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ENSINO PRIMÁRIO GETULISTA CARTILHAS ESCOLARES COMO DOUTRINAÇÃO INFANTIL

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1
ENSINO PRIMÁRIO GETULISTA: CARTILHAS ESCOLARES COMO
INSTRUMENTO DE DOUTRINAÇÃO INFANTIL
 
Zenaide Inês Schmitz1 
Miguel Ângelo Silva da Costa2 
 
RESUMO
O regime getulista, sobretudo, no contexto do chamado Estado-Novo, exerceu amplo controle
sobre a educação. Entre os distintos campos de produção de sentidos, encontram-se as
cartilhas escolares infantis, suportes de memória carregados de forte sentido patriótico. Seus
autores tinham como objetivo a produção/ difusão de sentidos/ consciências na população
infanto-juvenil, com base nos pressupostos básicos da mentalidade que deu suporte ideológico
ao regime varguista: autoridade, hierarquia, ordem e patriotismo. Este trabalho, portanto, se
dedica à análise de cartilhas infantis destinadas ao ensino primário, colocando em tela seu
papel no processo de construção de uma identidade nacional marcada pelo culto ao líder e a
pátria. 
Palavras-Chave: Regime Varguista. Ensino primário. Cartilhas escolares. Identidade
nacional.
Introdução
Aos 10 dias de novembro de 1937, na esteira da crise de 1929 e sob os efeitos dos
desajustes econômicos, políticos e sociais com os quais a sociedade brasileira convivia,
Getúlio Dorneles Vargas, em pronunciamento à nação, deu início ao regime que ficou
conhecido na história política brasileira como Estado Novo (1937 – 45). A partir de então,
com o firme propósito de suprimir dos imaginários sociais qualquer representação do passado,
presente e futuro coletivos que não fosse a emanada do regime varguista, um amplo e
poderoso aparato propagandístico emergiu articulado ao poder político em vigor e ao
monopólio simbólico emanado do Estado. Criado, por decreto presidencial em 1939 e dirigido
por Lourival Fontes, um jornalista simpático ao ideário fascista de Mussolini (LEVINE,
2001), o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) encarregou-se da missão de doutrinar
a opinião pública acerca dos princípios da autoridade, hierarquia, ordem e patriotismo. Vale
1 Graduação em História. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade
Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó. Participa do grupo de Pesquisa CNPq/ Unochapecó: Ensino e
Formação de Professores. Bolsista FAPESC. E-mail: zenaideines@yahoo.com.br. 
2 Doutor em História (UNISINOS). Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Educação, da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó. E-mail: miguel.costa@unochapeco.edu.br. 
[Digite 
uma 
citação 
2
mencionar, princípios básicos da mentalidade que deu suporte ideológico ao regime
implantado em 1937 (CAPELATO, 1998).
No entanto, entre os distintos campos de produção de sentidos, de personificação do
poder, onde a propaganda política, imiscuída à construção da imagem pública de Vargas, foi
decisiva, as cartilhas escolares infantis destinadas ao ensino primário traduzem facetas
significativas de valores e práticas importantes de doutrinação infantil, num cenário político,
social e cultural densamente articulado ao projeto varguista de construção da nacionalidade. 
O propósito deste trabalho consiste em colocar tela o papel das cartilhas escolares no
processo de construção na nacionalidade com base no culto ao líder e a pátria. Em diálogo
com o horizonte teórico oferecido por Roger Chartier, sobretudo no que diz respeito às noções
complementares de “representações” e “práticas” sociais, nos concentremos em duas
cartilhas: “Getúlio Vargas para crianças”, de autoria de Alfredo Barroso; “Getúlio Vargas,
amigo das crianças”, produzida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). 
A Educação e o ensino como instrumento político – ideológico do Estado Novo 
Segundo Stuart Hall (2011, p.49), “as identidades nacionais não são coisas com as
quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”. Na
esteira deste raciocínio, podemos considerar que a ditadura varguista – o Estado Novo –,
registrou significativas mudanças de sentido na sociedade de então. A Educação, ou melhor, o
sistema educacional naquele período, em sincronia com o projeto de nacionalização
compulsória empreendido, contribuiu decisivamente para a construção de novos sentidos de
pertencimento à nação. 
A ideologia do cidadão trabalhador e o discurso acerca da necessária modernização do
país ganharam corpo desde cedo. Do ensino primário ao superior, crianças, jovens e adultos
foram alvos de uma forte e eficiente propaganda ideológica tecida em diálogo com
intelectuais atrelados ao projeto nacionalista implantado. Não à toa nomes como o de Oliveira
Viana, Francisco Campos, Azevedo Amaral, entre outros, despontaram com vigor no cenário
político-social brasileiro (OLIVEIRA, 1990).
