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Código Logístico 59174 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6582-0 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 8 2 0 Este livro apresenta e problematiza alguns aspectos po- líticos, econômicos, sociais e culturais do Brasil, desde o governo de Getúlio Vargas, iniciado em 1930, até o perío- do contemporâneo. São analisados, do ponto de vista das temporalidades e das nomenclaturas históricas, os gover- nos Provisório e Constitucional (1930-1937), o período do Estado Novo (1937-1945), a República Populista (1945-1964), a Ditadura Militar (1964-1985) e a Nova República (1985 aos dias atuais). Levantando discussões historiográficas e dados atuais sobre a política e a sociedade brasileira, é proposto um exercício de reflexão crítica sobre esses últimos 90 anos de história do nosso país. História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais DANIELA DOS SANTOS SOUZA | RAFAELA LUNARDI História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais Daniela dos Santos Souza Rafaela Lunardi IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito das autoras e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: 061 Filmes/ WHASTENGGE/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S714h Souza, Daniela dos Santos História do Brasil contemporâneo : da Era Vargas aos dias atuais / Daniela dos Santos Souza, Rafaela Lunardi. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020 140 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6582-0 1. Brasil - História - Séc. XX. I. Lunardi, Rafaela. II. Título 19-61860 CDD: 981.06 CDU: 94(81).08 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Daniela dos Santos Souza Rafaela Lunardi Mestra em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Pedagogia: Gestão e Docência pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Graduada em História pela UFPR e em Letras pela PUCPR. Atuou como professora no ensino superior e no ensino básico. Tem experiência também como assessora pedagógica na área de ciências humanas e como gestora editorial de materiais didáticos. Atualmente, é autora e editora de material didático, físico e digital, para a educação básica e o ensino superior, nas áreas de linguagens e ciências humanas. Doutora e mestra em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharel e licenciada em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atuou como docente no ensino superior, inclusive em cursos de educação a distância, e como professora no ensino básico. Tem experiência como assistente editorial e como autora de material didático, físico e digital, para educação básica, na área de História. É autora de artigos para revistas científicas e do livro Em busca do falso brilhante: performance e projeto autoral na trajetória de Elis Regina (Brasil, 1965-1976), cuja publicação foi resultado do Prêmio História Social (FFLCH-USP/Capes), em 2014. SUMÁRIO 1 O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 9 1.1 Governo Provisório: organização política e crise do café 9 1.2 Governo Constitucional: leis trabalhistas, Código Eleitoral e Constituição de 1934 16 1.3 Tensões políticas: ANL, Integralismo e PCB 21 2 A ditadura do Estado Novo (1937-1945) 28 2.1 Nacionalismo e industrialização 28 2.2 Política cultural e censura 33 2.3 Brasil na Segunda Guerra Mundial 39 3 A República Populista (1945-1964) 44 3.1 Populismo, Governo Dutra e volta de Vargas 45 3.2 Governo JK: nacional-desenvolvimentismo, cultura e sociedade 56 3.3 Governos Jânio Quadros e João Goulart: tensões políticas e sociais 60 4 A Ditadura Militar: panorama dos três primeiros governos (1964-1973) 75 4.1 Início dos governos militares: Castello Branco e Costa e Silva 76 4.2 Crescimento econômico e repressão no governo Médici 84 4.3 Cultura e resistência 87 5 O processo de abertura política (1974-1985) 96 5.1 Processo de abertura política e reorganização das oposições na sociedade brasileira 97 5.2 Lei da Anistia, pluripartidarismo e eleições de 1982 107 5.3 Luta pelas Diretas Já 111 6 Nova República 117 6.1 Governo Sarney 118 6.2 Governos Collor e Itamar 122 6.3 Privatizações e projetos sociais: governo FHC 125 6.4 Ampliação dos projetos sociais: governo Lula 129 6.5 Novos desafios para a democracia: governo Dilma 131 6.6 Governos Temer e Bolsonaro 136 Este livro apresenta e problematiza alguns aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais do Brasil, desde o governo de Getúlio Vargas, iniciado em 1930, até o período contemporâneo. São analisados, do ponto de vista das temporalidades e das nomenclaturas históricas, os governos Provisório e Constitucional (1930-1937), o período do Estado Novo (1937-1945), a República Populista (1945-1964), a Ditadura Militar (1964-1985) e a Nova República (1985 aos dias atuais). Levantando discussões historiográficas e dados atuais sobre a política e a sociedade brasileira, propomos um exercício de reflexão crítica sobre esses últimos 90 anos de história do nosso país. Para isso, com fins didáticos, dividimos este livro em seis capítulos. No primeiro capítulo, analisamos o início da década de 1930 no Brasil, desde a Revolução de 30 até a instalação do Estado Novo, em 1937. Ao longo desse período, são apresentados o Governo Provisório e o Constitucional, com as ações políticas de Getúlio Vargas, a legislação elaborada, a participação das mulheres naquele contexto e o panorama político e econômico que levou à implantação do Estado Novo. No segundo capítulo, fazemos uma reflexão acerca do Estado Novo, entre 1937 e 1945. Para tanto, são abordadas algumas medidas de Getúlio Vargas e as consequências políticas, econômicas e culturais que elas tiveram na sociedade brasileira, expondo os motivos que levaram esse período a ser considerado uma ditadura. Nesse momento, também propomos uma análise da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que contribuiu para o término desse período da história do nosso país. No terceiro capítulo, abordamos a República Populista, apresentando e discutindo o conceito de populismo, assim como alguns aspectos sociopolíticos dos governos de Eurico Gaspar Dutra e de Getúlio Vargas, já em seu segundo mandato. São apresentadas características gerais do governo de Juscelino Kubitschek e de sua política nacional-desenvolvimentista, assim como as tensões nos governos Jânio Quadros e João Goulart, que levaram ao Golpe Civil-Militar de 1964 e à volta de um regime autoritário no Brasil. APRESENTAÇÃO No quarto capítulo analisamos o período da Ditadura Militar brasileira, conhecendo os elementos que caracterizam esse período como uma ditadura e algumas importantes medidas político-econômicas dos governos de Castello Branco, de Costa e Silva e de Médici. Em meio a esse contexto, refletimos sobre os impactos socioculturais dos governos dos militares, assim como as formas de resistência da sociedade civil, dando ênfase ao importante papel que desempenharam as artes, particularmente a Música Popular Brasileira (MPB), naquele momento. No quinto capítulo continuamos as análises sobre a Ditadura Militar, agora destacando o período entre 1974 e 1985, marcado pelo processo de “abertura” política, durante os governos dos presidentes Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo. Nessa oportunidade, refletimos sobre os impasses ocorridos dentro das Forças Armadas e no seio da sociedade civil, compreendendo o papel de pressão política que o retorno das manifestações de rua exerceu sobre o regime, especialmente no ano de 1984, com a campanha pelas Diretas Já. A derrota das Diretas Já e a eleição indireta de Tancredo Neves também sãoaqui trabalhadas. No sexto e último capítulo, tratamos da história da Nova República brasileira, abordando os governos de José Sarney, de Fernando Collor de Mello, de Itamar Franco, de Fernando Henrique Cardoso (FHC), de Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Também são apresentadas algumas leituras recentes sobre os governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Nesse capítulo final são contemplados os impasses da redemocratização brasileira e os desafios que ainda enfrentamos na atualidade. Desejamos uma ótima leitura! O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 9 O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) Daniela dos Santos Souza 1 Neste capítulo, faremos reflexões sobre os primeiros anos da década de 1930 no Brasil, entre a chamada Revolução de 30 e a instalação do Estado Novo, em 1937. Essas reflexões serão provocadas por perguntas elaboradas por meio de textos de historiadores e de personagens do período, bem como por imagens que apresentam diferentes pontos de vista sobre esse período da História do Brasil. Na primeira seção, estudaremos o período do Governo Provisório: ações políticas, expectativas da população, apoios e descontentamentos, além dos desdobramentos da Crise de 1929. Na segunda seção, conheceremos algumas leis do período, como o código eleitoral, as leis trabalhistas e a Constituição, com destaque para a história das mulheres em sua luta pelo direito ao voto. Por fim, na terceira seção, examinaremos os fatos e o processo político responsáveis pela instalação do Estado Novo, em 1937. Ao final do capítulo, teremos um panorama político, econômico e social dos primeiros anos do governo de Getúlio Vargas. 