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Exercício do Poder Constituinte Derivado

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EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO - Noções de um Poder Constituinte não originário. O Poder Constituinte instituído. Poder Constituinte de revisão ou reformador. O Poder Constituinte decorrente
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 11 | p. 31 | Abr / 1995
Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional | vol. 1 | p. 519 | Mai / 2011 | DTR\1995\546
Maria Garcia 
Professora de Direito Constitucional da PUC/SP. Assessora Jurídica da USP. Membro da IBDC 
Sumário: 
1. A procura de uma noção introdutória sistematizada - 2. O Poder Constituinte instituído ou derivado, ou de segundo grau - 3. Terminologia e fundamento da reforma constitucional - 4. O titular do Poder Constituinte de revisão - 5. A reforma constitucional: conteúdo - 6. Poder Constituinte revisor ou de reforma: limitações - 7. No tema, a Revolução - 8. Poder Constituinte decorrente - 9. Algumas considerações correlatas - 10. O Regime Federativo. Os Estados-membros
 
1. A procura de uma noção introdutória sistematizada
Os autores invariavelmente destacam a tendência dos grupamentos humanos em atribuirem-se códigos ou leis fundamentais, para a organização de sua vida social e política. Fundamentais, no sentido de estenderem-se a todos. sem discriminações, supremacialmente, governantes e governados, no pacto social. A idéia de uma "lei fundamental ou Constituição, destinada a reger a vida de um grupo social politicamente organizado, aparece desde os Estados teocráticos do Oriente" 1 Viamonte, Derecho Constitucional I/35), atendendo a uma irreprimível necessidade de compatibilização de direitos e interesses, no âmbito privado e de ordem pública, inspirada na harmonia básica da Natureza, ainda que encobrindo lutas e conflitos existenciais. 
O exercício do Poder Constituinte elaborador dessas normas fundamentais pode abranger, portanto, o desenvolvimento de uma vontade política do seu titular, determinando forma e organização do Estado e o ordenamento jurídico da sociedade, nesse Estado. É o Poder Constituinte originário, na sua "etapa de primigeneidade 2 primeira e incondicionada". 
Até perfeccionar-se, o exercício do Poder Constituinte originário compreende três fases distintas: uma tomada de decisão, o ato constituinte, feito ou feitas nos quais se manifesta a vontade política, cuja eficácia permite ao povo organizar-se em sociedade civil ou Estado; o poder constituinte, o exercício ou capacidade do povo de outorgar-se, por sua própria vontade, uma organização política e um ordenamento jurídico, jungindo a tudo e a todos sob o seu domínio e a constituição, conseqüência ou resultado que representa, ao mesmo tempo, a organização do Estado e a ordem jurídica da sociedade. 
Numa tentativa de aproximação ainda que longínqua, por certo - entre as teorias jusnaturalistas e a teoria pura do Direito, verificar-se-á, a partir da crítica de Farrel à posição kelseniana, "no momento em que esta afirma que a norma fundamental considera válida a primeira Constituição se ela resulta eficaz, isto é, se as ordens do primeiro constituinte resultam genericamente obedecidas por seus súditos: a partir daí fica manifesto que o sistema jurídico se apóia "sobre um fato de poder social". 3 O ato constituinte funda-se num fato de poder social, dando origem e apoio ao sistema jurídico através do exercício do Poder Constituinte: num caso, esse fato ligar-se-á à norma hipotética fundamental, daí decorrendo todas as suas implicações e conseqüências; no outro, deriva e se abebera no Direito Natural preexistente na natureza das coisas. Num caso, ainda, a norma hipotética fundamental e "inalterável", se tomada em determinado momento e circunstância, pois essa norma, como tal e por si só considerada, apresenta-se vazia de conteúdo; no outro, um Direito Natural permanente na Natureza e no Homem, regendo o seu relacionamento, de conteúdo imutável, continuamente redescoberto de sentido e de alcance, contudo. 
Daí o comentário de Vanossi 4 a propósito da "discrepância" de Alf Ross com Kelsen, sobre o conceito de validade: "assim, chega Ross a pensar que a manutenção da idéia de "validez" por parte de Kelsen - fundada na norma hipotética fundamental - nada mais é que "uma reminiscência jusnaturalista não superada". 
 
2. O Poder Constituinte instituído ou derivado, ou de segundo grau
Pode o Poder Constituinte atuar, ainda, pela forma derivada, prevista e condicionada de Poder Constituinte revisor ou reformador, numa etapa secundária ou "de continuidade": "uma vez editada a Constituição, o Poder Constituinte, como função, entra em repouso mas permanece vivo e operante, nas disposições constitucionais, nas quais adquire permanência ou, pelo menos, estabilidade". 5 
Caracteriza-se por ser derivado (provém de outro), subordinado (está abaixo do originário) e condicionado (somente poderá agir nas condições postas, pelas formas fixadas). 6 
A sua natureza é de um poder de direito, cessadas a seu respeito, as discussões que atingem o Poder Constituinte originário, sobre se poder de direito ou de fato. "Em realidade, para o positivismo jurídico, este é o único jurídico dos Poderes Constituintes. O único Poder Constituinte jurídico, ou melhor, suscetível de ser analisado juridicamente, é, para os positivistas, o Poder Constituinte instituído", diz Ferreira Filho. 7 
O Poder Constituinte instituído manifesta-se sob duas formas: uma delas, a que se destina a rever e a modificar a própria Constituição, é o Poder reformador ou de revisão; nos Estados Federais, apresenta-se como aquele Poder destinado à organização das unidades competentes ou Estados-membros. 
A questão envolve, desde logo, a idéia do poder na teoria do constitucionalismo e, com ela, a concepção do Lassalle, expoente do sociologismo constitucional, para quem "os problemas constitucionais não são, primariamente, problemas de direito, senão de poder. (...) Constituição de um país é, em essência, a soma dos fatores reais do poder" os quais consubstanciam, por sua vez, "a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade". Assim, "as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis, senão na medida em que dão expressão fiel aos fatores de poder imperantes na realidade social" conforme José Afonso da Silva. 8 
O soberano, a nobreza, o exército, a grande e pequena burguesia, a classe operária, seriam várias dentre as forças sociais que representam "pedaços da Constituição". 
"Esses fatores reais do poder são captados e estendidos numa folha de papel, dá-se-lhes expressão escrita e a partir desse momento, incorporados a um papel, já não são simples fatores reais do poder, transformam-se em direito, em instituições jurídicas e quem atende contra eles atende contra a lei" diz Lassalle. 9 
A teoria de Lassalle que - ainda segundo José A. da Silva - "ressalta, inegavelmente, verdades que a experiência constitucional da época e de agora, confirma" faz sobressaírem, mais firmemente, a idéia e o alcance de um Poder Constituinte ditador de normas existenciais do Estado, da sociedade e, correlatamente, dos indivíduos que os compõem. 
"Todo poder político está na origem de todo poder constitucional. A Inglaterra é uma prova. (...) A legitimidade do poder na Inglaterra está no fato constituinte. Na desnecessidade da existência histórica de textos que justifiquem a legalidade política das instituições, inclusive dos direitos do Parlamento, que são invioláveis sem a imposição formal de uma Constituição escrita", explicita Franco Sobrinho. 10 
Esse poder, conforme vimos, originário, primeiro e incondicionado, exercido circunstancialmente por um indivíduo, um grupo, uma casta e partindo inicialmente de uma tomada de decisão, o ato constituinte, surge e exaure-se em si mesmo num sentido, porém, de fundamentação e não de aniquilamento pois, como a Fenix renascida, permanecerá apto a exercitar-se, assim que necessário. 
