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QUADRO VI FOLIA DE REIS DO BAIRRO SANTO AFONSO DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL BETIM, 2011 DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 SUMÁRIO Decreto que regulamenta o registro do patrimônio imaterial em Betim ................... 004 1. Introdução ................................................................ ............................. 005 2. Contextualização histórica, sociológica e antropológica ................................... 007 3. Histórico de Betim ................................................................ ................... 016 4. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso – uma história .................................... 040 5. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso e sua relação com o Município de Betim .. 043 6. Descrição dos lugares e suportes físicos e agenciamento do espaço para a atividade ................................................................ ................................ 044 7. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso – formato, conteúdos, narrativas, significados ..................................................... 046 8. Os protagonistas da Folia de Reis do Bairro Santo Afonso: trajetórias, papéis, funções, organização .......................................................... 059 9. Os recursos para a realização da Folia de Reis do Bairro Santo Afonso ................ 062 10. Produtos da Folia de Reis do Bairro Santo Afonso ........................................ 063 11. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso e suas relações com o público .............. 064 DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 12. Inventário ................................................................ ........................... 065 13. Identificação de atividades correlatas ....................................................... 093 14. Delimitação e descrição da área de ocorrência ............................................ 094 15. Salvaguarda e Valorização ................................................................ ...... 097 16. Documentação Fotográfica ................................................................ ..... 101 17. Registro audiovisual ................................................................ .............. 115 18. Referências ................................................................ ......................... 116 19. Ficha Técnica ................................................................ ...................... 119 20. Trâmite do Registro ................................................................ .............. 121 21. Documentos diversos ................................................................ ............ 135 DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 4 LEI DE REGISTRO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL A Lei Municipal Nº 2.944, de 24 de setembro de 1996, que institui a proteção do patrimônio cultural de Betim, já prevê o registro do patrimônio imaterial. Esta Lei já foi enviada ao IEPHA em 1998. O Município regulamentou a matéria através do Decreto Nº 16.389, de 26 de outubro de 2000. O conjunto de peças legais foi avaliado pelo Sr. Carlos Rangel, do IEPHA, em 23 de novembro de 2009, e reconhecido como válido. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 5 1. INTRODUÇÃO: Balt-hazar acendeu sua lâmpada de azeite e iluminou, com sua luz bruxuleante, o mapa que abrira sobre o chão. “Aqui está ela”, disse marcando com o seu dedo um lugar no mapa. “Beth- léhem. Fica precisamente na divisa entre dois grandes reinos. À esquerda está o Reino da Fantasia. À direita está o Reino da Realidade. São reinos perigosos. Quem mora só no Reino da Fantasia fica louco. Quem mora só no Reino da Realidade fica louco. Para se fugir da loucura há de se ficar transitando de um para outro, o tempo todo. Somente os moradores de Beth-léhem estão livres da necessidade de estar, o tempo todo, indo de um reino para outro. Porque Beth-léhem fica bem na divisa (...). (Rubem Alves. Os três reis) As folias são manifestações escassas na Betim do século XXI, cidade de quase quinhentos mil cidadãos, da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mas sua memória é muito recente e podem ser, facilmente, encontradas dezenas de foliões em diversas regiões da cidade. Durante os dois últimos empreendimentos de inventário do patrimônio cultural realizados na cidade, pela Fundação Artístico Cultural de Betim, os inventários das regionais Vianópolis e Citrolândia, respectivamente nos anos de 2009 e 2010, um retrato parcial dessa realidade pode ser delineado: as comunidades dessas duas regionais relataram a existência de doze folias, em atividade ou recentemente DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 6 inativas. Durante o aprofundamento das pesquisas, o Departamento de Memória e Patrimônio Cultural da Fundação pôde identificar apenas uma folia ativa e presenciou o processo de desativação de uma outra; e ainda está registrando, nos últimos meses, as tentativas de revitalização de uma folia inativa há alguns anos. Dentre os integrantes das folias inativas, muitos vivem em Betim há décadas e foram atingidos pelo acelerado processo de urbanização pelo qual passou a cidade. Os antigos territórios das folias receberam novos moradores, herdeiros de tradições culturais diversas, e não houve mais a necessária renovação desses grupos, pelo ingresso de novos foliões e moradores dispostos a receber as folias. O regime de trabalho nas cidades, com seus horários mais rígidos e inflexíveis às práticas rituais, assim como o crescimento de grupos religiosos não-católicos são relatados como fatores de desvitalização das folias. Por outro lado, a própria urbanização trouxe muitos foliões, transplantados de regiões rurais e pequenas cidades do interior de Minas Gerais. Estes relatam experiências de formação de grupos em Betim, experiências essas que duraram alguns anos ou décadas, até o envelhecimento dos foliões, ou sua conversão a outros credos. Uma experiência da Fundação com a música de viola, o Projeto “Quintais”, que reúne periodicamente até duas centenas de “violeiros”, não por acaso também foliões ou ex-foliões, revela uma “saudade” das folias e o desejo de políticas públicas que as fomentem e revitalizem. O presente registro, de uma folia que venceu os fenômenos sociais relatados e reencontrou os caminhos de sua vitalidade – a Folia de Reis do Bairro Santo Afonso, pode fundamentar as políticas públicas posteriormente adotadas para a garantia do direito à memória e à cultura. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 7 2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA, SOCIOLÓGICA E ANTROPOLÓGICA A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso faz parte de uma tradição de festas da natividade das divindades, que remonta à Antiguidade Clássica. Essas festas, designadas “pagãs” pelo cristianismo, foram por este apropriadas e ressignificadas, mesclando seus conteúdos com elementos cristãos. Os romanos, por exemplo, cultuavam o Deus-Sol Invencível em festejos depois adotadospelos egípcios. As festas romana e egípcia aconteciam em datas diferentes, mas com intervalo de poucos dias entre elas, e, no ano 138, o Papa São Telésforo as regulamentou, isto é, tornou-as parte das festividades cristãs. Mais tarde, em 378, o Papa Júlio I considerou que, como não havia data fixa para a comemoração do nascimento de Jesus, o dia 25 de dezembro seria dedicado a esta recordação, ficando o 06 de janeiro como Dia de Reis. A partir daí, as festas da natividade no âmbito do cristianismo foram, pouco-a-pouco, sendo acrescidas de elementos diversos, como as figuras de Gaspar, Melchior e Baltazar, os três reis magos que, segundo a tradição, foram do Oriente à Judéia para saudar Jesus Cristo. Conta ainda a tradição que eles levavam consigo, para presentear o Menino, ouro, incenso e mirra, que representariam as três dimensões do Messias: sua realeza (ouro), sua divindade (incenso) e humanidade, dado que o óleo de mirra era, então, utilizado para embalsamar os mortos. Uma vertente da tradição cultiva a idéia de que os reis magos se DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 8 converteram e foram batizados por São Tomé, depois pregando o Evangelho em seus países de origem. Os reis magos foram canonizados no século VIII, sendo, por isso, referidos como Santos Reis. O fundamento bíblico das folias está nos evangelhos de Lucas (capítulo 2, dos versículos de 1 a 20) e Mateus (capítulo 2, versículos de 1 a 12). Há, porém, uma diferença importante entre as duas narrativas. Lucas se preocupa em descrever a viagem de José e Maria a Belém e em justificar por que fizeram aquela viagem – houve um decreto do imperador romano, ordenando um recenseamento e todos deviam se alistar na sua própria cidade. Chegando a Belém, deu-se a hora do Nascimento; a cidade estava cheia e tiveram que se abrigar nos arredores. Não se fala de Reis Magos. Toda a cena é composta pelo anjo que avisa os pastores, José, Maria e o Recém-Nascido. Não acontece a visita de reis vindos de longe, mas, em contrapartida, quando os pastores chegaram à manjedoura, uma multidão, um exército de anjos desce do céu, dando Glória a Deus. Mateus já vai direto ao assunto: “Tendo Jesus nascido em Belém...”