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Advocacia e lavagem de dinheiro

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Advocacia e lavagem de dinheiro 
 
Pierpaolo Cruz Bottini[1] 
 
Assunto polemico, que desperta emoções fortes, a relação entre advocacia e lavagem de 
dinheiro merece uma reflexão séria e cuidadosa. O novo texto da lei de lavagem de 
dinheiro – Lei 9.613/98 – aprovado em meados de 2013, trouxe novidades nesta seara 
que merecem atenção. 
 
1. Contexto inicial: os setores sensíveis à lavagem de dinheiro 
 
Lavar dinheiro, como se sabe, é o ato de dar roupagem nova, com aparência de licitude, a 
produto de crime ou contravenção. É um ato, em geral, complexo e sofisticado (em bora 
isso não seja necessário para caracterizar o delito), que demanda a participação de 
diversos profissionais. 
Os agentes de lavagem de dinheiro usualmente usam determinados setores da economia 
ou do mercado financeiro para conferir aparência licita ao capital originalmente sujo, em 
especial, aqueles nos quais se realizam cotidianamente um grande número de transações 
financeiras ou comerciais, como na seara bancária, de negociação de valores mobiliários, 
ou naqueles em que a apuração do valor real dos bens é mais complexa, como no 
mercado de artes ou de artigos de luxo. 
Diante disso, para combater a lavagem de dinheiro, as legislações de diversos países 
qualificaram os profissionais que atuam nessas áreas como gatekeepers: aqueles que 
devem colaborar para a proteção de bens jurídicos pela denegação de auxílio ou 
colaboração com potenciais delinquentes.[2] A ideia é isolar o lavador de dinheiro, vedar 
seu acesso aos meios mais usados para tal prática. 
Por isso, se impõe aos operadores desses setores deveres de diligência e de comunicação. 
Assim, há um grupo de profissionais cujas atividades são mais usadas pelos lavadores de 
dinheiro, que fazem parte de um âmbito sensível, e sobre os quais recai uma obrigação 
administrativa de compilar e sistematizar dados sobre os usuários de seus serviços (Lei 
de Lavagem, art. 10), bem como de comunicar às autoridades competentes atividades 
suspeitas de lavagem de dinheiro (Lei de Lavagem, art. 11). 
 
2. Dever de comunicação e atividades típicas da advocacia 
 
Nessa seara, importa destacar a controvérsia sobre a regulação da atividade 
do advogado como agente de colaboração no combate à lavagem de dinheiro. O novo 
texto da lei em comento amplia os setores obrigados a auxiliar na identificação de 
potenciais atos de lavagem de dinheiro, dentre os quais (Lei 9.613/98, art.9º): 
 
 
 
“XIV – as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços 
de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de 
qualquer natureza, em operações: 
“a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou 
participações societárias de qualquer natureza; 
“b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; 
“c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores 
mobiliários; 
“d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, 
fundos fiduciários ou estruturas análogas; 
“e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e 
“f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades 
desportivas ou artísticas profissionais;” 
 