Ocorre, no entanto, circunstância diversa quando se cuida,não mais de editar ou estabelecer a Constituição, "as normas informadoras e condicionadoras da ordem jurídica" ressalva José Afonso da Silva, 11 senão de modificar a Constituição existente, a sua reforma parcial ou mesmo total. 
 
3. Terminologia e fundamento da reforma constitucional
Desde logo, uma questão de terminologia: "emenda", constitucionalmente, "significa modificação parcial, enquanto revisão significaria modificação geral ou total. São ambas espécies do gênero reforma". 12 
Para Pontes de Miranda, "reforma e revisão são sinônimos. (...) Tem-se chamado à reforma parcial emenda". 13 
"A regra é que as leis mudem e possam mudar", acrescenta e que as Constituições, como as demais normas estabelecidas, acompanhem a realidade social e a sua circunstância. "Emendar, permitir alterar-se, nos indivíduos e nos grupos sociais, é sinal de sabedoria", refere o mesmo Pontes de Miranda, aludindo a Pimenta Bueno e seu Direito Público Brasileiro (1857), "...Se um ou outro princípio pode e deve ser imutável, outro tanto não acontece com o todo das disposições constitucionais". "Viu bem", refere, "a diferença entre o cerne imutável e as outras regras constitucionais". 
Com efeito, como argüiu Duverger com referência ao regime francês de 1946, "a estabilidade constitucional não é um bem senão quando (e enquanto, diríamos) a Constituição corresponde às necessidades do país que rege". 14 
Quais, porém, esse "cerne imutável" e essas regras passíveis de modificação, ainda que constitucionais? De que forma e até que ponto o são, portanto? 
Aqui surgem as indagações sobre a justificativa do exercício desse Poder que não se chamará "constituinte"; ou, diversificadamente, "constituinte derivado"; ou, ainda, denominando-o também "constituinte", encontrar nesse organismo atuante as características daquele Poder legitimado por si mesmo, primeiro e incondicionado; o alcance ou conteúdo da reforma e os limites que poderá alcançar. 
 
4. O titular do Poder Constituinte de revisão
Sobre o poder de revisão constitucional "arrolam-se, em síntese, três teorias que procuram explicar a sua validez: a primeira, formulada por Jean Jacques Rousseau entende que, sendo o "pacto social" apenas do povo, ao mesmo povo caberá, reunido em assembléia, realizar a sua modificação". 
"Sua vontade geral é o poder constituinte em ação, ou vontade constituinte, que deve manifestar-se sempre e diretamente pelo povo, para que tenha legitimidade e validez". 15 
Sieyès, em teoria baseada no conceito de "soberania nacional" afirma: "Só a nação, congregada em assembléia, tem o poder de alterar o pacto social". 
Já para Paine, o próprio pacto social pode estabelecer o processo de sua modificação porque "quem tem o poder de elaborar o todo, que é o pacto, há de tê-lo para elaborar a parte, que é a emenda. 
Em princípio, houve a consagração efêmera das duas primeiras teorias, pelas antigas Constituições francesas. Acabou, no entanto, prevalecendo a terceira, por melhor informar e interpretar o instituto da emenda". 16 
O próprio Poder Constituinte pode, portanto, estabelecer a modalidade das futuras alterações do texto constitucional. 
Com referência ao procedimento, "a reforma constitucional pode desenvolver-se conforme dois sistemas distintos, segundo se requeira a colaboração: a) de órgãos especiais, diferentes dos legislativos ordinários; b) de órgãos com procedimentos agravados com referência aos adotados para a aprovação e outras leis. Há que esclarecer que divisões necessariamente realizadas com critérios absolutos pela doutrina muitas vezes são confundidas e aparecem mescladas, na realidade constitucional". 17 
O mesmo autor observa "a elasticidade", característica das Constituições escritas, de "prestarem-se a variações notáveis nos institutos que regulam, sem mudar a própria letra escrita". 
"Freqüentemente", assinala, "ainda não variando a letra escrita da Constituição, pode-se modificar sensivelmente a situação jurídica configurada pela mesma, no sentido de que as leis ordinárias (no âmbito de validez que se lhes destaca), os costumes (conquanto idôneos para atuar em matéria constitucional), as sentenças judiciais (sobretudo nos Estados anglo-saxões) e as regras de correção constitucional, podem transformar substancialmente, na realidade da vida constitucional, quanto se estabeleceu, em grandes linhas, pelas mesmas normas constitucionais", exemplificando com a própria Constituição Norte-americana de 1787 (caracterizada pela clara precisão dos seus artigos e pelo eficiente controle de constitucionalidade, efetuado pela magistratura federal), que aparece agora notavelmente transformada, relativamente ao modelo originário de Philadelphia, conforme sublinha a recente doutrina de direito público norte-americana, não só por obra de diversas leis ordinárias (atuando nos "espaços vazios") senão também, e especialmente, através das sentenças judiciais (...) e pelos mais diversos usages (ou convenções constitucionais) "características de determinados países". 18 
Cabe indagar, entretanto, sobre a validade inteira de acepção de Thomas Paine 19 ("quem tem o poder de elaborar o todo há de tê-la para elaborar a parte"), quando o poder legislativo ordinário não tenha sido convocado como Poder Constituinte. 
Sieyès e seus estritos seguidores, para quem o constitucionalismo "requer uma rígida separação entre o Poder Constituinte e os poderes constituídos, como a única maneira de evitar o seu aniquilamento, "o sistema das convenções" para a reforma total ou parcial de uma Constituição é o melhor, doutrinária e praticamente e com maior motivo se completada com o referendum plebiscitário. As convenções apresentam a vantagem de oferecer a oportunidade da escolha, para o desempenho dessa tarefa, dos homens melhor capacitados, dentro da tendência ideológica que corresponde a cada partido político e excluir toda ambição de poder e inclinação à política ainda, desde que se trata, unicamente, de redigir uma Constituição". 20 
Apresenta-se de todo procedente, ao nosso ver, a idéia de um órgão, convenção ou assembléia especialmente convocados (e a Constituição preverá a forma e o modo), para as atribuições da emenda ou reforma constitucional: a especificidade e a própria característica das matérias a serem tratadas como o alongamento dos interesses imediatos, fazem depreender a propriedade e justeza desse critério. 
"A doutrina Sieyès exclui toda possibilidade do exercício do Poder Constituinte por alguns dos poderes constituídos. Mais que uma separação de poderes, como se poderia considerar inadvertidamente, é uma distinção fundamental a respeito da sua natureza. O Poder Constituinte é um poder indelegável, ainda que se encarregue seu exercício a um órgão especial destinado a esse fim e cujos membros são eleitos com esse único objeto. Na realidade, o povo não se desprende nunca desse poder e por isso deve reservar-se a palavra definitiva, mediante o referendum, que não aparece na doutrina de Sieyès mas que foi utilizado de modo uniforme pelos Estados da União norte-americana." (Viamonte, op. cit., 274) 
d) Na verdade, os argumentos que vêm sendo opostos, a par de modernamente superáveis ou não significativos (convocações constantes, mobilização popular, custos) não convencem de todo a idéia de um órgão convocado para o fim específico da emenda ou reforma atende aos critérios e necessidade da especialização e superioridade de matérias. 
Para MAURICE HAURION ("Principes de Droit Public"), "inimigo declarado da soberania do povo e partidário de reconhecê-la no governo e seus órgãos e que nega a existência do poder constituinte", o mais grave é que "a doutrina da delegação do poder constituinte revelou-se, por vezes, instrumento perigoso da ditadura, por intermédio do referendum plebiscitário e da convocação popular", os abusos e manobras são constantes. 
