflamatório. Devido a essa supressão profunda e global das respostas imunes e inflamatórias, os glicocorticóides estão indicados para o tratamento de diversos distúrbios auto-imunes. Inibidores das Citocinas As citocinas proinflamatórias, TNF-α e IL-1, intensificam a produção de prostaglandinas e supra-regulam a COX-2. As novas tecnologias moleculares propiciaram a capacidade de inibir a ação dessas enzimas e, portanto, de inibir o processo pelo qual um estímulo lesivo ativa a COX-2 e desencadeia a resposta inflamatória. FARMACOLOGIA DO CÓRTEX DA SUPRARRENAL À semelhança da hipófise, a glândula suprarrenal consiste em dois órgãos que sofreram fusão durante o desenvolvimento embrionário. O córtex suprarrenal sintetiza e secreta hormônios esteroides, que são essenciais para o equilíbrio do sal, o metabolismo intermediário e ações androgênicas nas mulheres. A medula suprarrenal é importante, apesar de não ser essencial, para a manutenção do tônus simpático através da secreção da catecolamina epinefrina. Este capítulo trata do córtex suprarrenal. A utilidade farmacológica dos hormônios adrenocorticais estende-se por quase todas as áreas da medicina. Isso se deve, em grande parte, à utilidade dos análogos dos glicocorticoides como agentes anti-inflamatórios potentes e eficazes. Infelizmente, a terapia sistêmica a longo prazo com glicocorticoides também provoca diversos efeitos adversos previsíveis, porém indesejáveis. Os inibidores das enzimas envolvidas na biossíntese no córtex suprarrenal podem ser utilizados no tratamento do excesso de hormônios adrenocorticais. Os androgênios suprarrenais, apesar de não terem uma indicação terapêutica definitiva, são frequentemente utilizados de modo abusivo em altas doses pelos seus efeitos anabólicos. Considerações Gerais: Córtex Supra-Renal O córtex suprarrenal sintetiza três classes de hormônios: mineralocorticoides, glicocorticoides e andrógenos. Em nível histológico, o córtex suprarrenal é dividido em três zonas. Da cápsula em direção à medula, essas regiões são a zona glomerulosa, a zona fasciculada e a zona reticular. A zona glomerulosa é responsável pela produção de mineralocorticoides e está sob o controle da angiotensina II e da concentração plasmática de potássio. A zona fasciculada e a zona reticular sintetizam glicocorticoides e andrógenos, respectivamente. Tanto a zona fasciculada quanto a zona reticular estão sob o controle do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) que, por sua vez, é regulado pelo hormônio de liberação da corticotropina (CRH) e pelo cortisol. Através de seus produtos mineralocorticoides, glicocorticoides e andrógenos suprarrenais, o córtex suprarrenal desempenha um papel em diversos aspectos da homeostasia. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 21 RESUMO FARMACOLOGIA I Glicocorticóides – Fisiologia Síntese O cortisol, o glicocorticoide endógeno, é sintetizado a partir do colesterol. Sua síntese começa com a conversão do colesterol em pregnenolona, uma reação catalisada pela enzima de clivagem da cadeia lateral, que limita a velocidade do processo. Essa primeira etapa converte o colesterol de 27 carbonos em um precursor de 21 carbonos comum a todos os hormônios adrenocorticais. A partir desse precursor, o metabolismo dos esteroides pode prosseguir ao longo de três vias distintas para produzir mineralocorticoides, glicocorticoides ou andrógenos suprarrenais. Uma enzima oxidase catalisa cada etapa na via de síntese dos hormônios adrenocorticais. As enzimas oxidases são citocromos mitocondriais, semelhante ao sistema de oxidase do citocromo P450 do fígado. A expressão tecidual específica de determinadas enzimas oxidases em cada uma das zonas do córtex suprarrenalproporciona a base bioquímica para as diferenças observadas entre os produtos finais hormonais das diferentes zonas do córtex. Metabolismo Cerca de 90% do