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Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 201 RAPP – Volume 12, 2004 TRANSMISSÃO DE VÍRUS POR NEMATÓIDES PARASITOS DE PLANTAS Derek John F. Brown Central Laboratory of General Ecology, 2 Gagaruh Street, 1113 Sofia, Bulgária Stuart A. MacFarlane Scottish Crop Research Institute, Invergowrie, Dundee, DD2 5DA, Escócia Cleber Furlanetto Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Caixa Postal 91 85960-000 Marechal Cândido Rondon, PR Claudio Marcelo Gonçalves de Oliveira Instituto Biológico, Caixa Postal 70, 13001970 Campinas, SP Luiz Carlos C. Barbosa Ferraz Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Setor de Zoologia, 13418-900 Piracicaba, SP RESUMO Pesquisas sobre as relações entre viroses transmitidas por nematóides e os respectivos vetores associados constituem área científica relativamente nova. Os estudos pertinentes, em sua maioria, foram realizados na América do Norte e Europa, com poucas investigações conduzidas até o momento na América Latina, Ásia ou África. Não obstante, a importância das doenças de plantas causadas por vírus transmitidos por nematóides nessas áreas geográficas tem sido claramente reconhecida nos últimos anos, estimulando-se estudos que permitam adequada identificação e desenvolvimento de novas estratégias de controle delas. Presentemente, oito espécies de Longidorus, uma de Paralongidorus e nove de Xiphinema são conhecidas como vetoras de 12 viroses pertencentes ao gênero Nepovirus, ao passo que oito espécies de Paratrichodorus e cinco de Trichodorus veiculam três membros do gênero Tobravirus. As associações entre os vírus e seus vetores são altamente específicas e os fatores determinantes da transmissão estão sendo, atualmente, 202 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 melhor elucidados. Por exemplo, tem sido demonstrado que a capa protéica viral e uma proteína não estrutural do RNA2 do genoma bipartido do vírus são essenciais à transmissão de tobraviroses por nematóides tricodorídeos. Partículas virais são retidas na região esofagiana dos nematóides vetores, de onde são subseqüentemente transferidas para as células vegetais durante o processo de alimentação. Com nematóides tricodorídeos e do gênero Xiphinema, tem se comprovado que as partículas virais podem aderir a diferentes partes dessa região, dependendo do vírus envolvido, ou de seus isolados. Pepper ringspot, uma das três tobraviroses transmitidas por nematóides e seu agente vetor já foram relatadas no Brasil. Também, diversas espécies de Xiphinema capazes de transmitir nepoviroses em outros países, inclusive no Chile, ocorrem no Brasil, embora suas associações com tais viroses não tenham sido ainda devidamente investigadas. O desenvolvimento de técnicas moleculares para fins diagnósticos, rápidas e confiáveis, como já disponíveis e utilizadas na América do Norte e Europa, viria representar valioso instrumento em estudos visando ao assinalamento, à identificação e à distribuição dessas viroses e de seus nematóides vetores no Brasil. Ainda, os resultados de tais estudos poderiam vir a prover os subsídios básicos essenciais ao desenvolvimento de métodos, seguros em termos ambientais, destinados a controlar essas doenças no âmbito da agricultura brasileira. SUMMARY NEMATODE TRANSMISSION OF PLANT VIRUSES Research of nematode transmitted viruses and their associated vectors is a relatively new area of science. Most previous research has been done in North America and Europe, with few investigations having been done in Latin America, Asia, or Africa. Increasingly, the importance of crop diseases caused by nematode transmitted viruses are being recognised in these areas, with appropriate research studies being instigated to identify the diseases and to develop novel methods for controlling them. Currently, eight Longidorus, one Paralongidorus and nine Xiphinema nematode species are vectors of 12 viruses belonging to the genus Nepovirus. Eight Paratrichodorus and five Trichodorus nematode species are vectors of the three members of the genus Tobravirus. The associations between the viruses and their vectors are highly specific, and the viral determinants for transmission by vector nematodes are currently being elucidated. For example, with tobraviruses it has been demonstrated that the Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 203 RAPP – Volume 12, 2004 viral coat protein and a non-structural protein encoded on the RNA2 of the bipartite viral genome are essential for transmission of the viruses by trichodorid nematodes. Virus particles are retained in the oesophageal tract of their vectors from where they are subsequently released into plant cells during the feeding process. With trichodorid and Xiphinema nematodes it has been shown that virus particles adhere to different discrete regions, dependant on the virus or virus strain. Pepper ringspot, one of the three tobraviruses, and its vector nematode species was described from Brazil. Also, several Xiphinema species known to transmit nepoviruses in other countries, including Chile, occur in Brazil, but their association with nepoviruses has not yet been investigated. Development of rapid and reliable molecular diagnostics, as used in North America and Europe, would provide a valuable set of diagnostic tools for application in determining the occurrence and distribution of nematode transmitted viruses and their vectors in Brazil. Also, results from these studies would provide data and materials essential for basic research to develop novel, environmentally benign disease suppression measures for application in Brazilian agriculture. INTRODUÇÃO A transmissão de vírus de plantas por fitonematóides do solo, ectoparasitos, é área de pesquisa relativamente nova, iniciada com o relato (Hewitt et al., 1958) de Xiphinema index como o vetor natural do nepovírus causador da doença conhecida como 'folha em leque da videira' (grapevine fanleaf: GFLV), em vinhedos da Califórnia, Estados Unidos (figura 1). Esta descoberta estimulou a publicação subseqüente de novos relatos de diferentes espécies de nematóides atuando como vetoras de vírus. Entretanto, muitos deles foram rejeitados posteriormente porque não atendiam ao conjunto de critérios estabelecidos para a efetiva caracterização de fitonematóides como vetores de vírus (Trudgill et al., 1983; Brown et al., 1989b). Na ordem Dorylaimida, família Longidoridae, oito espécies do gênero Longidorus, uma de Paralongidorus e nove de Xiphinema são aceitas atualmente como vetoras de doze das trinta e oito viroses pertencentes ao gênero Nepovirus. Na ordem Triplonchida, família Trichodoridae, oito espécies de Paratrichodorus e cinco de Trichodorus são aceitas como 204 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Figura 1. Videiras exibindo folhas com tonalidade amarelada, sintoma típico causado pelo isolado cromogênico da virose "folha em leque da videira", transmitida por Xiphinema index. Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 205 RAPP – Volume 12, 2004 vetoras de três viroses pertencentes ao gênero Tobravirus (Taylor e Brown, 1997; Weischer & Brown, 2000) (tabela 1). Associações específicas entre nematóides vetores e seus respectivos vírus ou mesmo entre nematóides e estirpes de vírus serologicamente distintas resultaram no conceito deespecificidade vírus-vetor (Cadman, 1963; Harrison, 1964; Harrison et al., 1974b). Trabalhos mais recentes demonstraram a existência de exclusividade e complementaridade na transmissão de vírus por nematóides (Vassilakos et al., 1998b; Brown e Weischer, 1998). A especificidade vírus-vetor está relacionada ao grau de diferença entre vírus ou isolado viral e a posição taxonômica das espécies de nematóides vetores. Da mesma forma, diferentes populações de espécies vetoras diferem na habilidade de transmitir um vírus ou um isolado viral (Brown e Taylor, 1981; Brown e Trudgill, 1983; Brown, 1985, 1986a; Brown et al., 1989a; Brown et al., 1994; Brown et al., 1998). Quatro das doze nepoviroses transmitidas por nematóides são atribuídas a Longidorus, enquanto sete são exclusivas de Xiphinema e uma é transmitida pelos dois gêneros. O mecanismo de transmissão de vírus por