. E é aí que se encontra a origem mais remota da folia de reis. Já no primeiro versículo da narrativa, o evangelista diz: “eis que vieram magos do Oriente”. Mas o texto bíblico não diz quantos eram, nem seus nomes. No desenvolvimento da devoção ao longo dos séculos, teólogos, pintores, hagiógrafos e os chamados padres da Igreja foram definindo o que não foi dito no texto sagrado. Houve muitas indagações sobre quantos eram. Poderiam ser os quatro sugeridos contemporaneamente pela literatura e pelo cinema. Várias versões orientais diziam, entretanto, que eram doze. Mas, devido aos presentes assinalados no versículo 11 – ouro, incenso e mirra –, todas as tradições ocidentais se fixaram em três reis, com os nomes de Gaspar, Baltazar e Belchior. (PESSOA, 2007, p. 75). DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 9 A devoção aos Reis Magos desenvolveu-se por toda a Europa durante a Idade Média. Segundo Jadir Pessoa (2007), isso se deve à chegada dos restos mortais destes três entes míticos à catedral de Colônia (Alemanha), em 1164. Eles para lá teriam sido trasladados de Milão (Itália) como despojos de guerra, numa conquista de Frederico Barbarrocha. E para Milão teriam sido levados no século IV ou V como presente especial da Imperatriz Helena, de Constantinopla (PESSOA, 2007, p. 63). Enquanto fizeram todo esse percurso, foram surgindo em diversos países pinturas em catacumbas, quadros, retábulos, esculturas, altos-relevos em sarcófagos, apresentando a visita dos Reis Magos ao Menino Jesus. E, a partir de Colônia, espalharam-se por toda a Europa como parte das grandes peregrinações, a exemplo do que já acontecia em Santiago de Compostela, Terra Santa e Roma. Como heranças diretas dessas peregrinações, surgiram então os cânticos populares, muito importantes em toda a Europa medieval, chamados Noëls na França, Villancicos na Espanha e Folias em Portugal. Provavelmente, esses cantos, acrescidos do teatro de Gil Vicente, depois de José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, constituem as matrizes mais diretas das diversas devoções existentes no Brasil, como reisados, bois-de-janeiro, bois-de-reis, pastorinhas e, especialmente, no chamado “corredor das bandeiras” (SP, MG, GO, MS), as folias de reis. Pela dinâmica natural ou pelo menos inevitável de uma espécie de dispersão cultural, elas podem ser encontradas também hoje, ainda que com distribuição menos regular, nos estados da Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Maranhão e Paraná, e sabe-se de registros de folia de reis até mesmo no Rio Grande do Sul (PESSOA, 2007, p. 63-64). O que individualiza as folias de reis diante das celebrações DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 0 afins é, segundo Eloísa Branches (2007, p. 25), a presença do palhaço, cuja performance inclui um texto falado. No essencial, a folia é um ritual itinerante do catolicismo popular, que atualiza a memória da narrativa bíblica da visita dos Reis Magos ao Menino Jesus, oferecendo cânticos e preces e pedindo ofertas para os festejos finais do ciclo de cada ano. Sua origem remota, portanto, é a Ibéria, mas no Brasil as folias desenvolveram um caráter mais sacro, enquanto que em Portugal, o elemento profano, próximo da pândega, seria mais acentuado. A tradicional localização rural da folia de reis, presente em algumas definições clássicas dos pesquisadores, deve ser agora relativizada, pelo evidente fato de que o intenso êxodo rural ocorrido nas décadas de 1960 a 1980, no Brasil, provocou um significativo deslocamento dessa prática, que hoje já se pode dizer majoritariamente urbana (PESSOA, 2007, p. 70). Até o final dos anos de 1960, a folia de reis sobreviveu praticamente como uma manifestação cultural e religiosa da zona rural. De acordo com Carlos Steil, ser católico é menos uma opção religiosa do que uma condição de vida no meio rural. Neste catolicismo informado pela experiência corporal dos devotos “cabe ao praticante beber de todas as fontes, de modo que o sincretismo é a própria condição de acesso à plenitude e multiplicidade do sagrado. O espaço privilegiado da experiência religiosa não são os sistemas religiosos em si, mas as fronteiras entre eles” (STEIL, 2001, p. 23). Se no catolicismo institucionalizado, a liderança religiosa conduzida por especialistas é consumida por leigos, nesta religiosidade popular predomina a produção de auto-consumo, conforme definida por Bourdieu (1994) (BRANCHES, 2007, p. 24). Os anos 60 foram o fim de um relativo isolamento vivido pelo campo. Na passagem para os anos de 1970, DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 1 começou a haver uma redução da população rural e ao mesmo tempo surgiu a televisão. Logo depois, veio a melhoria das estradas e dos transportes de maneira geral, que, juntos, reduziram significativamente a distância entre o rural e o urbano. Aquele antigo encantamento, a partir daí, teve que ser dividido com outros atrativos poderosos do mundo urbano. Veio então um período de quase três décadas desfavoráveis à reprodução das folias, cada terno ou grupo sendo afetado de maneira diferenciada: envelhecimento ou redução do quadro, redução do número de moradores a serem visitados e, em muitos casos, até a extinção de grupos.Contraditoriamente, o mesmo processo de modernização da sociedade brasileira, que antes dificultava a reprodução das manifestações populares tradicionais, ao final dos anos de 1990 já lhes estava sendo benéfico. É corrente entre folcloristas a idéia de que a associação com o turismo, mesmo sendo um risco à conservação da originalidade, é inevitável para a sobrevivência das manifestações ditas folclóricas. Nos casos de algumas tradições já extintas, a criação de grupos parafolclóricos, para apresentação em escolas e outros espaços, é a sua única possibilidade de sobrevivência (PESSOA, 2007, p. 72-3). Os grupos de folia estão tendo maiores oportunidades de se reproduzir, tanto no campo como nas cidades e, inclusive, de se apresentarem em público, fora do ciclo, especialmente nos Encontros de Folias, como acontece em Ribeirão Preto (SP), em Brasília, em Aparecida do Norte (SP), em Muqui (ES) e em Goiânia. E esses encontros começam a conquistar a atenção de observadores vindos do teatro, da dança, da fotografia. 2.1. Conteúdos e significados das folias DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 2 De um ponto-de-vista antropológico, as folias foram vistas até os anos 1960 como parte do “folclore” brasileiro. De lá para cá, mudanças de perspectiva teóricas as localizam no campo do catolicismo popular e defendem que essas manifestações não devem ser consideradas como sobrevivências culturais de um passado findo, mas formas como grupos muito atuais lidam com seus contextos sócio- culturais. Um exemplo é o significado da peregrinação: segundo Carlos Brandão, citado por Eloísa Branches (2007), a peregrinação, como forma de relacionamento diferente da ordem hierárquica social cotidiana, proporciona uma experiência de comunitas na qual o indivíduo se distancia do seu papel social. Também o ritual da visita é fulcral na manifestação. Nele, dissolvem-se as fronteiras entre o público e o privado (a rua e a casa), tão marcados nas sociedades contemporâneas. As casas adquirem, momentaneamente, um estatuto público e sagrado. Esse ritual é baseado ainda numa relação de troca material e espiritual entre os devotos, o dono-da-casa e o Santo Reis1. Os devotos abençoam a casa com cantos sagrados e recebem dinheiro dos donos-das-casas para a realização da festa em homenagem ao Santo, que acontece no final do período de peregrinação. A ordem capitalista, como a nomeou Carlos Brandão, fica assim questionada, pois é uma outra economia de trocas que predomina nessas manifestações. O olhar contemporâneo, urbano e politicamente correto deve observar alguns requisitos ao presenciar a folia. Esta deve ser entendida em sua globalidade, que não inclui apenas a saída às ruas, a peregrinação e as visitas. Um 1 O Santo Reis empregado no singular é significativo da interpretação de um episódio bíblico pelo catolicismo popular: os três Reis Magos são condensados na figura de um Santo. No texto, a opção em manter o termo Santo Reis segue a maneira como as pessoas das folias falam desta devoção. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 3 exemplo de como a perspectiva do todo no ritual é imprescindível para a compreensão de qualquer aspecto que o integre são as relações de gênero. Se uma pessoa chega a uma casa, vê uma folia de reis cantando e toma esta cena isoladamente, provavelmente vai dizer que se trata de um ritual machista, que não permite a participação das mulheres. Hoje já se torna muito mais comum a participação de mulheres na cantoria de folia – como mostra Eloísa Brantes (2007) a respeito do Reisado do Mulungu, cantado exclusivamente por mulheres solteiras, separadas e viúvas. Mas, tradicionalmente, toda a instrumentação e vozes são desenvolvidas por homens. Isso não é suficiente para se dizer que não há lugar para a mulher. No seu todo, há muitas funções desenvolvidas por mulheres, como confecção dos enfeites, preparação da comida, direção das rezas de terço e outras orações, etc. (PESSOA, 2007, p. 71). As folias, não raro, são grupos familiares, cuja atuação está profundamente marcada por uma narrativa que lhes dá seus contornos. A norma é um dos universais da cultura. Nenhum grupo humano sobrevive sem alguma forma de coerção social. A folia de reis não conseguiria ser diferente. Mas essas normas têm um sentido especial. Elas atestam a leitura que a folia faz da narrativa evangélica, base religiosa da tradição. Normalmente, o embaixador ou mestre ou, ainda, o capitão de uma folia é o portador do conteúdo axial do ritual. Ele o guarda, zela por sua observância e freqüentemente toma a iniciativa de repassá-lo a um filho ou parente próximo. E aquilo de que o embaixador mais deve saber reporta-se, fundamentalmente, às duas passagens bíblicas chamadas evangelhos da infância de Jesus, registrados apenas por Mateus e Lucas (PESSOA, 2007, p. 73) Mas o palhaço (também conhecido como “boneco” ou “bastião”) não pode prescindir desses componentes básicos DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 4 na ponta da língua. É que, por tradição, o palhaço é o guardião do Menino Jesus. Ele é o único que pode passar à frente da Bandeira – o objeto simbólico mais importante desta religiosidade –, sempre que necessário, para exercer essa função de guardião. Por isso, ele se torna o ponto de contato entre os foliões e o morador. Para os que seguem com rigor a tradição, o dono da casa em geral se dirige primeiro ao palhaço. E pode acontecer que ele trave com o palhaço um diálogo, perguntando, por exemplo: “Boneco, de onde vocês estão vindo?” Nessa hora, o palhaço tem que responder: do Oriente. Uma segunda pergunta é imediatamente posta: “E para onde vocês estão indo?”. E a resposta aceitável é: Pra Belém. Na seqüência, uma terceira pergunta é acrescida: “E o que é que vocês vão fazer lá, Boneco?”. O palhaço deve concluir: Vamos visitar o Menino Jesus. Se não forem essas as respostas, será a completa desonra para toda a folia e, segundo os costumes mais antigos, é um caso em que o morador pode prender a bandeira, exigindo do embaixador um rosário de versos, redimindo todo o grupo. Normalmente, quando uma pessoa vai “pegar a máscara” – assumir a função de palhaço – pela primeira vez, há toda uma sabatina de algum folião mais velho, para saber se ele tem essas respostas bem preparadas. Há também um processo de aprendizagem que poderia ser classificado como instrumental, no sentido pragmático, feito para o desempenho de uma função. É o caso de um adolescente que começa a aprender a tocar violão na folia de reis ou para tocar na folia de reis. Depois, muitos que assim agem acabam ultrapassando essa perspectiva instrumental. Mesmo no interior do ritual, é comum essa expansão do aprendizado. Um folião pode aprender a cantar a quarta voz e permanecer anos a fio nesta mesma função. Outro pode DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 5 começar por ela e em pouco tempo pode saber cantar todas as outras ou pelo menos as que mais se adaptam ao seu timbre de voz. O mesmo acontece com os instrumentos. Mesmo se um folião não tem ampla bagagem de atuação musical fora da música da folia – o reis –, durante o giro de casa em casa ele pode ser capaz de tocar todos ou a maioria dos instrumentos. Os muitos casos em que isso acontece são uma prova de uma espécie de auto-suficiência da folia: ela precisa de tocadores paraos instrumentos e ela os motiva a aprender pelo menos aqueles básicos para a sua reprodução. Todos os membros da folia devem também aprender e respeitar assiduamente as evitações codificadas para o ciclo: não se pode passar os instrumentos por debaixo dos arames ao atravessar uma cerca e, ainda, a folia não pode cruzar um caminho onde ela já passou. Essa última interdição é uma forma segura de que a folia se mantém fiel ao fato bíblico que lhe dá origem. Como o Rei Herodes tentou enganar os magos, dizendo-lhes que também queria adorar o Menino Jesus, pedindo-lhes que lhe avisassem onde o teriam encontrado, o Evangelho de Mateus, no versículo 12 da narrativa já citada, diz: “Avisados em sonho que não voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho para a sua região”. No desenvolvimento do ciclo, todos são de acordo que o personagem mais importante é o dono da casa. Cada casa onde a folia está cantando transforma-se, naquele momento, em uma Belém provisória. É como se, ao longo do ciclo da folia, a visita dos Três Reis ao Menino Jesus tivesse que ser atualizada em cada casa. Nas casas onde há um presépio instalado, isso fica mais explícito, com o aumento dos versos a serem cantados. Em todos os casos, então, um bom folião aprendeu e jamais se esquecerá que deve fazer todas as vontades do dono da casa – chamado por todos de patrão (PESSOA, 2007, p. 74-7). DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 6 Um exemplo advindo da folia estudada por Pessoa (2007) é que, na chegada em uma casa, canta-se saudando o morador, dizendo que é uma semelhança da viagem dos Três Reis, etc. Acontece então o verso final da chegada, que é a entrega da bandeira para o dono da casa. A entrega da bandeira é um sinal da vinda do sagrado ao espaço mais reservado da fé, que é a casa do morador. Nesse momento, estaria encerrada a primeira parte da cantoria e se faria uma pausa. Mas, acontece que, se o morador não ficou satisfeito e quer escutar mais, ele se ajoelha. Aumenta-se então o trabalho dos foliões, que, conduzidos pelo embaixador, emendam mais alguns versos (PESSOA, 2007, p. 78) Segundo a tradição sociológica francesa, de Durkheim e Maurice Halbwachs, introduzida no Brasil especialmente por Ecléa Bosi, a memória não pode ser estudada como fato em si. Recordar não é apenas lembrar ou reviver, mas refazer, reconstruir com as idéias de hoje as experiências do passado. E a memória não é individual, é sempre coletiva. Não é apenas o fato de o indivíduo espontaneamente trazer para o presente alguma coisa supostamente perdida em algum lugar do passado. É refazer o passado, com os ingredientes dados pelo grupo social em que se vive. Nesta perspectiva, memória é trabalho, é todo o esforço de um grupo no sentido de convencionalizar o seu presente, e esse trabalho geralmente acontece a partir da necessidade do grupo de garantir a coesão necessária à sua reprodução. Isso é muito verificável na folia de reis. É muito comum nos momentos de pausa da cantoria, ou, quando os foliões estão andando pelas estradas, algum folião mais velho contar uma história contendo algum fato importante, às vezes fantástico, da constituição do ritual. Há senhas muito claras para essas situações. Em geral, as histórias começam com: “uma vez nós saímos com uma folia”, “uma ocasião nós chegamos com uma folia na casa de fulano de DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 7 tal”, etc. O conteúdo desses casos é quase sempre reforçando a coesão havida, o respeito cultivado em relação à devoção, o zelo em relação à correta aplicação de instrumentistas, cantores e outras funções, etc. O recurso pode ser o inverso também, com a narração de fatos em que nada disso foi observado e a folia se viu embaraçada, impedida de continuar o giro. A função de todo esse trabalho da memória não é apenas enobrecer um passado feliz da crença, povoado de pessoas importantes para o seu surgimento; menos ainda punir as pessoas mal-aplicadas em relação às suas regras. Trata-se de um trabalho coletivo, que acontece toda vez que a coesão do grupo se vê ameaçada, que a tradição se vê descaracterizada ou que as obrigações da devoção correm algum risco de descrédito (PESSOA, 2007, p. 79). Se tiverem razão alguns analistas contemporâneos, que dizem que o mundo agrário está subsumido pelo grande capital flutuante pelo mundo afora e que, por conseqüência, a mudança mais importante do final de século XX foi a “morte do campesinato”, podemos dizer que não há nada mais anacrônico que a sobrevivência das manifestações populares de origem marcadamente rural, especialmente a folia de reis. Ela aposta numa lógica econômica que não existe mais, aposta na existência de uma população e num comunitarismo rurais já sensivelmente reduzidos, e aposta numa autonomia organizativa também difícil de ser reproduzida. Especialmente no caso do ressurgimento de grupos de folias em contextos urbanos, a lógica do trabalho urbano com que são forçados a se confrontarem é acintosamente negadora dessa possibilidade de autonomia. O antigo agregado ou sitiante das fazendas não encontrava o menor problema em se retirar da lida do curral ou da sua roça durante os dias de giro da folia – um filho, parente ou vizinho assumia o curral e a roça podia até agüentar uns DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 8 dias a mais no mato. Do hoje componente de uma folia urbana não se pode dizer o mesmo (PESSOA, 2007, p. 80). A que se deve essa teimosia? Muitas hipóteses poderiam ser pesquisadas e discutidas em vista de uma resposta a essa pergunta. Poder-se-ia dizer, por exemplo, que esse processo de transformações ainda está em curso e que, quando estiver devidamente concluído, haverá uma acomodação urbana mais segura para as pessoas, que não terão mais tanta necessidade de cultivar essa saudade do mundo rural perdido. Uma outra hipótese menos fatalista poderia ser o reconhecimento de um recurso relativamente contestador nessas ressurgências, em face de uma situação de desenraizamento, na qual se encontram no contexto urbano (PESSOA, 2001). Continuar a fazer folia de reis pode ser uma perseverante forma de denunciar os descaminhos – individualismo, desumanização, destruição do sujeito – da sociedade atual e de expressar, segundo a leitura dos seus praticantes, as bases ou os princípios humanos fundamentais do seu reordenamento. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 1 9 3. HISTÓRICO DE BETIM 3.1. A ocupação As mais remotas notícias sobre a ocupação da região de Betim, afora a ocupação provável por indígenas semi- nômades, remonta ao início do século XVIII. Toda a região hoje denominada Minas Gerais estava agitada à época; a descoberta de riquezas minerais atraía aventureiros em busca de glória e outros tantos, em seu rastro, ocupados em sobreviver. O ambiente era de mobilidade espacial constante. A região onde hoje fica Betim fazia parte de uma importante rota que vinha de São Paulo a Pitangui – e era a rota dos bandeirantes atraídos pelas descobertas minerais na citada povoação – e também da rota de abastecimento que vinha da Bahia às Minas. A importância desta última rota só ganha dimensão a partir do olhar mais atento dos historiadores sobre a diversificação econômica das Minas no auge da mineração. As Minas vinham sendo vistas como lugar de escassez, de total dependência do abastecimento proveniente de outras capitanias e concentraçãoda atividade econômica na mineração. Novos estudos têm demonstrado a importância da produção própria e da circulação de mercadorias no interior da capitania. Betim, antes de assim se chamar, fazia parte deste entrecruzar de caminhos. Por aqui, chegavam os escravos transferidos do nordeste para as Minas, que eram registrados na localidade das Abóboras, depois denominada, por isso, Contagem das Abóboras. Em Contagem, também se DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 0 registrava o gado entrado nas Minas e destinado a abastecê- las. A contagem, evidentemente, tinha objetivos fiscais. Também por essa razão o primitivo nome de Belo Horizonte era Curral D’El Rey, ou seja, o local onde o gado era armazenado, depois distribuído, tendo sido devidamente taxado. A descoberta de ouro em Minas Gerais, em 1690, quando já estava decadente a indústria do açúcar no litoral nordestino, proporcionou novas atividades econômicas ao sistema colonial português. A coroa proibiu qualquer plantação de alimentos ou criação de gado na zona aurífera, para não desviar mão-de-obra da mineração. Assim os garimpos tornaram-se centros de compra de alimentação e de animais de transporte. É claro que houve resistência a tal proibição, como mostra a instalação de criadores de gado em Betim bem no início do século XVIII, conforme se comenta adiante. Era proibido aos tropeiros ou viajantes pousarem nas estradas ou caminhos do município impedindo o trânsito. Tinham que afastar os animais do centro da estrada. Era de interesse da coroa portuguesa que os caminhos às vilas fossem de fácil acesso, pois dessa maneira, além de abastecê-las dos mais diversos gêneros, facilitava-se também a saída do metal precioso para o erário real. Com esses intuitos, foram emitidos bandos e outras ordens reais que se destinavam à construção de pousadas para viajantes e a manutenção dos caminhos de acesso às vilas do ouro. Em um dos primeiros núcleos de povoação da atual Betim, logo no início do século XVIII, foi construído um casarão destinado ao uso como pousada e venda de secos e molhados, especialmente para as tropas que por aqui passavam. Este casarão abriga atualmente a Casa da Cultura Josephina Bento. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 1 O fato de Joseph Rodrigues Betim ter solicitado uma sesmaria nesta região em 1711 não foi um acaso depois tornado conhecido por ter originado uma povoação. Provavelmente, esta solicitação fez parte de uma estratégia dos grupos paulistas, então em franco confronto com os portugueses preocupados em garantir a si próprios a reserva da área em que se encontravam os minerais preciosos. Como se sabe, os paulistas foram os pioneiros das descobertas, mas foram imediatamente confrontados pelos “reinóis” que, como colonizadores, se sentiam no direito de se apossar das riquezas. Ora, em 1708 ocorrera um sangrento conflito entre bandeirantes paulistas e portugueses, conhecido como Guerra dos Emboabas. Emboabas foi o nome dado pelos paulistas aos “reinóis”, e significava “estrangeiros”, “invasores”. Apesar da maneira razoável como o conflito se resolveu em prol dos paulistas, estes se sentiam ameaçados: percebiam que cabia a eles a tarefa de localizar veios auríferos, mas que a posse dos mesmos não se encontrava assegurada, na medida em que os “reinóis” a cobiçavam. Daí intensificar-se a solidariedade entre estes aventureiros que, na historiografia oficial, figuram como heróis. A solicitação de sesmaria por Joseph Rodrigues Betim, ligado por parentesco e amizade ao famoso bandeirante Borba Gato, deve ter visado assegurar a posse de um importante caminho e parada, vital para o empreendimento bandeirante. Ao contrário do que diz em sua petição, Joseph Betim não desejava estabelecer-se nestas terras e lavrá-las, como não o fez, mudando-se logo para Pitangui, antes mesmo de obter a confirmação real da doação da sesmaria, o que se dava cerca de três anos após a doação propriamente dita; nesta ocasião, avaliava-se o desenvolvimento da sesmaria, isto é, se houvera estabelecimento do sesmeiro e escravaria, exploração do solo ou subsolo, povoação... Joseph Betim não DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 2 a obteve e nem mesmo a solicitou, segundo o minucioso trabalho do historiador Geraldo Fonseca (1975). Este estudioso inclusive contesta poder Joseph Betim figurar como fundador da povoação ou como responsável pela ereção de duas capelas em sua sesmaria; obter autorização para erigir capelas era, à época, processo complexo e lento, sendo improvável que o bandeirante o tenha alcançado em dois anos durante dos quais deve ter permanecido nestas paragens. Não se encontraram documentos que comprovem a solicitação da ereção das capelas por Joseph Betim na sesmaria onde hoje se localiza o município de Betim, e sim em Pitangui, onde o pioneiro logo depois se estabeleceu. Primitivos estudiosos destes documentos podem ter se enganado quanto às capelas. Assim, do primeiro proprietário das terras onde hoje fica Betim, ficou seu nome, primeiro aplicado ao Ribeirão da Cachoeira, tornado Betim, depois adotado pelo povoado surgido em torno da primeira capela. É muito provável que a memória social local tenha “exagerado” a participação de Joseph Rodrigues Betim na primitiva formação do povoado, porque o referido bandeirante era um verdadeiro potentado, aparentado e ligado por relações de solidariedade com alguns dos mais destacados bandeirantes brasileiros, o que conferiria uma origem “nobre” a Betim, preferível a admitir que a povoação fora fundada por anônimos. Nas primeiras décadas após a doação da sesmaria a Betim, a região consolidou-se como local de passagem e parada dos tropeiros. Outros sesmeiros atuavam na região porque, quando a Coroa Portuguesa doava sesmarias, fazia-o “por atacado”, a fim de que os sesmeiros pudessem contar com uma vizinhança importante para a segurança e o estabelecimento de vínculos sociais. Os sesmeiros aqui estabelecidos juntamente com Joseph Rodrigues Betim em 1711 DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 3 foram João de Souza Sotto Mayor (criador de gado) e João Leite da Silva Ortiz. Entre 1711 e 1750, a sesmaria de Betim recebeu diversos núcleos de povoação, coincidentes com os pontos de parada dos tropeiros. O primeiro deles a ganhar importância foi o da Bandeirinha do Paraopeba. Seu nome deve ter se originado no fato de o local em que se estabeleceu ter sido objeto de uma “bandeirinha”, isto é, uma pequena expedição em busca de minerais ou um “ramo” de uma bandeira. De fato, os bandeirantes paulistas, reunidos na Câmara de São Paulo em 1730, deliberaram que, uma vez aberto o caminho das bandeiras até Sabarabussu, que fossem enviados pequenos grupos que plantassem roças em pontos estratégicos, para o suprimento das futuras expedições bandeirantes. Assim nasceram as bandeirinhas. O arraial da Bandeirinha é o primeiro de Betim a aparecer na documentação oficial, quando pede autorização para construir uma capela, em 1753, e a recebe em 1754. Para o período, a construção de uma capela era um primeiro sinal de estabelecimento de um povoado. Isso independia da religiosidade propriamente dita da comunidade, visto que a Igreja era responsável pelos registros de nascimento, casamento e morte e por todos os ritos que conferiam identidade aos potentados e à