Luciano Aronne de Abreu (2008), por exemplo, observa que o golpe de 10 de
novembro de 1937 foi defendido por uma elite intelectual dedicada a promover a necessária
adequação entre “política” e “espírito nacional”, questão fundamental para a desejada
harmonia social. Entre esses intelectuais, Francisco Oliveira Vianna, que também atuou como
3
consultor jurídico do Ministério do Trabalho na década de 1930, despontou como um dos
principais, se não o principal teórico da ideologia do Estado autoritário brasileiro (GOMES,
2005).
Para Ângela de Castro Gomes (2005, p. 110), enquanto um dos intelectuais integrantes
da montagem do pensamento autoritário, Oliveira Vianna “exerceu inequívoca influência,
entre seus contemporâneos, que com ele foram forçados a debater, quer com ele
concordassem quer dele discordassem”. Mas não só isso, ainda segundo Castro Gomes
(2005), no campo político, ao oferecer subsídios para uma proposta autoritária, Oliveira
Vianna também contribui para configuração de uma “engenharia política corporativa”
dedicada à sua implementação do Estado Novo.
Foi justamente isso que Luciano Aronne de Abreu (2008) também observou em análise
dedicada ao pensamento de Oliveira Vianna e suas interfaces com o Estado Novo. Para o
historiador, a associação entre o regime autoritário e um suposto realismo político proposta
por Vianna, passou pela necessidade de “subordinar os interesses dos indivíduos, clãs ou
partidos ao interesse coletivo”. No raciocínio de Oliveira Vianna, isso “seria expresso
precisamente pela capacidade de obediência e disciplina, pelo culto do Estado e de sua
autoridade” (ABREU, 2008, p. 54). 
Em síntese, a “moral da história”, segundo Luciano Aronne de Abreu (2008) é a de
que “obediência e autoridade” colocavam-se como condições essenciais para a manutenção da
ordem e o desenvolvimento de uma nação, “na qual o Estado seria o cérebro e os demais
órgãos – grupos, classes, profissões – desempenhariam diferentes funções, complementares
entre si, formando um todo harmônico” (ABREU, 2008, p. 55).
Se Oliveira Vianna se envolveu no processo de construção de um arcabouço
institucional para o Estado republicano, intelectuais como Francisco Campos e Azevedo
Amaral, também se envolveram na elaboração de um projeto que combatesse o criticado
atraso do Brasil. Para Maria Célia Marcondes de Moraes (2000), a proposta de Francisco
Campos, para o Estado Novo, refletia um projeto de nação no qual não houvesse espaço para
“ideologia exótica”. Assim, a especificidade do Estado Novo para Francisco Campos residia
justamente na construção de um novo Brasil, sob ponto de vista econômico, político, social e
educacional.
Na política, eliminando-se as instituições liberais, restringindo-se drasticamente o
poder legislativo do Parlamento em favor do executivo, limitando-seas liberdades e
garantias individuais, estabelecendo-se controle e censura à imprensa. Na economia,
organizando-se a economia nacional pela solidariedade entre capital e trabalho
mediante a estrutura corporativa, mantendo-se, portanto, inalterado o apoio aos
4
aspectos básicos da ordem capitalista. Na educação atendendo-se às exigências do
estado atual de civilização e de cultura (MORAES, 2000, p. 181).
No pensamento de Francisco Campos e o mesmo pode ser dito em relação ao de
Azevedo Amaral, a sociedade brasileira não dispunha de maturidade política suficiente para
exercer seu direito de participação nos processos decisórios do país. A suposta ausência de
consciência política, questão de longa data presente no debate político brasileiro, poderia
colocar em risco o destino do país, uma vez que indivíduos sem a devida maturidade política
poderiam ascender às instâncias superiores do governo. Daí a defesa de um homem forte nas
rédeas da nação. Daí também a necessidade de difundir no imaginário social da época uma
figura mítica, que fosse capaz de deflagrar o necessário processo de integração e de
modernização da nação. Vargas, por não ter antecedentes que rivalizassem com ele em
prestígio, foi o escolhido (GOMES, 2005, p. 116).
Marco Antônio Cabral dos Santos (2007), também compartilha da ideia de que
Francisco Campos articulou a propaganda do regime com o firme propósito de transformar
Vargas no grande líder da nação, ou melhor, no estadista que a sociedade brasileira
necessitava naquele momento, até porque, segundo se propagava, Vargas dispunha “da
sabedoria do homem brasileiro, seus traços psicológicos, sua sensibilidade”, qualidades
necessárias para governar o país em momento de tamanha dramaticidade, de artificialismo
político e de atraso. (GOMES, 2005, p. 118). 
Na construção do Estado Nacional, o discurso propagandístico articulava a
necessidade da formação de uma grande família nacional, em que o presidente Vargas era o
“pai” e os filhos o “povo nobre e trabalhador” e, onde, no dizer de Azevedo Amaral (apud
GOMES, 2005, p. 112), “a democracia nova só comporta um único partido: o partido do
Estado, que é também o partido da Nação”.