1.1 Governo Provisório: organização política e crise do café Videoaula Para iniciarmos essa seção, vamos ler as palavras abaixo, as quais fa- zem parte do diário pessoal de Getúlio Vargas – candidato derrotado à presidência da República na época – escritas no dia 3 de outubro de 1930. Se todas as pessoas anotassem diariamente num caderno seus juízos, pensamentos, motivos de ação e as principais ocorrências em que foram parte, muitos, a quem um destino singular impeliu, poderiam igualar as maravilhosas fantasias descritas nos livros 10 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais de aventuras dos escritores de mais rica fantasia imaginativa. [...] Lembrei-me disso hoje, dia da Revolução. Todas as providên- cias tomadas, todas as ligações feitas. Deve ser para hoje, às 5 horas da tarde. Que nos reservará o futuro incerto neste lance aventuroso? (VARGAS apud D’ARAUJO, 1997, p. 19) A pergunta final revela o quanto a situação do momento era incerta: qual seria o resultado da ação desencadeada, nesse dia da Revolução, pela Aliança Liberal, formada por segmentos políticos importantes do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraíba, além dos integrantes do Par- tido Democrático (PD) de São Paulo? O resultado imediato foi a vitória desses revolucionários, que, no dia 24 de outubro de 1930, depuseram Washington Luís e o levaram preso, deixando o governo nas mãos de uma junta militar. Poucos dias depois, Getúlio Vargas, um dos líderes do movimento, assumiu provisoriamen- te a presidência do Brasil, instalada desde 1897 no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, até então capital da República. Em 3 de novembro, ele voltava ao Palácio para a cerimônia de posse. A festa, muito concorrida, lotou os salões, que foram divididos entre os convidados da seguinte maneira: no Salão Pompeano, o Exército; no Salão Amarelo, a Marinha; no Salão Mourisco, a Polícia e o Corpo de Bombeiros; e no Salão Nobre, a junta governativa com seu Ministério e membros do seu gabinete. O povo que queria cumprimentar o presidente se comprimia no minúsculo Salão Silva Jardim. A cerimônia teve início às 16 horas, animada por uma banda de música que saudava no saguão a entrada e a saída das autoridades. (LUSTOSA, 2008, p. 173) Nas palavras da historiadora Lustosa (2008), percebemos que hou- ve aceitação do novo governo por vários setores da sociedade e, inclu- sive, pelo povo. Mas, qual era a população do Brasil e da capital federal, o Rio de Janeiro, em 1930? Quais foram os primeiros atos de Getúlio Vargas e como a população reagiu? Ao buscar informações sobre a população brasileira no site do IBGE, com base no censo demográfico de 1930, encontramos o seguinte: O último Censo Decenal que não ocorreu: 1930 Dentro da periodicidade decenal dos censos brasileiros, prevista em lei, deveria realizar-se em 1930, por força do Decreto-lei nº 5.730, de 15 de outubro de 1929, o V Recenseamento Geral da população. Não obstante essa previsão, motivos, principalmente de ordem po- lítica, determinaram a sua não realização nesse ano. (IBGE, 2019) A Fundação Getúlio Vargas microfilmou o Diário pessoal de Vargas e disponibilizou as imagens dos manuscritos de 03/10/1930 a 27/09/1942 em seu site, para uso de historiadores e demais pessoas interessadas em conhecer a história do período Vargas sob a ótica do próprio. Nele, estão registrados vários fatos estudados no capí- tulo, possibilitando-nos conhecer como Vargas compreendia os fatos e construía suas narrativas sobre eles. Disponível em: http:// www.fgv.br/cpdoc/acervo/ arquivo-pessoal/GV/textual/ diario-pessoal-de-getulio-vargas. Acesso em: 06 jan. 2020. Leitura O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 11 Como vimos, o processo de Recenseamento Geral da população em 1930, mesmo previsto em lei, foi afetado pelas mudanças políticas que ocorriam no Brasil. No mesmo site, constam dados referentes aos anos de 1920 e 1940, indicando, na mesma ordem, uma população de 30.635.605 e 41.165.289 de habitantes. Isso nos leva a supor que, provavelmente, em 1930 a população totalizasse uma média entre esses dois números. No Rio de Janeiro, como em todas as demais cidades brasileiras, também não houve o recenseamento em 1930. Porém, os dados do IBGE para a capital federal, em 1920 e 1940, indicavam uma população de 1.157.873 e 1.764.141, respectivamente. A população brasileira do período tinha acesso a informações sobre o que estava acontecendo com o governo por meio de jornais impressos e dos programas de rádio, os quais começaram a surgir na década de 1920. Em 1922, o Rio de Janeiro foi palco da primeira transmissão ra- diofônica brasileira. A experiência pioneira aconteceu na come- moração do centenário de nossa Independência, e o discurso do então presidente da República, Epitácio Pessoa, foi transmitido pelas ondas hertzianas (ondas magnéticas), alcançando os ouvin- tes de Niterói, Petrópolis e São Paulo. [...] Como primeiro veículo de comunicação de massa, o rádio tor- nou-se parte do cotidiano de seus ouvintes, passeando do en- tretenimento à divulgação de valores políticos e culturais (DINIZ, 2003, p. 31). Esse último aspecto foi o mais explorado por Getúlio Vargas e sua equipe: a divulgação de valores políticos e culturais. Eles perceberam que podiam usar esse veículo de comunicação de massa a seu favor, ainda que houvesse poucos aparelhos no país e que a qualidade da transmissão dos programas fosse bastante questionável. Em 1932, um decreto governamental criou o sistema de emissão radiofônica no Brasil. A partir de então, só poderia operar uma emissora quem possuísse uma concessão estatal. Com essa regra, o governo decidia a quem ceder a concessão e, assim, seus apoiadores passaram a ser privilegiados. Desse modo, foi por meio desses veículos de comunicação, como os jornais impressos e o rádio, que a população brasileira soube das primeiras ações políticas e econômicas do governo de Getúlio Vargas. E quais foram elas? Em relação às ações políticas, em 12 de novembro de 1930, foi pu- blicado um decreto dissolvendo o Congresso Nacional, as Assembleias 12 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais Estaduais e as Câmaras Municipais. O mesmo período marcou a cas- sação da Constituição de 1891, a primeirada República, e a promessa de imediata convocação de uma Assembleia Constituinte. Além disso, o governo retirou os governantes eleitos dos estados, chamados de presidentes, e colocou em seu lugar os interventores, pessoas de con- fiança de Getúlio Vargas. Ao mesmo tempo em que Vargas suprimiu algumas instituições, criou outras, ainda em 1930, como o Ministério da Educação e Saúde Pública e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Os dois ministérios exerciam funções controladoras sobre a sociedade, principalmente sobre as atividades ligadas aos professores e aos demais trabalhadores do meio urbano. O conjunto de todas essas ações indicava que Vargas estava dispos- to a governar de modo autoritário e centralizado. Autoritário porque passou a governar por decretos, já que não havia deputados para dis- cutir e