Leon Duguit, ao tratar da Lei Constitucional francêsa de 1875, pela qual a revisão se operaatravés de uma nova assembléia formada da reunião das duas Câmaras, distintas perfeitamente, portanto, preocupou-se com a questão da promulgação da lei de reforma e a possibilidade do veto executivo. 
Essas dúvidas, todavia, seriam "vãos fantasmas. Ao contrário, atribuir o poder constituinte às câmaras e confundi-lo com o poder legislativo ordinário, cria uma multidão de problemas nos quais corre-se o risco de que o poder constituinte venha a ser exercido, ao final das contas, por um só indivíduo: o Presidente da República. 
A completa separação do poder constituinte e do poder legislativo resolve todas essas dificuldades e oferece, entre outras vantagens práticas, a de imunizar o poder constituinte contra os perigos de uma política acidentada e turbulenta". 21 
Em resumo, portanto, reflui o problema do critério ou sistemática da revisão: se por órgãos especiais ou órgãos com procedimentos agravados, na acepção de Biscaretti, conforme se verifica na tradição republicana brasileira, se convenções ou assembléias constituintes ou legislativos ordinários exercendo os poderes de emenda ou revisão. 
E profligamos, com o pensamento de Sieyès e Carlos Sanches Viamonte, a existência de órgãos especialmente convocados para a reforma, seja ela parcial ou total. 
A matéria constitucional é, ou deve ser, de caráter especial, de fundamento e de origem e como tal deve ser tratada; ao mesmo tempo que se deve extirpar da matéria constitucional o que lhe seja estranho, fixando-se, conforme prescrevia a Constituição Brasileira de 1824, o que seja "matéria constitucional", órgãos especiais, diferentes dos legislativos ordinários não eleitos como "constituintes" deverão tratar, com exclusividade, portanto, dessa matéria também especial. 
O sistema constitucional brasileiro, partindo de bases acertadas e coerentes, veio a adotar uma prática desacertada e que não provou bem, até a atualidade: a Constituinte de 1824 destinou-se, desde as origens, a ser um só tempo órgão legislativo especial e ordinário e a Lei de 12 de outubro de 1832 (Ato de autorização para reformar a Constituição do Império) determinou que os eleitores dos Deputados para a legislatura seguinte lhes confeririam "nas procurações, especial faculdade para reformarem os artigos da Constituição que se seguem:...", o que resultou no Ato Adicional de 1834. 
A partir daí, os textos constitucionais passaram a consagrar o exercício do poder de revisão pelos próprios órgãos legislativos ordinários, apenas condicionados por requisitos de forma e de procedimento, ressalvada unicamente a parte que se refere à Federação e à República e posteriormente, outras matérias desse teor. 
 
5. A reforma constitucional: conteúdo
Para Crenière, membro da Assembléia Nacional Francesa de 1789, "a Constituição não deve conter senão as bases da associação civil, as quais consistem nos direitos do homem e do cidadão, que nascem da existência mesma da sociedade, uma vez constituída. Tudo o que se refira às instituições, ou seja, à estrutura do Estado ou os poderes do governo, já não é "constituição". 
E acrescenta: "Se me objetará, sem dúvida, que exemplos recentes ensinaram a dar maior extensão ao sentido da palavra "constituição"; não me contentaria com responder que errou-se ao aplicar esta palavra "ao que constitui" como "ao que organiza" um povo. Diria que o principal vício das constituições modernas é ter estabelecido pelo mesmo ato direitos de natureza diversa; ter confundido o que dá existência ao corpo político com aquilo que o conserva; em uma palavra, ter confundido a constituição do povo, em sentido preciso, com suas instituições". 22 
Aponta o mesmo autor, entretanto, o engano de Crenière em atribuir diferente importância e hierarquia "aos direitos do homem e à organização político-jurídica da sociedade, sem advertir que a eficácia da declaração de direito do homem e do cidadão depende da forma de governo e que uma só instituição estatal pode influir, decisivamente, na existência daqueles princípios fundamentais". 23 
Para o mesmo Carlos Sanches Viamonte, autores como Schmitt, Recasèns Siches, Hans Kelsen, se inclinam para a posição de Crenière, "quando este nega o caráter de Constituição, nascida do poder constituinte propriamente dito, às normas ou regras que estruturam o Estado e organizam o governo, do que resulta que as reformas parciais de uma Constituição não emanam do poder constituinte, senão do poder constituído, ou competência". 
Schmitt, quando se refere ao "estado de natureza" e quando distingue entre "constituição" e "leis constitucionais" ou "Constituição em sentido político", esta não passível de reforma e sim as "leis constitucionais"; a reforma da Constituição, como "vontade ou decisão política fundamental" seria o seu próprio "quebrantamento"; Recasèns Siches, pela mesma forma e orientação e Kelsen, quando observa que a Constituição resulta inconveniente porque "tem de ser desbordado, incessantemente, o marco rígido da codificação contida no documento constitucional". 24 
A partir desses pressupostos depreende-se bem o problema da revisão constitucional, da reforma parcial ou total da Constituição do ponto de vista do seu conteúdo ou "segundo a amplitude da matéria afetada pela reforma". 25 
Refere Biscaretti, aliás, uma forma muito particular de reforma constitucional quanto à matéria contemplada, "a derrogação da Constituição num caso concreto, ou num breve período, deixando imutável sua validez, em geral (chamada "ruptura" da Constituição e semelhante à figura da "dispensa")". 
Para Kelsen, "a idéia de um documento constitucional unitário pressupõe o fato de uma constituição rígida, isto é, plenamente acabada e irreformável. Isto é, a constituição no sentido lógico-positivo. E, por isso, quase todas as constituições dos Estados modernos, se compõem de uma pluralidade de leis constitucionais, entre as quais "pode existir, histórica e politicamente, a lei ou documento principal". 26 
E melhor explicitando a colocação de Carl Schmitt por suas próprias palavras: 
"Los limites de la facultad de reformar la Constituición resulta del bien entendido concepto de reforma constitucional. Una facultad de "reformar la Constituición", atribuida por una norma legal-constitucional, significa que una o varias regulaciones legal-constitucionales pueden ser substituidas por otras regulaciones legal-constitucionales, pero solo baja el supuesto de que queden garantizadas la identidad y continuidad de la Constituición considerada como um todo. (...) Los órganos competentes para acordar una ley de reforma de la Constituición no se convierten en titular o sujeto del Poder Constituyente" 27 Colocando o problema da revisão total, contudo, G. Burdeau destaca a diversidade de critérios do direito positivo, a respeito, ressaltando contudo que "as constituições que admitem, expressamente, sua revisão total, fazem intervir a manifestação popular". Assim, nos Estados Unidos, onde a assembléia constituinte não é, necessariamente, soberana, as suas decisões devendo ser ratificadas pelo povo. E enfatiza: "Os americanos souberam evitar o erro capital que consiste, por uma viciosa combinação do regime representativo com o princípio da soberania do povo, em identificar o povo com a constituinte por ele eleita". 28 
Sobre o sistema inglês, uma observação interessante: "...em definitivo, o poder constituinte do Parlamento só é ilimitado em teoria. Prudente e moderada que seja a reforma, os deputados de Westminster serão o padrinho, jamais o pai". 29 
Por final, condena veementemente a teoria da independência e liberdade total do poder revisional, abordando o problema da fraude à Constituição pela "violação do princípio da limitação do poder constituinte instituído" 30 os meios e modos pelos quais, agindo sobre os órgãos de revisão, obtenham os governos a modificação da Constituição ou mesmo, o estabelecimento de uma nova: "Une idée de droit nouvelle, un pouvoir politique nouveau se sontintroduits dans l'Etat par le jeu d'une révision implicite ou expresse de la constitution et grâce à une méconnaissance évidente de l'esprit selon lequel elle avait envisagé sa modification". 31 
A propósito, o exemplo sempre sui generis do sistema inglês, dividindo-se de início entre duas proposições: para Coke e outros, "fundamental laws were inviolable and could not be changed even by king and Parliament. Francis Bacon as la lawyer agreed with this view, but as a political theorist he held a contrary opinion: Parliament was supreme and the source of law, and therefore was uncontrollable. It would be even possible to transfer its power to the king or to change the government from a monarchy to an aristocracy or democracy" e firmando-se, afinal, "no dogma da onipotência do Parlamento". 32 
 
6. Poder Constituinte revisor ou de reforma: limitações
O Poder Constituinte constituído (Sanches Agesta), ou instituído (G. Burdeau), ou de segundo grau (Pontes de Miranda), não somente está limitado por condições explícitas, impostas pelo Poder Constituinte originário mas também por condições implícitas. 