A produção historiográfica acerca da influência dos “intelectuais orgânicos” na
política implantada pelo Estado Novo é ampla e diversificada, de modo que não seria no
espaço deste trabalho que conseguíramos dar conta do debate já realizado. O que, de fato, nos
importa aqui é o fato de que este forte e denso aparato político-ideológico permeou diferentes
instâncias da sociabilidade inclusive as escolares.
A Educação, ou melhor, o sistema de ensino e as práticas educativas – tanto no ensino
primário como secundário – ao longo do Estado Novo, não apenas despontaram como parte
deste projeto político emanado do Estado, como, também, acabaram assumindo um papel
fundamental no que consiste a configuração de uma nova identidade nacional. Nagle (2001,
p.145), neste sentido, aponta que “a escolarização passou a ser vista como o instrumento do
5
progresso histórico” dedicado a transformar o simples indivíduo em força produtiva: uma
alternativa viável e necessária no processo de regeneração do indivíduo, de reconstrução da
nacionalidade, quer sob o ponto de vista produtivo quer sob o ponto de vista da própria
nacionalidade. 
No processo de construção da “verdade doutrinária” propagada pelo regime e, em
enquanto mediadores entre o Estado e a sociedade, a intelectualidade também se encarregou
de produzir dispositivos culturais dedicados a ampliar o consumo de conteúdos doutrinários
próprios. Em realidade, “imagens ricamente elaboradas e pensadas como operadores
simbólicos” (LENHARO, 1986, p. 54) que, com rapidez e precisão, esvoaçaram sobre os
diferentes segmentos da sociedade brasileira, inclusive sobre aqueles em idade escolar.
Todavia, essas operações de construção de sentidos não estiveram imunes às tensões
decorrentes das disputas de e pelo poder na instância governativa do Estado. Não havia
apenas consensos no espaço da intelectualidade. Ao contrário, no âmbito da intelectualidade
dedicada ao Estado Novo havia um confronto de posicionamentos quanto à suporte ideológico
dedicado à Educação. Enquanto “reformadores, que se batiam pelos princípios de
obrigatoriedade do ensino, laicidade, co-educação e o Plano Nacional de Educação”, grupos
de vertente católica “viam na interferência do estado um perigo de monopólio e na laicidade e
co-educação, uma afronta aos princípios da educação católica” (ROMANELLI, 2003, p. 130).
Para Moraes (2000, p.136), ainda que os dois projetos educacionais se apresentassem
divergentes em sua superfície, não havia discordância de fundo entre eles: “ambos se
adequavam, cada um a seu modo, às relações sociais vigentes e sua dinâmica e organização
não eram sequer postas em questão”. A disputa travada, portanto, gravitava em torno da
hegemonia de suas propostas a nível governamental.
Marta Maria Chagas de Carvalho (1998) salienta que, na primeira metade da década
de 1930, a luta pelo controle do aparelho escolar, foi fundamental para o desenvolvimento do
campo pedagógico, propiciando normas e orientações às práticas escolares, o que acabou
promovendo mudanças de mentalidade no interior das instituições de ensino escolar. 
Naquele novo contexto e num esforço conjunto para a formação da consciência
nacional, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, chefiado por Francisco
Campos. Com a criação do Ministério, também houve a centralização dos vários níveis de
ensino. Além disso, a criação do Ministério inaugurou um novo espaço de poder que se
configurou num espaço estratégico de controle técnico e doutrinário do aparelho escolar. Isso
significa dizer que, enquanto instrumento utilizado pelo governo federal para a construção da
nacionalidade brasileira, a proposta do ministério foi instituir um sistema de educação
6
integrado em todo o território nacional, diferente da política educacional que vigorou na
República Velha, quando cada estado esteve livre para criar seu próprio sistema escolar. 
Conforme aponta Rogério Luiz Souza (2014, p.408), depois da vitória de 1930, o
governo de Vargas tomou medidas para acabar de vez com o passado liberal. Para tanto,
também se tornou necessário “persuadir e convencer a todos da disposição dos agentes
estatais em construir uma pátria ordeira e genuinamente brasileira”. As instituições escolares,
neste empreendimento, se tornaram instrumentos de validação/ viabilização do nacionalismo
almejado.
O sistema escolar passou a ser articulado e responsabilizado pela educação das
crianças e da juventude (SOUZA, 2014, p.410). Diversas medidas foram tomadas com a
instituição da chamada Reforma Francisco Campos. Entre elas, o processo de reorganização
do ensino secundário e universitário. Foram criados os Conselhos Nacional e Estadual de
Educação. Em São Paulo, por exemplo, as Faculdades de Educação, Ciências e Letras,
vinculada a Universidade de São Paulo (USP), dedicou-se à formação de docentes para atuar
no nível secundário. Além disso, a reforma estabeleceu o regime de seriação e também a
obrigatoriedade de frequência às aulas (ROMANELLI, 2003).
