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Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing político” e da propaganda no Brasil.1 Francisco José Paschoal* RESUMO: O presente artigo tem por objetivo demonstrar como a propaganda política foi utilizada por Getúlio como veículo de convencimento da população e de busca de seu apoio, além de controle, por meio da censura, de seus opositores. Estabelecer a importância dos papéis de veículos informativos e de propaganda como o rádio, o cinema e o jornal, e de programas como “A Voz do Brasil”2, o “Repórter Esso” e o “Cinejornal Brasileiro” é, assim, imprescindível. PALAVRAS-CHAVE: Getúlio Vargas; DIP; Propaganda. ABSTRACT: The present article has for objective to demonstrate as the marketing politics was used by Getúlio as vehicle of persuation of the population and search of its support, beyond control, by means of the censorship, of its opponents. To establish the importance of the papers of informative vehicles and marketing as the radio, the cinema and the periodical, and of programs as “A Voice of the Brazil”, “Reporter Esso” and the “Cinejornal Brasileiro”, it is, thus, essential. Keywords: Getúlio Vargas, DIP, Marketing. 1 Título do artigo a ser apresentado no 1º Simpósio do Laboratório de História Política e Social: 70 anos do Estado Novo, a ser realizado pela Universidade Federal de Juiz de Fora. * Graduando do 7º período em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. 2 No período, batizado como “Hora do Brasil”. INTRODUÇÃO Segundo Walter Benjamim: “A crise da democracia pode ser interpretada como uma crise nas condições de exposição do político profissional”. 3 Getúlio Vargas, aprendiz dos regimes autoritários europeus da década de 30, que lançaram moda a partir da fundação do Ministério da Propaganda liderada por Goebells na Alemanha nazista4, teve exata noção da importância do papel do sistema de propaganda para a manutenção do apoio político, principalmente das massas. Em seu séqüito é possível identificar germanófilos como Filinto Muller e Lourival Fontes, este diretor do DIP, embebidos dos preceitos nazi-fascistas de uso da propaganda. Para tanto, conforme explicita Capelato, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão criado por Getúlio para o controle e uso da censura na imprensa, além da produção de programas pró Estado Novo, atuava em três frentes: o jornalismo, o rádio e o cinema.5 É imperativo lembrar que neste período, o sistema televisivo nacional apenas engatinhava, por isso, o mesmo não compreendeu área de atuação. Utilizando-se da Constituição Brasileira de 1937, outorgada6 o governo getulista lança mão da censura para legitimar o Estado Novo, elevando a imprensa ao estado de veículo da ideologia estadonovista, e afastar da população a opinião não só da oposição política, como também da oposição intelectual7 quando a mesma não havia sido capturada para dentro do governo. Esta cooptação, por mais contraditória que pareça, era realizada na produção de artigos e reportagens para as revistas “Cultura Política” e “Ciência Política”. 8 Isto é explícito no trecho de “Na fogueira”, livro de memórias do repórter e escritor Joel Silveira, ... as notícias sobre o Brasil não podiam ser mais risonhas. Estávamos vivendo num paraíso. Nenhuma tragédia, nenhum crime, nada que perturbasse a ordem e a paz impostas pela ditadura. Até mesmo a seca do Nordeste, que até a véspera do Estado Novo era assunto prioritário dos jornais, que a descreviam como uma das mais inclementes dos últimos anos, até ela havia sumido do noticiário... 9 3 BENJAMIM, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Primeira versão. p. 183. 4 CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. Cap 9. p.167- 178. 5 Idem, p. 170. 6 Passim: SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 7º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 7 CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. Cap 9, p.171. 8 Revista BRHISTÓRIA, ano 1, nº5, p 32. 9 Revista BRHISTÓRIA, ano 1, nº5, p 23. 1. PRIMEIROS CONTATOS COM A IMPRENSA O político brasileiro que travou contato mais estreito com a imprensa foi sem dúvida Getúlio Vargas10. Em relação ao rádio, os primeiros contatos foram estabelecidos ainda em 1928, com Vargas apenas na condição de deputado, este apresentando um projeto de lei que exigia o pagamento de direitos autorais na execução de composições de outros artistas em programas de rádio ou em apresentações ao vivo. Ganha assim o apoio dos representantes da classe artística e o epíteto de “pai dos artistas”. 