Ainda que não expressamente previsto na lei, é possível identificar os advogados dentre 
os profissionais que prestam serviços de assessoria, consultoria, aconselhamento ou 
assistência, nas operações indicadas.[3] E surge a questão: os advogados que atuam nessa 
seara estão obrigados a cumprir as regras previstas nos arts. 10 e 11 da Lei de Lavagem, 
em especial aquela que determina a comunicação às autoridades públicas de atividades 
suspeitas? Em caso positivo, isso não conflita com o dever de sigilo inerente à profissão? 
A discussão não é nova. Em vários países a questão foi objeto de intensos debates 
judiciais,[4] e diversas normativas internacionais dispõe sobre o assunto, em especial 
as Diretivas do Parlamento Europeu. Não propomos aqui uma abordagem exaustiva do 
tema, mas apenas recolher algumas reflexões úteis para a solução de problemas 
concretos.[5] 
Ao tratar do dever de comunicação, imposto aos advogados referente a 
atividades suspeitas de lavagem praticadas pelo cliente, a doutrina costuma distinguir 
duas categorias de prestação de serviço advocatício: (i) advogados de representação 
contenciosa, assim denominados aqueles que atuam em contencioso judicial ou 
extrajudicial, ou que prestam consultoria ou proferem pareceres como instrumentos 
para litígios judiciais ou extrajudiciais ou para determinação da situação jurídica do 
cliente, (ii) advogados de operações, caracterizados como aqueles que colaboram com 
seu conhecimento jurídico para consolidar operações financeiras, comerciais, tributárias 
ou similares, sem que essa atividade tenha relação direta com um litígio, ou processo.[6] 
A análise da normativa internacional sobre o tema revela a tendência de exonerar apenas 
os primeiros do dever de comunicação – para respeitar o princípio 
da confidencialidade que pauta a relação advogado/cliente. A Diretiva 2005/60/CE do 
Parlamento Europeu e do Conselho (2005) indica como atividade sensível à lavagem de 
dinheiro o trabalho dos “notários e outros profissionais forenses independentes” quando 
participem de transações financeiras ou empresariais e prestem serviços de consultoria 
fiscal onde exista um risco mais acentuado de seus serviços sejam usados de forma 
abusiva para efeitos de branqueamento de capitais (art. 2.º, 3, b). 
 
 
No entanto, o mesmo diploma exclui de forma patente alguns profissionais, nos seguintes 
termos: “os Estados-Membros não são obrigados a aplicar o parágrafo anterior 
(obrigações referentes às comunicações obrigatórias) quando notários, membros de 
profissões jurídicas independentes, auditores, técnicos de contas externos ou consultores 
fiscais estiverem a determinar a situação jurídica de um cliente ou a exercer a sua 
missão de defesa ou de representação desse cliente num processo judicial ou a respeito 
de um processo judicial, inclusivamente quando se trate de conselhos relativos à forma 
de instaurar ou evitar um processo judicial.” (art. 9.º, 5). 
O GAFI segue a mesma linha, ao indicar como obrigados apenas os advogados “que 
preparem ou efetuem operações para os clientes, no âmbito da compra e venda de 
imóveis, da gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos do cliente, da gestão 
de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários, da organização de 
contribuições destinadas à criação, exploração ou gestão de sociedades, da criação, 
exploração ou gestão de pessoas colectivas ou de entidades sem personalidade jurídica e 
compra e venda de entidades comerciais” (Recomendação 22).[7] 
Percebe-se nos documentos uma faculdade aos Estados para que afastem profissionais de 
contencioso das obrigações de comunicação, especialmente quando as informações 
foram recebidas no exercício de consultoria processual (determinar a situação jurídica 
do cliente) ou em representação processual direta, inclusive quando se trate de conselhos 
relativos à forma de instaurar ou evitar um processo judicial. O GAFI JÁ definiu os 
profissionais excluídos da obrigação de comunicar: aqueles que recebem informações 
quando apreciam a situação jurídica do seu cliente, ou quando defendem ou representam 
o cliente, no âmbito de processos judiciais, administrativos, de arbitragem ou de 
mediação (Nota interpretativa da antiga Recomendação 16).[8] 
Em outras palavras, segundo os documentos internacionais de referência sobre o tema, os 
profissionais de contencioso ou consultivos para contencioso – ou aqueles consultados 
para determinar a situação jurídica do cliente diante de possíveis conflitos[9] – estariam 
desobrigados, enquanto os demais devem prestar informações sobre atos suspeitos de 
lavagemde dinheiro que cheguem ao seu conhecimento.[10] 
A dualidade exposta também pode ser verificada no Brasil. Há advogados que exercem 
atividades de representação ou consultoria e aqueles que colaboram materialmente com 
operações comerciais e financeiras. 
No que concerne ao dever de comunicar e de registrar dados de clientes, parece que os 
advogados de representação ou de consultoria estão exonerados.[11]Sua atividade não se 
amolda àquela descrita no art. 9.º, XIV, e não poderia ser diferente, uma vez que os atos 
típicos de advocacia – em especial o exercício do direito de defesa - só podem ser 
praticados diante da mais absoluta relação de confiança e transparência entre advogado e 
cliente, e a imposição ao primeiro do dever de comunicar às autoridades qualquer 
suspeita de ilícito impede que o segundo exponha fatos, documentos e impressões sobre 
sua situação em toda sua plenitude.[12] E o obscurantismo daí advindo afeta qualquer 
orientação ou defesa, pois sem informações confiáveis não se constrói uma linha de 
argumentação coerente ou se presta consultoria fiável. 
Assim, exoneração do dever de comunicação não se limita aos casos 
de representação, mas também se estende ao advogado consultado pelo réu para orientá-
lo em processo administrativo ou judicial específico ou para determinar sua situação 
 