Com a implantação do Estado Novo, o papel da educação no projeto de construção da
nacionalidade ficou mais visível. As atividades escolares, em nível nacional, foram
centralizadas através da defesa da unidade de programas e de material didático. Esse foi um
dos primeiros passos para a formação de um nacionalismoadequado e apto a tornar o país
homogêneo, eliminando as distinções regionais e culturais (FIORI, 1991).
O modelo de nacionalismo imposto à escola aparentemente demonstrava a adesão de
professores e alunos à causa nacional, mas reprimia as manifestações de resistência. Enquanto
força aglutinadora de interesses, o ideário nacionalista implantado foi fundamental para a
legitimação da política de dominação do Estado. Isso fica evidente pelo Decreto n.o 406, de
maio de 1938, que estabeleceu legislação específica para as escolas em face da Campanha da
Nacionalização inaugurada em 1937. Pela mesma lei, o material didático utilizado nas escolas
deveria ser em Língua Portuguesa, os professores e diretores deveriam ser brasileiros natos,
sendo vetada a circular de material em língua estrangeira e o currículo escolar adequado em
história e geografia do Brasil.3
3 Para o governo brasileiro, a língua nacional a ser falada em todo o país e ensinada em todas as escolas era um
critério definido como formador da nação brasileira. Para tanto, se impunha às escolas que, além do ensino da
língua pátria, o conteúdo a ser transmitido nas escolas também deveria estar voltado à exaltação da pátria, do ser
brasileiro. O estímulo ao patriotismo, o uso de símbolos nacionais e a comemoração de datas nacionais também
aparecem na legislação da época (NAGLE, 2001).
7
A escola e os professores foram os atores escolhidos para preparar as novas gerações.
Estes teriam como tarefa articular a identificação da população com os símbolos da nação e
com os comportamentos considerados patrióticos. Tratava-se, pois, de formar indivíduos para
desenvolver uma maturidade intelectual racional que os tornasse aptos a constituir, na
sociedade civil, o corpo político do Estado Nacional. Para tanto, Capanema criou o Instituto
Nacional do Livro (INL) em 1937; e a partir do decreto-lei no 1.006 de 30 de dezembro de
1938, todos os materiais didáticos produzidos deveriam ter a aprovação do governo e seguir a
política estadonovista.
Com a criação de medidas enfáticas em torno do livro didático, nos fica a impressão
de que os homens fortes do Estado tinham consciência do potencial pedagógico do livro. Não
à toa, conforme Maria Celina D’Araújo, 
uma intensa bibliografia foi produzida pela imprensa oficial para cultuar a
personalidade de Vargas. Várias ‘histórias de Vargas para crianças’ chegaram às
bibliotecas, demonstrando como desde o nascimento Getúlio estaria fadado a liderar
seu povo em um grande projeto. Ensinavam também que Vargas, desde muito cedo,
tivera a antevisão de que a política, partidos e parlamentos eram elementos espúrios,
perniciosos à sociedade ( D’ARAÚJO, 2000, p.36).
Para Diana Gonçalves Vidal (1998), durante a década de 1920 e 30, a leitura e os
livros tornaram-se preocupação de educadores e políticos. O livro passou a ser visto como
uma fonte de experiência e a leitura não somente como o acesso a informação, mas, também,
como elemento (con) formador do imaginário coletivo infantil. Assim, como crescia a
demanda por livros, também foram ampliados os critérios definidores de uma boa publicação.
O controle sobre os livros passou a ser desenvolvido pela Comissão Nacional do Livro
Didático (CNLD), criada pelo mesmo decreto de n.0 1.006, e passou a ser composta por sete
membros4 designados pelo Presidente da República. À CNLD cabia 
examinar e proferir julgamento dos livros didáticos que lhe fosse apresentados;
estimular a produção e orientar a importação de livros didáticos; indicar livros de
valor para serem traduzidos e editados por poderes públicos e ainda, sugerir abertura
de concurso para produção de determinadas espécies de livros didáticos de sensível
necessidade e ainda não existentes no Brasil (OLIVEIRA, GUIMARÃES,
BOMENY, 1984, p. 33).
Se a decisão da comissão indicasse modificações a serem feitas no texto original da
obra, depois de modificada, a obra deveria novamente ser submetida ao exame para parecer
final. Segundo Juliana Miranda Filgueiras (2013), os livros didáticos autorizados receberiam
4 Em março de 1939, o Presidente da República assina o decreto-lei no 1.177 que amplia para dezessete o número
de membros da Comissão Nacional do Livro Didático (OLIVEIRA, GUIMARÃES, BOMENY, 1984).
8
um número de registro que deveria aparecer na capa do livro, conjuntamente com a frase:
“livro de uso autorizado pelo Ministério da Educação”. A cada ano, no mês de janeiro, o
Ministério da Educação publicaria, no Diário Oficial, a relação de livros didáticos de uso
autorizado.