11 Outrossim, a participação de Getúlio durante a Revolução de 30, permitiu ao mesmo tomar conhecimento do poder de dispersão de idéias deste [o rádio], assim como participar de maneira direta na nascente indústria da radiodifusão brasileira. São instituídas em 1932, as primeiras leis específicas sobre o sistema de radiodifusão e é criada a Comissão Técnica de Rádio. Ainda em 1932, o rádio também possuiu papel importante: foi reconhecido como propagador da Revolução Constitucionalista e seus ideais, movimento liderado por São Paulo. A autorização para a publicidade e propaganda12 nas ondas do rádio atraiu um maior número de ouvintes, chamando a atenção de Getúlio para uma nova modalidade de contato com a população, haja vista que a maioria analfabeta não tinha acesso a jornais e folhetins; o rádio possuía outra vantagem: o longo alcance de suas ondas permitiam que a voz do presidente chegasse aos confins do Brasil, aproximando o presidente de quem “mais precisava”. Em 1940, estatizou a Rádio Nacional, tornando-a “vitrine” do Estado Novo. Introduziu-se assim, nesta emissora, parte significativa do plano político para emissões oficiais – Hora do Brasil, Repórter Esso, etc. Este processo envolveu também as Revistas da Rio Editora, ambas pertencentes a empresa jornalística A Noite, com a assinatura do decreto- lei nº 2.073, que criava as Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União.13 Como o professor Luiz Artur Ferraretto relata em “das ondas do rádio às vias de fato: consternação e revolta popular em Porto Alegre” 14: Vargas compra a rádio Gaúcha para fazer frente à rádio Farroupilha – notadamente oposicionista ao governo, no estado do Rio Grande 10 MOREIRA, Sônia Virgínia. Getúlio Vargas e o rádio, convergência de histórias. (IN): Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004. p 117. 11 Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004. p 26. 12 Idem, p 119. 13 SAROLDI, Luiz Carlos. Vargas e o rádio como espetáculo. (IN): Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004. p 149. 14 (IN): Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004. p 45-56. do Sul, por participar do grupo dos Diários e Emissoras Associados15, criando assim um novo “locus” para o fazer política na época. Isto também é possível de ser observado em outros estados e mais à frente, nos embates disputado entre Carlos Lacerda, histórico inimigo político não só de Vargas, como também de Juscelino e João Goulart, que discursava na rádio Globo – também opositora do governo getulista, e na Mayrink Veiga e Eloi Dutra16, que pela emissora Continental, defendia o presidente, já no fim do segundo governo de GetúlioVargas.17 2. O DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA O Departamento de Imprensa e Propaganda foi precedido por outros órgãos, também governamentais, três para ser mais exato, que possuíam funções bem parecidas, distinguindo- se uns dos outros no tocante à autonomia dada a conjuntura especificamente distinta em que atuaram. Segundo os arquivos digitalizados do CPDOC, em 1931, após a Revolução de 30, que depôs o presidente Washington Luís e entregou a chefia do Governo Provisório a Getúlio, foram dados os primeiros passos em direção à organização da propaganda política no plano nacional, com a criação do Departamento Oficial de Publicidade (DOP), no dia 2 de julho. Vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, constituindo-se um apêndice da Agência Nacional, atuava no setor de radiodifusão. Suas atribuições limitavam-se ao fornecimento de informações oficiais à imprensa. No ano de 1934, no intuito de sistematizar e organizar o uso e a veiculação da propaganda oficial, abrangendo assim outros veículos de comunicação de massa, foi criado o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC). Vargas confia a Francisco Antônio Rodrigues de Sales Filho, então diretor da Imprensa Nacional, o encargo de fazer experimentalmente um teste. Conforme a avaliação positiva de seus resultados, através do Decreto-Lei nº 24.651, que extinguiu o DOP, foi regulamentado o funcionamento do DPDC, ainda sob os auspícios do Ministério da Justiça. A direção geral foi entregue a Lourival Fontes – este assumirá, posteriormente, o controle do DIP –, jornalista e escritor sergipano e manifesto admirador dos regimes fascistas. O DPDC compreendia, além da Imprensa 15 Grupo de propriedade de Francisco de Assis Chateaubriand, opositor ferrenho de Vargas e o regime estadonovista. 