gente média do local. As pessoas andavam enormesdistâncias até a capela mais próxima, e era por isso que os “homens bons” de cada local se empenhavam na construção de capelas em suas terras, a fim de evitar o desconforto de suas famílias e agregados. Quando solicitaram a construção de sua capela, quiseram que isso se desse num monte, razão pela qual a capela ficou distante do pioneiro núcleo de povoação. Assim, por volta de 1770, foi levantado um cruzeiro na Bandeirinha, o qual foi benzido solenemente no dia de Santa Cruz. A partir daí, iniciou-se a Festa Anual de Santa Cruz DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 4 (fim de abril ou início de maio), que continua sendo realizada no atual bairro Bandeirinha. No século XVIII, essa festa era tão concorrida quanto a da padroeira. A capela do arraial da Bandeirinha foi construída imediatamente, o que dá uma medida da prosperidade da região. A construção e a equipagem da capela precisavam obedecer a certas regras da Igreja e demandavam recursos, geralmente obtidos por subscrições da comunidade. A capela foi erigida onde hoje se encontra a Praça Milton Campos, de frente para o arraial da Bandeirinha – portanto com os fundos para o futuro centro histórico de Betim – e recebeu o nome de Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Como já havia outras capelas na região, em Mateus Leme e Santa Quitéria – hoje Esmeraldas – o novo templo tornou-se conhecido como Capela Nova do Betim, nome que depois se estendeu ao arraial. Entre 1760 e 1800, o arraial cresceu em importância, como indica a instalação de forças policiais reais e a elevação da localidade a distrito em 1797, fato confirmado pela Câmara de Sabará em 1801. 3.2. Trajetória sócio-econômica e administrativa Ao longo desse período, despontou o primeiro verdadeiro potentado da extensa região de Capela Nova do Betim, João Nogueira Duarte, proprietário da Fazenda Serra Negra, cuja produção, extensão (730 alqueires) e escravaria (centenas) eram notórias na capitania. Já na década de 1770, Nogueira Duarte detinha cargos de nomeação direta da rainha D. Maria I, o que dá uma medida de seu reconhecimento oficial. O pioneiro era português, tendo primeiro se estabelecido em Congonhas do Campo. A importância de sua família e daqueles aos quais se ligou por casamento e negócios está atestada em documentos DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 5 oficiais. Seus descendentes constituíram importante tronco genealógico em Betim, tendo muitos ocupado cargos militares e eclesiásticos de destaque. A partir de meados do Século XIX, Betim participou da retração econômica e decadência que atingiu toda a antiga zona de produção aurífera. Desenvolve-se, então, uma atividade econômica de subsistência, quase sempre fundamentada na fazenda autárquica. Às margens do Rio Betim, se instalaram olarias e moinhos de fubá, estes últimos beneficiários das quedas d’água, chegando somar 35. Restam na cidade vestígios das edificações desses estabelecimentos, além de instrumentos empregados na produção. O viajante James Wells (1995) esteve em Capela Nova e em suas adjacências durante o oitocentos, assim se manifestando sobre a localidade: Capela Nova do Betim é avistada muito antes que eu a alcance. Sua longa rua de casas brancas e telhas vermelhas fica situada proeminentemente sobre um morro alto, cercado de vales fundos e de morros mais altos e cadeias de montanhas. A estrada desce da região alta que eu tinha atravessado, cruza um vale e sobe por uma ladeira larga e íngreme, com casas separadas, casebres e ranchos de cada lado. Chegando ao topo, ela se une a outra rua em ângulo reto, ou melhor, a uma longa praça aberta, com filas de casas de porta e janela amontoadas e uma igreja simples, caiada, em uma extremidade. Há diversas vendas e armazéns de secos e molhados e ranchos abertos para tropas de mula. (...) Uns poucos matutos, em seus matungos esquálidos, montados com seus dedões do pé enfiados em pequenos estribos e usando o inevitável poncho de baeta ou tecido azul listrado de vermelho; umas poucas mulheres negras ou mulatas, vestidas com saias de algodão e xales espalhafatosos e batas brancas, apregoando frutas ou doces em tabuleiros de porta em porta; uns poucos vadios nas vendas e armazéns; algumas cabeças nas janelas assistindo apáticas à cena para a qual passam diariamente olhando e os numerosos porcos, bodes, cachorros, galinhas, perus e galinhas d’angola da rua constituem a restrita vida presente nesta vila sonolenta (p. 121-2). DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 6 O século XX alvoreceu em Betim sob o signo da implantação da infra-estrutura que posteriormente faria da região um pólo industrial. Em 1909, a Schnoor Engenharia obteve empreitada junto ao Governo Estadual para construir 155 km da seção BH – Henrique Galvão (atual Divinópolis) da Estrada de Ferro Oeste de Minas. O engenheiro Antônio Gonçalves Gravatá, então funcionário da Schnoor, sugeriu a construção de uma usina hidrelétrica na principal queda d’água do Rio Betim, que tinha 84 metros. A hidrelétrica foi construída por Gravatá, em suas terras (Fazenda Cachoeira), com recursos próprios e de seu empregador Emílio Schnoor. Inaugurada em 1914, com capacidade de produção de 250 kw, a hidrelétrica chegou a fornecer energia para Henrique Galvão. Em 1945, até Contagem recebia energia gerada pela usina. Nem a ferrovia nem a hidrelétrica alteraram significativamente a atividade econômica em Betim, que permaneceu especializada na produção de gêneros alimentícios, principalmente arroz, milho, mandioca, feijão, cana-de-açúcar e algum gado. O território onde está Betim havia sido pertencente à Vila de Sabará, cuja jurisdição era imensa, desde o início da ocupação. Em 1901, pouco depois da instalação do regime republicano no Brasil, houve uma reforma político- administrativa do Estado brasileiro, que se desdobrou na divisão do território em estados e municípios. Foi então que surgiu o estado de Minas Gerais, com 11 grandes municípios, sendo um deles o de Santa Quitéria ao qual Capela Nova ficou subordinada, até perdendo algo da autonomia adquirida em 1897. Não houve resistência do arraial à subordinação a Santa Quitéria porque os potentados locais, João Nogueira Duarte à frente, mantinham boas relações com os líderes santaquiterienses. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 7 Por volta de 1910, a cidade desenvolveu um novo desenho urbano em função da passagem da linha férrea, que se instalou a aproximadamente uns setecentos metros da parte posterior da Praça Milton Campos – até então tida como região central. É comum no meio popular a afirmativa de que “a cidade cresceu para trás, nas costas da Igreja [antiga Matriz onde hoje está a Praça Milton Campos]”. Percebe-se, dessa forma, uma formação urbana que desloca o eixo central da cidade para a confluência das avenidas Governador Valadares e Amazonas, em detrimento ao “antigo” centro, na Praça. Este momento histórico trouxe uma inédita dinâmica sócio-urbana para o município, mas a população do campo se manteve superior à urbana, que, inclusive, manteve um crescimento vegetativo. Betim tornou-se município por decisão estadual e federal em 1938. Isso não foi fruto de mobilização local, mas de uma nova divisão administrativa do Brasil, promovida neste ano. Essa nova divisão administrativa foi estudada por uma comissão criada por Olegário Maciel desde 1932, obedecendo a determinação federal2.Minas Gerais, nesta ocasião, passou a ter 71 municípios. Fonseca (1975, p. 105), embora registre uma manifestação organizada pelo padre Osório Braga, numa ocasião em que o governador Benedito Valladares passava por Betim, prefere creditar a emancipação de Betim a uma querela do próprio Valladares com Santa Quitéria. O referido município teria feito oposição ao líder político e este, para puni-lo, lhe teria tirado parte significativa do território, ao criar o município de Betim. O recém-criado município de Betim – que também era comarca, isto é, sede do poder judiciário – compreendia os atuais territórios de Contagem, Campanha, Ibirité e 2 Betim: 50 anos de emancipação (1938/1988). Revista editada pela PMB (Adm. Tarcísio Braga), p. 11. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 8 Ribeirão das Neves. Novas reformas em 1960 e 1962 reduziram o território de Betim para a configuração atual – 376 km². Nas décadas de 1940 e 1950, Betim volta a ter importante função de local de passagem das rotas de abastecimento, desta vez destinadas à capital, Belo Horizonte. O planejamento estadual destinou a Betim duas outras funções econômicas: a industrialização de base ou de bens de capital, representada pelas siderúrgicas aí instaladas, e a produção de alimentos para o abastecimento da capital. Juntamente com Pedro Leopoldo, Santa Luzia, Nova Lima, Sabará, Vespasiano e Lagoa Santa, Betim constituiria o chamado “Cinturão Verde” de Belo Horizonte. Entretanto, nenhuma destas duas intenções político- econômicas alterou substancialmente a economia betinense, que permaneceu intensamente voltada para a subsistência. Pelo Censo Demográfico de 1940-1950, feito pelo IBGE, 51% da população urbana de Betim estava ocupada com “Atividades Domésticas e Escolares”, enquanto que 31,78% classificavam- se sob a rubrica “Condições Inativas e outras”. Ainda na década de 40, instalam-se as primeiras indústrias de Betim, ligadas à constituição do Parque Siderúrgico Nacional3, nos anos 1940: Cerâmica Saffran (1942), Ikera (1945), Cerâmica Minas Gerais (1947). Essa primeira industrialização pode ser atribuída a uma elite industrialista local, mais integrada com a localidade, mais comprometida com a absorção da mão-de-obra da região e, por seu caráter mais tradicional, pouco agressiva sobre o tecido urbano. Fez parte da constituição do Parque Siderúrgico Nacional a criação da Cidade Industrial de Contagem, cuja extensão abrangeu Betim. 