deliberar sobre suas intenções – isso sem contar que o gover- no não mostrava intenção ou movimento para convocar a Assembleia Constituinte, que elaboraria a nova constituição. E centralizado porque retirou a autonomia política dos estados, cujos interventores passaram a governar de acordo com os interesses federais e não estaduais, como queriam as oligarquias locais. Essas ações e interpretações, poucos dias após a posse do gover- no revolucionário, geraram descontentamentos, principalmente em São Paulo, onde se localizava uma das oligarquias mais poderosas do período. Desde os primeiros dias, o novo presidente enfrenta forte opo- sição paulista, e as queixas são compartilhadas pelo tradicional PRP e pelo Partido Democrático (PD). Este último foi um elemen- to ativo da Aliança Liberal. Segundo os democratas paulistas, a finalidade do governo provisório era garantir reformas políticas através da convocação de uma Assembleia Constituinte. [...] Getúlio Vargas dá a entender que tal convocação abria cami- nho para o retorno das oligarquias ao poder. Descontentando ainda mais o PD, Vargas escolhe um membro das fileiras tenen- tistas como interventor de São Paulo (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 249). Os paulistas, tanto aqueles que integravam o Partido Republicano Paulista (PRP) quanto os do Partido Democrático (PD), uniram-se a ou- O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 13 tros grupos descontentes, como alguns políticos do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, em oposição a Getúlio Vargas. A pressão feita sobre o governo levou Getúlio a convocar uma As- sembleia Constituinte, que deixava entrever, porém, um objetivo cen- tralizador de sua parte. Os paulistas não aceitaram as intenções dessa convocação e começaram a organizar, em 1932, uma revolta contra o governo de Getúlio Vargas. Era a Revolução Constitucionalista. a notícia de que Oswaldo Aranha, ministro da Fazenda e Finanças, chegaria a São Paulo para compor um novo secretariado foi a gota d’água para os insatisfeitos. Liderada por intelectuais e estudan- tes, uma série de manifestações tomou as ruas da cidade, fazendo de alvo instituições favoráveis a Vargas. [...] na noite de 23 de maio, quatro estudantes – Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes e Antônio Américo de Camargo – foram mor- tos pelos tiros de fuzis e granadas lançadas pelos defensores de Getúlio. A tragédia acabaria sendo considerada o marco inicial do Movimento Constitucionalista (CAMPOS JUNIOR, 2009, p. 64). Tanto em São Paulo quanto nos demais lugares, havia grupos des- contentes com o governo e outros que o apoiavam. A população estava dividida, como podemos ver nas fontes a seguir. Figura 1 Comunicado em apoio a Vargas Figura 2 Manifestação em apoio ao Movimento Constitucionalista Comunicado de solidariedade a Vargas, produzido por apoiadores mineiros em 1932, informando a situação em diferentes estados do país. Foto da manifestação na Praça da Sé, em São Paulo, em maio de 1932, em apoio ao Movimento Constitucionalista. 14 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais Em São Paulo, porém, houve ampla mobilização de diferentes seto- res da sociedade em prol das ideias constitucionalistas. Foi organizada uma campanha chamada Ouro para o Bem de São Paulo, com a intenção de custear armamentos e mantimentos para as tropas paulistas. O mes- mo ocorreu com os industriais, que passaram a produzir instrumentos bélicos para as tropas e enfrentar o exército do governo federal. Apesar de toda a mobilização, o movimento foi derrotado; porém, atingiu boa parte dos seus objetivos, já que Getúlio Vargas convocou a Assembleia Constituinte e permitiu que os paulistas influenciassem a escolha de um novo interventor no Estado. Essa situação mostrava, ao mesmo tempo, a força política dos cafeicultores de São Paulo e o fato de que Vargas tinha fragilidades, já que, para se manter no poder, pre- cisava fazer essas negociações com os poderosos descontentes, princi- palmente com os representantes das oligarquias. Atividade 1 Observe este cartaz. Ele foi feito para a divulgação dos ideais da Revolução Cons- titucionalista de 1932. Escreva um parágrafo explicando como os revolucionários estão representados, como eles caracterizam o governo de Getúlio Vargas e qual é a mensagem do cartaz. Em relação às ações econômicas, paralelamente às questões polí- ticas, Getúlio Vargas precisou enfrentar as consequências da Crise de 1929, ocorrida nos Estados Unidos e com repercussão mundial. Assim, ao assumir provisoriamente, Vargas tinha como uma de suas tarefas ad- ministrar tal crise; por isso, uma de suas primeiras medidas foi centra- lizar a compra e venda de moeda estrangeira no Banco do Brasil. Com isso, o governo conseguia controlar o câmbio, porém não agradava às oligarquias dos diferentes estados, acostumadas a fazer seus negócios no mercado internacional sem a interferência do governo federal. O maior problema da economia do país se relacionava ao café, que representava 70% das exportações brasileiras. O Brasil tinha uma gran- de produção cafeeira e abastecia cerca de 60% do mercado interna- cional. Entretanto, com a crise, esse mercado deixou de comprar café, pois é um produto que não estava entre os de primeira necessidade, e, assim, seu preço começou a cair rapidamente, o que poderia levar os produtores brasileiros à falência. Assim, para tentar conter o problema, O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 15 o governo decidiu comprar os estoques de café dos produtores e, sem encontrar outro destino para o produto, queimou boa parte dele. A prática de queimar um produto excedente para manter o seu pre- ço não era uma novidade no mercado internacional, nem o Brasil foi o primeiro a tomar essa medida. Países como Canadá, Austrália e Estados Unidos também queimaram seus excedentes de trigo, algodão e outros produtos agrícolas nesse período. No Brasil, De 1930 até 1944 foram queimados cerca de 78 milhões de sacas de café, uma quantidade suficiente, segundo alguns analistas, para abastecer o mercado mundial durante três anos. Mas por que comprar café para queimar? Comprando o produto, o go- verno pagava ao produtor, impedindo assim sua falência. Evi- tava também que grande quantidade do produto chegasse ao mercado internacional, o que depreciaria seu valor. Se os preços internacionais caíssem muito, fazendeiros, bancos e governo en- trariam em bancarrota, pois todos dependiam dos impostos e dos lucros que o produto gerava. (D’ARAÚJO, 1997, p. 48) Em 1933, o governo de Getúlio Vargas criou o Departamento Nacio- nal do Café, tirando assim o controle da produção das mãos dos paulis- tas e centralizando-o no governo federal. Além disso, fez empréstimos com juros mais atraentes para poder reorganizar o pagamento da dí- vida externa, outro fator de pressão econômica. Também deu início a uma política protecionista, aumentando as taxas sobre os produtos im- portados, e intervencionista, passando a tomar todas as decisões sobre o que e quando seria produzido no país. Com essas ações e diante da reorganização da economia dos países europeus após aCrise de 1929, alguns investimentos voltaram a ser aplicados no Brasil. Tal situação possibilitou a recuperação do desen- volvimento da indústria brasileira, que já havia vivido um primeiro bom momento na década de 1920 e sofrido um revés em 1929. A partir de então, o Brasil “[...] recuperou, já em 1933, o mesmo nível da produção industrial registrado em 1928, chegando em 1938 com produto indus- trial 44% superior ao de 1928” (POCHMANN, 2016, p. 82). No final da década de 1930, pela primeira vez em nossa história, o valor da produção agrícola foi superado pelo da industrial, a qual se tornou a mais importante fonte de receita do governo. A industrializa- ção crescente imprimiu uma característica urbana ao país, levando, a bancarrota: quebra, falência ou insolvência. Glossário 16 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais cada década, mais pessoas a abandonarem o campo rumo às cidades. Para termos ideia dessa transformação, em 1920: apenas dois em cada dez brasileiros residiam em cidades; vinte anos mais tarde essa mesma relação era de três para dez; na década de 1940, tal proporção tornara-se equilibrada: quatro em cada dez brasileiros moravam em áreas urbanas. A formação de novas cidades e o crescimento das já existentes estimulavam, por sua vez, a multiplicação de trabalhadores não vinculados às tradicionais atividades agrícolas e de industriais que não eram fazendeiros. (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 255) Ainda que as mudanças tenham sido aceleradas, a população urba- na veio a superar a rural apenas na década de 1970. Ao longo desse pe- ríodo, porém, novas relações sociais marcaram a realidade brasileira, com os grupos urbanos, principalmente os de trabalhadores, ganhan- do cada vez mais destaque na agenda governamental. 