16 Foi deputado e vice-governador da Guanabara pelo PTB, na década de 60. 17 (IN): Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004. p 30-31. Nacional – mantida sua autonomia administrativa, e o setor de radiodifusão, já englobado pelo extinto DOP, os setores de cultura e cinema, tendo estimulado a produção de filmes educativos por meio de prêmios e favores fiscais. Já no Estado Novo, no início de 1938, o DPDC transformou-se no Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que finalmente deu lugar ao Departamento de Imprensa e Propaganda, através de decreto presidencial, já em 1939. Após o golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, o fechamento do Congresso e os efeitos da nova Carta Constitucional, uma série de atividades foi incorporada ao DPDC, que culminaram com uma nova alteração, o nascimento do DNP, novamente sob os efeitos de decreto-lei. Com o DNP, todos os campos relacionados com a “educação nacional”, a censura e o controle dos meios de comunicação passaram para o controle de seu diretor, Lourival Fontes18, mantido no cargo e que posteriormente controlará o DIP, assim como a ligação do órgão junto ao Ministério da Justiça. As principais atividades dessas organizações eram o estímulo da promoção do Brasil no exterior, particularmente através do lançamento de jornalistas e escritores nacionais em jornais estrangeiros e da criação do Boletim de Informações. No setor de radiodifusão, o DNP foi o responsável pelo programa “Hora do Brasil”, transmitido diariamente por todas as estações de rádio, com duração de uma hora, visando a divulgação dos principais acontecimentos da vida nacional. 19 O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foi criado por decreto presidencial em dezembro de 1939, com o objetivo de difundir a ideologia do Estado Novo junto às camadas populares. O mesmo compreendia cinco divisões: Divisão de divulgação, rádio, teatro, imprensa e cinema. O DIP possuía setores de divulgação, radiodifusão, teatro, cinema, turismo, imprensa e literatura social e política. Cabia-lhe coordenar, orientar e centralizar a propaganda interna e externa, fazer a censura ao teatro, cinema e funções esportivas e recreativas, organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos musicais, conferências e projetos monográficos sobre a História do Brasil, estimular a produção de filmes educativos nacionais e classificá-los para a concessão de prêmios e favores e dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo. Vários estados possuíam órgãos filiados ao DIP, os 18 Seus sucessores foram o major Coelho dos Reis, de agosto de 1942 até julho de 1943, e o capitão Amílcar Dutra de Menezes, que atuou até a extinção do DIP, em maio de 1945. 19 Capturado da internet em 17 de setembro de 2007,através do sítio: www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_html/7791_1.asp. chamados “Deips”. Essa estrutura altamente centralizada permitia ao governo exercer o controle da informação, assegurando-lhe o domínio da vida cultural do país. Para garantir o monopólio e a uniformização das notícias e dos serviços de propaganda e publicidade dos ministérios, departamentos e estabelecimentos da administração pública federal e entidades autárquicas, tudo era produzido e distribuído pela Agência Nacional. Sua distribuição era gratuita, saindo muitas vezes como matérias subvencionadas, dificultando assim o trabalho das empresas particulares que possuíam pontos de vistas contrários ao regime governamental. O sistema dispunha de formas de coerção das empresas que não participavam do esquema, através de isenção de taxas alfandegárias sobre a importação de papel, estabelecendo que os proprietários de jornais e revistas devessem obter autorização do Ministério da Justiça, mediante o prévio preenchimento de numerosas exigências, para poder desfrutar da isenção. Com esse recurso, o governo passou a controlar diretamente a imprensa através de “bloqueios financeiros”, concedendo os favores