Mas afinal, o que fazia um livro não ser publicado? O artigo 20o do decreto-lei no
1.006 enumerou onze impedimentos à autorização de obras relacionados à questão político-
ideológica:
a) o livro que atente, de qualquer forma, contra a unidade, a independência ou a
honra nacional;
b) que contenha, de modo explícito, ou implícito, pregação ideológica ou indicação
da violência contra o regime político adotado pela Nação;
c) que envolva qualquer ofensa ao Chefe da Nação, ou às autoridades constituídas,
ao Exército, à Marinha, ou às demais instituições nacionais;
d) que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tente deslustrar as figuras dos
que se bateram ou se sacrificaram pela pátria;
e) que encerre qualquer afirmação ou sugestão, que induza o pessimismo quanto ao
poder e ao destino da raça brasileira;
f) que inspire o sentimento da superioridade ou inferioridade do homem de uma
região do país, com relação ao das demais regiões;
g) que incite ódio contra as raças e as nações estrangeiras;
h) que desperte ou alimente a oposição e a luta entre as classes sociais;
i) que procure negar ou destruir o sentimento religioso, ou envolve combate a
qualquer confissão religiosa;
j) que atente contra a família, ou pregue ou insinue contra a indissolubilidade dos
vínculos conjugais;
k) que inspire o desamor à virtude, induza o sentimento da inutilidade ou
desnecessidade do esforço individual, ou combata as legítimas prerrogativas da
personalidade humana (OLIVEIRA, GUIMARÃES, BOMENY, 1984, p. 35).
Conforme Figueiras (2013, p. 167), os artigos 21, 22 e 23 definiam os critérios de
eliminação quanto às “questões pedagógicas, metodológicas, conceituais (relacionadas às
áreas do conhecimento), de linguagem, além de questões gráficas e de mercado”. Filgueiras
(2013) conclui que
praticamente todos os livros didáticos não autorizados pela CNLD incidiam nos
artigos 21 e 23 do decreto-lei n. 1.006/38: eram livros escritos em linguagem
defeituosa, com incorreção gramatical, emprego de termos, expressões regionais ou
gírias, com erros de natureza científica ou técnica, redigidos de maneira inadequada
em relação aos programas oficiais ou não adotavam a ortografia estabelecida pela
lei. Somente uma avaliação restringiu o uso do livro didático por infringir o artigo
20 do decreto-lei n. 1.006/38, que tratava das questões ideológicas (FILGUEIRAS,
2013, p.178).
Diferentes autores apontaram que o rigor no combate as ideologias “subversivas”
gerou profundas reações aos livros. “A compreensão de que a profusão das obras deveria ser
controlada, pela análise de seu teor e mérito [...] levava a ações, muitas vezes arbitrárias,
9
especialmente em função do acirramento das lutas políticas no Estado Novo” (VIDAL, 1998,
p. 92). Como enfatiza Choppin (2004), para entender o significado correto da regulamentação
do livro didático é necessário estudar os contornos das políticas educacionais que
estabeleceram sua regulamentação, analisando as regras que o Estado impôs à sua produção,
nos diferentes contextos históricos. Conforme salientam Oliveira, Guimarães e Bomeny
(1984), a criação da regulamentação do livro didáticose insere em um contexto maior de
política educacional, que é o da nacionalização do ensino e do movimento da juventude
brasileira.
Por outro lado, a política governamental de Vargas dedicada aos livros didáticos não
incluía tão somente a avaliação e fiscalização, era um processo mais extenso, que incluía
conforme já mencionado, também a produção. Assim, para dar corpo ao ideário nacionalista,
o governo, por intermédio do DIP, passou a produzir seus próprios produtos – livretos, livros
cartazes, cinejornais, programas de rádio com notícias e músicas, fotografias para uso da
imprensa, cerimônias cívicas e outras (SKIDMORE, 1982).
 
As cartilhas escolares infantis como instrumento de doutrinação infantil
Crianças!
Aprendendo no lar e nas escolas o culto da Pátria, trareis para a vida prática todas
as probabilidades de êxito. Só o amor constrói e, amando o Brasil, forçosamente o
conduzireis aos mais altos destinos entre as Nações, realizando os desejos de
engrandecimento aninhados em cada coração brasileiro.
 Getúlio Vargas
(BARROSO, 1942, p. 05)
Conforme mencionamos, a Educação se apresentou como importante meio para a
formação do cidadão idealizado pelo Estado Novo. Através de práticas educativas dedicadas
às gerações mais novas, a difusão do ideário da nacionalidade se ancorou nos livros escolares
transformados em objetos de formação moral e cívica. A criança, nesse sentido, passou a ser
compreendida como promessa de um futuro melhor no âmbito uma nação soberana, tornando-
se um dos alvos da propaganda de corte nacionalista dirigida pelo Estado. Essa política de
difusão do ideário nacionalista pode também ser percebida nas cartilhas escolares infantis, as
quais, enquanto suportes de leitura dedicados a modelar comportamentos desejados, visões de
mundo, de nação, etc., carregam conteúdos traduzidos em linguagem simples e de fácil
10
acesso. Foi justamente este, o caso das cartilhas escolares “Getúlio Vargas para crianças” e
“Getúlio Vargas, amigo das crianças”, ambas produzidas durante o Estado Novo
Enquanto “livros de leitura”, as cartilhas destinadas ao público infantil no contexto do
Estado do Novo nos oferecem uma porta de entrada para um “mundo social” em construção,
ou se quisermos, conforme Roger Chartier (1990, p. 17), para um mundo social no qual “os
discursos não são neutros”, visto que produzem “estratégias e práticas (sociais, escolares,
políticas)” dedicadas “a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a
legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas”.