1.2 Governo Constitucional: leis trabalhistas, Código Eleitoral e Constituição de 1934 Videoaula O início do governo Vargas foi marcado por mais uma preocupação: a existência de constantes conflitos entre trabalhadores e patrões. Isso porque, desde o final do século XIX, os trabalhadores urbanos, em es- pecial os operários, organizavam protestos e greves exigindo melhores condições de trabalho, não aceitando as regras impostas por indus- triais e empresários. Esses trabalhadores se inspiravam em ideias anar- quistas e socialistas, vindas da Europa, e discutiam possíveis formas de colocá-las em prática no Brasil. A intenção de Getúlio Vargas era encontrar meios de superar esses conflitos, controlando o movimento dos trabalhadores. Por isso, come- çou a propor que o Estado atuasse como intermediário nas relações entre patrões e trabalhadores. Desse modo, a ideia era conquistar a paz social, além de harmonia e colaboração entre as partes. Essa con- quista era importante para Vargas, que pretendia fortalecer sua posi- ção no meio urbano, valorizando sua relação com operários, patrões e exército, com o intuito de combater com mais força as oligarquias, ligadas ao mundo rural. Dessa forma, após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o governo começou a regulamentar as profissões e a garan- O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 17 tir direitos para os trabalhadores que as exercessem. Também criou as Juntas de Conciliação e Julgamento, a fim de resolver os possíveis con- flitos que surgissem. Pouco tempo depois, em 1932, foi apresentada à sociedade a carteira profissional, que se tornou um documento obriga- tório para registrar os contratos de trabalho e os direitos assegurados pelo governo. Aos trabalhadores, o até então presidente argumentava que toda essa ação havia sido realizada com a intenção de proteger seus direi- tos, mas o real objetivo era “fazer com que empresários e trabalhado- res encontrassem sempre uma solução conciliadora que impedisse o caminho das greves e dos movimentos operários” (D’ARAÚJO, 1997, p. 21). Com a aceitação desse modelo por parte de patrões e trabalhado- res, Vargas passou a impor uma série de leis, chamadas de trabalhistas, que ampliavam os direitos e garantias dos trabalhadores. Ao regulamentar direitos, tais como as férias, o trabalho de mulhe- res e crianças, a jornada de trabalho de 8 horas ou a previdência so- cial, o governo tinha a intenção de garantir sua aplicação e, ao mesmo tempo, controlar o movimento dos trabalhadores, que foram trans- formados em elementos de sustentação de seu governo, afastando a possibilidade de organização de sindicatos independentes. O controle sobre os sindicatos, aliás, era o ponto chave dessa legislação, como fi- cou claro no decreto n. 19.770/1931, que regulamentava a sindicaliza- ção de patrões e operários. A leitura dos artigos 5º e 6º, intercalados por um parágrafo único, evidencia o atrelamento dos sindicatos ao Mi- nistério do Trabalho, Indústria e Comércio. DECRETO Nº 19.770, DE 19 DE MARÇO DE 1931. Regula a sindicalisação das classes patronaes e operarias e dá outras providências O Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brasil decreta: Art. 5º Além do direito de fundar e administrar caixas benefi- centes, agencias de collocação, cooperativas, serviços hospita- lares, escolas e outras instituições de assistencia, os syndicatos que forem roconhecidos pelo Ministerio do Trabalho, Industria e Commercio serão considerados, pela collaboração dos seus re- presentantes ou pelos representantes das suas federações e res- pectiva Confederação, orgãos consultivos e technicos no estudo e solução, pelo Governo Federal, dos problemas que, economica e socialmente, se relacionarem com os seus interesses de classe. Paragrapho unico. Quer na fundação e direcção das instituições Nas primeiras décadas do século XX, o trabalho infantil era uma realidade brasileira, apesar dos protestos de trabalhadores, médicos e educadores. “[...] em 1927, aparece o Código de Menores regulamentando o trabalho infantil até que, com a Constituição de 1934, determinou-se a proibição ao trabalho infantil dos menores de 14 anos sem permissão judicial” (PASSETTI, 2010, p. 354). Saiba mais+ 18 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais a que se refere o presente artigo, quer em defesa daquellles inte- resses perante o Governo, sempre por intermedio do Ministerio do Trabalho, Industria e Commercio, é vedada a interferencia, sob qualquer pretexto, de pessoas estranhas ás associações. Art. 6º Ainda como orgãos de collaboração com o Poder Publico, deverão cooperar os syndicatos, as federações e confederações, por conselhos mixtos e permanentes de conciliação e de julga- mento, na applicação das leis que regulam os meios de dirimir conflictos suscitados entre patrões, operarios ou empregados. (BRASIL, 1931) Além de o decreto deixar claro que, para funcionar, o sindicato de- veria ter a aprovação do Ministério do Trabalho, era previsto que fun- cionários do governo participassem das assembleias e interferissem nas deliberações dos sindicalizados. Essa vinculação entre sindicatos e governo acentuou-se com a passagem do tempo e proibiu a existência de sindicatos livres. Em paralelo ao movimento de urbanização ocorrido nos primeiros anos da década de 1930 e à organização das primeiras leis trabalhis- tas, aconteceu a luta das mulheres pelo direito de votar e de serem votadas. Essa luta, aliás, já vinha sendo travada desde a Proclamação da República, quando mulheres passaram a participar das discussões sobre a Constituição de 1891 e fundaram, em 1910, o Partido Republi- cano Feminino. Em 1917, ano da primeira greve de trabalhadores no Brasil, as mulheres também organizaram uma passeata e, depois disso, alguns políticos passaram a defender o sufrágio feminino, sem ainda conseguir aprová-lo. As mulheres que lutavam por esses direitos enfrentavam severa oposição da sociedade como um todo. Ainda se considerava o lar como lugar adequado para a sua permanência, alegando que elas não te- riam habilidades para ocupar espaços e cargos públicos. Em todo esse contexto,algumas mulheres se destacaram pela persistência com que defendiam seus direitos. Há, entre elas, a cientista Bertha Lutz, que, em 1918, junto a outras figuras femininas, passou a organizar associa- ções e manifestações, convocando as mulheres a lutar por seus direi- tos, como: o de votar, de estudar, de trabalhar, para as mulheres mais abastadas; e o da redução de carga horária e equivalência salarial, para as mulheres mais pobres. Em 1922, Bertha Lutz aproximou a luta das brasileiras à das mulhe- res que se organizavam em outros países, principalmente nos Estados sufrágio: o voto em uma eleição. Glossário O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 19 Unidos. Assim, ela fundou a Federação Brasileira para o Progresso Femi- nino (FBPF) e organizou, no mesmo ano, o primeiro congresso feminino, no Rio de Janeiro, com a participação de mulheres de vários estados; filiais da federação foram organizadas em diversos locais pelo Brasil. Em 1931, as mulheres fizeram um novo congresso da FBPF e entre- garam a Getúlio Vargas o resultado das suas discussões, defendendo o direito de votar e de serem votadas, entre outras questões. A luta de Bertha Lutz e das demais mulheres foi incansável, até que Em 1932, o Brasil finalmente ganhou um novo Código Eleitoral. Com o decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, estabeleceu- -se