fiscais apenas àqueles jornais que seguissem a orientação política governamental. Para os que não se encaixavam no sistema, o governo Vargas utilizava a intervenção física, como o ocorrido com o jornal paulista, “O Estado de São Paulo”, em março de 1940. Por fim, o DIP transformou-se em um “superministério”, acima dos outros, já que respondia apenas ao próprio presidente. Ao rádio, buscou-se difundir seu uso nas escolas e nos estabelecimentos agrícolas e industriais, de modo a promover a cooperação entre a União, os Estados, os Municípios e os particulares. Através da veiculação dos programas “Hora do Brasil” e do “Cinejornal Brasileiro” 20 – fazia-se a crônica cotidiana da política nacional, recorrendo-se ao forte impacto dos recursos audiovisuais. Alguns filmes eram exportados para países como a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. Vargas tentava “aproximar” o governo ao povo, com a veiculação de propagandas pró-governamentais e de conquistas como a CLT, as políticas sociais, festividades como o 1º de Maio, o aniversário do presidente21 e as novas implementações sindicais, junto com a criação dos IAP’s (Institutos de Aposentadoria e Pensão). Com essa nova forma de propaganda política a promoção pessoal do chefe de governo alcançava o auge, dado ao apelo exemplificado nas formas do mesmo iniciar seus discursos, de acordo com Ana Baum, nos programas radiofônicos do governo: 20 Série de curta metragem de exibição obrigatória antes das sessões de cinema. 21 Durante o período em que esteve à frente do Ministério do Trabalho, ou seja, de janeiro de 1942 até julho de 1945, Alexandre Marcondes Filho fez palestras semanais na “Hora do Brasil” dirigida aos trabalhadores. Foram ao ar mais de 200 palestras, com duração aproximada de dez minutos todas as quintas- feiras. No dia seguinte as palestraseram publicadas pelo jornal porta-voz do regime: A Manhã. “trabaaaalhadores do Brasil”. A alcunha “pai dos pobres” foi incutida na população, por forjar estes movimentos como “vitórias populares”. Este tipo de “fazer político” corroborará para a confecção da política brasileira do: dar, receber e retribuir; vantagens em troca de apoio político. O “queremismo” irradiado por Marcondes Filho e a política anticomunista – o que facilitará o apoio dos militares a Vargas – também favoreceram esta construção “simbólica”. O rádio e o cinema contribuíram, conforme já delineado e acima de tudo, devido ao grande número de analfabetos existentes no Brasil, o que os alijava das informações veiculadas pela imprensa escrita. 22 3. “HORA DO BRASIL” O Departamento Oficial de Publicidade, desde 1931, e substituído em 1934, pelo Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, já implantavam uma política de controle da informação veiculada pelo rádio e a imprensa. No período em que se instalou o Departamento Nacional de Propaganda, em 1938, foi instaurado o programa “Hora do Brasil”, com duração de uma hora, veiculado em horário nobre, entre 18h45 e 19h3023, em que notícias dos principais acontecimentos da vida nacional, principalmente governamentais, eram divulgadas. Ainda de acordo com os arquivos do CPDOC, a partir de 1939, a “Hora do Brasil” passou a ser confeccionada pelo DIP, que tomou o lugar do DNP. Três eram as finalidades do projeto: informativa, cultural e cívica. O gosto pela boa música era incentivado por uma programação cultural específica, com ênfase para a música brasileira, que compunha alternadamente a programação com informações detalhadas sobre os atos do presidente da República e as realizações do Estado. A arte popular e pontos turísticos também tinham espaço na programação diária, programas estes, lidos também como formas da atração de ouvintes. Os feitos da nacionalidade eram exaltados compondo “recordações do passado”. As peças de radioteatro e radionovelas enfocavam dramas históricos como a retirada da Laguna, a Abolição da Escravidão e a Proclamação da República. 24 22 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. p 211-236; Capturado da internet, em 17 de setembro de 2007, através do sítio: www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/dip.htm. 23 Revista BRHISTÓRIA, ano 1, nº5, p 30. 