nematóides fitoparasitos é similar ao modo não circulativo apresentado por insetos vetores de vírus de plantas. A retenção de partículas virais pode durar semanas ou até anos quando mantidas em sítios específicos no aparato alimentar de nematóides vetores. Uma vez retidas no corpo dos nematóides, as partículas virais não se replicam, não são passadas à progênie pelos ovos e são eliminadas sempre que os juvenis sofrem ecdises, já que todo o revestimento do aparato alimentar, de origem ectodermal, é eliminado juntamente com a cutícula do corpo. O PROCESSO DE TRANSMISSÃO Quando um nematóide alimenta-se de uma planta infectada com vírus, há uma grande chance de partículas virais serem ingeridas. Entretanto, para atuar como vetor, o nematóide tem que ser hábil o suficiente para ingerir pelo menos algumas das partículas virais presentes nas células parasitadas. Estas partículas, uma vez ingeridas, ficam retidas em sítio específico no vetor, podendo ser transmitidas para células de uma planta sadia durante alimentação posterior do nematóide. A infectividade das partículas virais permanece inalterada enquanto mantidas no sítio de retenção dentro do nematóide. Como os vírus requerem células vivas para o estabelecimento da infecção, os nematóides vetores não provocam a morte das células parasitadas durante o processo alimentar. 206 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Tabela 1. Exclusividade e complementaridade em associações específicas entre nematóides longidorídeos e tricodorídeos e respectivas nepo e tobraviroses Vetor Vírus (acrônimo) Isolado Exclusividade entre vírus e vetor - Longidoridae e nepoviroses Longidorus apulus artichoke Italian latent (AILV) Italiano L. arthensis cherry rosette disease (CRV) Suiço L. attenuatus tomato black ring (TBRV) Alemão, Inglês L. fasciatus artichoke Italian latent (AILV) Grego L. martini mulberry ringspot (MRSV) Japonês Paralongidorus maximus raspberry ringspot (RRSV) Alemão Exclusividade entre vírus e vetor - Trichodoridae e tobraviroses Paratrichodorus hyspanus tobacco rattle (TRV) Português Trichodorus tunisiensis tobacco rattle (TRV) Italiano Complementaridade entre Vírus e Vetor - Longidoridae e nepoviroses Longidorus diadecturus peach rosette mosaic (PRMV) Am. do Norte L. elongatus raspberry ringspot (RRSV) Escocês, Lloyd George, MX, Inglês tomato black ring (TBRV) Escocês L. macrosoma raspberry ringspot (RRSV Inglês, Suiço Xiphinema americanum (sensu lato) cherry rosette disease (CRV) Am. do Norte peach rosette mosaic (PRMV) Am. do Norte tobacco ringspot (TRSV) Am. do Norte tomato black ring (ToRSV) Am. do Norte X. americanum (sensu stricto) cherry rosette disease (CRV) Am. do Norte tobacco ringspot (TRSV) Am. do Norte tomato black ring (ToRSV) Am. do Norte X. bricolensis tomato black ring (ToRSV) Am. Do Norte X. californicum cherry rosette disease (CRV Am. do Norte tobacco ringspot (TRSV) Am. do Norte tomato black ring (ToRSV) Am. Do Norte X. diversicaudatum arabis mosaic (ArMV) Inglês, Suiço strawberry latent ringspot (SLRSV) Inglês, Italiano X. index grapevine fanleaf (GFLV) Mundialmente disseminado X. intermedium tobacco ringspot (TRSV) Am. do Norte tomato black ring (ToRSV) Am. do Norte X. italiae grapevine fanleaf (GFLV) Israel Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 207 RAPP – Volume 12, 2004 Continuação tabela 1. Vetor Vírus (acrônimo) Isolado X. rivesi cherry rosette disease (CRV) Am. do Norte tobacco ringspot (TRSV) Am. do Norte tomato black ring (ToRSV) Am. do Norte X. tarjanense tobacco ringspot (TRSV) Am. do Norte tomato black ring (ToRSV) Am. do Norte Complementaridade entre Vírus e Vetor - Trichodoridae e tobraviroses Paratrichodorus allius tobacco rattle (TRV) Am. do Norte P. anemones tobacco rattle (TRV) PaY4 pea early-browning (PEBV) Inglês P. minor pepper ringspot (PRV) Brasileiro tobacco rattle (TRV) Am. do Norte P. nanus tobacco rattle (TRV) PRN P. pachydermus pea early-browning (PEBV) PRN, PaY4 P. porosus tobacco rattle (TRV) Am. do Norte P. Teres pea early-browning (PEBV) Holandês Trichodorus cylindricus tobacco rattle (TRV) RQ, Estirpe TcB28 pea early-browning (PEBV) Inglês T. primitivus tobacco rattle (TRV) RQ pea early-browning (PEBV) Inglês T. similis tobacco rattle (TRV) Belga, Grego, Holandês, T. viruliferus tobacco rattle (TRV) RQ pea early-browning (PEBV) Inglês 208 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Portanto, a transmissão de um vírus por um nematóide vetor envolve uma complexa série de processos distintos, mas inter-relacionados. Ao todo, o sucesso da transmissão envolve sete processos, conhecidos como: ingestão; aquisição; adsorção; retenção; transmissão; transferência; e estabelecimento (tabela 2). É essencial à transmissão que haja um reconhecimento entre o vírus e o vetor, que deve ser mantido durante a adsorção, a retenção e, possivelmente, durante a própria transmissão das partículas virais. Tal reconhecimento pode: i) envolver a presença de moléculas localizadas na superfície do aparato alimentar dos vetores; ii) ser influenciado por respostas fisiológicas dos nematóides durante o processo alimentar, a exemplo da produção de secreções pelas glândulas esofagianas, que são liberadas para o interior das células das plantas parasitadas; e iii) requerer, fundamentalmente, a existência de certas propriedades estruturais específicas da parte das partículas de vírus transmitidas. O APARATO ALIMENTAR O aparato alimentar dos diversos nematóides transmissores de vírus é similar no que respeita ao fato de apresentarem um estilete para perfurar as células das raízes das plantas parasitadas (figura 2). As secreções glandulares, produzidas no bulbo esofagiano basal dos nematóides, são injetadas no interior das células para facilitar a obtenção de alimento. A retirada do conteúdo celular, principalmente pelos longidorídeos, ocorre graças ao bulbo basal, que funciona como uma bomba de sucção e força a passagem do alimento ao longo do esôfago até ser lançado para o interior do intestino, atravessando a válvula cardíaca. A estrutura do aparato alimentar e a produção de secreções glandulares durante o processo de alimentação estão intrinsicamente ligadas à habilidade dos nematóides em transmitir vírus. LONGIDORIDAE Descrição mais detalhada do aparato alimentar de Longidorus e Xiphinema pode ser encontrada em Taylor e Brown (1997). De modo objetivo, é formado por um odontoestilete oco e geralmente longo, de 60 aTransmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 209 RAPP – Volume 12, 2004 Tabela 2. Definição dos processos envolvidos no sucesso da transmissão de viroses por nematóides (segundo Brown e Weischer, 1998) Processo Definição Ingestão É a tomada de partículas virais pelo nematóide durante a alimentação Aquisição É a ingestão propriamente dita de partículas virais, que podem ficar total ou parcialmente retidas no aparato alimentar do nematóide. Adsorção É o processo ativo pelo qual as partículas virais aderem aos sítios de retenção específicos no aparato alimentar. Tempo de Retenção É o período pelo qual partículas virais, especificamente adsorvidas, permanecem aderidas ao sítio de retenção no aparato alimentar. Transmissão É a dissociação de partícula(s) de vírus do sítio de retenção específico no aparato alimentar. Transferência É a deposição de partícula(s) de vírus no interior de uma célula vegetal viva. Estabelecimento É a colonização (infecção) de uma planta por um vírus, subseqüente à transferência (= vírus transmitido). 210 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Figura 2. Representação esquemática da estrutura morfológica das regiões anteriores de Longidorus, Xiphinema e Trichodoridae mostrando o aparato alimentar, glândulas e dutos no bulbo esofagiano, e os sítios de retenção de vírus em Longidorus, Xiphinema e Trichodoridae. Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 211 RAPP – Volume 12, 2004 250µm em comprimento em espécimes adultos, conectado a uma extensão basal, também oca, denominada odontóforo. O odontoestilete apresenta uma longa e estreita fenda longitudinal, que facilita a sua curvatura durante o processo alimentar. Após o odontóforo, que constitui a primeira parte do esôfago, segue uma estrutura intermediária estreita, tubular e flexível, que se continua por um bulbo basal cilíndrico, bem mais expandido, muscular e glandular (figura 2). A luz ao nível do bulbo basal, ou pelo menos na maioria de seu comprimento, mostra-se trirradiada, dispondo-se a espessa cutícula na forma de três pares de plaquetas esclerosadas. A contração de músculos radiais provoca a abertura da luz, que muda de trirradiada a aproximadamente triangular (secção transversal), mais expandida, e o relaxamento de músculos periféricos assegura a manutenção do volume e da pressão de turgor no interior do bulbo. Com a subseqüente contração dos músculos periféricos, passa a ocorrer diminuição do volume do bulbo, aumentando a sua pressão de turgor. Por fim, há o relaxamento dos músculos radiais e, devido à natural elasticidade da cutícula, a luz se "fecha", ou seja, retorna à condição original trirradiada (Roggen et al., 1967; Taylor et al., 1970; Roggen, 1975). Três glândulas esofagianas bem desenvolvidas estão contidas no bulbo basal, uma dorsal e duas ventro-laterais. O duto da glândula dorsal é no geral mais largo que os dutos das ventro-laterais e, o mais das vezes, abre-se na luz em posição anterior no bulbo; os dutos das glândulas ventro-laterais, por sua vez, abrem-se ao nível da região intermediária do bulbo, ou mais posteriormente. A extensão e a retração do odontoestilete é efetuada por músculos situados ao longo do odontóforo ou na sua base. Em espécies de Longidorus, o odontoestilete é circundado em todo o seu comprimento por uma bainha- guia de natureza cutícular. Além disso, o odontoestilete é ligado anteriormente a um anel guia, através de uma conexão curta e flexível, e posteriormente ao término anterior do odontóforo. Quando completamente retraído, o odontoestilete é circundado pela bainha guia. O queilóstoma em espécies de Xiphinema é muito mais longo do que em espécies de Longidorus, estendendo-se até quase o nível do odontóforo. A bainha guia, quando presente em espécies de Longidorus, aparece conectada ao anel guia, ficando sua porção anterior dentro do queilóstoma e a posterior fundida ao odontóforo, em aproximadamente um terço de seu comprimento. Em espécies de Xiphinema, o odontoestilete, quando completamente retraído, permanece quase inteiro dentro do queilóstoma (= estoma stricto sensu), restando apenas uma pequena parte no interior da bainha guia (Taylor e Brown, 1997). TRICHODORIDAE 212 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Em Trichodoridae, o queilóstoma é curto e mostra-se trirradiado em seção transversal, sendo forrado, como nos nematóides longidorídeos, por uma invaginação da cutícula. Um tubo guia simples, que se ajusta perfeitamente ao redor do onquioestilete (= estilete) durante a alimentação, é formado pela parte proximal. O esôfago (aqui considerado como incluindo praticamente todo o estomodeo, pois o queilóstoma é bem curto) apresenta três regiões distintas: uma anterior muscular (= estomodeo anterior modificado), que contém o onquioestilete; uma parte intermediária mais estreita; e um bulbo basal glandular, mais alargado e aproximadamente piriforme. O onquioestilete é sólido, não canaliculado, sendo pois usado apenas para perfurar as paredes celulares vegetais. A ingestão é realizada graças à formação de um tubo alimentar (= "feeding tube"), resultante do enrijecimento de secreções glandulares ao redor do onquioestilete de modo a formar como que um "canudo", através do qual o conteúdo celular é succionado para o interior do trato esofagiano dos nematóides. A parte mais anterior do onquioestilete é sólida e afilada, mas o órgão aumenta gradualmente de diâmetro à medida que se projeta para o interior da luz esofagiana, posicionando-se essa sua parte posterior mais dilatada (ou simplesmente onquióforo) pelo lado dorsal da luz. Assim, o onquioestilete, apresenta-se como estrutura fundida à parede dorsal do esôfago pela sua porção basal mais alargada, à qual se prendem, dorsal e lateralmente, músculos protráteis. A parede cuticular da região anterior do esôfago pode ser considerada equivalente à bainha guia dos longidorídeos. Entretanto, em Longidorus e Xiphinema, a bainha guia é, o mais das vezes, separada por tecidos. Em tricodorídeos, a parede do esôfago opera em conjunto com o onquioestilete para o bombeamento e a ingestão do suco celular através da luz esofagiana. Isto é devido a três músculos protráteis, um dorsal e dois subventrais, que se estendem da região do queilóstoma até a parte posterior do onquioestilete, onde se dividem em seis músculos longitudinais distintos (Hirumi et al., 1968). Estes músculos trabalham em conjunto com músculos da região do queilóstoma causando a expansão e fechamento da luz esofagiana e criando uma ação de bombeamento. Como músculos retratores estão ausentes, a retração do onquioestilete ocorre, ao que tudo indica, como uma resposta automática a uma redução na pressão hidrostática dos músculos protratores (Raski et al., 1969; Robertson e Wyss, 1983; Decraemer, 1995). Cinco glândulas estão contidas no bulbo basal piriforme. Uma é dorsal, mais desenvolvida, com núcleo visível à altura da metade do bulbo ou mais posteriormente, e que se abre na luz quase junto ao término anterior do bulbo. Duas outras são subventrais, pequenas e abrem-se na luz próximo ao Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 213 RAPP – Volume 12, 2004 término posterior do bulbo; por fim, as duas últimas são também subventrais, mas muito pequenas,possivelmente abrindo-se na luz na metade anterior do bulbo. Em Paratrichodorus allius e P. porosus, os orificios da glândula dorsal e das duas glândulas subventrais mais conspícuas são circundados por estrutura que lembra uma cavidade, provida braços radiais e ramificados (Raski et al., 1969; Bird, 1971), cuja função provável seria a de coletar fluidos secretados pelas glândulas esofagianas, antes mesmo destes serem liberados para na luz esofagiana (Wyss, 1999). O bulbo contém músculos radiais em sua metade posterior, situados cerca de 10µm anteriormente à cárdia, que se contraem durante a alimentação (Wyss, 1971). ASSOCIAÇÃO VÍRUS-VETOR A maioria das pesquisas sobre transmissão de viroses de plantas por nematóides tem sido feita na Europa e América do Norte, freqüentemente estimulada pela descoberta de doenças em culturas causadas por diversas viroses e estirpes de vírus (figuras 3 e 4). Na Europa, um aparente relacionamento entre espécies de nematóides longidorídeos e nepoviroses foi primeiramente proposto por Harrison (1961). Esse autor observou que o grau de similaridade entre as diferentes viroses transmitidas por nematóides guardava semelhança com a relação filogenética entre as respectivas espécies de nematóides vetores. Cadman (1963) ampliou essa observação inicial e relatou que, embora diferentes nepoviroses apresentassem diferentes vetores, era também evidente que estirpes serologicamente distintas de um mesmo vírus eram transmitidas por diferentes espécies de nematóides pertencentes a um mesmo gênero e, portanto, taxonomicamente relacionadas. Harrison (1964) referiu-se a vetores específicos envolvidos na transmissão de isolados de nepovírus serologicamente distintos. Posteriormente, a especificidade da transmissão foi confirmada por Harrison et al. (1974b) e estendida a diferentes populações de espécies de nematóides vetores e a serotipos menos conhecidos ou comuns de diversas nepoviroses (Brown et al., 1989; Brown et al., 1995b). O termo ‘especificidade’ foi definido por Brown e Weischer (1998) como sendo ‘a relação específica entre um vírus de planta e seu nematóide vetor’. Na América do Norte, as principais espécies de nematóides vetores de vírus pertencem ao chamado "grupo do Xiphinema americanum", que inclui aproximadamente 40 espécies de reprodução partenogenética. No 214 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Figura 3. Pessegueiro aparentemente sadio (esquerda) e infectado (direita) com o vírus "tomato ringspot", transmitido por Xiphinema diversicaudatum. Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 215 RAPP – Volume 12, 2004 Figura 4. Tradicional prato da cozinha britânica ("fish and chips") com batatas exibindo áreas necróticas nos tecidos internos, sintoma causado pelo "tobacco rattle virus", transmitido por nema tóides tricodorídeos. 