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Sociologia e Direito - Duas realidades inseparáveis

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Sociologia e Direito – 
duas realidades inseparáveis 
 
Andréa Lucas Sena de Castro 
 
 
 Existe um ramo da Sociologia Geral, denominado de 
Sociologia Jurídica que tenta perceber a relação existente entre 
duas ciências de grande importância para a vida da sociedade, por 
tratarem das relações, dos conflitos, das normas, do controle, enfim, 
de todas as ligações que possam surgir entre os indivíduos e que 
necessite de um regulador. 
A Sociologia, pode ser descrita como uma ciência positiva 
que estuda a formação, transformação e desenvolvimento das 
sociedades humanas e seus fatores, econômicos, culturais, 
artísticos e religiosos, enfim possui uma vasta acepção. Já o Direito 
pode ser vislumbrado como uma ciência normativa, que estabelece 
e sistematiza as regras necessárias para assegurar o equilíbrio das 
funções do organismo social. Diante disto percebe-se que é de 
fundamental importância o aprofundamento deste estudo e a 
percepção que se deve ter do real sentido existente entre a 
Sociologia e o Direito, como ciências essenciais que o são. 
As relações humanas no período helênico eram vistas ou 
como preceitos religiosos ou como teorias do direito. Por exemplo, 
pensadores helênicos como Platão, que escreveu "A República" e 
Aristóteles, que escreveu "A Política", foram os primeiros a 
sistematizar e a encarar os problemas sociais separadamente da 
religião, porém, ligando-os à política e à economia. Santo 
Agostinho, que teve como obra "A cidade de Deus", apresentou 
idéias e análises básicas para as modernas concepções jurídicas e 
até sociológicas. 
Na Idade Média Européia o cristianismo traçou regras de 
conduta que deveriam ser obedecidas, por ser este dominante na 
época. Durante a Renascença surgiram obras que propunham 
normas entrosadas com a política e a economia. No séc. XVIII, 
apareceram obras de grande valor no campo da política, economia 
e sociologia. 
Portanto, percebe-se que houve sempre uma tentativa, com 
relação aos estudos sociológicos, de se analisar as modificações 
que ocorreram na sociedade, seus conflitos e conseqüências. O 
objeto da Sociologia é exatamente este, examinar os fenômenos 
coletivos, através de teorias e métodos próprios. Muitas teorias 
surgiram para que se tivesse uma visão mais objetiva da sociedade, 
de sua formação, de sua estrutura, mas, esta sofre mutações todos 
os dias e necessário se faz que a Sociologia seja bastante dinâmica 
para acompanhar este processo. Esta ciência, que possui um objeto 
de estudo tão complexo, engloba em suas análises a relação 
existente entre a sociedade e as outras ciências, no que diz respeito 
às influências que estas acarretam para a mesma e as 
transformações que geralmente ocorrem ao se correlacionarem. 
O homem é um ser social por natureza, isto pode ser 
percebido ao se analisar a sua constituição física, que o leva a 
relacionar-se com outro ser de sua espécie, para que este possa 
reproduzir-se, criando assim a base da sociedade, que é a família. 
A partir desta, ele irá começar a exercitar a sua sociabilidade 
iniciando suas atividades em grupos sociais maiores, como o do 
seu bairro, o da escola e etc. 
Ao ingressar na sociedade o indivíduo terá que adaptar-se às 
normas que a mesma impõe. Estas, podem ser de acordo com a 
moral social ou com a lei, divergindo com relação ao tipo de 
conduta. O comportamento considerado como um desvio de 
conduta terá sanções que podem ser repressivas, excludentes e se 
a infração estiver prevista na lei, estas serão objeto do direito. 
Pode-se citar como exemplo um indivíduo que faça parte de um 
grupo religioso e que venha a trair a sua esposa, o mesmo sofrerá 
uma sanção de repressão do grupo, uma vez que este grupo social 
condena essa conduta, podendo o mesmo ser até expulso ou 
mesmo responder a um processo judicial. 