 
jurídica (mesmo que independente de um processo específico).[13] Como ilustra De 
Grandis, é o caso do advogado procurado por cliente para prestar orientação sobre a 
conveniência de uma delação premiada.[14] Aqui não se trata de consultoria para 
realização de transação financeira ou engenharia de negócios, mas do oferecimento de 
informações para desenvolvimento de estratégia processual ou para a delimitação 
do contexto jurídico no qual se desenvolve determinada operação. Assim, um parecerista 
ou um consultor que colaboram com a defesa do réu, orientam sua atuação em processo 
específico, ou prestam consultoria sobre a situação jurídica de uma pessoa, posição ou 
operação, necessitam das mais precisas informações para a elaboração de um trabalho 
completo. E a exigência de comunicar atividades suspeitas às autoridades públicas inibe o 
fornecimento destas informações, afeta a defesa ou a obtenção de análise legal,. 
Ainda que a Lei de Lavagem de Dinheiro estabeleça em seu art.9º um rol de profissionais 
submetidos à colaboração com as autoridades, e que este rol conste aquele que 
presta assessoria ou consultoria de qualquer natureza nas atividades ali 
relacionadas, existe outra Lei da mesma hierarquia (Lei 8.906/94) que regulamenta 
precisamente um tipo especial de consultoria: a jurídica. Dessa forma, o exercício da 
atividade consultiva em tal seara – pela regra da especialidade – é regido por este ultimo 
diploma legal, e apenas subsidiariamente pelo primeiro, onde não exista conflito. 
Porém, em relação ao tratamento das informações recebidas em decorrência do exercício 
da profissão, o conflito aparente de leis existe. Enquanto a Lei de Lavagem de Dinheiro 
exige a comunicação de operações suspeitas conhecidas em razão da atividade 
profissional, a Lei 8.906/94 determina o sigilo, autorizando ao advogado a recusa em 
depor como testemunha sobre fato que constitua sigilo profissional (art.7º, XIX), bem 
como instituindo a inviolabilidade do escritório, local de trabalho, instrumentos e 
correspondência, protegendo documentos, mídias, objetos e informações entregues pelo 
cliente (art.7º, II e §6º), a não ser que o cliente seja formalmente investigado como 
concorrente para crime praticado pelo advogado. 
Ora, se há inviolabilidade das informações do cliente sob custódia do advogado – exceto 
nos casos em que o advogado está envolvido na prática delitiva – e tal previsão não 
foi expressamente revogada pela Lei de Lavagem de Dinheiro, não parece possível 
exigir, ao mesmo tempo, que o profissional disponibilize os mesmos dados às autoridades 
públicas. 
Em outras palavras, as informações passadas pelo cliente em decorrência do exercício 
de ato privativo da advocacia (representação judicial, assessoria, consultoria ou direção 
jurídica)são invioláveis e somente poderiam ser repassadas às autoridades diante de 
previsão legal expressa(que não é o caso da norma sobre lavagem de dinheiro). 
Assim, em havendo conflito entre as disposições legais expostas, parece prevalecer 
a regra da inviolabilidade e do sigilo, pelo princípio da especialidade. Fosse a Lei de 
Lavagem expressa sobre o dever do advogado de comunicar operações suspeitas, poder-
se-ia reconhecer sua superveniência e a relativização da inviolabilidade prevista no 
Estatuto da Advocacia. Ocorre que o dever de comunicação previsto na Lei de Lavagem 
é genérico, direcionado às “pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que 
eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, 
aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza” nas operações previstas no inciso 
XIV. Em suma, não menciona expressamente o advogado. 
 