A respeito, ensina Karl Loewenstein: 33 "Disposiciones intangibles. Bastante más importancia han adquirido recientemente las llamadas disposiciones intangibles de una constituición, que tienen por fin librar radicalmente de cualquier modificación a determinadas normas constitucionales. 
Aqui hay que distinguir, por lo pronto, dos situaciones de hecho: por una parte, medidas para proteger concretas instituiciones constitucionales - intangibilidad articulada - y, por outra parte, aquellas que sirven para garantizar determinados valores fundamentales de la constituición, que no deben estar necesariamente expresados en disposiciones o en instituiciones concretas, sino que rigen como "implicitos", "imanentes", o "inherentes" a la constituición. En el primer caso, determinadas normas constitucionales se sustraen a cualquier emenda por medio de una prohibición jurídico-constitucional y, en el segundo caso, la prohibición de reforma se produce a partir del "espiritu" o telas de la constituición, sin una proclamación expresa en una proposición jurídico-constitucional". 
Para certos autores, o Poder Constituinte instituído ou derivado - e que melhor se nos afiguraria denominar Poder Reformador ou Revisor (assim Duguit, Barthèlemy, Laferrière, Vedel) - é ilimitado, porque" é o próprio poder originário subsistente em sua própria obra". 
Para outros, entretanto, entre os quais Schmitt, Burdeau, Hauriou, Recasèns Siches, Pinto Ferreira ao contrário, "o poder constituinte constitucionalizado é uma criação do originário, como os demais poderes, como a Constituição. Sua competência ele a recebeu do poder originário e, como os demais poderes constituídos, não pode validamente ultrapassar seus limites". 34 
"A la différence du pouvoir constituant originaire qui est absolument libre, aussi bien quant à la forme que quant au fond, le pouvoir institué ou, selon la terminologie plus usitée, le pouvoir de révision est, de son essence même, un pouvoir limité (Burdeau, Traité, 1969, IV/250)". 
Ferreira Filho aponta limitações ao poder revisor, classificadas em temporais (determinando épocas certas para a revisão), circunstanciais (vedando a revisão em determinadas situações, o estado de sítio, por exemplo, na Constituição Brasileira de 1934) e materiais (mediante a exclusão de determinados assuntos, por exemplo, a Federação e a República, nas Constituições Brasileira desde 1891, exceto a de 1937, que é omissa). 
Não deixa entretanto de observar, com justeza, que o modo de exercício do Poder Revisor oferece sérias dificuldades técnicas: "...de fato, é preciso organizá-lo de tal modo que a estabilidade do texto constitucional seja resguardada, abrigando-se o caminho para as remodelações necessárias". 35 
Nisto se resumem, portanto, as próprias dificuldades da doutrina: a exata delimitação das faculdades ou da extensão desse Poder. O seu exercício por um Poder Constituinte ou pelo Poder Legislativo ordinário e o momento em que chega a transmudar-se em Poder Constituinte originário, pelo teor e alcance das alterações por ele ditadas ou estabelecidas. 
Paolo Biscaretti 36 adverte que a questão relativa tanto aos limites explícitos, quanto aos implícitos, aparece profundamente controvertida na doutrina, em seus múltiplos aspectos, "sobretudo em razão dos conceitos contrapostos de "Constituição", mantidos pelos diferentes autores". 
Assim, várias correntes doutrinárias sustentam, sobretudo, a subsistência de "limites implícitos absolutos" em toda reforma constitucional "mas a incerteza começa a reinar, apenas se inicia a conformação do seu exato conteúdo (considerando-se imutáveis, segundo distintos autores, os princípios jurídico-políticos básicos da Constituição interpretados, segundo cada caso, restrita ou extensivamente; a forma de governo; os princípios contidos na "Declaração de Direitos"; ou o procedimento da reforma constitucional etc.)". 
Entende, assim, Biscaretti, se deva sempre desprezar os argumentos favoráveis a "tais limites implícitos absolutos", tanto quanto vinculados "à origem histórica" das normas e das instituições fundamentais mencionadas, como quando baseados na "efetiva natureza jurídica" das mesmas, concluindo-se pela "plena possibilidade do estado modificar, também substancialmente, o próprio ordenamento supremo, ou seja, a própria Constituição, se bem movendo-se sempre no âmbito do direito vigente, incluso na hipótese extrema da mudança da mesma forma de Estado". 
Faz ainda o autor, a crítica dos diversos entendimentos doutrinários fundamentadores das limitações implícitas absolutas, referindo que não são convincentes os argumentos baseados na natureza jurídica das disposições que se afirmam inalteráveis: "não convence a tese de que também" os órgãos de reforma são "órgãos constituídos" e, portanto, não podem inovar substancialmente a própria Constituição sem destruírem ao mesmo tempo as bases da própria autoridade (pois o ordenamento estatal vindo à luz vive já sua própria existência e pode desenvolver-se como melhor entender, valendo-se dos procedimentos e órgãos a isso destinados): (...) tão pouco satisfaz a afirmação de que toda a estrutura do Estado aparece rigidamente demarcada, desde cima, por força de uma super-norma, que imprime irremediavelmente a forma essencial (Bon: inspirada na "Ursprungsnorm" kelseniana)". 37 
Ferreira Filho 38 comenta a detida análise de Souza Sampaio ( O Poder da Reforma Constitucional, p. 92 e ss.) sobre quais seriam os limites implícitos do Poder Reformador, que ele denomina limites naturais, sendo o primeiro, exatamente, a manutenção dos direitos fundamentais do homem. "Não poderia o Poder Constituinte derivado suprimir a enumeração dos direitos fundamentais do homem e garantias individuais". 
Em segundo lugar, o Poder de Revisão não poderia alterar as regras concernentes ao titular do Poder Constituinte, que é o povo, sob pena de fraude à Constituição. "Por que fraude à Constituição? Porque, obviamente, o Poder Constituinte instituído não foi estabelecido para mudar a Constituição num ponto sensível ou tão delicado". 
O terceiro é a inalterabilidade do próprio Poder Constituinte instituído, "ou seja, a inalterabilidade de quem pode fazer a mudança da Constituição. Isso seria, na opinião de Souza Sampaio, como na opinião de Carl Schmitt, alterar as condições da delegação. 
(...) O quarto limite implícito apontado por Souza Sampaio é, exatamente, a proibição da alteração das regras que disciplinam formalmente o procedimento da alteração constitucional". 39 
O mesmo Ferreira Filho termina por admitir que a matéria "é interessante mas fluida. Esta polêmica toda é profundamente influenciada pelas circunstâncias políticas. 