Mas que discursos e representações estariam impregnados nas cartilhas infantis? Elas
realmente representam facetas do discurso nacionalista vigente na época? Seriam elas, de fato,
veículos dedicados à doutrinação do público infantil em idade escolar? Então vejamos!
Cada sociedade, em diferentes épocas, compreendeu e produziu os seus escritos a seu
modo. Conforme Nelly Novaes Coelho (2008, p. 28-31), “conhecer a literatura que cada
época destinou às suas crianças, é conhecer os ideais e valores sobre os quais cada sociedade
se fundamentou”, visto que o “livro infantil é entendido como uma ‘mensagem’
(comunicação) entre um ator-adulto (o que possui a experiência do real) e um leitor-criança (o
que deve adquirir tal experiência)”. 
Assim, o ato de ler e ouvir se transformou em um ato de aprendizagem que na
perspectiva da política governamental de Vargas foram aproveitados para difundir os valores
de uma política nacional centralizadora e homogeneizante. O público infantil, ou melhor dito,
o “cidadão mirim”, tornou-se alvo da política governamental e os mínimos detalhes foram
observados para garantir a eficácia do processo. Por conta disso, os livros escolares
produzidos pelo DIP, além de exercitarem a leitura e escrita, também procuravam repassar
um imenso repositório de conselhos de moral, de bom comportamento, de boa
conduta, da piedade, de respeito ao próximo, de amor à família e à Pátria, de
rememoração de feitos e datas considerados da “nacionalidade” ou da “humanidade”
e até mesmo de exaltação ao regime político de plantão, além de tudo aquilo que se
considera digno da formação da criança e do jovem: a natureza (e suas partes), o
índio, o folclore, os “grandes vultos” da ciência, das artes, do desporto, da política
etc., contanto que representem o otimismo, a perseverança, a abnegação, o altruísmo
e todas essas atitudes tidas como nobres e elevadas (MACIEL, et all, 2014, p. 60).
Quanto à tipologia, as cartilhas sob análise podem ser compreendidas como livros de
leitura isolados, pois de acordo com Batista, Galvão, Klinke:
11
Os livros isolados são aqueles que menos claramente apresentam suas funções
escolares. Embora elementos do título e da organização permitam inferir uma
destinação escolar, ela não é claramente explicitada por indicações de nível ou série.
Estão agrupados nessa categoria dois grandes conjuntos de livros [...] o primeiro
conjunto, é composto por títulos usados tanto como manuais quanto como livros
paraescolares, voltados à leitura recreativa [...] o segundo conjunto é composto por
títulos para os quais não se encontram indicações de uso como manual,
caracterizando-se, por isso, apenas como livros de leitura recreativa, integrantes da
biblioteca da sala ou da escola (BATISTA, GALVÃO, KLINKE, 2002, p. 35).
A cartilha “Getúlio Vargas para crianças” (Figura 01) foi escrita por Alfredo Barroso,
ilustrada por Francisco Dias da Silva e editada em 1942. Publicada pela Empresa de
Publicações Infantis Ltda, no Rio de Janeiro e financiada pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda. O formato do material é 12 x 11 cm, acompanhado de 112 páginas, sendo elas
distribuídas entre um texto de tom formal, de fácil compreensão e de 52 ilustrações. As
ilustrações e textos são ordenados em páginas duplas onde de um lado está o texto e do outro
lado está a ilustração acompanhada de um trecho explicativo.
Figura 1 Capa da cartilha "Getúlio Vargas para crianças"
Fonte BARROSO, Alfredo. Getúlio Vargas para crianças. Rio de Janeiro: Empresa de
Publicações Infantis Ltda, 1945.
O conteúdo, abaixo descrito no Quadro 01, dedica-se a traçar a biografia de Vargas, a
contar como se deu sua escalada à presidência e descrever sua trajetória na presidência.
Conta, igualmente, com informações sobre o Governo Provisório, sobre a Revolução de
1932, a Constituição de 1934 e a instauração do Estado Novo. 