 
Como ensina Maximiliano, em toda disposição de Direito, o gênero é derrogado pela 
espécie, que prepondera sobre ele (in toto jure generi per speciem derrogatur, et illud 
potissimum habetur quod as speciem directum est).[15] A obrigação genérica 
de comunicação é afastada diante da especialidade do sigilo dirigida ao advogado. Não 
se discute aqui a importância desta ou daquela disposição legal, nem se faz qualquer 
análise meritória sobre seu conteúdo. A solução do conflito se faz pela regra 
da especialidade, concluindo-se pela vigência do dever de sigilo em sobreposição 
ao dever genérico de comunicar previsto no diploma em estudo. 
Mas, se adentrarmos ao mérito, a imposição do dever de comunicar ao advogado que 
exerce funções típicas previstas no Estatuto macula profundamente relação de confiança 
entre o profissional e o cliente, e, por consequência, obstaculariza o regular exercício da 
profissão. Como atesta Barros, “beira a insensatez pretender que o advogado vá 
denunciar as atividades de seu cliente às autoridades pertencentes aos organismos 
públicos que controlam as atividades econômico-financeiras do país”.[16]Não pode o 
advogado se tornar um “policial encoberto sob o manto da relação 
profissional”.[17]Uma coisa é a imposição do dever de abstenção ao advogado, vedando 
sua colaboração com qualquer ato de lavagem de dinheiro. Outra diferente é tratá-lo 
como informante para o combate do delito, situação que impede – de antemão – a 
construção de qualquer mínimo vínculo de confiança entre ele e o cliente, imprescindível 
para a atividade profissional. 
Mais. A exigência de comunicação do advogado macula o principio de que o réu não 
deve ser obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). De nada 
adianta garantir ao cidadão o direito de não autoincriminação e exigir do depositário legal 
de sua confiança a notificação às autoridades de qualquer irregularidade.[18] 
Por outro lado, se as atividades do advogado vão além daquelas privativas previstas em 
lei específica, ou seja, se o causídico age como administrador de bens, ou como gestor de 
negócios, ou presta consultoria em questão não jurídica, incidem os deveres 
administrativos previstos na Lei 9.163/98, uma vez que tais atividades extrapolam o 
âmbito daquelas previstas no Estatuto da Advocacia. 
Em outras palavras, o advogado que exerce as funções típicas e privativas da advocacia, 
expressas no art.1º da Lei 8.906/94 (postulação judicial, consultoria, assessoria e direção 
jurídicas) está exonerado das obrigações previstas na lei de lavagem de dinheiro. Aquele 
que atua em outra seara e presta consultoria distinta da jurídica, tem os deveres impostos 
pela Lei 9.613/98 (art.9º, XIV). 
 
3. Dever de abstenção do advogado em colaborar com atos ilícitos 
 
A inexistência do dever de comunicar não torna a advocacia um porto seguro para 
práticas de lavagem dedinheiro, nem significa a impunidade do profissional que 
contribui materialmente para tais atos. O advogado, como qualquer 
outro profissional, deve agir dentro das normas atinentes a sua atividade profissional para 
que não crie um risco não permitido de lavagem, e não lhe seja imputado qualquer 
resultado típico. 
 