no país o voto secreto e o voto feminino. Com isso, o Brasil tornou-se o segundo país da América Latina (depois do Equador) a estender às mulheres o direito de voto; nisso também foi pio- neiro com relação a países da Europa tidos, em outros aspectos, como mais desenvolvidos, como França e Itália. Faltava agora a incorporação desse princípio à Constituição que só seria votada em 1934. [...] Graças às pressões feministas, e co- roando uma luta de décadas, o sufrágio feminino foi finalmente garantido, com a inclusão do artigo 108 na Constituição de 1934. (SOIHET, 2012, p. 226) Figura 3 Posse de Bertha Lutz como Deputada na Câmara Federal Foto de Bertha Lutz, ao centro, e amigos, em 1936, quando assumiu uma vaga na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro. 20 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais As mulheres participaram ativamente das discussões para elabora- ção da Constituição de 1934, defendendo seus direitos políticos e jurí- dicos, com destaque para temas como educação e trabalho femininos. Suas sugestões foram reunidas em um documento chamado 13 Princí- pios Básicos de Direito Constitucional. Como, então, ocorreu o processo de elaboração da Constituição de 1934? Com o fim da Revolução Constitucionalista e com a vitória do governo federal sobre os revoltosos de São Paulo, teve início a organi- zação das eleições, em 1933, para escolha dos deputados que fariam parte da Assembleia Constituinte, responsável por escrever a nova Constituição. Nesse contexto, foi criada a Justiça Eleitoral, com o objeti- vo de organizar e fiscalizar o processo eleitoral. Pela primeira vez em nossa história, tivemos a eleição de uma mu- lher. Carlota Pereira de Queiroz, eleita deputada federal, participou da Assembleia Nacional Constituinte e foi a responsável por levar as sugestões do documento 13 Princípios Básicos de Direito Constitucional para discussão, sendo muitas delas aprovadas. Desse modo, a nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934 e era bastante progressista, defendendo princípios democráticos, como podemos observar na figura a seguir. Figura 4 Constituição de 1934 O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 21 As ideias e os princípios progressistas e democráticos, expressos já no preâmbulo da Constituição, chocaram-se radicalmente com as ca- racterísticas do governo de Vargas, que passou a criticá-la frequente- mente. De qualquer forma, sua promulgação marcou o fim do Governo Provisório e o início do Governo Constitucional, que durou de 1934 a 1937. Essa mudança ocorreu porque Getúlio Vargas foi eleito presiden- te da República de modo indireto pelos deputados constituintes. A nova constituição determinava que a primeira eleição direta após a Revolução de 1930 aconteceria no ano de 1938. Porém, essa eleição prevista não ocorreu, já que, em 1937, por meio de um golpe de Estado, Vargas implantou um governo autoritário que ficou conhecido como Estado Novo; nesse contexto, ele determinou, entre outras questões, a anulação da Constituição de 1934. Releia o preâmbulo da Constituição de 1934 e explique por que esse texto indicava um choque radical com as caracte- rísticas do governo de Vargas. Atividade 2 1.3 Tensões políticas: ANL, Integralismo e PCB Ao longo do período com os trabalhos da Assembleia Constituinte, que resultaram na promulgação da Constituição de 1934, tensões políticas continuaram abalando o cenário brasileiro. Isso se devia, em parte, aos exemplos que vinham de fora: da Rússia comunista e da Alemanha e Itália fascistas. Ao se tornar uma República Comunista, a Rússia começou a “expor- tar” modelos de ação política e de projetos econômicos e sociais. A che- gada desses modelos no Brasil foi alavancada pelos grupos socialistas e anarquistas, principalmente aqueles ligados aos trabalhadores, que passaram a aderir ao comunismo. Essa situação, que vinha ocorrendo desde o início da década de 1920, principalmente após a fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1922, ganhou mais força com a crise capitalista de 1929. Afi- nal, na leitura dos trabalhadores, o capitalismo estava mostrando que não oferecia condições para que projetos de igualdade e de crescimen- to econômico fossem mantidos para toda a sociedade. Ainda na visão daqueles trabalhadores, o lado comunista do mundo apresentava mo- delos de sucesso econômico e social. As informações que chegavam a eles eram a divisão de terras entre todos que ocorria na Rússia, o fim da propriedade privada dos meios de produção e a participação intensa do estado na sociedade, cumprindo um papel harmonizador dos problemas sociais e econômicos. Videoaula 22 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais A filiação de Luiz Carlos Prestes, o líder carismático da Coluna Prestes, ao PCB, em 1934, ampliou muito a adesão de trabalhadores e de milita- res de baixa patente à causa comunista. Em oposição ao comunismo, crescia o movimento nazifascista na Europa, principalmente na Itália e na Alemanha, defendendo que a saí- da para a crise econômica e social estava na organização de um Estado controlador, com respeito à hierarquia e aos valores nacionais, deixan- do a centralização do poder nas mãos de um líder forte, mítico. Nesses países, ganhavam força os discursos contra a esquerda, reunindo mul- tidões que acreditavam e repetiam as ideias ouvidas. Essas ideias chegavam ao Brasil, onde era possível encontrar admi- radores e seguidores fiéis entre trabalhadores, empresários, industriais e políticos, inclusive Getúlio Vargas. Integrantes desses grupos, que de- fendiam os ideais nazifascistas, fundaram, em 1932, a Ação Integralista Brasileira (AIB), um movimento político ultranacionalista, conservador e tradicionalista que apoiou Vargas em seus projetos centralizadores e autoritários. Três anos depois, em março de 1935, repetiu-se no Brasil uma situa- ção que era comum em outros países, com os grupos comunistas; isto é, a implementação de uma política de frente popular, que, no Brasil, recebe a designação Aliança Nacional Libertadora (ANL). Trata-se não só de uma apro- ximação com os grupos socialistas e nacionalistas e contrários ao nazifascismo, como também uma defesa das camadas populares diante da crise econômica de 1929. [...] Contudo, como em outras partes do mundo, a política frentista da ANL apresenta desde o início um forte desequilíbrio a favor dos comunistas. Assim, a ANL, embora também composta por forças políticas moderadas, tem como presidente de honra Luís Carlos Prestes. (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 252) A ANL reuniu muitos integrantes descontentes com os rumostoma- dos pelo governo federal. Entre eles, os comunistas, de uma maneira mais enfática, começaram a fazer discursos que giravam em torno da possibilidade de tomada do poder, com duras críticas a Vargas. Esse foi o pretexto usado pelo presidente para fechar a ANL, em julho de 1935. Então, o clima político passou a ficar cada vez mais tenso e o PCB começou a organizar um levante armado contra o governo. Em novem- bro de 1935, em Natal, Recife e Rio de Janeiro, estourou uma revolta O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 23 de dentro dos quartéis que ficou registrada na história com o nome de Intentona Comunista. Em poucos dias, as tropas federais controlaram esse movimento, ocorrendo mortes de oficiais e soldados. A partir de então, os comunistas passaram a ser considerados ini- migos do governo, sendo perseguidos. Muitos deles, além de outras pessoas que faziam oposição a Vargas, foram presos ou exilados, e parlamentares foram cassados. Foi o caso de Luís Carlos Prestes e sua mulher, a alemã Olga Benário Prestes, principais líderes do movimento comunista, que, desde a vitória do governo, viviam clandestinamente no Rio de Janeiro. Com isso, foram presos, em março de 1936, pelo chefe da polícia de Getúlio Vargas, Filinto Müller, e nunca mais se viram. Entre os presos também estava o escritor Graciliano Ramos, que, no livro Memórias do Cárcere, hoje considerado um clássico da literatura brasileira, descreveu o cotidiano da prisão naquele período. Olga Benário Prestes era casada com Luís Carlos Prestes, e estava grávida dele; por isso, mesmo