24 Capturado da internet no dia 17 de setembro de 2007, através do sítio: www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_horabrasil.htm O programa “Hora do Brasil” ficou conhecido popularmente como “o fala sozinho”. Para desfazer essa imagem, o governo, através do jornal A manhã, realizava enquetes de opinião nas ruas da cidade, e implantava concursos populares de música, programas esportivos e outros, cujos resultados procuravam reforçar a impressão favorável do público. 25 4. O REPÓRTER ESSO O rádio jornal “Repórter Esso” ficou por quase trinta anos no ar, sua estréia ocorreu em 28 de agosto de 1941, poucos meses antes da participação brasileira na Segunda Guerra, e a última edição foi transmitida no dia 31 de dezembro de 1968, poucos meses antes de o homem pisar na Lua. Enquanto esteve no ar, o noticiário transmitiu os principais fatos sociais, políticos, econômicos, que se transformaram na história do mundo e do país. O Repórter Esso foi a primeira síntese noticiosa do planeta, concebida com caráter globalizante. O noticiário, patrocinado pela Standard Oil New Jersey (Esso)26, foi idealizado pela agência de publicidade McCann-Erickson e produção da United Press Associations. O programa já existente nos Estados Unidos da América desde 1935 expandiu-se para outros países da América Latina – em particular para o extremo sul: Brasil, Argentina, Uruguai e Chile.27 O Repórter Esso chegou a reboque da “Política da Boa Vizinhança” (Good Neighbor Policy), nos anos 30. Segundo Antônio Pedro Trota, durante o período do “Entre-Guerras”, o rádio tornou-se uma arma para a propagação dos ideais da Alemanha Nazista, já que era comum às colônias alemãs no extremo sul da América Latina se informarem do avanço das forças nazi-fascistas na Europa, a partir das ondas da rádio Berlim. Em defesa de seu “território de atuação”, na tentativa de manter sua área de influência e de recursos distantes dos estragos da guerra e da cooptação ideológica praticada por Hitler, Franklin Delano Roosevelt, copiando o seu predecessor Herbert Hoover, passa a investir na troca de informações, programas, artistas (como Carmem Miranda, Walt Disney – criador do personagem Zé Carioca – e Orson Welles), e trocas comerciais (basicamente matérias-primas 25 Passim: Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004. 26 O que para Ana Baum compõem um paradoxo, haja vista que a multinacional Standard Oil ficou contra a campanha “O Petróleo é Nosso”, em 1953, vinculada pela Rádio Nacional e ainda assim, patrocinava o principal programa de notícias da emissora. Talvez este paradoxo seja alimentado pelo profundo nacionalismo existente no Brasil esta período. 27 KLÖCKNER, Luciano. O Repórter Esso e Getúlio Vargas. (IN): Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004. p 125-126. como a borracha por eletrodomésticos), inaugurando o papel do rádio no cenário político- militar mundial, antes limitado às comunicações entre as divisões e o quartel general.28 Sua função era, principalmente, veicular notícias com caráter positivo sobre o Brasil e Getúlio, tanto interna quanto externamente (devido à exportação de programas para a América Latina e os EUA), sendo vedado o aparecimento de informações ou posições políticas contrárias ao governo. Assim sendo, suas chamadas – em média, de hora em hora – faziam parte da programação da Agência Nacional de Informações. 5. A CULTURA POLÍTICA No regime getulista, a cultura foi politizada. Em vista disso temos que o governo criou seus próprios aparatos culturais, que difundiam a ideologia oficial para o conjunto da sociedade: No ramo dos periódicos, as revistas Cultura Política, Ciência Política, Estudos e Conferências. Entre os jornais e outras de caráter efêmero, vimos Brasil Novo e Planalto. Dirigida por Almir de Andrade, Cultura Política era a revista oficial, diretamente vinculada ao DIP. Foi um dos órgãos divulgadores do regime e reunia as elites intelectuais, enquanto a revista Ciência Política concentrava nomes de pouca projeção. Cabia ao pessoal da Cultura Política elaborar idéias e conceitos, enquanto o da Ciência Política encarregava-se de difundi-los através da educação cívica e militar. 