 
Nesse sentido, o advogado não tem o dever de comunicar atos suspeitos de lavagem, mas 
tem o dever de se abster de contribuir com eles.[19]Caso viole as normas de cuidado e 
tenha dolo de colaborar com o crime, será punido, ao menos a título 
de participação. As normas de cuidado inerentes à profissão consistem nas regras 
institucionais e técnicas vigentes, bem como no dever normal de diligência. Este último 
será descumprido nos casos em que o causídico age dentro das regras profissionais, mas 
tem conhecimento especial e inequívoco de que sua atividade contribui causalmente para 
atos de lavagem de dinheiro. Nessas hipóteses, a previsibilidade clara do mascaramento 
e a exigibilidade da norma de cuidado revelam o risco não permitido, logo, 
haverá participação punível na lavagem de dinheiro. 
Assim, por exemplo, a Lei 8.906/94 prevê ser infração disciplinar o ato de prestar 
concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a 
fraudá-la (art.34, XVII) ou solicitar ou receber de constituinte qualquer importância 
para aplicação ilícita ou desonesta (XVIII). Assim, se tal ato contribuir para o crime 
de lavagem de dinheiro, haverá participação – desde que presente o dolo de colaboração. 
Note-se: não se exige que o advogado se certifique permanentemente de que todos os 
atos com os quais contribui – ou os valores objeto de sua atuação - sejam lícitos. Isso 
não é sua função e nem se espera tal fiscalização permanente do profissional. Há uma 
presunção de legalidade da origem dos bens, e do uso de seus serviços, que pode ser 
afastada diante de elementos que revelem o contrário. O que se impõe ao advogado é 
a abstenção, a não atuação, quando toma conhecimento claro de que sua assessoria será 
usada para mascarar bens oriundos de infração penal. 
Se o profissional ainda assim agir, essa conduta perde o caráter neutro e cria-se o risco 
não permitido. No entanto, como já frisado, não basta que o advogado conheça a 
procedência ilícita do dinheiro. É imprescindível a constatação de que o trabalho 
colaborou causalmente para a lavagem. Assim, se o advogado tem ciência de que a 
operação que estrutura será utilizada para lavagem de dinheiro, , ele será participe do 
delito, desde que sua execução delitiva tenha inicio (vale lembrar que a punição da 
participação exige ao menos o início da execução – CP, art. 31). 
 
4. A questão dos honorários maculados 
 
Por fim, resta analisar o comportamento do advogado que recebe dinheiro de origem 
infracional como pagamento de honorários pelos serviços prestados.[20] 
Essa situação foi objeto de conhecida decisão judicial na Alemanha, pela qual o Tribunal 
Superior de Hamburgo (Oberlandesgericht)entendeu não haver lavagem de dinheiro no 
caso de advogado acusado de receber honorários oriundos do tráfico de drogas para 
defender uma cliente. O Tribunal baseou sua decisão no direito fundamental de livre 
escolha do defensor por parte do réu, e o adequado exercício da defesa por parte do 
profissional (decisão do Oberlandesgericht de Hamburgo de 06.01.2000).[21] Ocorre 
que em outro caso similar, o Tribunal Constitucional do mesmo país 
(Bundesverfassungsgericht – BVerfg), em 30.03.2004, caracterizou como lavagem de 
dinheiro o recebimento de honorários por advogados que conheciam de forma segura 
(dolo direto) sua origem delitiva.[22] 
 
 
Embora as decisões tenham por base ordenamento jurídico distinto do nosso, os 
princípios discutidos são perfeitamente reconhecíveis e adequados ao sistema jurídico 
pátrio. Sob essa ótica, parece correta a primeira solução da jurisprudência alemã, que 
assegura o recebimento dos honorários – mesmo que maculados – e afasta sua ilicitude 
diante da importância do direito de defesa e de livre escolha do advogado. 
Se observarmos com cuidado a lei brasileira de lavagem de dinheiro, o recebimento de 
honorários maculados não é conduta típica. Não se trata de ocultação ou 
dissimulação (art. 1.º, caput). O dinheiro recebido por profissional liberal, em 
contraprestação a serviços realmente efetuados, com a regular emissão de nota fiscal, não 
contribui para mascarar o bem, uma vez que seu destino é conhecido. Não há 
ato objetivo de lavagem do dinheiro. A transparência/formalidade do pagamento afasta a 
incidência do dispositivo.[23] 
Também não existem as demais formas típicas (§ 1.º e § 2.º) porque ausente a intenção 
de ocultar ou dissimular no recebimento do pagamento, elemento subjetivo inerente aos 
tipos penais em comento, como já discutido. O advogado almeja apenas a remuneração 
por seus serviços e o fato de receber formalmente os valores aponta para a inexistência de 
qualquer vontade de contribuir para o seu encobrimento. Como já indicado, o mero 
beneficiário dos valores lavados não participa do crime, mesmo que saiba de sua prática. 
O ato de gastar o dinheiro é mero exaurimento do tipo de lavagem, não integra o 
delito.[24] E isso parece valer para o advogado contencioso e para o operacional, pois o 
recebimento de honorários é relacionado com a prestação do serviço em si e não com o 
conteúdo do serviço prestado.[25] 
Diferente a situação do advogado que recebe os valores a titulo de honorários e devolve 
parte deles como suposto empréstimo ou pagamento de serviços inexistentes ao 
cliente, contribuindo para seu mascaramento.[26] Nesse caso a conduta do profissional 
consolida o ato de reciclagem, caracterizando-se tipicamente a lavagem de dinheiro. 
 