sendo alemã, a legislação da época asse- gurava seu direito de permanecer no Brasil. Porém, ela foi extraditada para a Alemanha nazista, durante setembro de 1936, em plena Segun- da Guerra, pois era procurada pelo governo de Hitler por ser comunista e ter participado de movimentos rebeldes em seu país natal. Essa reali- dade, junto ao fato de ser judia, a condenava à morte antecipadamente. Os protestos e campanhas feitos no Brasil para que a extradição fosse cancelada não tiveram efeito algum, e a decisão foi tomada com base na Lei de Segurança Nacional, aprovada meses antes. Essa lei pre- via a expulsão de estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do país, critérios atribuídos à esposa de Prestes pela po- lícia brasileira. Olga Benário Prestes foi assassinada com outras mulheres em um campo de concentração na Alemanha, em fevereiro de 1942, seis anos após o nascimento de sua filha, que tinha sido entregue à avó, mãe de Luís Carlos Prestes. Preso, ele soube por carta da gravidez e da extradi- ção de sua esposa. Saiu da prisão apenas em 1945, quando foi anistiado por Getúlio Vargas. A partir de 1936, tudo indicava que Vargas estava disposto a dar um golpe, anulando as eleições que estavam previstas, pela Constituição, para acontecer em 1938. Mas, para deflagrar o golpe, ele precisava de um motivo contundente. O filme Olga apresenta a história de vida de Olga Benário Prestes, sua ju- ventude como militante do partido comunista ale- mão; sua passagem por Moscou, onde conheceu Prestes; a vinda para o Brasil; seu envolvimento com o PCB, a prisão, a gravidez; a deportação para a Alemanha nazista; e, por fim, a sua morte em um campo de concentra- ção. Com uma narrativa que abrange o período entre o final da década de 1930 e início de 1940, o filme fornece um pano- rama político e social do Brasil da época. Direção: Jayme Monjardim. Brasil: Globo filmes, 2004. Filme 24 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais Se esse motivo não aparecia “espontaneamente”, ele podia ser cria- do – atualmente, esse tipo de criação é chamado de fake news. E foi o que aconteceu em 1937, quando Getúlio Vargas divulgou, por meio da imprensa, a existência de um plano judaico-comunista, comprovada- mente falso, contra o país: o plano Cohen. Esse plano foi arquitetado, como apontam vários historiadores, com a participação de grupos de extrema direita, integralistas e de intelectuais, em sua maioria antisse- mitas, como Gustavo Barroso, os quais apresentavam “o judeu como um estranho à sociedade brasileira, incapaz de assimilar a cultura na- cional” e sempre envolvido “com anarquia e movimentos revolucio- nários com o objetivo de atender aos seus próprios interesses – em detrimento do bem-estar do povo que morre de fome e na miséria” (CARNEIRO, 2002, p. 275). As provas da existência desse plano foram divulgadas pela impren- sa e comprovavam a articulação entre judeus, maçons e comunistas, que faziam parte da extinta ANL, para a tomada do poder. Com a cria- ção e divulgação do plano, Vargas tinha em mãos a justificativa para o golpe; assim, ele revogou a Constituição de 1934, cancelou as eleições previstas para 1938, que já tinha candidatos definidos em campanha, e, no dia 10 de novembro de 1937, ordenou que a polícia militar cercasse o Congresso Nacional. Estava instalado, então, o Estado Novo. Vamos refletir sobre outros aspectos da sociedade brasileira na primeira metade da década de 1930, ligados à produção intelectual e artística. Intelectuais e artistas desse período também tinham opiniões divergentes em relação ao gover- no. Enquanto uns o apoiavam, outros se posicionavam de forma crítica a ele ou à própria história elitista do país. A recíproca também era verdadeira, isto é, artistas e intelectuais recebiam desse governo tratamento diferenciado, de acordo com seus posicionamentos. O historiador Nicolau Sevcenko (2000, p. 99) nos conta, por exemplo, que “o maior pintor paulis- ta desse período, Cândido Portinari, teria sua carreira voltada para atividades ligadas ao governo federal” e, dessa forma, não teve seu trabalho censurado ou perseguido. Já outros artistas, críticos ao governo, viveram situações tensas, como a ocorrida com Flávio de Carvalho, que então “cria o Teatro da Experiência (1933), que é fechado pela polícia, e abre sua primeira exposição de pinturas (1934), que é invadida por tropas de polícia” (SEVCENKO, 2000, p. 100). A postura crítica também é assumida, no mesmo período, por jovens intelectuais paulistas que buscavam uma nova explicação para o autoritarismo e a discriminação, tão presentes na socie- dade brasileira, como + Ampliando seus conhecimentos Como o comunismo na União Soviética, o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha influenciaram as organizações políticas no Brasil, na primeira metade da década de 1930? Atividade 3 O Brasil no início do governo Vargas (1930-1937) 25 Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. Sérgio Buarque publicaria seu Raízes do Brasil, em 1936, buscando, nas origens ibéricas e nas características do processo de colonização, a explicação para os obstáculos à construção de uma sociedade e de instituições democráticas no Brasil. Caio Prado, com Evolução política do Brasil (1934) e Formação do Brasil Contemporâneo (1942), seria pio- neiro na utilização de categorias marxistas para um análise crítica do sistema colonial, do escravis- mo e das mazelas sociais decorrentes desses processos que marcaram a história do país. Outro foco de um pensamento crítico aplicado à perspectiva da transformação da sociedade brasileira surgiu com a criação da Universidade de São Paulo, em 1934. (SEVCENKO, 2000, p. 100, grifos do original) O pernambucano Gilberto Freyre, outro renomado intelectual, lançou, em 1933, uma obra que tinha a intenção de explicar a formação do Brasil: Casa Grande & Senzala. A historiadora Sílvia Silva (2002, p. 184) nos conta que “ao tomar conhecimento do paradigma freyriano em torno da miscigenação, tendo como produto a morenidade eugênica, a tradicional e conservadora sociedade pernambucana postou-se em guarda”. As ideias de Freyre, relativas à valorização do negro, passaram a ser perseguidas em todo o Brasil, ainda mais depois que ele organizou o 1º Congresso Afro-brasileiro, em Recife, no ano de 1934. Seus princípios e ações irritavam cada vez mais os setoresconservadores, que começaram a acusá-lo de se preocupar com coisas menores e vulgares, classificando-o como comunista. Nesse mesmo período, o rádio estava cada vez mais popular, apesar de estar sob controle do governo que, em 1932, havia regulamentado o sistema de transmissões. A popularização do rá- dio transformou-se em ferramenta fundamental para a divulgação da Música Popular Brasileira (MPB), especialmente de um tipo de samba conhecido como “Samba do Estácio”, que, de acordo com o historiador Marcos Napolitano (2005, p. 51), “passou, a partir dos anos 30, a ser conside- rado o sinônimo de samba autêntico, de ‘raiz’”. Compositores como Ismael Silva, Bide, Armando Vieira Marçal, entre outros, eram sucesso no rádio com suas músicas gravadas por Francisco Alves e Mario Reis, cantores que conquistaram milhares de fãs. Esses compositores também “eram os responsáveis pela fundação das Escolas de Samba, entidades que passaram a ser o eixo sociocul- tural, uma determinada leitura da tradição musical carioca” (NAPOLITANO, 2005, p. 51). Em breve, o Brasil viria a conviver com um período que ficou conhecido como a era de ouro do rádio. Vale a pena realizar a leitura do artigo Anos de Incerteza (1930-1937) – Os Intelec- tuais e o Estado, produzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que nos pos- sibilita conhecer o panorama intelectual e artístico dos períodos estudados, além de ampliar nossa percepção sobre as relações entre os atores sociais de modo a humanizar a história. Com base nessas reflexões, compreendemos que em cada período houve alguém que pensou sobre os acontecimentos e embasou teorias e explicações para os sucessos e fracassos, contribuindo para a construção do saber histórico. Nesse sentido, vale a pena realizar a leitura desse artigo. Acesso em: 06 jan. 2020. https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/IntelectuaisEstado