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Capítulos Títulos Páginas Número de ilustrações
1 Infância e estudos 6 a 16 6
2 Vida militar 17 a 28 6
3 De Ministro a Presidente 29 a 39 5
4 Revolução de outubro 39 a 49 5
5 Reconstrução Nacional 49 a 82 16
6 O Estado Novo 83 a 92 5
7 Força e trabalho 93 a 108 8
8 O homem simples e bom 109 a 112 2
Quadro 1 Distribuição dos capítulos da cartilha: Getúlio Vargas para crianças
Fonte: BARROSO, Alfredo. Getúlio Vargas para crianças. Rio de Janeiro: Empresa de Publicações Infantis
Ltda, 1945.
A intenção pedagógica da cartilha fica evidente quando se analisa seu conteúdo e
narrativa. Combinando diferentes cenários e experiências de Vargas, a narrativa coloca em
tela seu percurso social desde a infância de modo dialogado com a história nacional. Enquanto
um suporte de memória, a cartilha articula o passado de Vargas como seu presente: uma
espécie de jogo temporal e pedagógico, no qual a construção de um modelo de sujeito a ser
seguido emerge do conteúdo narrado. Os episódios, por exemplo, que configurama
Revolução de 1930, despontam na forma de uma narrativa que justifica as decisões tomadas
na época. O leitor tem a impressão de que Vargas chegou ao governo provisório por decisão
do povo brasileiro, visto que, conforme seu autor, “o povo, nas ruas, comemorou festivamente
a deposição do governo de uma república que faltara aos compromissos assumidos para com a
Nação (BARROSO, 1942, p.44).
Já, a cartilha “Getúlio Vargas amigo das crianças” (Figura 02), carrega um conteúdo de
teor mais propagandístico. De 1940, o material tem 32 páginas, de formato 27 x 19 cm. Sem
autoria, há 45 ilustrações ao longo de suas páginas, sendo que destas, 34 retratam a imagem
de Vargas, e nenhuma é acompanhada de legenda. A linguagem utilizada, assim como a
primeira, é de simples compreensão. 
A linguagem acessível ao público infantil e juvenil desponta como uma estratégia para
simplificar a formação intelectual. Autores e editores, ao simplificarem questões complexas,
impedem que os textos dos livros provoquem reflexões ou possíveis discordâncias por parte
dos leitores (BITTENCOURT, 1998).
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Figura 2 Capa da cartilha "Getúlio Vargas o amigo das crianças”
Fonte DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA. Getúlio Vargas o amigo das crianças. Rio de
Janeiro, 1940.
O conteúdo da cartilha “Getúlio Vargas amigo das crianças” gravita em torno de
argumentos dedicados a mostrar às crianças o amor de Vargas para com elas. Há um forte
apelo emocional no transcorrer da cartilha. Capelato (2009, p. 129), neste sentido, sugere que
o uso de tal mecanismo,“em se tratando de um público infantil”, faz parte de um estratégia na
qual o discurso é direcionado a uma “personalidade ainda não formada completamente”. 
Partes Assuntos Páginas Número de
ilustrações
1 Crianças 2 a 6 6
2 Regionalismo/nacionalismo 6 a 10 8
3 Juventude brasileira 10 a 25 19
4 Realizações para as crianças 25 a 30 8
5 Amizade de Vargas com as
crianças
30 a 32 2
Quadro 2 Distribuição dos assuntos da cartilha: Getúlio Vargas o amigo das crianças
Fonte DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA. Getúlio Vargas o amigo das crianças. Rio de
Janeiro, 1940.
No processo de desenvolvimento do ser humano, a passagem de uma fase para outra é
um processo natural. Existe um período da fase da criança que ela começa a lutar para
defender a sua vontade e a sua independência em relação ao poder dos pais ou irmãos mais
velhos, ou seja, é quando “inconscientemente, a criança tenta construir sua própria imagem ou
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identidade e se depara com múltiplos estímulos ou interdições aos seus impulsos, etc”. Nessa
fase de amadurecimento interior da criança, a inserção de imagens resulta decisiva para a sua
formação em relação a si mesma e ao mundo à sua volta, por isso da importância do livro com
diversas gravuras durante a infância. (COELHO, 2000, p. 54).
Segundo Ângela de Castro Gomes, a própria CNLI, criada em 1936, sabia da
importância das leituras nessa fase e afirmavam que
as leituras realizadas na infância influenciavam de maneira especial a “psique do
indivíduo”, habitando o “espírito do leitor” até a velhice e constituindo-se em “lastro
inestimável” para o resto da vida. Além disso, como também observavam, era essa a
literatura que “entrava nos lares”, espaço vedado à regulamentação estatal,
diferentemente do da escola (GOMES, 2000, p. 120).
Nessa perspectiva, é imprescindível inserir os estudos das representações
desenvolvidas por Roger Chartier (1991, p. 185), que alertam para a fraqueza da imaginação
do ser humano. Ou seja, quando não se consegue estabelecer os vínculos necessários para
diferenciar as representações da realidade, uma vez que, as imagens, quando usadas como
forma de dominação, revelam uma realidade que não o é. A representação transforma-se em
“máquina de fabricar respeito e dominação”. Podemos, neste sentido, estabelecer relação com
as representações que foram criadas pelo Estado Novo, as quais procuraram atingir o
imaginário das pessoas de forma a se tornarem uma tradição. Aliadas a estratégias
propagandísticas, a intenção era difundi-la para as gerações futuras. 