5. Conclusão 
 
De todo o exposto, temos: 
 
a) O advogado que exerce atividades típicas previstas no Estatuto da OAB, seja 
de representação, seja de consultoria jurídica, não tem o dever de comunicar 
atividades ilícitas ou suspeitas que cheguem ao seu conhecimento por esta via, 
uma vez que a inviolabilidade das informações do cliente é protegida em lei 
especial; 
b) O advogado que exerce atividades profissionais distintas daquelas 
consideradas como típicas da advocacia (ex. gestão de bens), está obrigado a 
cumprir o determinado nos arts. 10 e 11 da Lei 9.613/98, desde que esta 
atividade seja uma daquelas previstas no art.9º do mesmo diploma legal; 
 
 
c) O advogado deve se abster de participar ou colaborar em atos suspeitos de 
lavagem de dinheiro, uma vez que tal atividade é punível nos termos do art.29 
do Código Penal; 
d) O recebimento de honorários maculados tem inúmeras implicações jurídicas, 
mas não configura ato de lavagem de dinheiro, a não ser que o profissional 
use a aparência da prestação de serviços para reciclar valores sujos. 
 
 
[1] Advogado e professor doutor de direito penal da USP. Foi Secretário de Reforma do 
Judiciário do Ministério da Justiça (2005/2007) e membro do Conselho Nacional de 
Politica Criminal e Penitenciária. 
 
[2].BLANCO CORDERO, El delito de blanqueo de capitales, Cap.VI, 7. 
[3].Vale notar que o novo texto legal é praticamente o mesmo da antiga Recomendação 12 
do GAFI, com a distinção que esse faz menção expressa aosadvogados. 
[4].Recentemente, a Corte Europeia de Direitos Humanos tratou do caso, decidindo pela 
licitude de regulação da ordem dos advogados da França que flexibilizou o sigilo 
profissional em determinados casos, obrigando o advogado a revelar informações de 
clientes envolvidos em operações financeiras suspeitas de lavagem de dinheiro (decisão 
disponível em http://s.conjur.com.br/dl/decisao-corte-europeia-direitos-humanos78.pdf, 
acessada em 05.08.2013). Para um apanhado sobre as principais decisões no âmbito 
internacional, ver RÍOS, Advocacia elavagem de dinheiro,p. 245-299;DEGRANDIS, O 
exercício da advocacia e o crime de lavagem de dinheiro. Sobre a discussão na Espanha, 
ver ALONSO GONZÁLEZ, Coparticipación en el delito y “actos neutrales”. Sobre decisões 
judiciais sobre o tema no Canadá e nos EUA, ver ABEL SOUTO, Década y media,p. 26. 
[5].Sobre o tema, ver SILVEIRA, A lavagem de dinheiro e o livre exercício da advocacia. 
[6].GÓMEZ-JARADÍEZEL, Critério de loshonorariosprofesionalesbona fides, p. 215; PÉREZ 
MANZANO. Neutralidaddelictiva y blanqueo de capitales, p. 179. 
[7].Vale destacar que na lista anterior de recomendações do GAFI, a Recomendação 16 
deixava claro que “os advogados, notários, outras profissões jurídicas independentes e os 
contabilistas, que trabalhem como profissionais jurídicos independentes, não estão 
obrigados a declarar as operações suspeitas se as informações que possuem tiverem sido 
obtidas em situações sujeitas a segredo profissional ou cobertas por um privilégio 
profissional de natureza legal” 
[8].Disponível em: 
[https://www.coaf.fazenda.gov.br/downloads/40%20Recomendacoes%20-%20GAFI-
FAFT.pdf]. Acesso em: 17.07.2012. 
[9].Caracterizada como a assessoria para apontar s direitos e obrigações do cliente, assim 
como as consequências que podem advir para o mesmo, quando ocorra uma série de 
circunstâncias. Definição de STEWART, mencionada em BLANCO CORDERO, El delito de 
blanqueo,3. ed., Cap.VI, 7.1.3. 
[10].Nesse sentido, o Tribunal Superior de Justiça da União Europeia declarou que 
os deveres de informação e cooperação com as autoridades responsáveis pela luta contra a 
lavagem de dinheiro previstos nas diretivas europeiasnão vulneram o segredo profissional e 
 