Artigo 26 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos, a primeira parte da década de 1930 foi intensa para os brasileiros: revoluções, golpes e a industrialização provocaram transfor- mações radicais em nossa história política, econômica e social. De 1930 até 1937, o país teve um único presidente, Getúlio Vargas, que, com seu governo centralizador e autoritário, acabou por imprimir marcas na nos- sa cultura e uma concepção de país, que podem ser identificadas até a atualidade. O período, marcado, também, por movimentos de contestação à or- dem estabelecida, pela produção de análises da sociedade brasileira e pela aceleração da comunicação e divulgação de fatos por meio da po- pularização do rádio, colocou o Brasil, definitivamente, em contato e con- fronto com os demais países. A partir desse momento, o mundo mudou e praticamente todos os lugares passaram a estar interligados. Acontecimentos locais passaram a interferir em outros lugares, com consequências para todos; ideias e mo- delos de sociedades surgiam em um país e se espalhavam rapidamente, reproduzindo-se e adaptando-se a diferentes culturas; meios de comuni- cação, como o rádio, traziam o distante para perto, bem como levavam o que era próximo para longe. Como bem sabemos atualmente, essas mudanças estavam apenas começando. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931. Poder Executivo, Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D19770.htm. Acesso em: 6 nov. 2019. CAMPOS JUNIOR, C. de. Adoniran: uma biografia. São Paulo: Globo, 2009. CARNEIRO, M. L. T. O mito da conspiração judaica e as utopias de uma comunidade. In: CARNEIRO, M. L. T. (org.). Minorias silenciadas: história da censura no Brasil. São Paulo: Fapesp, 2002. D’ARAÚJO, M. C. 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Brasil sem industrialização: a herança renunciada [online]. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2016. Disponível em: http://books.scielo.org/id/yjzmz/pdf/ pochmann-9788577982165.pdf. Acesso em: 13 dez. 2019. SEVCENKO, N. Pindorama revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. São Paulo: Peirópolis, 2000. SILVA, S. C. Gilberto Freyre, “O Pornógrafo de Recife”. In: CARNEIRO, M. L. T. (org.). Minorias silenciadas: história da censura no Brasil. São Paulo: Fapesp, 2002. SOIHET, R. Movimento de mulheres: a conquista do espaço público. In: PINSKY, C. B.; PEDRO, J. M. (org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. GABARITO 1. Os revolucionários paulistas são representados por um bandeirante, mostrando a importância do estado para a formação histórica e econômica do Brasil. Também há a associação com as forças armadas, com um soldado carregando a bandeira do Estado de São Paulo. O bandeirante segura Getúlio Vargas em suas mãos, representando o poder de São Paulo sobre o governo federal. O texto do cartaz, “Abaixo a dictadura”, mostra que o governo Vargas é visto como autoritário e que, portanto, é contra isso que os paulistas devem se unir para lutar. 2. O preâmbulo da Constituição de 1934 afirma que ela foi elaborada para organizar um regime democrático, que assegurasse liberdade à Nação. Essa afirmação se torna incoerente quando comparada à realidade vivida no país, pois, desde a Revolução de 1930, os brasileiros viviam sob um regime autoritário, marcado pelo fechamento do Congresso Nacional, das Assembleias Estaduais e das Câmaras Municipais, além da substituição dos presidentes de estados por interventores. Por isso, a Constituição recebeu tantas críticas de Getúlio Vargas, que a invalidou após três anos de sua promulgação. 3. Desde o sucesso dos bolcheviques na Revolução Russa de 1917, o modelo comunista se espalhou pelo mundo, principalmente entre trabalhadores e intelectuais, influenciando a abertura de partidos e de frentes amplas que reuniam simpatizantes da esquerda, com a intenção de tomarem o poder e instalarem um governo com bases semelhantes às da URSS. No Brasil, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi fundado em 1922, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935. Além disso, um movimento revolucionário baseado nas ideias comunistas foi deflagrado no Brasil, em 1935: a Intentona Comunista. Do outro lado do espectro político, tivemos a instalação de governos de extrema direita na Itália, conhecido como fascismo, e na Alemanha, o nazismo. Defendendo o respeito a uma hierarquia rígida e o controle do poder nas mãos de um líder forte, também tiveram seguidores no Brasil, que chegaram a fundar a Ação Integralista Brasileira (AIB). Os integralistas, junto aos intelectuais de direita em apoio a Vargas, elaboraram o plano Cohen, que seria um projeto de tomada de poder, criando a versão de que tinha sido feito pelos comunistas, o que, sabidamente, era uma farsa. De qualquer forma, a reação de Vargas a esse plano levou o país a um estado de exceção, com a instalação do Estado Novo. 28 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais A ditadura do Estado Novo (1937-1945) Daniela dos Santos Souza 2 Neste capítulo, propomos reflexões sobreo governo de Getúlio Vargas ao longo da ditadura do Estado Novo, entre 1937 e 1945. Para tanto, são abordadas as ações internas e suas consequências para a sociedade brasileira, bem como as relações estabelecidas entre Vargas e os demais países com seus desdobramentos políticos, econômicos e culturais. De início, na primeira seção, os estudos se voltam às questões econômicas ligadas ao caráter intervencionista e protecionista, que trouxe características do nacionalismo às ações governamentais. Na segunda seção, abordamos as questões ligadas à produção cultural, que passou a ser gerida pelos órgãos públicos, exercendo rígido controle e censura sobre tudo e todos. Por fim, na terceira seção, apresentamos os fatos e o processo político que levaram o Brasil a participar da Segunda Guerra Mundial e, consequentemente, ao fim do Estado Novo, em 1945. 2.1 Nacionalismo e industrialização Videoaula O Estado Novo se instalou no Brasil na mesma época em que emergiam regimes totalitários na Europa, defensores de ideias fascistas. Esse regime, entre 1937 e 1945, sob a tutela de Vargas, caracterizou-se por ações centra- lizadoras, com o presidente governando por meio de decretos-lei e sendo apoiado em todo o país pelos interventores estaduais e pelo exército. Esse período teve início com o fechamento dos partidos políticos, o cancelamento das eleições previstas para 1938, a dissolução do Con- gresso Nacional e a anulação da Constituição de 1934, que, a bem da verdade, não havia sido colocada em prática até então. A ditadura do Estado Novo (1937-1945) 29 Apesar dessas características autoritárias, a ditadura instalada por Vargas não era exatamente nazista ou fascista, visto que não se apoia- va em um partido de massas, como no caso de Hitler e Mussolini. Os membros da Ação Integralista Brasileira (AIB) continuavam a oferecer seu apoio ao governo, mas não chegavam a representar, precisamente, um partido. Além disso, a ditadura também não era militar, apesar de haver a tutela das Forças Armadas, pois tanto Getúlio Vargas quanto os demais integrantes do poder, como ministros e interventores esta- duais, eram civis. Ainda em 1937, uma nova Constituição passou a vigorar no Brasil. Um dos seus objetivos naquele contexto era livrar a economia e a po- lítica brasileiras das amarras liberais, presentes na Constituição ante- rior. Apesar de apresentar características ditatoriais que justificavam as ações do governo, essa Constituição previa a possibilidade de o Estado Novo chegar ao fim, pois deixava claro que em 1943 deveria haver um plebiscito no qual o povo decidiria pela continuação, ou não, do regime. Em relação à economia, podemos dizer que a Constituição de 1937 permitiu a aceleração da “implantação no Brasil da sociedade industrial e de massa, possibilitando o avanço da indústria nacional pesada sem que fosse prejudicado o setor agroexportador tradicional” (LUSTOSA, 2008, p. 182-183). Ao mesmo tempo, ela passou a exigir que houvesse a organização de sindicatos patronais. Dessa forma, a ligação entre os setores produtivos e governamentais foi ampliada, com o atendimento às