3 Estas indústrias pioneiras compuseram, juntamente com a Magnesita (Contagem), a Cerâmica Togni (Poços de Caldas), a Cerâmica João Pinheiro (Caeté), a Acesita (Coronel Fabriciano) e a Belgo-Mineira (Sabará), o setor de produção de refratários para a siderurgia mineira e para os parques siderúrgicos de São Paulo e Rio de Janeiro. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 2 9 Nos anos 50, muda o eixo da industrialização brasileira – decresce o investimento nas indústrias de bens de capital, como as siderúrgicas primeiramente instaladas em Betim e volta-se o foco para a produção de bens de consumo duráveis, para a substituição das importações. A partir daí, Betim, por sua oferta privilegiada de infra- estrutura, destina-se a se tornar pólo de atração das indústrias. Entretanto, isso se dá vagarosamente. Em 1954, a instalação de uma central geradora de energia da CEMIG, e em 1959, a construção do trecho Belo Horizonte - Extrema (sul de minas) da Rodovia Fernão Dias, que liga Belo Horizonte à capital paulista, começam a delinear as mudanças intensificadas nas décadas seguintes. A Rodovia Fernão Dias, construída no governo do então presidente Juscelino Kubistchek, assume relevância no processo histórico em questão, por ter provocado um considerável número de loteamentos na porção central da cidade, durante a década de 1960. Algumas famílias, que já possuíam grandes áreas na região em volta da Praça Milton Campos (antigo Largo da Matriz) e na extensão da Av. Governador Valadares, promoveram a repartição dessas áreas com a finalidade de trazerem os familiares do campo para a cidade, ou para vender os lotes a terceiros. Já outras, que habitavam no meio rural, compravam terrenos próximos ao centro, ou na extensão da Rodovia, para praticarem o loteamento e se mudarem para o meio urbano. Um dos maiores exemplos desta ação foi o loteamento do bairro PTB – sigla que significa “Posto Telegráfico de Betim”, por existir na linha férrea, que passa em frente ao bairro, tal posto. Praticamente durante toda a década de 1960 houve um certo arranjo territorial, embasado nas ações de configuração dos lotes e bairros novos, sendo a maioria implantados às margens da Rodovia. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 0 Ainda na década de 60, chegam a Betim algumas indústrias de médio porte, quase todas de capital privado, à exceção da REGAP, e se instalam no Bairro Cachoeira, local tradicional da primeira industrialização de Betim, vinculado à presença da Av. Amazonas, do Rio Betim e da Ferrovia Oeste de Minas. São elas: Cortume Morumbi (1960), Fabril de Minas (sabões, 1962), Riomar (artigos de pesca, 1962), Fábrica São Geraldo (móveis, 1962), Fábrica São João (biscoitos, 1962), Frigorífico Silveli Torres (1964), Confecções Dora (1964), Siderúrgica Amaral (1965), Refinaria Gabriel Passos (1968), Asfalto Chevron (emulsão asfáltica, 1969), Sidero Manganês de Pellets (1969, a partir de 1974, chamou-se Siderúrgica Wilson Raid). A Refinaria Gabriel Passos foi instalada em Betim porque o local constitui uma confluência de condições favoráveis à redistribuição de combustíveis. Entretanto, a economia local não foi dinamizada pela presença da refinaria. Nos anos 70, apenas uma indústria, a Asfaltos Chevron, havia sido atraída para o município em função da REGAP. No início desta mesma década, a Prefeitura Municipal de Betim contraiu empréstimo junto à Caixa Econômica Federal para adquirir os terrenos que seriam doados tanto à Fiat Automóveis quanto à Krupp. Houve disputa entre os estados brasileiros e entre os municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte para sediar a Fiat. O que favoreceu Betim foi, além de suas condições infra- estruturais e da atuação política em seu favor, o esgotamento do espaço de Contagem. Ainda, um dos fatores de atração da Fiat para o Brasil/Minas/Betim foi a intensa propaganda desenvolvida pelo INDI (Instituto Nacional do Desenvolvimento Industrial) no exterior. O folheto de propaganda de título “Introduction to Minas Gerais” diz: DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 1 Muitos mineiros são altos, delgados, esbeltos e de pele clara, mas não existem barreiras de cor em Minas, nem em mito nem em fato. Homens e mulheres de todas as nações e de todas as raças são recebidos abertamente em Minas. Encontra-se também uma ausência de consciência de classe e esta atitude está combinada com o senso democrático de que todos os homens são iguais (MACHADO, 1979). O então presidente da Fiat, Giovanni Agnelli absorveu a propaganda, conforme transparece de sua fala: Um dos elementos principais para a instalação de um complexo industrial é a disponibilidade de mão-de- obra. Na zona de Minas Gerais, a disponibilidade é enorme e nos permitirá atingir uma média de 8 a 9.000 operários. Além do mais, o município de Betim comprometeu-se a criar escolas para a preparaçãodo pessoal especializado, sob a orientação de instrutores italianos4. As negociações para a implantação da Fiat em Betim foram bastante rápidas: em fins de 1972, após ser eleito, o governador mineiro Rondon Pacheco, iniciou os contatos com a empresa e declarou que um final feliz se anunciava; em 1973, é criado o Fundo de Investimentos e Participações, que tem por finalidade destinar verbas do Estado a diversos empreendimentos industriais; no orçamento de 1973 do Estado, estão previstos gastos com a implantação da Fiat, antes mesmo de se concluírem as negociações com a empresa, o que se deu no decorrer de 1973; os trabalhos de terraplenagem e infra-estrutura começam neste mesmo ano, logo após a conclusão das negociações; em 1976, já havia carros Fiat nas ruas. Nos anos 70, a política econômica estadual conhecida como “Nova Industrialização Mineira” colocou Betim em posição de destaque. Essa política, concebida por planejadores estatais, visava tirar Minas Gerais da posição de centro industrial periférico, fornecedor de insumos para o eixo Rio/São Paulo, tornando-o um centro autônomo. Para 4 Revista Tendência. “Por que a Fiat se instalou em Minas Gerais”. Agosto de 1973, nº 0, p. 50. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 2 isso, foi criada a Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais (CDI), que planejou cinco distritos industriais na Região Metropolitana de Belo Horizonte: Betim, Vespasiano, Contagem, Santa Luzia e Belo Horizonte. Betim, cujo distrito foi denominado Paulo Camilo, recebeu mais investimentos, tendo sido programada para ser o 2º pólo automobilístico do país. Segundo dados da CDI até 1979, Betim havia recebido 72,60% dos investimentos nos distritos industriais da RMBH e gerara 64,11% dos empregos diretos criados nestes mesmos distritos. É importante ressaltar que Betim sofreu uma alta especialização produtiva, isto é, grande parte de sua industrialização nesta época deu-se em função da indústria automotiva. O processo de industrialização continua acelerado nos anos 80. Ao final desta década, a recessão da economia nacional faz diminuírem os investimentos, mas não os estanca. A especialização automobilística da indústria continua alta, mas as administrações municipais dos anos 90 e 2000, conscientes de que isso constitui uma fragilidade para a economia local, buscam incentivar a diversificação industrial. A recente criação do Distrito Industrial de Bandeirinhas faz parte deste contexto. A economia rural betinense foi desagregada a partir dos anos 70. O número de pessoas ocupado nesta atividade é irrisório em relação aos setores secundário (indústria) e terciário (comércio e serviços), bem como sua participação na riqueza produzida. Destaca-se a produção de leite e de horti-fruti-granjeiros, distribuídos principalmente através do CEASA. Conforme dados do Censo Demográfico 2000 do IBGE, o crescimento populacional de Betim, a cada ano, está na ordem de 5,03%. O mesmo Censo, em seus dados trabalhados, atesta que 26% dos chefes de família betinenses têm escolaridade máxima de 4 anos, isto é, um total despreparo DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 3 para a inserção qualificada no mercado de trabalho industrial. 