A tese da limitação implícita do Poder Constituinte derivado é, porém, uma tese lógica mas difícil de ser precisada nos seus aspectos concretos", finaliza.Outro é o problema dos limites explícitos que Paolo Biscaretti também coloca em termos de valor absoluto baseado, segundo forte corrente doutrinária e política, na tese de que "um órgão ou complexo de órgãos dotados de poder normativo (ou melhor, constituinte ou de reforma: que se caracterizaram com igual eficácia), pode expedir determinadas prescrições impedindo, logo, juridicamente, com uma correspondente proibição a seus sucessores, dotados do mesmo poder normativo, modificá-las ou ab-rogá-las. 
O que, "afirma" contrasta com as exigências da lógica jurídica, que requer a certeza do direito e não pode prescindir do princípio da não contradição, pelo qual a norma posterior pode modificar ou ab-rogar norma anterior de igual eficácia e com as próprias necessidades de reforma, através órgãos legislativos de base representativa; seja, ainda, porque as normas constitucionais assim estabelecidas teriam o mesmo valor e sujeitar-se-iam a igual necessidade de emenda que as demais normas: valor relativo, portanto". 40 
Cabe meditar, ainda, sobre a posição de Carl Schmitt, conforme registra Ferreira Filho 41 que, distinguindo entre leis constitucionais e Constituição, aquelas "normas por assim dizer instrumentais em relação à decisão política fundamental ou decisão de conjunto sobre o modo e forma da unidade política", sobre esta última faz incidir a limitação ao Poder Constituinte instituído, "uma limitação que, mesmo quando não fosse expressa, existiria implícita". 
Essa limitação ganharia, mesmo, maior e mais profundo significado, face à acepção de Schmitt, em relação a uma Constituição que não consignasse, expressamente, tais limites explícitos quando Carl Schmitt "invoca, em abono de sua tese, a opinião de Sieyès ( Que é o Terceiro Estado?) pela regra de que o poder delegado nada pode alterar nas condições da delegação, condições que tanto seriam explícitas quanto seriam implícitas". 
O que sobressai das teorias e debates expostos, é a existência efetiva de limitações ao Poder Constituinte instituído ou Poder Reformador: explícitas, como o sejam no mandamento constitucional e implícitas, quando decorrem do ordenamento jurídico em si, pelas razões de coerência, de harmonia e de co-existência que presidem à vida de qualquer organismo. 
Tais razões sobrepairam, ainda, os poderes do Poder Reformador, quanto ao conteúdo da reforma, que poderá ser parcial ou total, dentro do âmbito do ordenamento jurídico existente sob pena de, ultrapassado, apresentar-se como verdadeiro Poder Constituinte originário. 
A questão envolve, ainda e sempre, o problema do organismo ou órgão revisor que deverá ser especial e constituinte e, por conseqüência, do objeto da reforma julgada necessária em determinado momento histórico. 
 
7. No tema, a Revolução
A revolução é fato social que envolve a ruptura e a cessação do ordenamento jurídico vigente e poderá ocorrer também pelo exercício do Poder Reformador, quando este extravaze as limitações dos seus poderes ou competência. 
Aqui, na realidade e nesse preciso momento, a sua existência envolverá o exercício de verdadeiro Poder Constituinte originário manifestando-se de novo, na sua plenitude e força, através de "uma nova idéia de Direito" (Burdeau), legitimado pela aceitação, necessária à sua implantação e eficácia. 
Jorge Reinaldo Vanossi 42 refere que uma reforma constitucional produzida à margem das previsões normativas do próprio ordenamento vigente, com violação da Constituição, terá sua "razão de validez" baseada, necessariamente, "em norma fundamental diferente: norma suposta, para a teoria pura; norma posta, para os decisionistas: uma crença, para os jusnaturalistas; outros fatores de poder, para os sociologistas; outra infra-estrutura, para os marxistas". 
E, entre outras indagações, o mesmo autor pergunta: "em que momento se produz a transformação do poder de reforma em poder revolucionário como conseqüência de seus atos? De que maneira e a partir de que ato ou atos o órgão constituinte muda seu título ou natureza? Que significado tem atribuir ao órgão constituinte seu caráter de "soberano"? Todas essas perguntas envolvem somente questões políticas ou também são problemas jurídicos, objeto do estudo da ciência do direito?" 
"Para responder, é mister adentrarmos na consideração dos limites da legalidade, já que todo ato "revolucionário" transcorre na para-legalidade. E todo ato de para-legalidade assume caráter "revolucionário" quando, dentro do sistema vigente, não encontra forma de anulação". 43 
E aduz: "O problema não é simples de resolver, tão pouco, para os autores, como Sanchez Viamonte, que partem de fundamentos metodológicos distintos, vez que empregam o conceito de "revolução" no nível ou acepção em que o utiliza a ciência política, ou seja, estabelecendo a diferença entre aquela e o "golpe de Estado" (que não importa em alterações institucionais senão mudanças de homens"). 44 
"Para o ponto de vista kelseniano, as "revoluções" mudam o fundamento de validez da constituição e de todo o ordenamento jurídico, já que produz - por conseqüência daquela - mudança da "norma fundamental", que é a que confere validez a todas as demais. Se estas outras normas continuam em vigor (e, na maioria dos casos assim ocorre), é em virtude da "recepção" pelo novo ordenamento, que efetuando uma espécie de procedimento abreviado de criação do direito, mantém idêntico o conteúdo das normas mas não sua fonte de validez, que a partir da revolução será "uma nova norma fundamental". 45 
Todavia, assinala Ferreira Filho 46 esse ato constituinte contém "simplesmente uma pretensão, isto é, esse ato não se aperfeiçoa enquanto não se implementa uma condição, que é uma condição resolutiva. A condição resolutiva é a condição da eficácia. Em outros termos: o ato constituinte só se transforma em Constituição quando se implementa uma condição resolutiva, com a qual ele é editado, a condição de eficácia. Ou seja, a aceitação global por parte dos governados, por parte do povo". 
 
8. Poder Constituinte decorrente
Ainda como manifestação de um Poder Constituinte não originário (voltando, pois, ao tema inicial e ainda com ressalvas quanto ao uso do termo "constituinte", neste caso), o Poder Constituinte Decorrente, na conceituação precisa de Ferreira Filho "é aquele que, decorrendo do originário, não se destina a rever sua obra mas a institucionalizar coletividades, com caráter de Estado, que a Constituição preveja. É ele, pois, o Poder Constituinte dos Estados de uma federação". 47 
Como o Poder Constituinte instituído, o Poder decorrente é subordinado, secundário e condicionado, somente podendo agir validamente no âmbito determinado pelo Poder Constituinte originário o qual lhe fixa limites explícitos (e implícitos, conseqüentemente, dentro do sistema jurídico vigente), aos quis se circunscreve a sua competência. 
"Uns negam-lhe verdadeiro caráter constituinte porque demasiadamente limitado, o que não se compadece com o próprio conceito de poder constituinte que, em princípio, se tem por juridicamente ilimitado. 