Diante disto, percebe-se que o homem durante toda a sua 
vida social irá submeter-se a regras, sejam estas impostas por um 
grupo social ou pelo Estado. Daí surge a ligação entre a Sociologia 
e o Direito, que é expressa desde a mais simples das relações 
sociais, podendo ser vislumbrada até mesmo num jogo entre 
crianças, onde há regras a serem cumpridas para que não haja 
conflitos. Percebe-se pois, que na sociedade existem vários tipos 
distintos de grupos sociais e estes caracterizam-se basicamente 
pelas normas que impõem, e os indivíduos escolhem o grupo do 
qual queiram participar de acordo com a doutrina de cada um, pois, 
se o mesmo discorda das regras do grupo este será rapidamente 
banido. A moral de cada grupo é rigorosamente respeitada, 
chegando a ter mais força do que a própria lei, inclusive o indivíduo 
que responde a um processo judicial, seja ele criminal ou não, 
geralmente sofre discriminação pelo seu grupo social. 
A sociedade possui vários modos de conduta coletiva, entre 
elas, a que mais se destaca são os usos e os costumes. Recaséns 
distingue os usos dos costumes, estes exercendo uma simples 
pressão ou uma certa obrigatoriedade, reservando a designação de 
hábitos sociais para os usos não normativos. Existem várias teorias 
que tentam diferenciar as diversas normas existentes na sociedade, 
como o direito, a moral, as normas de trato social, normas técnicas, 
religiosas, políticas, higiênicas e etc., porém, esta não é uma tarefa 
das mais fáceis, pois, vários fatores influenciam nesta 
diferenciação, entre eles a própria convicção de cada grupo. 
Para Recaséns a moral tem por sujeito o homem individual, 
que esta orienta no sentido de sua vida autêntica, já o direito refere-
se ao eu socializado, que procura regular no sentido que convenha 
à convivência humana em dada sociedade. A sociologia do direito 
fala da moral coletiva como fato social e não da moral individual, em 
que o indivíduo é o próprio legislador. O objeto da sociologia jurídica 
de Recaséns é o direito em sua projeção de fato social. A sociologia 
jurídica é uma ciência generalizadora, ou seja, que procura elaborar 
leis gerais sobre essa íntima relação entre sociedade e direito, 
cabendo a esta ciência estudar os processos sociais que levam ao 
direito e os efeitos que o direito causa na sociedade. 
A Sociologia Jurídica surge exatamente para perceber as 
conseqüências dos tipos de norma de conduta social que são 
impostas pelos grupos sociais e estudá-las. Pode ser considerada, 
ainda, como o estudo do direito, este comportando-se como um 
agente de controle de uma sociedade onde há conflitos entre os 
que possuem algo e os que nada possuem. A Sociologia Jurídica é 
uma ciência muito jovem, estando, ainda, numa fase de discursar 
sobre problemas metodológicos. Para Gurvitch, os pensadores 
Aristóteles, Hobbes e Spinoza, são os precursores da Sociologia 
Jurídica, mas é com Montesquieu, Maine e Durkeim que a 
Sociologia Jurídica, se forma como ciência autônoma. Atualmente a 
Sociologia Jurídica possui várias barreiras que impedem uma 
melhor compreensão desta ciência, entre elas pode-se citar o 
opacidade da linguagem dos códigos e a impenetrabilidade da 
ciência jurídica, estas levam ao desinteresse por parte dos 
sociólogos de estudar o direito, portanto necessário se faz que haja 
algumas mudanças para que se possa abordar melhor a sociologia 
jurídica. 
Pode-se compreender como conceito de Sociologia Jurídica, 
uma parte da Sociologia que percebe o Direito como fenômeno 
social, ou sociocultural, estudando os fatores de sua transformação, 
desenvolvimento e declínio. A Sociologia Jurídica possui como 
objetivo, ao estudar estes fatores, estabelecer idéias gerais obre a 
genética do Direito, comparar e indicar as relação existentes entre o 
direito e as estruturas sócio-culturais, bem como, explicar as bases 
das idéias e instituições jurídicas. 