Geralmente, nesse processo de manipulação, o público escolhido é aquele que ainda
não tem uma mentalidade crítica formada, o que faz com facilidade que as imagens sejam
absorvidas e incutidas mentalmente, sem criticidade, como verdades absolutas. O público
infantil, neste caso, é percebido como indivíduos cuja mentalidade ainda “virgem”, apresenta-
se totalmente desprovidas do poder de contradição, tornando-se, por assim dizer, frágil alvo
da manipulação. 
As estratégias desenvolvidas pelo DIP eram inúmeras e exibiam em suas mensagens
um forte apelo aos sentimentos que, procurando atingir o público infantil, passaram a ser
acionados de forma exagerada e exacerbada. Frases dirigidas diretamente às crianças são
chegam a ser irônicas. O uso de imagens associadas a textos também reflete estratégias para
atrair crianças que, no primeiro contato com os materiais impressos, são encantados pelo que
visualizam. 
Essas evidências encontram-se, por exemplo, na imagem (Figura 03) da contracapa da
cartilha “Getúlio Vargas o amigo das crianças”, quando o olhar de Vargas, direcionado a uma
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criança, representa a forma de diálogo. É como se o Presidente estivesse falando diretamente
à ela. 
Figura 3: Contra capa da cartilha "Getúlio Vargas o amigo das crianças"
Fonte DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA. Getúlio Vargas o amigo das crianças. Rio de
Janeiro, 1940.
Enquanto parte de um complexo jogo de significação, a imagem também carrega em si
facetas políticas de um projeto de futuro atribuído a Vargas: o de consolidar-se não apenas
como o “pai dos pobres”, mas, também, o “amigo das crianças”. Para Roger Chartier (1991)
esta operação de significação, se refle no que o historiador francês chama de “protocolos de
leitura”. Mecanismos que impõem ao leitor uma maneira de ler e uma mecânica literária que o
coloca onde o autor deseja que esteja, ou seja,
a disposição e a divisão do texto, sua tipografia, sua ilustração.
Esses procedimentos de produção de livros, não pertencem à
escrita, mas à impressão, não são decididas pelo autor, mas pelo
editor-livreiro e podem sugerir leituras diferentes de um mesmo
texto (CHARTIER, 1996, p. 96).
No caso do Estado Novo, esses dispositivos foram acionados pelo DIP, órgão vital
para converter, em ações práticas, a política estadonovista. Os dispositivos acionados pelo
DIP articulavam a imagem de Vargas de forma valorativa, facilitando, assim, a compreensão
da proposta governamental. De acordo com Nelly Novaes Coelho (2000), no campo da
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psicanálise, quando a criança é levada a se identificar com o herói, o belo, o bom, ocorre a sua
própria personificação e ela passa a se sentir protegida e segura.
Identificada com os heróis e as heroínas do mundo maravilhoso, a criança é levada,
inconscientemente, a resolver sua própria situação – superando o medo que inibe e
ajudando-a a enfrentar os perigos e as ameaças que sente à sua volta e assim,
gradativamente, pode alcançar o equilíbrio adulto (COELHO, 2000, p. 55).
Essas estratégias aparecem claramente nas cartilhas, tanto nas ilustrações, como no
texto, quando foram usados diversos recursos (invocação, sugestão, indução, fala
imperativa...) para atrair seu público. Esse apelo à atenção do leitor assume um caráter
coercitivo: a exigência de bons modos, a escuta, exemplos a serem seguidos que acabam
revelando o autoritarismo presente: Vargas determina, as crianças escutam e obedecem.
Com o propósito de atingir o imaginário infantil, são criadas nas cartilhas
representaçõesde Vargas. Assim, a “ausência” de Vargas é suprimida pelas imagens
transmitidas pelas cartilhas. O efeito da representação assume a força do poder. Contudo, a
representação neste caso reflete o poder, e o poder passa a ser representado por meio das
imagens de Vargas contidas nas cartilhas. Uma condição de realidade subjetiva na qual o
ausente se faz presente por meio da imagem que representa. Vargas e o projeto político
alavancado pelo Estado Novo tornam visíveis por meio das imagens. Dessa forma, a função
simbólica, ou de representação, define as formas de como o “real” deve ser aprendido pelo
público leitor: o público infantil.
Nesse sentido, podemos concluir que as cartilhas “Getúlio Vargas para crianças” e
“Getúlio Vargas amigo das crianças” refletem facetas políticas de uma “Escola” dedicada à
veicular os valores estadonovistas e, por razões diversas, que certamente estiveram ligadas à
possibilidade de atingir um público contínuo na longa duração, realizar o exercício da
doutrinação infantil.
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