29 Esta divisão do trabalho intelectual entre as revistas facilitou a cooptação dos intelectuais nacionais pelo regime autoritário de Vargas, o qual angariou a oposição de muitos escritores da época que não se enquadraram no regime, como Monteiro Lobato.30 Circulando de março de 1941 até outubro de 1945, Cultura Política era uma publicação bem divulgada, vendida nas bancas de jornal do Rio de Janeiro e São Paulo. Seus colaboradores eram bem remunerados, recebendo normalmente o dobro do que pagavam as demais publicações. Sendo uma “revista de estudos brasileiros”, destinava-se a definir e esclarecer as transformações sócio-econômicas por que passava o país, relatando minuciosamente as realizações governamentais. A revista funcionava como uma espécie de central de informações bibliográficas, noticiando e resenhando todas as publicações sobre Vargas e o Estado Novo. Os intelectuais tinham um papel de fundamental importância na estruturação da “nova ordem”. Formadores da opinião pública, a eles cabia a função de unir governoe povo, 28 Passim: TOTA, Antônio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 29 Capturado da internet no dia 17 de setembro de 2007, através do sítio: www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_culturapolitica.htm. 30 Revista BRHISTÓRIA, ano 1, nº5, p 31-33. traduzindo a voz da sociedade. A revista contava com a colaboração da nata da intelectualidade brasileira, abrigando as mais diversas correntes de pensamento. Entre seus colaboradores estavam os próprios ideólogos do regime: além de Almir de Andrade, Francisco Campos, Azevedo Amaral, Lourival Fontes e Cassiano Ricardo. Todavia, mesmo possuindo algumas idéias divergentes, Graciliano Ramos, Gilberto Freyre e Nelson Werneck Sodré também colaboraram com artigos. Era participar ou passar a ser considerado elemento subversivo contra o regime e o Brasil, sofrendo com prisões, perseguições, exílios e torturas constantes. Chama a atenção em Cultura Política seu alto grau de organização e eficiência no manejo da informação. Cada sessão era precedida de uma nota introdutória onde se explicitavam seus objetivos e princípios norteadores, seguindo-se notas bio-bibliográficas sobre os autores. Essas características da publicação mostram a eficácia do projeto ideológico estadonovista, evidenciando sua modernidade. 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o auxílio do Ministério da Educação, do Instituto Nacional de Cinema e Educação (INCE) e do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o regime autoritário do Estado Novo articulou uma dupla estratégia de atuação na área cultural, voltada tanto para as elites intelectuais como para as camadas populares: a busca de apoio dos últimos e o “silêncio” dos primeiros. Ao mesmo tempo em que incentivava a pesquisa e a reflexão conduzidas pelos intelectuais reunidos no ministério chefiado por Gustavo Capanema, o governo estabelecia rígida vigilância em relação às manifestações da cultura popular. 32 Assim, de 30 a 45, Getúlio Vargas sempre manteve uma relação de conflito com a imprensa. A propaganda do regime foi em sua totalidade, logicamente, positiva, influenciada pelo controle exercido pelo DIP e pelo Estado Novo, principalmente sobre o rádio e a imprensa escrita. Os problemas não eram resolvidos, apenas mascarados, como visto na citação da nossa introdução. Por fim, com a derrota dos regimes autoritários e o início de novos tempos mais democráticos; apesar da contradição do Brasil participar da guerra contra governos autoritários e possuir um, reforçado com a volta dos pracinhas que lutaram em Montese e 31 Capturado da internet no dia 17 de setembro de 2007, através do sítio: www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_culturapolitica.htm. 32 Capturado da internet no dia 17 de setembro de 2007, através do sítio: www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp001.htm. Monte Castelo; aliado ao descontentamento da imprensa com a censura prévia e o regime ditatorial de Getúlio Vargas que homogeneizava os pontos de vista, sua derrocada era previsível e foi incentivada pela mesma imprensa a qual Getúlio lançou mão para se promover. O seu principal instrumento tornou-se contra si próprio. ANEXO O Decreto Radiofônico: O artigo 7º do Decreto nº 5.077, de dezembro de 1939, determinava as bases para a divisão de radiodifusão do Departamento de Imprensa e Propaganda: • “levar aos ouvintes radiofônicos nacionais e estrangeiros, por intermédio da radiodifusão oficial, tudo o que possa fixar-lhes a atenção sobre as atividades brasileiras em todos os domínios do conhecimento humano”(...); • “promover a cooperação