Portanto, nota-se que a Sociologia Jurídica não se 
desprende da Sociologia Geral por enfocar, sempre, aconseqüência do direito na sociedade e desta no próprio direito. 
A escola sociológica francesa, de Durkeim, aprofundou os 
seus estudos no fato de ser o direito dependente da realidade 
social. Montesquieu, no séc. XVIII, já havia, antes desta escola, 
sustentado tal dependência, chegando a encontrar na natureza das 
coisas, a fonte última do direito. Portanto, percebeu-se que da 
natureza do agrupamento social depende a natureza do direito que 
a reflete e a rege. "Ubi societas, ibi jus": onde houver sociedade 
haverá direito. 
A escola do direito livre, alemã, reconheceu a estreita 
correspondência entre direito e sociedade. Ehrlich admitia que o 
direito estatal possuía um papel secundário ao disciplinar a vida 
social, pois, considerava que o centro da gravidade do direito 
encontrava-se na sociedade e não no Estado. Para Gurvitch, existia 
para cada tipo de sociabilidade um tipo de direito. Essas idéias, 
contudo, consideravam a vinculação do direito à realidade social e 
faziam depender do tipo de sociedade o conteúdo do direito. 
O direito possui como função primária pacificar os conflitos 
existentes na sociedade. Para Recaséns esta ciência regula estes 
interesses conflitantes da seguinte forma: a) Classificando os 
interesses opostos em duas categorias, a dos que merecem 
proteção e a dos que não merecem; b) Harmonização ou 
compromisso entre interesses parcialmente opostos; c) Definindo os 
limites dentre os quais tais interesses devem ser reconhecidos e 
protegidos, mediante princípios jurídicos que são congruentemente 
aplicados pela autoridade jurisdicional ou administrativa, caso tais 
princípios não sejam aplicados espontaneamente pelos particulares; 
d) Estabelecendo e estruturando uma série de órgãos para declarar 
as normas que servirão como critérios para resolver tais conflitos de 
interesse, desenvolver e executar as normas, ditar normas 
individualizadas aplicando as normas gerais aos casos concretos. 
Pode-se citar ainda o poder social que refere-se ao 
mecanismo sociológico da vigência do direito. O legislador irá impor 
suas vontades, seus interesses, que na verdade são as vontades 
de senso comum, através das leis e essas serão cumpridas pelo 
povo que irá decidir se vigorará ou não. Portanto, se a opinião 
pública pressionar os tribunais, juizes e funcionários administrativos 
sobre uma norma, mesmo que esta já esteja regulamentada, deverá 
haver uma revisão para que se atenda às necessidades da 
população. 
De acordo com o pensamento de Philip Selznick, retratado 
no livro de Cláudio Souto e Joaquim Falcão, a Sociologia do Direito 
está passando por etapas de desenvolvimento as quais ele 
classifica em três e considera que esta ciência encontra-se na 
Segunda delas, são elas; a) A etapa primitiva, ou missionária, que 
consistia em comunicar uma perspectiva, isto é, levar uma 
apreciação de verdades sociológicas fundamentais e gerais a uma 
área isolada até então; b) A etapa pertencente ao artesão 
sociológico, ou seja, era uma época de atividade "braçal", que se 
caracterizava por uma confiança intelectual em si mesma, um 
cuidado pelo detalhe e um desejo forte de prestar serviço. Nesta 
etapa, o sociólogo busca mais que a simples comunicação de uma 
perspectiva geral, quer explorar a área em profundidade, ajudar a 
solucionar seus problemas e expor técnicas e idéias 
especificamente sociológicas; c) A etapa da verdadeira autonomia 
intelectual e de maturidade, caracteriza-se quando o sociólogo vai 
mais além do papel de técnico ou de engenheiro e se consagra aos 
objetivos e princípios condutores mais amplos da empresa humana 
particular que elegeu estudar. Reafirma o impulso moral que 
marcou a primeira etapa de interesse e influência sociológicos. 