3.3. Geografia urbana e aspectos ambientais Distante aproximadamente 30 quilômetros da capital, o município de Betim é hoje um importante pólo de concentração industrial do Estado de Minas Gerais e a segunda maior arrecadação de ICMS do estado, só perdendo para a capital, o município está entre as maiores economias do Brasil. Quanto aos aspectos físicos, o município de Betim está localizado na Bacia do Rio Paraopeba, que o corta nas regiões oeste e sudoeste. O rio Paraopeba é um marco na definição da paisagem e define também a divisa entre Betim e os municípios de Igarapé, São Joaquim de Bicas e Juatuba. Entre as diversas divisas municipais, podemos destacar a de Betim com o município de Contagem, do ponto de vista hidrográfico. Esta divisa é feita pela barragem da Várzea das Flores, a área de preservação de mananciais mais importante de Betim, responsável por 15% do abastecimento de água da região metropolitana de Belo Horizonte e onde se produz a água de menor custo para o sistema. De preservação fundamental, tem uso rural (sítios para fins-de-semana), lazer e urbano (Bairro Icaivera). O município possui diversas micro-bacias hidrográficas, dentre as quais podemos destacar as sub- bacias do Rio Betim e do Riacho das Areias, que compreendem boa parte da região mais urbanizada da cidade, inclusive as regionais Centro e Alterosas. Do ponto de vista climático, a temperatura média anual, fica em torno de 20 graus centígrados e o índice pluviométrico médio é de 1.450mm. Em relação às áreas verdes e à fitogeografia, destacam-se no município dois tipos de biomas: o do Cerrado DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 4 e o da Mata Atlântica. Na divisa com o município de Contagem, no bairro Icaivera, destaca-se na paisagem uma típica floresta de encosta, com topografia bastante íngreme. Próximo à ponte do rio Paraopeba, podemos constatar uma singular floresta de galeria, com a presença de muitas lianas e sub-bosque pouco denso. Na divisa entre Betim e Ibirité, encontra-se um cerrado bastante degradado pela formação de pastagens. Na estrada de Betim para Esmeraldas, podemos encontrar uma formação de cerrado bem desenvolvida, apresentando na sua paisagem os estratos arbóreo, arbustivo e herbáceo. Próximo ao centro da cidade, encontra o Parque Ecológico Engenheiro Felisberto Neves, que apresenta vegetação expressiva com porte arbóreo em torno de 25m. Apesar dos grandes problemas ambientais existentes no município, a cidade vem promovendo diversas ações de recuperação ambiental e reintegração social. A gestão dos recursos ambientais está a cargo Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA). Várias iniciativas estão sendo realizadas como: saneamento básico, coleta seletiva de lixo e aterro sanitário, o que possibilita ao município receber o incentivo do ICMS Ecológico e buscar a melhoria da qualidade de vida para sua população. Como exemplo, destaca-se a construção de interceptores de esgoto ao longo do rio Betim, do riacho das Areias e de Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) em várias partes do município. Outra obra no setor ambiental é a Central de Tratamento de Resíduos Sólidos: o lixo que chega ao aterro sanitário, depois de triado, é prensado para ser vendido. O restante é enterrado. Em relação à questão ambiental, podemos destacar a construção de várias avenidas sanitárias, dentre elas, a avenida Antônio Carlos, no bairro Teresópolis, avenida Porto Alegre, ligação entre as avenidas Edméia Lazarotti e DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 5 Belo Horizonte e a avenida do Imbiruçu que liga a avenida Marco Túlio Isaac à via Expressa, facilitando o acesso da população da região do centro de Betim e aos municípios de Contagem e Belo Horizonte. A população do município, que hoje totaliza quase 450 mil habitantes, tem crescido com taxas superiores à população da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais. Em 1970, quando o grau de urbanização da Região Metropolitana de Belo Horizonte era de 92%, Betim apresentava-se ainda como um município de população predominantementerural, com um grau de urbanização de 46%, aproximadamente. Em curto período, o município passa por um profundo processo de transformação socioeconômica: em 1980 o município, já apresenta um grau de urbanização de cerca de 91%, ligeiramente inferior ao da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que resultava em torno de 96%. Fato notável é que Betim continua com alta taxa de crescimento urbano, mesmo passado o momento dos maiores impactos decorrentes da implantação da Fiat Automóveis em seu território, nos anos 1970. Com isso, observa-se que o município, por um lado, abriga um forte e moderno setor industrial e, por outro, configura-se como receptor de consideráveis fluxos migratórios que se dirigem para a Região Metropolitana de Belo Horizonte, compostos, em grande parte, por segmentos pobres e não qualificados da população. Apesar de Betim, nas últimas décadas, estar ocupando a 2ª e a 3ª posição entre os municípios mineiros que mais arrecadam impostos, o que indica a vitalidade de seu setor privado, a renda per capita do cidadão betinense é de R$ 203, 22 e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) é de 0,775, um pouco superior às médias estadual (0,719) e nacional (0,699), nas quais está contida uma DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 6 reconhecida desigualdade de grandes dimensões. Do ponto-de- vista do desenvolvimento humano, o município ocupa, por exemplo o 135º lugar entre os 853 municípios mineiros (PNUD, 2000). Isso mostra que o modelo de desenvolvimento econômico adotado nem sempre está associado à elevação geral dos padrões de vida. 3.4. Saúde pública Há poucos dados sistematizados sobre os primórdios da prestação de serviços de saúde em Betim, especialmente se considerada tal prestação como uma função estatal pública, como geralmente a entendemos hoje. Ao que parece, isso só acontece de forma regular a partir do final dos anos 40, mantendo a rede pública uma oferta bastante precária que só se universaliza relativamente nos anos 90. O primeiro registro notável da prestação de serviços de saúde em Betim refere-se aos idos de 1916, quando a Fundação Rockfeller, norte-americana, enviou uma Comissão Internacional de Saúde ao Brasil para o estudo de doenças tropicais, principalmente a ancilostomíase. As relações pessoais do engenheiro Antônio Gonçalves Gravatá é que propiciaram a Betim ser a base da missão. Também concorreram para isso o acesso ferroviário e a existência de uma pequena unidade móvel de monitoramento do tripanosoma cruzi em Betim. O relatório da missão deu conta de que 20% da população urbana betinense e 60% da rural (que alcançava mais de 70% do total na época) tinham ancilóstomos. Além disso, 80% dos atendidos (o total de atendidos chegou a 1.435) tinham Doença de Chagas. Consta que as pessoas se deslocavam até 40 km para receber atendimento, o que dá uma medida da carência da população quanto aos serviços de saúde. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 7 Grandes nomes da medicina brasileira estiveram em Betim para acompanhar os trabalhos, a exemplo de Carlos Chagas e Adolfo Lutz. Após o fim da missão, uma de suas casas portáteis permaneceu em Betim, de forma que a antiga unidade móvel ficou melhor aparelhada e houve atendimento dos casos mais graves fora de Betim – em Belo Horizonte. O médico responsável registrou sua decepção com as autoridades brasileiras por não se terem decidido a tornar regular o atendimento aos doentes, através de um dispensário definitivo. Ao longo da primeira metade do século XX, registra-se a presença da epidemia de gripe espanhola em Betim, o que causou a morte de 38 pessoas em 1918. Sabe-se que não havia socorro público às vítimas e que este socorro partiu dos potentados locais. Os farmacêuticos José Borges e Pedro Xavier de Assis – este último o Mestre Pedro, muito querido da comunidade e que, além de boticário, era professor e erudito – cuidaram do atendimento aos doentes. Nisso, tiveram o auxílio econômico do Dr. Gravatá e dos fazendeiros José Nogueira Duarte e José Belém. Apenas em 1949, há registro da inauguração de um posto de saúde em Betim pelo governador Milton Campos. Este posto, que ficou conhecido como Unidade Central Dr. Hacketi (porque está localizado na rua homônima), localizado onde hoje está o Centro de Referência em Saúde Mental de Betim (CERSAM), marcou o início da prestação de serviços em saúde de maneira mais regular em Betim. O posto era mantido pelo Estado, que, até a década de 70, inaugurou outros postos, no Angola, no PTB e em Vianópolis. Além destes, Betim contava com o complexo de saúde da Colônia Santa Isabel, cuja principal unidade era o Hospital Orestes Diniz5, para 5 Inaugurado em 1932, o Hospital Dr. Orestes Diniz contava com uma estrutura admirável, devido à atenção dedicada à hanseníase pelas autoridades sanitárias nos anos 30, e ainda em 1988 contava com 56 leitos. Após a desativação da Colônia, o hospital poderia ter sido DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 8 atendimento principalmente dos internos e de seus parentes que foram se instalando nas redondezas. Nos anos 70, a Prefeitura Municipal de Betim inicia ações próprias no campo da saúde, inaugurando seu primeiro posto de saúde, localizado na Rua Rio de Janeiro, com um médico e um dentista, que atende prioritariamente aos funcionários da própria Prefeitura. A população propriamente dita ficava aos cuidados dos postos mantidos pelo Estado e pelo INAMPS. Em 1978, foi inaugurada a FAMUB (Fundação Municipal de Urgência de Betim), primeira unidade de saúde municipal a adotar o conceito de atendimento do urgência. Nessa mesma época, foi criado o primeiro Código Sanitário de Betim, que disciplina questões relativas à poluição, ao saneamento básico e ao funcionamento adequado, do ponto-de-vista sanitário, das empresas de Betim. Esse código vigora até hoje em Betim. Em 1983, um evento externo provocou intensa reordenação da prestação de serviços em Betim: a criação das Ações Integradas de Saúde (AIs). As AIs representaram a parceria entre as esferas municipal, estadual e federal para a atenção à saúde. Em conseqüência disso, o setor da saúde em Betim foi progressivamente adotando uma linguagem mais consistente e neste início de década criou-se um departamento de defesa do meio ambiente na Secretaria de Saúde (CODEMA), inaugurou-se o posto do PTB e a primeira policlínica de Betim, Alcides Braz, que trazia uma nova concepção em saúde pública – o atendimento em especialidades médicas. Também desta época datam os gabinetes odontológicos escolares, abertos com recursos de um convênio com a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE). acionado pela população de Betim, mas o estigma da hanseníase fez com que isso nem fosse considerado pelos cidadãos. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 3 9 Entre 1985 a 1988, foi elaborado o primeiro plano de saúde do município, com um diagnóstico bastante acurado do setor. O plano, denominado Modelo Assistencial para o Município de Betim, detectava a ausência prática de um sistema de saúde capaz de absorver a demanda local. Betim contava então com cinco unidades de saúde mantidas pelo Estado e nove mantidas pelo município, e oplano previa ampliar o sistema para vinte e duas unidades, inclusive com a construção do hospital municipal e a municipalização das unidades do Estado. A organização sistêmica, que só se efetivaria nos anos 90, já estava delineada neste plano, que previa a especialização de cada unidade em um tipo de atenção à saúde e o funcionamento dos encaminhamentos por referência e contra-referência6. Nem tudo o que se vislumbrou no plano foi implementado, mas houve significativo avanço da atenção básica à saúde no município, com a criação de programas de saúde para a mulher, a criança, hipertensos e diabéticos. Houve a implantação de mais três policlínicas e seis postos de saúde. Ao final dos anos 80, Betim enfrentou uma situação conflituosa no campo da prestação de serviços em saúde: o Hospital N. Sra. do Carmo, fundado por sociedade particular, enfrentava dificuldades financeiras, razão pela qual foi desativado. Houve grande comoção da comunidade, devido à cidade não ter unidade hospitalar. Em novembro de 1989, o hospital foi reativado, com subvenções municipais. Foi nesse momento que a Prefeitura Municipal começou a negociar o convênio que viabilizaria a construção do primeiro hospital público de Betim. Essa construção começou já no início da década de 90, quando também se construiu a 6 Quando o usuário entrasse em qualquer unidade, esta teria a responsabilidade de encaminhá-lo ao atendimento adequado, quando a necessidade do usuário não fosse da competência da unidade. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 4 0 maternidade pública municipal e se negociou com as instâncias estadual e federal para que Betim pudesse assumir a gestão semi-plena de seu sistema de saúde, o que aconteceu em 1993. Os anos 90 foram o período de implantação e consolidação de um sistema de saúde em Betim. Em 1994, levantamentos diagnósticos apontavam que o princípio da descentralização ainda não havia sido efetivado e que nem os servidores da saúde nem os usuários consideravam o atendimento em saúde satisfatório. A Prefeitura elaborou o Plano Municipal de Saúde para 1995-6, que adota os seguintes princípios orientadores para a saúde municipal: acesso, acolhimento, vínculo7, autonomia e resolutividade8. O principal problema a ser enfrentado era o do relacionamento do profissional de saúde com o usuário em estado de sofrimento. Houve diagnóstico do perfil da saúde da população betinense. As doenças respiratórias respondiam pela maior parte dos atendimentos na rede pública, decorrência do clima e da poluição atmosférica. Das conclusões gerais desse diagnóstico, decorreu que o governo deveria investir prioritariamente sobre as doenças parasitárias, sobre a hanseníase, a saúde mental e as doenças cardiovasculares – hipertensão à frente. A saúde bucal do betinense também deixava a desejar: de cada usuário atendido pelo sistema, era encontrada uma média de cinco dentes afetados, um índice semelhante ao da população nordestina na mesma época. 7 Sentir-se ligado ao sistema durante todo o tempo do tratamento, sem precisar demandar acesso em cada instância. 8 Alta capacidade de resolução do problema de saúde que gerou a demanda. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 4 1 O diagnóstico revela que o município já havia atingido uma boa cobertura vacinal; a situação do saneamento básico ainda era crítica: 80% desta contavam com abastecimento de água, mas apenas 29% tinham acesso à rede de esgoto; a coleta de lixo, tanto a domiciliar quanto a de resíduos hospitalares, acontecia três vezes por semana, sendo que 22 bairros não tinham coleta. A rede física de saúde de Betim foi praticamente toda reformada e construída segundo o padrão das políticas de saúde pública. O atendimento em três níveis (básico, secundário e terciário), sonhado desde meados da década de 80, realizou-se nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nas UAI (Unidades de Atendimento Imediato) e no Hospital Regional e Maternidade Pública Municipal. O atendimento nas especialidades médicas passou a ser feito na Unidade Divino Braga, foram criados os Centros de Referência em Saúde Mental do Centro e do Teresópolis (o primeiro já existia embrionariamente) e o Centro de Referência em Saúde Mental Infantil, além do Centro de Convivência Cazuza, para as DST/Aids. Foram municipalizadas as unidades de saúde mantidas em Betim pelo Estado, por força do processo de municipalização nacional mesmo, e, em 1998, a Secretaria de Saúde assumiu a gestão plena do sistema de saúde local. Ainda no começo da década, ocorreu o primeiro concurso público na área da saúde em Betim. Nos anos 2000, o sistema de saúde de Betim tem sido reconhecido com repetidos prêmios extra-municipais. Isso significa que está à frente do que se pratica em muitos municípios do país, mas não que tenha atingido um nível satisfatório de atendimento. Os principais problemas estão em que a procura por serviços públicos de saúde supera em muito a capacidade de absorção do sistema e em que a DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 4 2 política de saúde não é assumida política e profissionalmente pela totalidade dos servidores. Apesar dos problemas, os indicadores da saúde em Betim estão hoje em alto patamar. As condições de saneamento básico, que se refletem diretamente na saúde da população, alcançaram os seguintes índices em 2000: 96,18% da população eram atendidos pela rede de abastecimento hídrico, 69,21% contavam com rede de esgoto e 95,22 eram atendidos pelo serviço de coleta de lixo. Caiu significativamente a incidência de doenças reversíveis pelo investimento no setor de saúde. A mortalidade geral está em 4,8 pessoas por cada mil nascidas vivas e a mortalidade infantil baixou de 54,3 para 16,6 por mil nascidas vivas em 15 anos. Em 2002, Betim alcançou o índice de 3,01 consultas médicas por habitante/ano, acima do recomendado pelo Ministério da Saúde (2 a 3 consultas por habitante/ano). A expansão da rede de saúde teve continuidade, paralelamente ao investimento em humanização. Novas unidades de saúde foram implantadas: Centro de Referência em Habilitação “Anderson Gomes de Freitas”; Centro de Convivência “Estação dos Sonhos”, para pacientes da saúde mental; Casa Lar, no Angola, que é um lar abrigado para pacientes aposentados da saúde mental; finalmente, foi inaugurada a nova UBS Teresópolis. 3.5. Educação Setores da localidade de Capela Nova do Betim começam a se organizar para reivindicar instrução escolar formal em 1832. Em 1838, começa a funcionar a primeira escola de instrução primária (uma “aula”) ministrada pelo professor Francisco de Paula Rodrigues. Esta primeira instituição escolar chamou-se Escola da Capela Nova de Betim, criada por portaria de 18 de fevereiro de 1838. DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 4 3 Os primeiros professores, depois do pioneiro, foram: José Gonçalves do Amaral, Francisco de Paula Rodrigues Júnior, que teve uma carreira de 15 anos no magistério de Betim, até se aposentar, João Gonçalves Martins, que sofreu boicote da população capelanovense, inconformada com a saída de Francisco Júnior, Joaquim Primo da Rocha, Augusto César Neves Murta, Joaquim Antônio da Fonseca, Symphronio de Souza e Silva e Pedro d'Assis Xavier e Paula Júnior, o Mestre Pedro, considerado o mais erudito professor capelanovense
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