(...) Lembre-se da distinção entre soberania e autonomia. O poder constituinte originário, aquele que é fonte da Constituição Federal é soberano, enquanto o poder constituinte estadual é apenas autônomo. A soberania consiste na autodeterminação plena, nunca dirigida por determinantes jurídicos extrínsecos à vontade do soberano, que é o povo, na sua expressão nacional; enquanto a autonomia pressupõe ao mesmo tempo uma zona de auto-determinação, que é o propriamente autônomo e um conjunto de limitações e determinantes jurídicos extrínsecos, que é o heterônomo. A zona de determinação é imposta à Constituição Estadual pela Constituição Federal (cf. Felipe Tena Ramirez, Direito Constitucional Mexicano, 1968) que assegurou aos Estados a capacidade de auto-organizar-se respeitados, dentre outros princípios nela estabelecidos, os que enumera no art. 13, da CF/1988. Esses princípios circunscrevem aatuação do constituinte estadual e podem ser discriminados em três grupos: princípios constitucionais sensíveis princípios federais extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos". 48 
Celso Ribeiro Bastos 49 coloca precisamente a questão: 
"Na elaboração das constituições estaduais, dá-se a manifestação de um poder que é normalmente tido por constituinte. Mas as diferenças que apresenta com o Poder Constituinte nacional são de tal monta que nos levam a indagar da conveniência de manter o mesmo nome para realidades tão díspares. O ponto comum que apresentam, o Poder Constituinte nacional e o estadual, é que ambos, no se exercitarem, levam à elaboração de uma Constituição. Entretanto, ressalvada esta identidade, tudo o mais são diferenças, o primeiro exerce-se sem qualquer limitação jurídica, enquanto que o segundo atua dentro de um vazio deixado por um ordenamento jurídico existente. O Poder Constituinte dos Estados só é validamente exercido se dentro da área que lhe deferiu a Constituição Federal. Tira, portanto, seu fundamento de uma ordem jurídica preexistente. É a Constituição Federal que empresta validade às Constituições estaduais. Estas não são, portanto, o último degrau da pirâmide jurídica, acima do qual apenas temos o poder de ditar o direito, poder este, contudo, colocado sobranceiramente às normas jurídicas. O Poder Constituinte estadual, ao contrário, é submetido ao direito, suscetível de ser controlado e inibido naquilo em que exceda a sua efetiva competência". 
Assim, por essas características próprias e, diversamente do Poder Reformador - também instituído ou derivado - o exercício do Poder Constituinte decorrente não envolve a idéia da Revolução, conforme vimos acima. A sua conflitância com os princípios explicitados de limitação traduzir-se-á, eventualmente, em declarações de inconstitucionalidade. Isto porque, o seu relacionamento com o Poder Constituinte originário envolve, de si e por si, uma idéia de subjacência e coordenação do próprio sistema político, que é a Federação. 
 
9. Algumas considerações correlatas
Num retrospecto sobre o "O Direito no Século XIX" 50 ressalta Pedro Lessa que "o conjunto das leis que foram o Direito Constitucional no século XIX não foi uma conquista desse século ou do último quarto do século XVIII", assinalando que, desde 1294 a Suíça lançara o fundamento de sua Confederação de democracias, a Suécia desde 1322 era governada por uma realeza eletiva e a Inglaterra, desde 1100 gozava de sua Carta das Liberdades, outorgada por Henrique I. 
No século XIX, entretanto, ocorreu um surto de remodelação política e o fenômeno do constitucionalismo. 
A repercussão que tiveram os princípios proclamados pela Revolução Francesa de 1789, a Independência dos Estados Unidos, em 1776, a promulgação de 1787 da Constituição Federal Americana e as profundas alterações por que passaram Estados europeus em conseqüência do Tratado de Viena de 1815, explicam a vasta ebulição social que transfundiu em preceitos constitucionais os princípios concernentes à organização do poder e às garantias dos direitos públicos". 
"Assim, - prossegue -" quando começou o século XIX, já estavam preparados os materiais que compuseram as inúmeras constituições da Europa e da América, no decurso do século. A afanosa, febril atividade constituinte do século XIX reduziu-se a uma tarefa de adaptação, a um esforço, não raro penoso e infrutífero, de mera assimilação. Em grande parte, foi um trabalho artístico". 
"A nossa primeira Constituição Republicana ocupa lugar de destaque, consoante Oliveira Viana, entre as plantas exóticas transplantadas para o nosso meio". 51 
"De um constitucionalismo monárquico passávamos à República, alicerçados em dogmática estrangeira, divorciados por conseguinte dos nossos problemas, da nossa condição social e, enfim, da nossa própria formação histórica. Copiávamos e tentávamos executar, como se para isso não bastasse à técnica dos legisladores, "o vistoso correto de instituições norte-americanas enlaivados de utopia francesa" (Pontes de Miranda, citado por O. Costa Manso in "Formação Nacional e Cultura Política", aula inaugural, 1949). Os nossos juristas, ao elaborarem a Carta de 1891, conseguiram o milagre da divisão corpo e espírito. O corpo estava no trópico, o espírito se encontrava no mundo americano, onde a cultura política inspirava doutrinas e idéias que deveriam ser aplicadas por americanos à sociedade americana". 
 
10. O Regime Federativo. Os Estados-membros
Assim o Regime Federativo Brasileiro, provindo dos Estados Unidos, como resultante de fatores históricos inteiramente diversos dos verificados em nosso País. 
"(...) 
A nossa Federação não proveio da União de Estados soberanos: 
Fizemos uma evolução inversa, partindo do Estado unitário, para a reforma federativa. Não tínhamos, antes, uma soberania provincial que houvesse de ser resguardada na passagem da Monarquia para a República mas o progresso dos Estados Unidos, país extenso como o Brasil, exercia tamanha sedução que os nossos constitucionalistas, Rui Barbosa à frente, preferiram reproduzir o prestigioso modelo" (Victor Viana, A Constituição dos Estados Unidos, ed. 1933, p. 208). E ao estabelecer o regime federativo e a igualdade de representação no Senado, a Constituição deu a maior relevância a esse esquema político, pois ao regular o processo da sua própria reforma vedou projetos tendentes a abolir a Federação ou a igualdade dos Estados". 52 
Em artigo de 1958 53 José Frederico Marques apontava certos aspectos desse problema, em especial a existência de inúmeros trabalhos publicados no exterior, dando conta da preocupação por essa temática, com tão poucos cultores no Brasil, "assunto que tão de perto fala com nossas instituições políticas, mau grado certos rumos deformantes que o Estado federativo vem tomando, de 1930 para cá, na vida do País". 
E, comentando coletânea de estudos sob o título "Perspectivas do Federalismo no Brasil", da Revista Brasileira de Estudos Políticos, chama a atenção para a "hipertrofia da União", diz ele em 1958, "hoje um fato incontestável". "Aquilo que Aliomar Baleeiro. 54 denomina "a elefantíase do Executivo", a "Imperial Presidency" do historiador Arthur Schlesinger Jr.". 
Ressalta o mesmo articulista, ainda, as palavras de Mello Boson (O Conceito de Soberania aplicado ao Estado-membro, loc. cit.), de que "formalmente, a Federação já se acha em nível mínimo, de tal sorte que qualquer novo avanço da União, no sentido de alargar mais ainda as suas competências materiais, poderá destruir o sistema, reduzido para o Estado-membro ao direito de eleger seu governador e representantes à Assembléia Legislativa estadual. (...) No fundo, tudo bem pensado, pesado, medido e contado, a Constituição (de 1946) nos oferece uma federação de papel". 
"Na verdade", afirma, "as Constituições estaduais têm um terreno tão reduzido e minguado de área normativa, que quase seriam dispensáveis". 
Em artigo também, 55 Anhaia Mello refere que vivemos no Brasil uma forma de "amassamento" dos Estados componentes da federação. "Quando se pensa em descentralizar, o beneficiário é o Município; quando se deseja centralizar, e é o comum, os atingidos são os Estados. Ora, sabemos que o Município não é parte da Federação, não existe na noção federativa: o que é essencial é o Estado. Sem ele, na ampla esteira de suas atribuições e competências, pura e simplesmente não há Federação". 