216 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 entanto, a posição taxonômica da maioria destas espécies é controvertida, já que muitas delas são separadas apenas com base em pequenas diferenças morfométricas ou morfológicas. Além disso, diversas espécies de Xiphinema pertencentes ao grupo transmitem duas, três ou mesmo quatro diferentes nepoviroses, sendo a especificidade de transmissão mais evidente ao nível populacional (Hoy et al., 1984; Griesbache e Maggenti, 1990; Brown et al., 1994; 1996b). Diferenças observadas na transmissão de estirpes de nepovírus, causadoras da mancha anelar em fumo e tomate, por populações de diversas espécies de nematóides resultam da especificidade de transmissão dos isolados ‘locais’ dessas viroses pelas populações ‘locais’ de nematóides vetores (Brown et al., 1993). A especificidade de transmissão entre nepoviroses da América do Norte e suas respectivas espécies vetoras do grupo do X. americanum é mais complexa e difícil de se identificar do que aquela observada na Europa para nematóides longidorídeos vetores e seus respectivos nepovírus. Hoof (1968) sugeriu que talvez existissem relações específicas entre isolados de tobraviroses e populações de nematóides tricodorídeos ocorrendo juntos sob condições naturais. Posteriormente, a especificidade de transmissão, tal como observada com nematóides longidorídeos e nepoviroses, foi confirmada para tobraviroses e seus respectivos nematóides tricodorídeos vetores (Brown e Ploeg, 1989; Ploeg et al., 1992; Vassilakos et al., 1998a). Estudos detalhados de associações vírus-vetor resultaram nos conceitos de ‘exclusividade’ e ‘complementaridade’, aplicados à especificidade de transmissão (Brown e Weischer, 1998; Vassilakos et al., 1998b). A exclusividade de vírus-vetor é definida como ‘o caso em que uma espécie de nematóide transmite apenas um vírus ou uma estirpe de vírus distinta, e o vírus ou a estirpe de vírus apresenta um único nematóide vetor’. Em contraposição, a complementaridade vírus-vetor é definida como sendo ‘o caso em que uma espécie de nematóide transmite duas ou mais viroses ou estirpes distintas de um vírus ou duas ou mais estirpes de vírus compartilham o mesmo nematóide vetor (Brown e Weischer, 1998) (tabela 1). Partículas virais são especificamente retidas em sítios bem definidos ao longo do aparato alimentar do nematóide vetor (figura 2). Entretanto, partículas não aderidas a qualquer sítio de retenção têm sido eventualmente observadas na região do queilóstoma em Longidorus e Xiphinema. A esse respeito, tem sido sugerido que partículas localizadas nessa região talvez contribuam para uma transmissão de vírus ocasional e não- específica, particularmente quando o nematóide é transferido rapidamente de uma planta infectada para uma sadia (Taylor e Robertson, 1969, 1975). Mas, é improvável que isto aconteça freqüentemente sob condições naturais. Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 217 RAPP – Volume 12, 2004 Tal tipo de transmissão aparentemente ocorreu em estudos de laboratório visando avaliar os potenciais de L. breviannulatus e L. elongatus em transmitir o nepovírus do mosaico em roseta do pêssego (peach rosette mosaic: PRMV) (Allen, 1986; Allen e Ebsary, 1988). Nestes experimentos, somente uma de 52 e uma de 46 plantas-teste foram infectadas com o PRMV em testes de transmissão com L. breviannulatus e L. elongatus, respectivamente. SÍTIOS DE RETENÇÃO DE VÍRUS Estudos iniciais realizados com microscopia eletrônica, utilizando espécies de Xiphinema, com o objetivo de determinar a localização específica do sítio de retenção e transmissão de vírus em nematóides vetores não foram bem sucedidos (Wright, 1965; Lopez-Abella et al., 1967; Roggen et al., 1967). Entretanto, a descoberta de que o GFLV não persistia após as ecdises em nematóides juvenis (Taylor e Raski, 1964) deslocou o foco das atenções sobre o aparato alimentar dos nematóides como o mais provável sítio de retenção de vírus. Exames de secções ultrafinas de espécimes de L. elongatus que tiveram acesso a plantas com as nepoviroses mancha anelar da framboesa (RRSV) e anel preto do tomateiro (TBRV), ambas transmitidas por este nematóide vetor, revelaram a presença de partículas virais associadas à luz do queilóstoma e localizadas entre o odontoestilete e a bainha guia (Taylor e Robertson, 1969). Em L. elongatus, com acesso ao nepovírus do mosaico em arabis (ArMV), não transmitido por estenematóide, poucas partículas foram observadas na região do queilóstoma, mas não na luz do odontoestilete, ou associadas à bainha guia ou ao esôfago. Desta forma, concluiu-se que o sítio de retenção específico de viroses transmitidas por nematóides era o espaço compreendido entre o odontoestilete e a bainha guia, com as partículas virais especificamente adsorvidas na parte cuticular da bainha guia (Taylor e Robertson, 1969). Provavelmente, as partículas de vírus consigam entrar nesta área através de fenda longitudinal localizada no odontoestilete. Esta fenda abre-se parcialmente quando o odontoestilete é movimentado (movimento giratório) ou encurvado durante a alimentação. O odontoestilete em Longidorus é "envelopado" pela bainha guia, permitindo a formação de uma região adequada à retenção de partículas virais. Entretanto, os mecanismos pelos quais essas partículas de vírus são especificamente retidas nesta região e depois ativamente liberadas, ainda não são bem conhecidos. É possível que partículas retidas nestes sítios possam somente ser transmitidas passivamente para o interior da luz do odontoestilete, via fenda longitudinal. Assim, elas 218 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 poderiam então sofrer a dissociação e então serem liberadas e transmitidas para o interior da célula juntamente com as secreções da glândula esofagiana injetadas pelo nematóide durante o processo alimentar. Alternativamente, as partículas de vírus talvez fiquem adsorvidas à parede externa do odontoestilete com força suficiente para que não sejam arrancadas quando o odontoestilete é protraído através do anel guia e inserido na parede celular durante a alimentação do nematóide. Desta forma, as partículas virais poderiam ser ativamente liberadas para o interior das células juntamente com as secreções da glândula esofagiana injetadas pelo nematóide ou por algum componente do suco celular. Outros estudos revelaram a presença de partículas do nepovírus da mancha anular da framboesa (raspberry ringspot) adsorvidas à superfície interna do odontoestilete de espécimes de L. elongatus, de uma população bissexual oriunda da Holanda (Taylor e Brown, 1981). Trabalhos adicionais com espécies de Longidorus vetoras de vírus, revelaram a presença de partículas virais localizadas entre o odontoestilete e a bainha guia, e adsorvidas à superfície interna da parede do odontoestilete. Como exemplos, podem ser citados: L. apulus e L. fasciatus com o AILV (Taylor et al., 1976; Brown et al., 1997), L. arthensis com o CRV (Brown et al., 1998), L. attenuatus com o TBRV (Taylor e Brown, 1997) e L. macrosoma com o RRSV (Taylor e Robertson, 1975) (figura 5). Desta forma, a parede interna do odontoestilete parece ser o sítio mais apropriado para a retenção de partículas virais, ao passo que a passagem de secreções oriundas da glândula esofagiana, durante a alimentação, favorece a dissociação, liberação e transmissão das partículas. Estudos de microscopia eletrônica realizados com espécimes de X. diversicaudatum portando o ArMV e X. index portando o GFLV mostraram as partículas virais dispostas em camada única, adsorvidas ao forro cuticular do esôfago, da extremidade anterior do odontóforo até o término posterior do bulbo basal (Taylor e Robertson, 1970a). Partículas do nepovírus da mancha anular do fumo (tobacco ringspot: TRSV) e da mancha anular latente do morango (strawberry latent ringspot: SLRSV) foram também observadas associadas ao esôfago em X. americanum sensu lato e em X. diversicaudatum, respectivamente (Raski et al., 1973; Robertson e Wyss, 1983). No entanto, partículas de vírus não têm sido observadas associadas ao odontoestilete ou a bainha guia, em nematóides do gênero Xiphinema. Conseqüentemente, concluiu-se que o sítio de retenção de vírus em espécies de Longidorus vetoras é a superfície interna do odontoestilete, mas Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 219 RAPP – Volume 12, 2004 Figura 5. Micrografia de secção transversal mostrando: A: partículas de "rasberry ringspot virus" retidas na região do odontostílio de Longidorus macrossoma; B: partículas do vírus "straberry latent ringspot" junto a parede do odontóforo de Xiphinema diversicaudatum. 