cortisol circulante estão ligados a proteínas plasmáticas, entre as quais as mais importantes são a globulina de ligação dos corticosteroides (CBG, também denominada transcortina) e a albumina. A CBG possui alta afinidade pelo cortisol, porém baixa capacidade global, enquanto a albumina exibe baixa afinidade pelo cortisol, porém alta capacidade global. Apenas as moléculas de cortisol que não estão ligadas às proteínas (a denominada fração livre) são biodisponíveis, isto é, estão disponíveis para sofrer difusão através das membranas plasmáticas para o interior das células. Por conseguinte, a afinidade e a capacidade das proteínas de ligação plasmáticas regulam a disponibilidade de hormônio ativo e, por conseguinte, a atividade hormonal. O fígado e os rins constituem os principais locais de metabolismo periférico do cortisol. Através de redução e conjugação subsequente com ácido glicurônico, o fígado é responsável pela inativação do cortisol no plasma. A reação de conjugação torna o cortisol mais hidrossolúvel, permitindo a sua excreção renal. Regulação A unidade hipotálamo–hipófise coordena a produção de cortisol. Em resposta a ritmos circadianos centrais e ao estresse, os neurônios do núcleo paraventricular do hipotálamo sintetizam e secretam o hormônio de liberação da corticotropina (CRH), um hormônio peptídico que é transportado pelo sistema porta hipotalâmico hipofisário. A seguir, o CRH liga-se a receptores acoplados à proteína G sobre a superfície das células corticotrópicas na adeno-hipófise. A ligação do CRH estimula os corticótrofos a sintetizar a proopiomelanocortina (POMC), um precursor polipeptídico que é clivado em múltiplos hormônios peptídicos, incluindo o ACTH. O hormônio antidiurético, que é secretado pela neuro-hipófise, atua de modo sinérgico com o CRH, aumentando a liberação de ACTH pela adeno-hipófise. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 22 RESUMO FARMACOLOGIA I A endorfina é um opioide endógeno que é importante na modulação da dor e na regulação da fisiologia reprodutiva. Como os hormônios esteroides são capazes de sofrer livre difusão através das membranas celulares, e a glândula suprarrenal só armazena uma pequena quantidade de cortisol, o ACTH regula a produção de cortisol ao promover a síntese do hormônio. O ACTH também possui um efeito trófico sobre a zona fasciculada e a zona reticular do córtex da suprarrenal, e pode ocorrer hipertrofia do córtex em resposta a níveis cronicamente elevados de ACTH. A exemplo de outros eixos endócrinos, o cortisol exerce uma regulação por retroalimentação negativa em nível do hipotálamo e da adeno-hipófise. A presença de níveis elevados de cortisol diminui tanto a síntese quanto a liberação de CRH e de ACTH. Como o ACTH possui efeitos tróficos importantes sobre o córtex da suprarrenal, a sua ausência leva à atrofia da zona fasciculada produtora de cortisol e da zona reticular envolvida na síntese de androgênios. Entretanto, as células da zona glomerulosa que produzem aldosterona continuam a funcionar na ausência de ACTH, visto que a angiotensina II e o potássio mantêm a produção de aldosterona. Excesso de Glicocorticoides A síndrome de Cushing refere-se a várias fisiopatologias subjacentes que aumentam, todas elas, a síntese de cortisol. O termo “doença de Cushing” é reservado para adenomas hipofisários secretores de ACTH que resultam em aumento da produção de cortisol. Outras causas de síndrome de Cushing incluem a secreção ectópica de ACTH, mais comumente por carcinomas de células pequenas do pulmão e (raramente) produção ectópica de CRH. A síndrome de Cushing também pode resultar de tumores secretores de cortisol (adenomas ou carcinomas) do córtex suprarrenal. Todavia, a síndrome de Cushing iatrogênica, que é secundária ao tratamento farmacológico com glicocorticoides exógenos, constitui, sem dúvida alguma, a causa mais comum de síndrome de Cushing. As manifestações clínicas da síndrome de Cushing resultam da estimulação crônica excessiva dos órgãos-alvos por glicocorticoides endógenos ou exógenos. Essas manifestações — que podem incluir redistribuição centrípeta do tecido adiposo, hipertensão, miopatia proximal dos membros, osteoporose, imunossupressão e diabetes melito — refletem uma amplificação das ações fisiológicas normais dos glicocorticoides numa variedade de tecidos-alvos. ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 23 RESUMO FARMACOLOGIA I CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS Cortisol e Análogos de Glicocorticoides A terapia farmacológica com glicocorticoides está indicada com duas finalidades principais. Em primeiro lugar, os glicocorticoides exógenos podem ser utilizados como terapia de reposição nos casos de insuficiência suprarrenal. Essa terapia tem por objetivo administrar doses fisiológicas de glicocorticoides para melhorar os efeitos da insuficiência suprarrenal. Em segundo lugar, e com mais frequência, os glicocorticoides são administrados em doses farmacológicas para suprimir a inflamação e as respostas imunes associadas a certos distúrbios, como asma, atrite reumatoide e rejeição de órgãos após transplante. Como os níveis farmacológicos de glicocorticoides sistêmicos resultam invariavelmente em efeitos adversos graves, foram desenvolvidas estratégias para minimizar essas respostas adversas aos glicocorticoides, enfocando o fornecimento local de glicocorticoides nas áreas que necessitam de tratamento. Ao limitar a exposição sistêmica ao fármaco, é possível minimizar ou até mesmo evitar a supressão do eixo HHSR, bem como outras manifestações da síndrome de Cushing iatrogênica. Entre os exemplos de fornecimento local de glicocorticoides, destacam-se os glicocorticoides inalados para a asma, os glicocorticoides tópicos para distúrbios inflamatórios da pele e glicocorticoides intra-articulares para a artrite. Foram sintetizados numerosos análogos de glicocorticoides. A discussão que se segue ressalta as diferenças entre alguns análogos do cortisol de uso comum—incluindo a prednisona, a prednisolona, a fludrocortisona e a dexametasona—, comparando as estruturas, as potências e a duração de ação desses compostos com as do cortisol. Estrutura e Potência Os glicocorticoides podem ser divididos em duas classes, com base no componente estrutural presente na posição do carbono 11. Os compostos com grupo hidroxila (-H) na posição 11, como o cortisol, possuem atividade glicocorticoide intrínseca. Em contrapartida, os compostos com um grupo carbonila (-O) no carbono 11, como a cortisona, são inativos até que a enzima hepática reduza o composto a seu congênere 11-hidroxila. Assim, a cortisona é um pró-fármaco inativo até ser convertido no fármaco ativo, cortisol, pelo fígado. Além disso, sempre que possível, a forma ativa do fármaco é preferida à forma de pró-fármaco inativo para pacientes com disfunção hepática, visto que esses indivíduos podem não ser capazes de converter o pró- fármaco em sua forma ativa. O “arcabouço” básico do cortisol é essencial para a atividade glicocorticoide, e todos os glicocorticoides sintéticos são análogos do glicocorticoide endógeno, cortisol. Por exemplo, a adição de uma ligação dupla entre os carbonos 1 e 2 do cortisol produz a prednisolona, cuja potência anti-inflamatória é 4 – 5 vezes a do cortisol. A adição de um grupo metil ao carbono 6 da prednisolona produz a metilprednisolona, cuja potência anti-inflamatória é 5 – 6 vezes a do cortisol. Embora a prednisolona e a metilprednisolona tenham uma potência glicocorticoide significativamente maior que a do cortisol, a adição de um flúor (F) ao carbono 9 do cortisol aumenta a potência tanto glicocorticoide quantomineralocorticoide do ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 24 RESUMO