E termina por apresentar a necessária opção entre a Federação ou outra forma política de Estado - o Estado Unitário descentralizado, vigorante na Itália e França, definindo-se o Brasil constitucionalmente, dessa forma, "o que seria mais sincero e mais jurídico", com a modificação apenas dos arts. 1.º e 47, § 1.º da CF/1988, "uma vez que os outros seriam decorrência". 
"Ora, o que caracteriza a Federação? 
A coexistência de entidades políticas autônomas debaixo de uma União soberana. É a forma de Estadoem que a unidade do todo, soberano, se concilia com a multiplicidade de unidades territoriais que gozam de autonomia política e administrativa". (Themistocles Cavalcanti). Autonomia quer dizer direção - própria daquilo que lhe é próprio. É o direito que têm os Estados-membros e os Municípios de organizar seu governo e prover a administração pública, em tudo que diga respeito ao seu peculiar interesse". 56 
A respeito e, em conclusão sobre essa parte específica do problema, devemos repetir as palavras de Frederico Marques: 
"Somos dos que acreditam, com o manifestado republicano de 1870, que a implantação do princípio federativo no Brasil é obra da própria natureza. Ou melhor, como dizia Alberto Torres: "A carta geográfica do Brasil é um imperativo de autonomia provincial. (...) A forma longitudinal do País impõe a autonomia de suas grandes divisões". 57 
Como processar-se-ão, entretanto, essa coexistência harmônica de autonomias e a perfeita (ou quase) integração das partes com o todo? 
Inobstante os conflitos, as antinomias e os debates surgidos, conforme verificamos anteriormente, dever-se-á procurar, antes de tudo, a devida colocação do problema do Poder Constituinte Decorrente dos Estados-membros. 
Kelsen estudou a fundo a questão, 58 detendo-se no conceito de autonomia no Estado Federal e afirmando: "No conceito corrente de autonomia costuma-se misturar e confundir duas idéias que nada têm a ver uma com a outra, desde o ponto de vista sistemático: A idéia de democracia e a de descentralização. Ao se falar em autonomia pensa-se numa ordem parcial descentralizada, cujo conteúdo não é meramente administrativo, senão também jurisdicional; ademais, a descentralização não deve referir-se, tão-somente, às normas individuais, senão às gerais, em particular às leis em sentido formal". 
Das proposições de Kelsen resulta, entre a União e os Estados-membros, um pressuposto de igualdade e nisto se baseia, fundamentalmente, sua autonomia. 
Ou seja: "...se a autonomia se estende também à esfera constitucional - o que não é possível senão dentro do marco e sobre a base da Constituição total - temos então o caso de um grau ainda maior de descentralização, ao qual corresponde, em linhas gerais, a posição dos Estados-membros dentro dos dois tipos de união de Estados que representam o Estado federal e a confederação. 
(...) 
Sobre a base dessa Constituição e por delegação dela, acham-se dois círculos normativos ulteriores, que são, com relação àquela, ordens parciais delegadas: uma, com validade espacial sobre todo o território e várias, com vigência circunscrita a determinadas partes do mesmo. Se ao primeiro se chama União ou Estado superior e aos últimos Estados-membros, é indubitável que, de fato, são coordenados e que entre eles não existe uma relação de delegação. Os Estados-membros não estão, portanto, subordinados ao Estado superior e este leva indevidamente esse nome. 
(...) 
Mas, é falso reconhecer-lhes a soberania - em sentido formal - porque isto supõe ignorar o fato de que ambas ordens parciais foram delegadas da Constituição total, sem a qual nenhuma delas teria sido possível (...) Esta Constituição é a que merece propriamente o nome de Estado federal e a que o representa no sentido de uma totalidade que abarca tanto à União, como aos membros, da maneira como um marco abarca o seu conteúdo. 
Do fato de que ambas ordens parciais - União, Estados-membros - não se achem, entre si, em relação de delegação, não segue que sejam independentes, que não estejam subordinados a nada, que sejam soberanos. Este é o sofisma que conduz à teoria da soberania dividida entre a federação e os membros, ou da dupla soberania". 59 
Abandonando, portanto, neste ponto, o conceito e a questão de soberania ("essencialmente negativa desde o ponto de vista interno", pois "significa a condição de um poder que é o mais elevado, que é o poder supremo, que não consente nenhum outro ao seu lado nem acima dele", com o mesmo sentido "negativo" se apresentando igualmente do ponto de vista internacional). 60 
Kelsen apresenta duas ordens jurídicas superpostas, num sentido de igualdade, harmonicamente, entretanto, dentro do mesmo ordenamento jurídico, sem qualquer submissão ou subordinação. 
Mouskheli extrai, mesmo, da proposição kelseniana, três ordens jurídicas: a ordem jurídica total, que é da Constituição Federal a qual, por sua vez, engloba duas ordens jurídicas parciais, a "do Estado central" - que é parcial porque somente tem uma determinada competência material, que lhe outorga a Constituição - e a ordem jurídica própria dos Estados-membros "que é parcial do ponto de vista do conteúdo material e da extensão territorial da sua competência, tudo coordenado pela Constituição. 
"Segundo este conceito - acrescenta Mouskheli - a relação do Direito federal com o direito provincial (estadual), assume outro aspecto: não se trata já de saber se o direito federal tem a primazia sobre o direito particular e não é possível já colocar a questão desta forma, visto que os direitos são iguais e não se encontram numa relação de submissão ou subordinação; sim importa que um e outro direito se encontrem de acordo com a Constituição Federal de forma que a ordem superior, à qual se encontram igualmente submetidos a ordem federal e a ordem provincial. 61 
O desrespeito à Constituição Federal por ambas as ordens jurídicas, assim dispostas, a sua infringência, serão apreciados e resolvidos pelo "Tribunal Supremo ou Alta Corte - que não é um órgão do Estado central, nem dos Estados particulares (Estados-membros), senão órgão da mesma Constituição Federal, isto é, da comunidade total e, como tal, superior ao Estado central e aos Estados particulares". 62 
"Por isso, escreve Mouskheli, "é indiscutível que todos os Estados-membros possuam Constituição própria, livremente promulgada por eles. Não é sua Constituição uma lei do Estado dominador, como acontece com as Constituições de certos "Lander": não é o Estado dominador quem as outorga, senão obra sua, a própria criação deles mesmos. A "descentralização", esta sim é que pode ser "perfeita" ou "imperfeita", na lição de Kelsen: "perfeita, quando a Constituição Central não pode determinar o conteúdo das Constituições particulares, nem ab-rogá-las, nem modificá-las; imperfeita, quando "a primeira contém normas obrigatórias para as últimas". 63 
Jorge R. Vanossi 64 ressaltando ser "muito clara a construção teórica do Estado federal que assenta a "soberania" na ordem jurídica total (Gierke, Haenel, Kelsen)", porque "assim as competências nacionais e provinciais são ordens parciais que se integram e formam parte de uma ordem total de que nascem todas as competências constitucionais: a constituição geral, fonte das competências e limitadora de poderes", faz uma indagação pertinente, sobretudo, ao modelo ou sistema brasileiro, em face das circunstâncias apontadas através do exame das manifestações de vários autores, acima. 
Essa indagação consiste no seguinte: 
"Qual é a situação do poder constituinte "local" nos chamados Estados unitários descentralizados?" É sabido que, dentro do gênero da unidade estatal existe a espécie da descentralização, que pode ser administrativa ou regional. Quando se trata desta última hipótese, nos encontramos com uma forma de descentralização territorial que se aproxima da configuração do Estado federal, mas sem chegar a tipificar um caso desta natureza. 