220 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 com partículas de vírus também sendo retidas na área compreendida entre o odontoestilete e a bainha guia. Por outro lado, o sítio de retenção em espécies de Xiphinema é o esôfago, ou seja, estende-se da extremidade anterior do odontóforo até o término posterior do bulbo basal (figura 2). Em Trichodoridae, estudos de microscopia eletrônica revelaram a presença de partículas do tobravírus TRV associadas ao forro cuticular do esôfago de P. pachydermus (Taylor e Robertson, 1970b). Observações similares foram relatadas para T. similis carregando partículas do TRV (Brown et al., 1996a). Os tobravírus apresentam dois tipos de partículas: curtas e longas (ver item VII). Partículas longas foram observadas aderidas ao forro cuticular do esôfago por todo o comprimento, enquanto as partículas curtas foram freqüentemente encontradas aderidas pelas suas extremidades. A densidade das partículas foi maior na região do bulbo glandular do esôfago de P. pachydermus, associadas a uma camada de carboidratos corada artificialmente. Seções ultrafinas de microscopia eletrônica revelaram a presença de partículas de tobravírus especificamente retidas em diferentes locais no trato esofagiano de diversas espécies de nematóides tricodorídeos, incluindo espécies não vetoras de vírus. Com base neste estudo, três regiões distintas do esôfago foram identificadas: a região anterior ao orifício da glândula dorsal; entre os orifícios da glândula dorsal e ventro-sublaterais anteriores; e a região posterior ao orifício das glândulas ventro-sublaterais posteriores (Karanastasi, 2001). Karanastasi et al. (2001) concluíram que partículas de vírus presentes na região anterior à saída da glândula dorsal podem não estar necessariamente retidas ao forro cuticular esofagiano. Desta forma, permanecendo livres no esôfago, partículas virais poderiam ser carregadas para o interior das células vegetais, mais provavelmente junto com as secreções da glândula dorsal. No bulbo esofagiano, mais precisamente entre as aberturas anteriores das glândulas dorsal e ventro-sublaterais, as partículas virais são persistentes, mantendo-se retidas por um longo tempo. Desta forma, as partículas podem ser liberadas vagarosamente e, ao que tudo indica, participem de forma ativa na transmissão do TRV para diversas plantas. Já partículas retidas na região posterior à abertura das glândulas ventro-sublaterais posteriores, quando liberadas, podem somente mover-se em direção ao intestino do nematóide, não estando, então, disponíveis para a transmissão. O sítio de retenção de vírus nas espécies vetoras de Trichodorus e Paratrichodorus é similar, portanto, ao apresentado por espécies de Xiphinema, ou seja, o esôfago ou trato esofagiano (figura 2). Entretanto, no caso dos tricodorídeos, muitas vezes há uma preferência por certos sítios de retenção "especialmente localizados" ao longo do trato esofagiano, que é Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 221 RAPP – Volume 12, 2004 determinada pelas espécies de tobraviroses e suas respectivas estirpes associadas. Em estudos de microscopia eletrônica antes mencionados, partículas de vírus foramidentificadas apenas com base na morfologia. Recentemente, técnicas imunológicas têm sido utilizadas para confirmar a identificação de partículas de nepo e tobraviroses encontradas em sítios de retenção específicos de nematóides vetores. Wang e Gergerich (1998) utilizaram microscopia de imunofluorescência para localizar TRSV na região esofagiana de X. americanum sensu stricto. O sítio de retenção encontrado para esta espécie correspondeu ao sítio de retenção descrito para espécies vetoras (Raski et al., 1973). A proporção de nematóides marcados com anticorpos fluorescentes e específicos ao TRSV aumentou quando o período de aquisição do vírus subiu de 0 para 22 dias. Aumento no número de nematóides transmitindo o vírus também foi observado (Wang e Gergerich, 1998). Cortes ultrafinos de espécimes de P. anemones e P. pachydermus, que haviam sido previamente confirmados como capazes de transmitir o TRV, foram examinados em estudos de imuno-marcação com ouro, usando-se anticorpos específicos à proteína do capsídeo do TRV. Os resultados obtidos confirmaram a presença de aglomerados de partículas de vírus apenas na metade posterior do trato esofagiano desses nematóides (figura 6; Karanastasi et al., 2000a, b). Estes estudos referidos nos dois parágrafos anteriores possibilitaram, pela primeira vez, inequívoca demonstração da presença e localização de partículas de nepo e tobravírus retidas em sítios específicos em nematóides vetores dos gêneros Xiphinema e Paratrichodorus. MECANISMOS ENVOLVIDOS NA ASSOCIAÇÃO VÍRUS-VETOR ADSORÇÃO, RETENÇÃO E TRANSMISSÃO Para serem eficientemente transmitidas, as partículas de vírus têm que se associar e, posteriormente, dissociar do sítio de retenção dentro do nematóide vetor. Este processo envolve sete etapas distintas, previamente estabelecidas por Brown e Weischer (1998) (tabela 2). Três delas envolvem a interação vírus-nematóide, como por exemplo a adsorção de partículas de 222 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Figura 6. Micrografia de partículas de "tobacco rattle virus" no lúmen do esôfago de Paratrichodorus pachydermus através de imunomarcação com ouro, mostrando a agregação de partículas de ouro coloidal (pontos negros) associadas a partículas de vírus (escala em barras corresponde a 0,2µm). Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 223 RAPP – Volume 12, 2004 vírus durante a ingestão de alimento pelo nematóide vetor, a retenção das mesmas até a próxima ingestão de alimento, e a posterior liberação de partículas virais pela injeção de secreções produzidas pela glândula esofagiana, durante o início do processo de alimentação. A eficiência relativa destes três processos, principalmente aqueles referentes à adsorção e a liberação de partículas virais, determina a eficiência de um nematóide como vetor de vírus. É possível também que, em alguns casos, um fator qualquer oriundo da planta hospedeira possa estar envolvido em uma associação específica do vírus com o vetor. Como exemplo pode-se citar X. index, que pode adquirir o GFLV tanto de células das raízes de videira como de Chenopodium quinoa. Entretanto, partículas do GFLV adquiridas por X. index a partir destas duas plantas hospedeiras somente são transmitidas para videira (Trudgill e Brown, 1980). Desta forma, duas hipóteses podem ser consideradas. A primeira seria a ausência de um fator que promova a transmissão de partículas virais do nematóide vetor para C. quinoa. A segunda, a impossibilidade de multiplicação das partículas virais inoculadas nas células das raízes pelo nematóide vetor. Foi comprovado que a habilidade de transmissão do ArMV e SLRSV por X. diversicaudatum é caráter geneticamente herdado (Brown, 1986b). Cruzamentos entre espécimes de uma população escocesa de X. diversicaudatum, altamente eficientes na transmissão de vírus, com outros da mesma espécie, mas pertencentes a uma população italiana com baixa eficiência de transmissão, produziram progênie F1 caracterizada por eficiência de transmissão maior do que a da população italiana, porém mais baixa do que a da escocesa. A progênie F2 da população italiana apresentou maior eficiência de transmissão do que a progênie F1, mas não o suficiente para atingir o nível de eficiência da população escocesa. Portanto, a baixa eficiência de transmissão evidenciada pela população italiana resultava de típica inabilidade em adsorver as partículas dos dois vírus nos sítios de retenção (Brown e Trudgill, 1983). Pode-se concluir que das aparentes semelhanças entre as regiões usadas para retenção de vírus em Xiphinema e em nematóides tricodorídeos, qual seja o trato esofagiano, quando comparadas à usada por espécies de Longidorus, ou seja, a região do odontoestilete, dois diferentes métodos para adsorção, retenção e transmissão de vírus são utilizados por estes dois grupos de espécies vetoras. Nos casos das espécies vetoras de Xiphinema e tricodorídeos há indicação de que o reconhecimento específico entre vírus e vetor possa envolver uma interação de natureza complementar entre as moléculas em seus pontos de contato. 