da União, dos estados, dos municípios e dos particulares, de modo a generalizar e difundir o uso do rádio nas escolas e estabelecimentos industriais e agrícolas”; • “fazer a censura prévia de programas radiofônicos e de letras para serem musicadas”; • “organizar um programa denominado Hora do Brasil, que realizado diariamente, será obrigatoriamente retransmitido por todas as estações de broadcasting existentes no país”; • “irradiar, durante o programa a que se refere a alínea anterior, uma crônica que versará sobre tema brasileiro, cuja divulgação possa constituir assunto de interesse coletivo”; • “difundir, ampla e sistematicamente, na Hora do Brasil, números musicais e literários que manifestem o pensamento brasileiro”; • “organizar o intercâmbio artístico radiofônico regular com organizações oficias estrangeiras” (...); • “incentivar através do rádio as relações comerciais entre o Brasil e os países estrangeiros, fornecendo aos mesmos dados estatísticos da nossa produção econômica, boletins comerciais e financeiros, bolsa do café e de outros produtos, devendo essas transmissões serem feitas em diversos idiomas, várias vezes por dia, em hora que a recepção seja mais fácil e cômoda aos ouvintes estrangeiros”; • “irradiar, diariamente, além da Hora do Brasil, um programa em idioma estrangeiro, (...) devendo esse programa, além de números musicais, comportar leitura de crônica sobre as belezas naturais do Brasil, descrições pitorescas de regiões e cidades brasileiras, condições climatéricas do país e tudo que possa constituir atração para o turista”; • “levar através do rádio, às aglomerações que se acham situadas em zonas afastadas dos centros irradiadores de cultura do país, elementos capazes de aumentar o contingente de conhecimentos práticos necessários a uma evolução rápida, obedecendo às seguintes condições: 1) programas que facilitem a divulgação, de modo prático e atraente, das conquistas do homem em todos os ramos de suas atividades; 2) esses programas, a cargo de técnicos, compreenderão um serviço de consultas destinado a cooperar na resolução dos problemas que enfrenta diariamente o homem do interior; 3) entre outros assuntos, deverá tratar dos seguintes: agricultura, pecuária, indústria, comércio, higiene, puericultura, viação, mecânica, direito, odontologia, química, física, pesca, esportes, ciência doméstica, navegação, História do Brasil, literatura brasileira, línguas, rádio, história das artes, eletricidade e ofícios diversos; 4) essas matérias serão transmitidas em forma de cursos práticos ao alcance popular”; • “organizar programa radiofônico com o fim de divulgar os principais fatos da história do Brasil, assim como os feitos dos nossos grandes homens”; • “transmitir diariamente a súmula dos atos oficiais”(...); • “autorizar previamente às emissoras nacionais a retransmissão de programas estrangeiros”.33 BIBLIOGRAFIA BAUM, Ana (org). Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. CAMARGO, Aspásia et alii. O golpe silencioso. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1989. CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. Cap 9. p.167-178, (IN): Dulce Pandolfi. Repensando o Estado Novo. Rio do Janeiro: Ed. FGV, 1999. CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil S.A., 5º edição, 1988. GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. Rio de Janeiro; Paz e terra, 1982. TOTA, Antônio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Revista BRHISTÓRIA, ano 1, nº5, São Paulo, Duetto editora. 33 Artigo 7º do Decreto nº 5.007, de dezembro de 1939, apud: MOREIRA, Sônia Virgínia. Getúlio Vargas e o rádio, convergênciade histórias. (IN): Baum, Ana (org.): Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Garamond, 2004, p 121-122, [grifos nossos]. SITES DA INTERNET PESQUISADOS www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/7791_1.asp. www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_dip.htm www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/dip.htm www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_horabrasil.htm. www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_culturapolitica.htm. www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp001.htm. www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_imprensa.htm.
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