FARMACOLOGIA I composto resultante, conhecido como fludrocortisona. Em virtude de sua atividade mineralocorticoide aumentada, a fludrocortisona é útil no tratamento de afecções caracterizadas por deficiência mineralocorticoide. A dexametasona incorpora duas das alterações anteriormente citadas no arcabouço do cortisol (dupla ligação 1,2, flúor 9), bem como a adição de um grupo metil na posição do carbono 16. Esse composto possui uma potência glicocorticoide de mais de 18 vezes a do cortisol, porém praticamente nenhuma atividade mineralocorticoide. Foram feitas várias outras permutações no arcabouço do cortisol em outros glicocorticoides sintéticos, porém a discussão anterior ressalta as diferenças estruturais pertinentes entre os glicocorticoides sintéticos mais comuns. Clinicamente, é mais importante conhecer a potência de cada agente em relação ao cortisol, particularmente quando se considera uma possível substituição de um análogo por outro que apresenta diferentes atividades glicocorticoides e mineralocorticoides relativas. O Quadro abaixo fornece um resumo das potências glicocorticoides e atividades mineralocorticoides relativas de vários análogos de glicocorticoides comuns. Terapia de Reposição O tratamento da insuficiência suprarrenal primária tem por objetivo a reposição fisiológica dos glicocorticoides e mineralocorticoides. A hidrocortisona oral constitui o glicocorticoide de escolha. Como a terapia de reposição com glicocorticoides deve estender-se por toda a vida do indivíduo, o objetivo terapêutico é administrar a menor dose efetiva possível de glicocorticoide para minimizar os efeitos adversos do excesso crônico desses fármacos. Os pacientes com insuficiência suprarrenal primária também necessitam de reposição mineralocorticoide. Os pacientes com insuficiência suprarrenal secundária necessitam apenas de reposição glicocorticoide, visto que a produção de mineralocorticoides é preservada pelo sistema de renina-angiotensina. Doses Farmacológicas Efeitos em Níveis Farmacológicos. Os glicocorticoides são importantes mediadores da resposta ao estresse, regulando tanto a homeostasia da glicose quanto o sistema imune. Os glicocorticoides possuem ampla aplicação clínica como agentes anti-inflamatórios, em virtude de seus efeitos profundos sobre os processos imunes e inflamatórios. Os glicocorticoides em níveis farmacológicos inibem a liberação de citocinas e, portanto, diminuem a ação da IL-1, da IL-2, da IL-6 e do TNF-α. A regulação local da liberação de citocinas é de suma importância para o recrutamento e a ativação dos leucócitos, e a ruptura desse processo de sinalização inibe acentuadamente a função imune. Os glicocorticoides ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 25 RESUMO FARMACOLOGIA I também bloqueiam a síntese de metabólitos do ácido araquidônico ao inibir a ação da fosfolipase A2. Os metabólitos do ácido araquidônico, como tromboxanos, prostaglandinas e leucotrienos, medeiam muitas das etapas iniciais da inflamação, incluindo permeabilidade vascular, agregação plaquetária e vasoconstrição. Através de bloqueio da produção desses metabólitos, os glicocorticoides exercem uma infra regulação significativa da resposta inflamatória. Em virtude dos múltiplos efeitos anteriormente descritos, os glicocorticoides constituem fármacos úteis no tratamento de numerosas doenças inflamatórias e autoimunes, como asma, artrite reumatoide, doença de Crohn, poliarterite nodosa, arterite temporal e rejeição imune após transplante de órgãos. Entretanto, é importante assinalar que a terapia farmacológica com glicocorticoides não corrige a etiologia da doença subjacente, porém limita os efeitos da inflamação. Por esse motivo, a interrupção da terapia crônica com glicocorticoides frequentemente resulta no reaparecimento dos sintomas inflamatórios, a não ser que a doença tenha sofrido emissão espontânea