Destarte, a sociedade pode ser considerada como um 
conjunto de normas, ou seja, é uma ordem social estabelecida por 
normas sociais, que são acompanhadas por sanções, para exercer 
o controle social. 
No início da formação das sociedades surgiram 
necessidades de se condenar àqueles que infringiam alguma regra. 
Esse sentimento de justiça ou vingança privada podia ser percebido 
quando um indivíduo que cometia uma infração recebia uma pena 
proporcional ou maior do que o crime cometido. Esse primeiro 
instinto, podia ser vislumbrado também diante de linchamentos que 
ocorriam e isso era bastante negativo para a sociedade e 
necessitava ser regulado. Foi então surgindo a idéia do Direito 
positivo. Atualmente, a justiça popular, ou seja, a de "pagar com a 
mesma moeda", pode ser compreendida, muitas vezes, como uma 
defesa da sociedade diante da falha da polícia ou dos órgãos de 
defesa da população. Existe uma grande deficiência no sistema 
judiciário, seja ela econômica, política ou social e esta crise reflete 
diretamente na sociedade que já não deposita tanto crédito na 
justiça, por perceber a lentidão dos processos judiciais, a lotação 
dos presídios, a falta de recursos para a polícia, enfim uma série de 
fatores que terminam prejudicando o setor judiciário. Essa 
decadência é provocada, também, pelo esgotamento do Estado 
como sociedade politicamente organizada e gerenciadora das 
atividades públicas e privadas. Isto está ocorrendo também em 
outros países. 
Para Selznick, destaca-se o condicionamento da justiça e do 
direito por fatores como a mentalidade pragmática, a impaciência 
com abstrações e os ritmos acelerados das mudanças sociais, ou 
seja, as sociedades estão evoluindo e com elas surgindo novos 
conflitos que não estão tendo soluções tão imediatas quanto os 
mesmos estão necessitando. O setor judiciário precisa de uma 
reavaliação para melhor atender e solucionar os conflitos do fim do 
século. 
Sociologicamente, pode-se dizer que cada sociedade possui 
uma noção de direito e justiça e que mediante estes conceitos é 
que se pode analisar as causas da deficiência do setor judiciário. 
Muitas vezes o que pode ser considerado como crime grave no 
Brasil, não o é nos Estados Unidos. Mas ainda, alguns tipos de 
sociedade acreditam que a justiça está relacionada com a paz 
social e se não existir um órgão jurisidcional competente que efetive 
esse sentimento, para esta sociedade, o mesmo tornar-se-á falho. 
O sociólogo, pois, procura analisar as inter-relações, as qualidades 
contrastantes, enfim, tudo o que inicie um questionamento sobre o 
modo de vida coletivo. Ou seja, ele se torna uma ligação entre a 
sociedade e o conhecimento científico. 
A relação entre o direito e a sociologia deve ser sempre vista 
e analisada como uma reciprocidade, pois, é difícil discursar sobre o 
ordenamento jurídico sem correlacioná-la com uma realidade social. 
Diante do exposto percebeu-se que desde o surgimento da 
vida em sociedade sempre existiram regras e costumes que 
disciplinavam a vida dos membros de uma sociedade. A 
convivência pacífica entre os povos dependia de tratados e acordos 
que fixavam este relacionamento, o que já pode ser considerado 
com um avanço do percurso da sociedade ao direito. Portanto, 
analisou-se que direito e sociedade coexistem, ou seja, não haveria 
um se o outro não existisse. A sociologia e o Direito são ciências 
que se completam por estudarem praticamente o mesmo objeto e 
possuírem idênticos questionamentos.

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