224 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Por exemplo, uma camada descontínua corada como carboidratos, foi detectada revestindo o esôfago de X. diversicaudatum e X. index, incluindo o odontóforo. Em X. diversicaudatum, partículas do ArMV e SLRSV foram adsorvidas somente onde esta camada ocorria. Além disso, partículas do ArMV apresentavam-se recobertas por uma "nuvem" de material que se corava como carboidratos, o que não aconteceu com aquelas pertencentes ao SLRSV (Robertson e Henry, 1986a). Observou-se que todo o forro cuticular do trato esofagiano em P. pachydermus apresentava também uma camada corada como carboidrato (Robertson e Henry, 1986b). Sugeriu-se então que a retenção de vírus no trato esofagiano de Xiphinema e de tricodorídeos em geral poderia envolver interações entre frações de carboidratos do forro cuticular do esôfago dos nematóides e estruturas superficiais dos capsídeos virais. A camada de material que se corava como carboidrato, que pode aderir ao forro cuticular do trato esofagiano de Xiphinema e de tricodorídeos, constitui possivelmente resíduo de secreções liberadas pelas glândulas esofagianas na luz do esôfago, particularmente pela glândula dorsal, mais desenvolvida. A retração do odontoestilete no final do processo alimentar em nematóides do gênero Xiphinema, é seguida por diversas pulsações do bulbo esofagiano (Trudgill, 1976; Wyss, 1977; Hunt e Towle, 1979), provavelmente para lavagem, desobstrução ou limpeza do canal alimentar (Trudgill, 1976). Como tais nematóides não apresentam um mecanismo pelo qual possam liberar ou ingerir completamente tais secreções, parece provável que resíduos delas possam permanecer dentro da luz esofagiana e aderir ao seu forro cuticular. É bem provável, portanto, que esse resíduo das secreções contribua à formação da camada que se corava como carboidratos já referida, observada aderente ao forro cuticular do trato esofagiano desses nematóides. Além disso, os resíduos de secreção podem ser a explicação para a presença de uma camada mucosa, relatada em associação com o processo de retenção de vírus em diversos nematóides vetores (Taylor e Robertson, 1969, 1970a, 1970b; McGuire et al., 1970; Raski et al., 1973). Uma hipótese altenativa seria a ocorrência de interação de cargas elétricas presentesna superfície das partículas virais (Harrison e Roberts, 1968) e áreas com cargas opostas presentes no forro cuticular do aparato alimentar dos nematóides (Taylor e Robertson, 1970a; Raski et al., 1973; Taylor e Brown, 1981). Diferenças fundamentais na morfologia das cutículas interna e externa ocorrem na região do odontoestilete em nematóides. Por outro lado, a região do trato esofagiano apresenta cutículas interna e externa similares (Inglis, 1966). Estes dois tipos de cutículas apresentam pontos isoelétricos diferentes (Inglis, 1966). Em L. elongatus, a marcação da região Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 225 RAPP – Volume 12, 2004 do odontoestilete com ferritinina cationizada revelou uma forte carga negativa associada à superfície do mesmo e da parede da luz (Robertson, 1987). Portanto, em particular para espécies de Longidorus, cargas elétricas superficiais podem determinar a retenção de vírus. Secreções produzidas pelas glândulas esofagianas dos nematóides durante a alimentação induzem mudanças fisiológicas nas células parasitadas. Células próximas às células parasitadas também são freqüentemente afetadas. A alimentação de nematóides longidorídeos em raízes de plantas, em muitos casos, induz a formação de típicas galhas apicais, ao passo que os tricodorídeos causam as chamadas raízes em coto. Durante a alimentação, as secreções da glândula esofagiana de nematóides vetores são bombeadas através do trato até as células das raízes. Conseqüentemente, tais secreções são consideradas o principal meio pelo qual partículas de vírus adsorvidas são liberadas e injetadas para o interior das células das plantas. Essas secreções talvez iniciem a liberação de partículas virais devido a uma mudança de pH no trato esofagiano ou na região do odontoestilete, ou a uma "inundação" do sítio de retenção com molécula(s) de efeito específico. A especificidade de transmissão está mais comumente relacionada à associação física de partículas de vírus com o sítio de retenção. Entretanto, em L. macrosoma, tem sido demonstrado que a especificidade de transmissão está ligada à dissociação das partículas de vírus no sítio de retenção (Taylor e Robertson, 1975; Trudgill e Brown, 1978). Longidorus macrosoma pode adsorver partículas dos isolados escocês e inglês do RRSV, mas só transmite eficientemente o inglês. Aparentemente, a falha na transmissão do isolado escocês é devida a uma inabilidade em dissociar partículas do vírus no sítio de retenção. Tem sido sugerido que um processo mais rápido de aquisição associado a um mecanismo mais lento de liberação das partículas virais poderia representar um sistema ecologicamente vantajoso na transmissão bem sucedida de vírus por nematóides vetores (Mayo et al., 1995). Isto poderia ocorrer particularmente em espécies de Xiphinema (Brown et al., 1996c), nas quais o grande volume de secreção produzido pela glândula e liberado na luz do esôfago em combinação com a força pela qual tal secreção é impulsionada ao longo do órgão seria suficiente para provocar uma lavagem mecânica ou para dissociar as partículas de vírus adsorvidas nos sítios de retenção. 226 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 SEQÜÊNCIAS DO GENOMA VIRAL RESPONSÁVEIS PELA TRANSMISSÃO POR NEMATÓIDES VETORES Embora nepo e tobraviroses sejam transmitidas por fitonematóides, apresentam poucas características em comum. Viroses pertencentes a estes dois grupos apresentam genoma bipartido e RNA de fita simples. Entretanto, nepoviroses expressam seus genomas por processamento proteolítico de poliproteínas e encapsidam seus RNAs genômicos em partículas esféricas de tamanho uniforme. Já as tobraviroses expressam seus genomas através de RNAs mensageiros subgenômicos e dão formação a dois tipos de partículas, ambas com o formato de bastonete: as mais longas, contendo o RNA maior (RNA-1), e as menores, contendo o RNA menor (RNA-2). É possível que estes dois grupos de viroses tenham adotado diferentes estratégias e/ou apresentem distintos mecanismos que facilitem a transmissão por nematóides vetores. Ambos os grupos têm se mostrado suscetíveis à produção em laboratório de isolados híbridos ou pseudo-recombinantes, combinando-se, para tanto, o RNA-1 de um isolado de um determinado vírus com o RNA-2 de um isolado diferente do mesmo vírus. Longidorus elongatus, vetor natural do isolado escocês do RRSV, transmitiu prontamente isolados pseudo- recombinantes deste vírus quando o RNA-2 derivou do isolado escocês, mas o fez de maneira esporádica em relação a um isolado contendo o RNA-2 do isolado inglês (Harrison et al., 1974a). Resultados similares foram obtidos com L. elongatus e com isolados pseudo-recombinantes produzidos para os isolados escocês e alemão do TBRV, que são transmitidos naturalmente por L. elongatus e L. attenuatus, respectivamente (Harrison e Murant, 1978). Desta forma, o RNA-2 destas viroses (tabela 3), e por extrapolação o de outras nepoviroses transmitidas, contêm pelo menos algum dos determinantes necessários para a transmissão por nematóides vetores. Isolados pseudo-recombinantes de tobraviroses foram preparados por Harrison e Robinson (1986), mas aparentemente não foram testados quanto à transmissibilidade por nematóides tricodorídeos. Posteriormente, isolados pseudo-recombinantes do TRV foram preparados usando-se o isolado PRN, que não é transmitido por nematóides, e o isolado PpK20, que é eficientemente transmitido por P. pachydermus. Em testes de transmissão, P. pachydermus transmitiu apenas isolados contendo o RNA-2 do isolado PpK20 (Ploeg et al., 1993). Posteriormente, clones completos de cDNA infectivo do PEBV foram preparados a partir do isolado SP5, não transmitido por nematóides, e do isolado TpA56, que é eficientemente transmitido por T. Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 227 RAPP – Volume 12, 2004 Tabela 3. Porcentagem de transmissão de isolados de vírus de plantas de ocorrência natural e pseudo-recombinantes produzidos em laboratório por nematóides vetores isolados de ocorrência natural pseudo- recombinantes Raspberry ringspot virus RNA-1 Escocês Inglês Inglês Escocês RNA-2 Escocês Inglês Escocês Inglês L. elongatus 88 25 88 29 Tomato black ring virus RNA-1 Escocês Alemão Alemão Escocês RNA-2 Escocês Alemão Escocês Alemão L. elongatus 40 0 10 nd* Tobacco rattle virus RNA-1 PpK20 PLB PLB PpK20 RNA-2 PpK20 PLB PpK20 PLB P. pachydermus 100 0 100 0 Pea early-browning virus RNA-1 TpA56 SP5 SP5 TpA56 RNA-2 TpA56 SP5 TpA56 SP5 T. primitivus 100 0 100 nd* * dado não disponível 228 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 primitivus. Mais uma vez, testes de transmissão mostraram que T. primitivus apenas transmitiu vírus contendo RNA-2 do isolado TpA56 (Brown et al., 1995a; MacFarlane et al., 1995). Tais experimentos confirmaram, portanto, que os fatores determinantes da transmissibilidade por nematóides vetores são componentes do RNA-2 dessas duas tobraviroses (tabela 3). O RNA-2 de nepo e tobraviroses codifica para a produção de diversas proteínas, incluindo a proteína da capa protéica (CP). A CP destes dois grupos de vírus desempenha papel muito evidente na transmissão por nematóides, já que disponibiliza uma das duas superfícies de contato envolvidas no processo de retenção, ficando a outra no aparato alimentar dos nematóides vetores. Entretanto, a CP não é o único determinante viral envolvido na transmissão por vetores. Por exemplo, quando o gene da CP doisolado SP5 do PEBV foi trocado com o do isolado PpK20 do TRV, o isolado recombinante não foi transmitido por T. primitivus ou P. pachydermus, vetores naturais do isolado PpK20 do TRV e do isolado A56 do PEBV, respectivamente. Desta forma, a transmissão por vetores em tobraviroses não é determinada exclusivamente pela CP (MacFarlane et al., 1995). ESTRUTURA DAS PARTÍCULAS VIRAIS A comparação entre sequências alinhadas de aminoácidos da CP de diferentes tobraviroses com as do tobamovírus do mosaico do fumo, do qual a estrutura das partículas tem sido intensivamente estudada (Namba et al., 1985), revelou que as subunidades da CP de todas essas viroses arranjavam-se de modo similar. As subunidades da CP de tobraviroses formam um arranjo helicoidal perfeito com os seus N- e C-terminais localizados na superfície externa das partículas virais (Goulden et al., 1992). Em particular, a região C- terminal da CP do tobravírus é muito maior do que a parte eqüivalente da CP do TMV. Estudos de ressonância magnética nuclear do PRV revelaram que a região C-terminal da CP não é claramente estruturada e que provavelmente se estende além da superfície da partícula viral. Conseqüentemente, essa região saliente ou projetada para fora e também flexível foi considerada como tendo potencial para envolvimento na adesão específica das partículas de vírus aos sítios de retenção dentro dos nematóides vetores (Mayo et al., 1995). Evidência genética foi posteriormente obtida demonstrando-se que estas sequências apresentavam um papel na transmissão de tobraviroses por nematóides vetores. Estudos de microscopia eletrônica revelaram um espaço de 5-7nm entre a superfície das partículas do TRV e o forro cuticular da luz do esôfago (Robertson e Wyss, 1983). Este espaço é muito largo para ser preenchido por um peptídeo C-terminal da CP de somente 22 (TRV-PpK20) a 38 (PRV) aminoácidos (Taylor e Brown, 1997). Entretanto, Brown et al. Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 229 RAPP – Volume 12, 2004 (1995b) sugeriram que este espaço observado talvez seja preenchido por uma ou mais proteínas não estruturais adicionais (2b e 2c) codificadas pelo RNA-2 de tobravírus, e que estas proteínas "auxiliares" possivelmente promovam a ligação da região C-terminal do peptídeo com a camada que fica corada como carboidrato (discutida no item VI) e forra o trato esofagiano dos nematóides. Embora todas as nepoviroses apresentem partículas icosaédricas, com diâmetro ao redor de 28nm, a constituição destas partículas difere entre viroses. Por exemplo, cada uma da maioria das nepoviroses transmitidas por nematóides, como o ArMV, AILV, GFLV, PRMV, RRSV, TBRV, TRSV e ToRSV, apresenta CP única com aproximadamente 56 a 60 kDa de peso molecular. Por outro lado, outras viroses, como o SLRSV e CRLV, apresentam duas a três CPs, respectivamente (29.4 kDa e 42.6 kDa; e 26 kDa, 23 kDa e 21 kDa) (Mayo e Robinson, 1996). A especificidade nematóide- vetor não está correlacionada com a constituição das partículas virais. Por exemplo, X. diversicaudatum transmite tanto o ArMV quanto o SLRSV, bem como diversas espécies do grupo X. americanum transmitem o CRLV, TRSV e o ToRSV. Estudos sobre o acúmulo de TBRV mostraram que a CP das partículas virais apresentava tamanho reduzido, tanto em etapas tardias da infecção como até após serem purificadas (Demangeat et al., 1992). Esta mudança resultou da remoção de nove aminoácidos na região C-terminal da CP, sugerindo que tal região acha-se exposta na superfície da proteína e poderia, assim, estar disponível para a interação com a superfície do nematóide, durante a transmissão. Em um outro estudo, Kreiah et al. (1994) identificaram um arranjo de aminoácidos (VQV ou VPV) conservado na regiao o N-terminal da pequena proteína do capsídeo do SLRSV e da CP do ArMV, duas viroses que são transmitidas por X. diversicaudatum. Entretanto, arranjo de aminoácidos similar não foi encontrado nas CPs de quatro outras nepoviroses (GFLV, RRSV, TRSV, ToRSV) transmitidas por diferentes espécies de longidorídeos. Foi sugerido entao que estae sequência arranjo de aminoácidos possa ser análogo ao peptídeo DAG que ocorre nas CPs de diferentes potivírus e está envolvido na transmissão destas viroses por afídeos (Harrison e Robinson, 1988; Blanc et al., 1997). Há poucos estudos estruturais detalhados de partículas de nepovírus; todavia, a estrutura do cristal do TRSV foi recentemente determinada (Chandrasekar e Johnson, 1998). Embora algumas estruturas de ligação superficiais tenham sido identificadas, bem como duas regiões na superfície do capsídeo cuja sequência mostrou-se constante para nove diferentes nepoviroses, nenhuma correlação entre fragmentos bem definidos de aminoácidos e nematóides vetores ao nível de espécie foi encontrada ou pôde ser estabelecida. Estudo dos alinhamentos das proteínas do capsídeo 230 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 identificados durante o trabalho mostraram que: i) o peptídeo VQV, descrito há pouco, não é de occorrência generalizada; ii) nem todas as CPs de nepovírus possuem um peptídeo saliente ou projetado para fora na região C- terminal, como o presente no TBRV. Pesquisas adicionais sobre os determinantes virais da transmissão de nepoviroses deverão envolver, ao que tudo indica, a determinação de locais ou sítios específicos de mutagênese em clones de cDNA infectivos. Tais investigações têm sido desenvolvidas apenas para um nepovírus, o GFLV (Viry et al., 1993), mas dados de transmissão desses clones por nematóides ainda não estão disponíveis. Estudos de seqüenciamento mostraram que existem semelhanças em parte do RNA-2 que codifica para a produção de poliproteínas na região N-terminal das CPs de diferentes nepoviroses. Tanto o TBRV quanto o RRSV, transmitidos por espécies de Longidorus, apresentam similaridades nessa região. O mesmo ocorre com o GFLV e o ToRSV, que são transmitidos por espécies de Xiphinema (Mayo et al., 1995). É provável que tal proteína esteja envolvida no movimento célula a célula destas viroses, sugerindo uma intrigante similaridade com o que ocorre nas potiviroses, em que a transmissão da proteína "auxiliar" (HC-Pro) por afídeos também influencia o movimento de