ou tenha sido tratada por outros meios. Os glicocorticoides endógenos afetam muitos processos metabólicos, e o uso de doses farmacológicas de glicocorticoides exógenos amplifica essas ações. Em consequência, a sua administração farmacológica prolongada é tipicamente acompanhada de efeitos adversos. O aumento da suscetibilidade à infecção constitui um efeito adverso potencial da supressão a longo prazo do processo inflamatório por glicocorticoides exógenos. Os glicocorticoides elevam os níveis plasmáticos de glicose, visto que antagonizam a ação da insulina e promovem a gliconeogênese; as doses farmacológicas de glicocorticoides amplificam esses efeitos. A resistência à insulina e o aumento das concentrações plasmáticas de glicose exigem um aumento da produção de insulina pelas células β do pâncreas para normalizar os níveis de glicemia. Em consequência, o diabetes melito constitui uma complicação comum da administração prolongada de glicocorticoides, sobretudo em pacientes com reserva diminuída de células β do pâncreas. Os glicocorticoides em doses farmacológicas inibem a absorção de cálcio mediada pela vitamina D. Isso resulta em hiperparatireoidismo secundário e, portanto, em aumento da reabsorção óssea. Os glicocorticoides também suprimem diretamente a função dos osteoblastos. Esses dois mecanismos contribuem para a perda óssea, e, com frequência, a terapia prolongada com glicocorticoides resulta em osteoporose. A reabsorção óssea induzida por esteroides pode ser evitada com o uso de bifosfonatos, que inibem a função dos osteoclastos e que, portanto, retardam a progressão da perda óssea. A administração crônica de glicocorticoides também diminui a velocidade de crescimento ósseo linear em crianças, e a administração de glicocorticoides pode causar retardo do crescimento. Pode ocorrer baixa estatura em crianças que fazem uso de glicocorticoides durante a adolescência. Os glicocorticoides em doses farmacológicas podem causar atrofia seletiva das fibras musculares de contração rápida, resultando em catabolismo e fraqueza dos músculos proximais (primariamente). Os glicocorticoides também determinam uma redistribuição característica da gordura, com perda periférica das reservas de gordura e obesidade central. Ocorre deposição excessiva de gordura na nuca (giba de búfalo) e na face (face de lua cheia). Ao considerar o potencial de efeitos adversos dos glicocorticoides, é importante compreender o conceito de população de alto risco. Nem todos os indivíduos tratados com glicocorticoides desenvolvem os mesmos efeitos adversos, visto que a genética e ISADORA ESTEVAM E GABRIELA ABREU 26 RESUMO FARMACOLOGIA I a variabilidade ambiental fazem com que diferentes indivíduos corram risco de apresentar sequelas diferentes do tratamento. Assim, por exemplo, um paciente com diabetes limítrofe submetido a tratamento com glicocorticoides tende a desenvolver diabetes franco, ao passo que um paciente com reserva pancreática suficiente de células pode não exibir esse efeito adverso. Ao definir cuidadosamente os fatores de risco de um paciente, é frequentemente possível prever a predisposição desse paciente aos efeitos adversos dos glicocorticoides. Suspensão do Tratamento com Glicocorticoides Diversos problemas podem estar associados à interrupção da terapia crônica com glicocorticoides. Durante a terapia prolongada com níveis farmacológicos de glicocorticoides, os níveis plasmáticos elevados de glicocorticoides suprimem a liberação de ACTH pela adeno-hipófise e a do CRH pelo hipotálamo. Como o ACTH possui efeitos tróficos sobre o córtex suprarrenal, a supressão da liberação do hormônio durante a terapia com glicocorticoides resulta em atrofia do córtex suprarrenal. A interrupção abrupta da terapia com glicocorticoides pode precipitar insuficiência suprarrenal aguda,
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