A doutrina discute qual ou quais são os elementos precisos ou as pautas concretas que permitem diferenciar um Estado federal de um Estado unitário descentralizado, acudindo, para isto, ao exame da situação do poder constituinte local, num e noutro caso. Assim, a maioria dos autores entende que há uma dupla diferença entre ambas entidades, a saber. a) quantitativamente: porque a competência da ordem local é maior num Estado federal do que num Estado unitário descentralizado; e b) qualitativamente: porque os Estados ou provínciasque compõem um Estado federal têm "autonomia constitucional" reconhecida pela constituição geral, enquanto no Estado unitário descentralizado as regiões recebem seu status de um ato do congresso ou parlamento nacional, que pode modificá-lo independendo a vontade dos órgão locais". 65 
E prossegue: 
"Em síntese: se tomamos como marco de referência a idéia kelseniana de um iter ou ciclo de formas estatais variadas, que vão desde o ângulo da máxima descentralização até o ponto de maior centralização (ou vice-versa), teremos que, desde um ponto imaginário de equilíbrio entre ambos extremos, o "Estado federal" se coloca em direção à descentralização, podendo aproximar-se ou distanciar-se dos pontos ideais das formas extremas puras; enquanto que o denominado "Estado unitário descentralizado" será considerado sempre como uma variedade do unitarismo e, portanto e apesar de uma certa dose de descentralização, se conduzirá ao ponto imaginário do ciclo que cai dentro da zona de atração do pólo centralizante". 66 
Assinala Ferreira Filho que "certamente não existe, em direito comparado, exemplo mais acabado de disciplinamento do Poder Constituinte Derivado do que o apresentado pela Constituição brasileira em vigor". Com efeito, esta não se preocupa apenas em prever a auto-organização dos Estados, por meio de Poder Constituinte próprio. Não se contenta em limitar, pelo enunciado de alguns princípios, a respeitar adaptando, essa auto-organização. 
Vai além e impõe mesmo uma incorporação de normas do direito federal no direito estadual obrigando, portanto, os Estados, a uma recepção que indubitavelmente restringe o seu Poder Constituinte. Com isto resulta peculiar o federalismo brasileiro, no presente. 
E conclui: "A auto-organização persiste embora. A Constituição federal convoca poderes constituintes estaduais, para que os mesmos, num âmbito conquanto restrito, organizem a estrutura política que vai reger as unidades federadas". 67 
Vimos, porém, como o "critério das competências remanescentes", conforme bem precisa Celso Ribeiro Bastos, 68 em que "roda e qualquer competência não atribuída, expressa ou implicitamente, àquelas ordens jurídicas (União, Municípios), cabe aos Estados-membros por disporem estes de toda a competência residual", se cristaliza, segundo ressaltado por numerosos autores, alguns mais veementemente, numa situação em que "As Constituições estaduais têm um terreno tão reduzido e minguado de área normativa, que quase seriam dispensáveis". 69 
Isto tem resultado, no sistema brasileiro, numa denominada "autonomia estadual" sem expressão e efetividade que decorre, de princípio, da mesma inserção das normas de direito federal no âmbito do próprio contexto estadual cabendo pesquisar, para demonstrá-los um a um, os exatos limites das possibilidades da sua atuação.
1. Cf. Carlos Sanchez Viamonte, Derecho Constitucional, Ed. Kapelusz, B. Aires, 1945, I/35. 
2. Idem, p. 594.
3. Jorge Reinaldo Vanossi. Teoria constitucional, Ed. Depalma. B. Aires, 1975, pp. 158-159, n. 37. 
4. Op. cit., p. 162.
5. Viamonte, op. cit., p. 595.
6. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1989, p. 25. 
7. Direito Constitucional Comparado, José Bushatsky, S. Paulo, 1974, p. 37. 
8. Aplicabilidade das normas constitucionais, RT, 1968, p. 11, n. 5. 
9. "Qué es una Constitución?", apud Vitor Nunes Leal, in RDA 3/483. 
10. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, in RDP 6/65. 
11. Op. cit. p. 11, n. 49.
12. M. A. Inacarato, "Limitações ao P. Constituinte de revisão", in RDP 23/129. 
13. Cf. RDP 5/19-20. 
14. Cf. RDP 6/55, n. VI. 
15. Viamonte, op. cit., p. 209.
16. M. A. Inacarato, loc. cit.
17. Paulo Biscaretti, Direito Constitucional, Tecnos, Madrid, 1973, p. 275. 
18. Biscaretti, op. cit., pp. 285-286.
19. Los derechos del Lombre, México, 1944. 
20. Viamonte, op. cit., pp. 464-467.
21. Viamonte, op. cit., p. 279.
22. Viamonte, op. cit., pp. 435-437.
23. Idem, p. 438.
24. Viamonte, op. cit., p. 438.
25. Biscaretti. op. cit., n. 87, "A".
26. In RDA 73/253. 
27. Teoría de la Constituición, ed. 1970, B. Aires, p. 12. 
28. Georges Burdeau, Traité de Science Politíque, Paris, 1950, p. 115 e ss.; p. 257. 
29. Idem, p. 261, n. 116.
30. Idem, p. 262, n. 117.
31. Burdeau, op. cit., p. 262, n. 118.
32. Francis D. Wormuth, the origins of modern Constitucionalism, N. York, 1949, pp. 184,190. 
33. Teoría de la Constituición, Ariel, Barcelona, 1970, p. 189, apud Carlos S. Velloso, in RDP 19/232-233. 
34. Ferreira Filho, op. cit., n. 44.
35. Ferreira Filho, op. cit., n. 44.
36. Biscaretti, op. cit., n. 90.
37. Biscaretti, op. cit., n. 90, "b".
38. Direito Constitucional Comparado, op. cit., I/100. 
39. Ferreira Filho, op. cit., pp. 147-150.
40. Op. cit., n. 282.
41. Direito Constitucional Comparado, I/146. 
42. Op. cit., p. 148.
43. Idem, pp. 142-143.
44. Idem, pp. 149-150.
45. Idem, p. 159.
46. Direito Constitucional Comparado, p. 52. 
47. Curso de Direito Constitucional, op. cit., n. 47. 
48. Apud José Afonso da Silva, in RDP 16/15. 
49. Elementos de Direito Constitucional, Saraiva, 1975, p. 88. 
50. OEstado de S.Paulo, Suplemento n. 31, 2.8.75. 
51. Sara R. Figueiredo, "Aspectos de transplante inadequado à realidade brasileira, na Constituição da República de 1891". in Revista de Informação Legislativa, Senado Federal, v. 34/158. 
52. Sara R. Figueiredo, loc. cit., p. 161.
53. In O Estado de S. Paulo, 25.9.58. 
54. In Folha de S. Paulo, 19.11.75, "O encanto dos eufemismos". 
55. O Estado de S. Paulo, 11.5.75, p. 43, "uma opção necessária: federalismo ou unitarismo?" 
56. Eurico Andrade Azevedo, in Folha de S. Paulo, 29.8.65. 
57. "O problema federativo", loc. cit.
58. Hans Kelsen Teoría General del Estado, Barcelona, 1934, p. 238. 
59. Op. cit., p. 262.
60. Apud M. Mouskheli, Teoria Jurídica do Estado Federal, Madrid, 1931, p. 81. 
61. Idem, p. 156.
62. Idem, p. 157.
63. Cf. RDA 73/252.
64. Op. cit., p. 454 e ss.
65. Op. cit., p. 461.
66. Idem, p. 465.
67. Direito Constitucional Comparado, I/183. 
68. Elementos, p. 85. 
69. Gerson Mello Boson, apud Frederico Marques, loc. cit.

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