partículas virais dentro da planta (Maia et al., 1996). DETERMINANTES VIRAIS PARA A TRANSMISSÃO DO PEBV E DO TRV POR NEMATÓIDES VETORES A recente produção de clones de cDNA virais do PEBV e TRV, infectivos e transmissíveis por vetores, tem facilitado enormemente as investigações sobre genes envolvidos na transmissão de tobraviroses. Experimentos com isolados pseudo-recombinantes de tobravírus revelaram que o RNA-2 codificava a produção de determinantes para a transmissão por vetores. Atualmente, seqüenciamento completo do RNA-2 de três isolados do TRV e de um isolado do PEBV, transmitidos por vetores, já foram realizados (MacFarlane e Brown, 1995; Hernandez et al., 1995; MacFarlane et al., 1999). Estes RNAs codificam para a formação da CP e também para duas ou três outras proteínas referidas como 2b, 2c e 9K. Com o isolado TpA56 do PEBV, transmitido por T. primitivus, tem sido demonstrado que a eliminação (deleção) da região do C-terminal da CP ou de uma área dentro de seu domínio pode tanto favorecer como reduzir grandemente a capacidade de transmissão do vírus (figura 7; MacFarlane et al., 1996). Experimentos similares com o TRV estão sendo desenvolvidos e parece que também a CP deste vírus está intimamente envolvida na transmissão por vetores. Além disso, mutações induzidas em todos os três Transmissão de vírus por nematóidesparasitos de plantas - 231 RAPP – Volume 12, 2004 genes remanescentes (9K, 2b e 2c) presentes no RNA-2 do PEBV, afetaram também a freqüência de transmissão por vetores. Desta forma, a proteína 2b parece ser essencial para a transmissão, enquanto a interrupção dos genes 9K e 2c reduz, mas não previne a transmissão (figura 7; Schmitt et al., 1998). O RNA-2 dos isolados PpK20 e PaY4TRV, naturalmente transmitidos por P. pachydermus e P. anemones, respectivamente, codificam para a formação das proteínas 2b e 2c da CP, mas não para a proteína 9K. A proteína 2b do TRV é essencial para a transmissão por vetor da mesma forma que para o PEBV. Entretanto, a proteína 2c do TRV não está envolvida na transmissão (Hernandez et al., 1997). Desta forma, parece não estar claro se o envolvimento ou não da proteína 2c na transmissão por vetor reflete uma diferença entre espécies de nematóides vetores ou uma diferença entre o PEBV e o TRV. Observações ligadas ao seqüenciamento do isolado TpO1 do TRV têm indicado a possibilidade de que o número e o tipo de genes envolvidos na transmissão sejam dependentes da espécie de nematóide vetor. Este isolado, naturalmente transmitido por T. primitivus, assemelha-se bastante ao isolado TpA56 do PEBV, também transmitido naturalmente por T. primitivus, e codifica para a formação de uma proteína similar a 9K, além das proteínas 2b e 2c da CP (MacFarlane et al., 1998). Até o momento, não há um claro entendimento a respeito do mecanismo pelo qual os vários genes virais condicionam a transmissão por nematóides. Entretanto, parece razoável especular que, semelhante ao que ocorre com a proteína "auxiliar" dos potivírus durante a transmissão por afídeos, as proteínas 2b e/ou 2c dos tobravírus possam interagir fisicamente com a partícula viral, para facilitar a retenção no aparato alimentar do nematóide. Suporte experimental foi dado recentemente também à possibilidade de uma interação entre a a proteína 2b e a CP do TRV-PpK20 (Visser e Bol, 1999). Exame de microscopia eletrônica de plantas infectadas com diferentes mutantes do PEBV revelou que a eliminação do gene 2b alterou a morfologia das partículas virais agregadas no citoplasma. Imuno- marcação da proteína 2b, em tecidos de plantas infectados com PEBV-TpA56, mostrou que esta proteína está localizada no citoplasma, com a mais alta concentração localizada junto aos aglomerados de partículas virais (Vellios, 2001). Entretanto, um provável mecanismo de ação para as proteínas envolvidas na transmissão de tobravírus seria o de provocar a agregação de partículas virais em estruturas que possam posteriormente ser 232 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 Figura 7. Localização de mutações introduzidas em clones de cDNA virais de "pea early-browing", isolado TpA56, e transmissibilidade por Trichodorus primitivus. Área marcada com barras paralelas representa deleção. Transmissão de vírus por nematóides parasitos de plantas - 233 RAPP – Volume 12, 2004 retidas pelas espécies de nematóides vetores. É provável que este mecanismo de retenção envolva a proteína 2b. CONCLUSÕES A transmissão de vírus de plantas por nematóides compreende uma área da ciência realmente envolvente e, com o crescente interesse mundial pelo assunto, novas associações vírus-vetor vêm sendo descobertas. A necessidade de redução do uso de agroquímicos e, em especial, de ingredientes ativos com amplo espectro de ação e longo efeito residual, como os nematicidas, sugere o desenvolvimento de novas tecnologias para o controle de nematóides fitoparasitos. Além disso, a inexistência de substâncias químicas eficazes e economicamente viáveis no controle curativo de viroses de plantas, enfatiza a necessidade de controle dos respectivos nematóides vetores. Mas, para que um bom controle seja efetuado, é de fundamental importância identificar-se a natureza das associações vírus-nematóide, bem como o entendimenndimentoto das interações planta-patóogeno-vetor. Estes estudos requerem o intercâmbio entre nematologistas, virologistas, biologistas moleculares e extensionistas, além de laboratórios adequadamente equipados. Na América Latina, poucos estudos têm sido feitos visando a identificação de nematóides transmissores de vírus, já que a maioria dos relatos de nepoviroses em países como Peru, Chile e Brasil não confirmaram a transmissão por vetor. Por outro lado, a simples ocorrência de nepoviroses sugere uma possível presença de nematóides vetores nessas áreas, viabilizando investigações futuras. Apesar da escassez de pesquisas nessa área, ‘tomato ringspot virus’ e seu nematóide vetor foram relatados no Chile e várias espécies de Xiphinema, incluindo formas transmissoras de viroses, já foram detectadas no Brasil e países vizinhos (Doucet et al., 1998). Também, no Brasil, ‘pepper ringspot virus’ e seu vetor, P. minor, foram relatados pela primeira vez por Salomão (1973). Costa (1999) acertadamente relatou que viroses transmitidas por insetos vetores apresentam uma importância econômica maior que viroses transmitidas por nematóides. No entanto, em algumas circunstâncias, viroses transmitidas por nematóides também podem ocasionar perdas de produção significativas em culturas de elevado valor econômico. Além disso, diferentemente das associações entre insetos vetores e vírus, nematóides e nepoviroses, quando estabelecidos em seus sítios de infecção, permanecem ativos por muitas décadas, sendo praticamente inviável a sua erradicação. Na América do Norte e Europa, a adoção de técnicas moleculares, 234 – D.J. Brown et al. RAPP – Volume 12, 2004 rápidas e confiáveis, estáa se tornando essencial para o estabelecimento de protocolos economicamente viáveis na diagnose de vírus e nematóides vetores. O desenvolvimento de protocolos semelhantes, aplicáveis àas condições brasileiras, seria de grande valia para estudos envolvendo a ocorrência e a distribuição de associações vírus-nematóide. Assim, os resultados destes estudos forneceriam subsídios básicos para o desenvolvimento de novas estratégias de controle para patossistemas vírus- nematóide na agricultura brasileira. LITERATURA CITADA ALLEN, W.R. 1986. Effectiveness of Ontario populations of Longidorus diadecturuse L. breviannulatus as vectors of peach rosette mosaice tomato black ring viruses. Can. J. Plant Pathol. 8:49-53. ALLEN, W.R. & EBSARY, B.A. 1988. Transmission of raspberry ringspot, tomato black ringe peach rosette mosaic viruses by an Ontario population of Longidorus elongatus. Can. J. Plant Pathol. 10:1-5. BIRD, A.F. 1971. Digestive system of Trichodorus porosus. J. Nematol. 3:50-7. BLANC, S.; LOPEZ-MOYA, J-J.; WANG, R.; GARCIA-LAMPASONA, S.; THORNBURY, D.W. & PIRONE, T.P. 1997. A specific interaction between coat proteine helper component correlates with aphid transmission of a potyvirus. Virology 231:141-7. BROWN, D.J.F. 1985. 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