 
o direito de defesa justamente porque exoneram os profissionais do contencioso e da 
consultoria em processos concretos. Em MANZANO, Nautralidaddelictiva,p. 199. Ver, 
ainda, BOSCH eURRÍES, El abogado como sujetoobligado,p. 
46; CÓRDOBARODA, Abogacía,p. 50 e BLANCOCOREDERO, El delito de blanqueo,Cap.VI, 
7.1.2.2. 
[11].Na mesma linha, DE GRANDIS, embora ressalve que tal restrição se aplique apenas 
àqueles que atuam em processos judiciais ou prestam consulta sobre uma concreta situação 
jurídica vinculada a um processo judicial(O exercício da advocacia e o crime de lavagem de 
dinheiro, p. 128). 
[12].DE GRANDIS, O exercício da advocaciae o crime de lavagem de dinheiro, p.128. Nesse 
sentido decidiu o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no processo C-305/05, 
Luxemburgo, 26.06.2007, citado por RÍOS, Advocacia e lavagem de dinheiro,p. 110. 
[13].Para uma exposição detalhada das discussões sobre o sentido de consultoria sobre 
situação jurídica,ver RÍOS, Advocacia e lavagem de dinheiro,p. 119. Nesse sentido, DE 
GRANDIS, Rodrigo. O exercício da advocacia e o crime de lavagem de dinheiro, p.128. 
Também, MANZANO, Neutralidad delitiva,p. 191. 
[14].DE GRANDIS, O exercício da advocaciae o crime de lavagem de dinheiro, p. 129. 
[15].MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito,p. 111. 
[16].BARROS, Lavagem de dinheiro, p. 295. No mesmo sentido, COELHO, O sigilo 
profissional nos crimes de lavagem de dinheiro,p. 243. Em sentido contrário,DE GRANDIS, 
O exercício da advocacia e o crime de lavagem de dinheiro, p. 129. 
[17].GOMEZ-JARADIEZ, El critério de los honorários profesinales,p. 219. 
[18].GOMEZ-JARADIEZ, El critério de los honorários profesinales, p. 219. 
[19].ROSO,O rol dos advogados no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro,p. 74. 
[20].Para um quadro completo da questão, ver RÍOS, Advocacia e lavagem de dinheiro,p. 
245-299. 
[21].DE GRANDIS, O exercício da advocacia e o crime de lavagem de dinheiro, p. 
132; RÍOS, Advocacia e lavagem de dinheiro,p. 247, que analisa de forma detalhada a 
decisão, inclusive com as ponderações sobre exceções à regra prevista, como nos casos em 
que os honorários são fruto de crime antecedente com vitima identificada. Ver 
também BLANCO CORDERO, El delito de blanqueo, Cap.VI, 7.2.2.2.2.1.1. 
[22].DE GRANDIS, O exercício da advocacia e o crime de lavagem de dinheiro, p. 134. 
[23].Nessa linha, CABANA, Los autores del delito de blanqueo,p. 1670. 
[24].Nesse sentido, PÉREZ MANZANO, Neutralidaddelictiva y blanqueo de capitales, p. 
177; RÍOS, Advocacia e lavagem de dinheiro,p. 145; BARROS, Lavagem de dinheiro,p. 190. 
[25].PÉREZ MANZANO, Neutralidaddelictiva y blanqueo de capitales, p. 205. 
[26].RÍOS, Advocacia e lavagem de dinheiro,p. 145; DEGRANDIS, O exercício da advocacia 
e o crime de lavagem de dinheiro, p. 133.

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