necessidades dos industriais brasileiros pelo governo que, em troca, exigia apoio às suas ações. Nesse contexto, os sindicatos de trabalhadores também passaram por mudanças decretadas por Vargas que, em 1939, [...] determina a existência de um único sindicato por categoria profissional. Tal mudança é acompanhada pela criação do imposto sindical, através do qual é descontado anualmente um dia de trabalho da folha de pagamento dos operários, encaminhado para financiar a estrutura sindical. O ditador generalizava, dessa forma, o mo- delo corporativo para o conjunto das entidades representativas dos trabalhadores. De instrumentos de luta, os sindicatos dos anos 1940 passaram à condição de agentes promotores de har- monia social e instituições prestadoras de serviços assistenciais. (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 255-256) 30 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais No campo político, a nova Constituição permitia a Vargas que go- vernasse por meio de decretos-lei, suspendendo as liberdades civis ou declarando estado de emergência no país. Essas características políticas autoritárias se uniram ao ideal nacio- nalista do Estado Novo, que se traduzia em ações do governo Vargas em todos os campos, como: • a nacionalização de empresas estrangeiras que já estavam há anos no Brasil; • a proibição de instalação de indústrias ou empresas estrangeiras que mostrassem interesse em se estabelecer no país; • o controle de toda a importação feita pelos empresários brasileiros; • a centralização, no Banco do Brasil, de empréstimos aos empre- sários e industriais, que, assim, eram acompanhados de perto pelo governo. Em 1938, Getúlio Vargas aprofundou ainda mais o caráter nacio- nalista de seu governo, declarando exclusivamente nacionais todas as jazidas de petróleo em território brasileiro, além do processo de refina- ção. Também ficou proibido aos estrangeiros explorarem as riquezas do subsolo brasileiro, bem como instalarem indústrias de transforma- ção dessas riquezas. Esse conjunto de medidas intervencionistas na economia levou os industriais e empresários a uma grande dependência do governo, que passou a escolher qual setor receberia mais ou menos investimentos. Os industriais, principalmente de São Paulo, não se opuseram a essas políti- cas provavelmente porque “havia o medo em relação ao que se chamava na época de ameaça comunista, e também o reconhecimento dos suces- sos econômicos alcançados” (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 257). Para Vargas, não bastava que o Estado fosse intervencionista, ele deveria abrir os caminhos para a industrialização, com caráter prote- cionista. Portanto, era necessário que a intervenção do Estado “fosse feita em nome do nacionalismo, ou seja, em nome da tese de que evi- tar a concorrência do capital estrangeiro em setores de ponta para a industrialização era a melhor maneira de proteger os interesses indus- triais e a soberania do país” (D’ARAÚJO, 1997, p. 62). Atividade 1 Tanto no campo político quanto econômico, a Constituição de 1937 permitiu ao governo Vargas agir de maneira centra- lizadora e intervencionista. Na prática, quais ações do governo demonstraram essa atitude? A ditadura do Estado Novo (1937-1945) 31 A política intervencionista se alongou para ou- tros campos, como a educação, principalmente no período em que Gustavo Capanema foi ministro da Educação e da Saúde, entre 1934 e 1945. Cartazes e propagandas, como da Figura 1, mostravam Getúlio Vargas como o grande incentivador da educação brasileira. Capanema reuniu em torno de si e de seu traba- lho nomes importantes da intelectualidade brasilei- ra, por exemplo, o do músico Heitor Villa-Lobos e do escritor Mário de Andrade. Entre os projetos desse ministério estavam a ampliação de vagas e a unificação dos conteúdos das disciplinas no ensino se- cundário e no universitário. Isso para não mencionar a criação do ensino profis- sional, consubstanciado em instituições como Senai, Senac e Sesc (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 258). No período que antecedeu à Segunda Guerra Mundial, Vargas buscou manter boas relações co- merciais com os governantes de todos os países. Assim, estabeleceu comércio com os países líderes dos dois blocos que iriam se enfrentar, os Estados Unidos da América (EUA) e a Alemanha, bem como ampliou as relações com os demais países da América do Sul, com a intenção de organizar as defesas contra possíveis agressões externas. Com a aproximação da guerra, porém, tudo indicava que, comercial e ideologicamente, Vargas se aproximava do bloco liderado pela Ale- manha, sem, contudo, romper relações com os EUA, que tinham inte- resse no Brasil desde 1933, por ocasião da “política da boa vizinhança”. Nesse período, é possível observar o crescimento do comércio entre o Brasil e a Alemanha, quando “as importações alemãscresceram 5%, enquanto as norte-americanas subiam menos de 1%. Do ponto de vis- ta das exportações brasileiras, a parcela dedicada aos Estados Unidos caiu em 5%, enquanto se verificava um incremento de 3% para o lado alemão” (D’ARAÚJO, 1997, p. 54). Figura 1 Cartaz relativo à educação no Estado Novo Propaganda do Estado Novo exibe Getúlio Vargas com crianças brasileiras, símbolos do futuro do país. 32 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais Essa postura de manter contato com ambas as partes do futuro conflito mundial fez com que Vargas conseguisse recursos dos EUA, mesmo que o comércio com a Alemanha estivesse em expansão. Foi com a ajuda estadunidense, em 1941, que se tornou possível a instala- ção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, levando o país a produzir aço para indústria e armamentos. A construção da CSN usou tecnologia de ponta e empregou centenas de trabalhadores brasileiros, como pode ser observado na Figura 2. Figura 2 Construção da CSN, em 1941. Trabalhadores brasileiros na construção da CSN, em 1941. Em retribuição a esse investimento, o governo brasileiro cedeu aos EUA um território no Nordeste, em Natal, para a construção de uma base aérea. A aproximação econômica com os norte-americanos gerou um dis- tanciamento diplomático do Brasil em relação à Alemanha e aos de- mais países do Eixo. Além disso, houve investimento em propaganda contra o nazismo no Brasil, financiada, muitas vezes, pelos EUA. Dessa A ditadura do Estado Novo (1937-1945) 33 forma, aos poucos passou a ficar claro o lado para o qual penderia o Brasil, caso entrasse no conflito. As grandes potências que formavam os países do Eixo eram a Alemanha, a Itália e o Japão. Entre os principais Aliados estavam os Estados Unidos da América, a União Soviética, o Reino Unido (Grã-Bretanha) e a França. A China e o Brasil, por exemplo, lutaram com os Aliados. Os resultados do processo de aproximação com os EUA, promovido por Vargas, mostraram um crescimento da produção industrial brasi- leira, uma vez que, por volta de 1945, “pela primeira vez a produção fabril ultrapassa a agrícola como principal atividade da economia” (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 254). Esse crescimento foi, também, impulsionado pelo Plano de Obras e Equipamentos, elaborado pelo governo Vargas e que entrou em vigor em 1944. Sua principal meta era a criação de obras de infraestrutura e de indústrias de base, dedicada à siderurgia, metalurgia, indústria quí- mica, entre outras. Daí em diante, o perfil econômico do Brasil ganharia outras características. 2.2 Política cultural e censura Videoaula Paralelamente às ações intervencionistas e protecionistas, Getúlio Vargas investiu em propagandas políticas que apresentavam as realiza- ções de seu governo e divulgavam sua própria imagem, vinculada a di- ferentes atividades desenvolvidas na sociedade, como artes, esportes e educação. O objetivo era construir a imagem de Vargas como líder, um homem público identificado com os valores do povo brasileiro e dedi- cado a melhorar a vida de todos, principalmente a dos trabalhadores e das classes menos favorecidas da sociedade brasileira. Para atingir esse objetivo, os responsáveis pela propaganda política no governo de Getúlio Vargas passaram a utilizar em larga escala os meios de comunicação disponíveis na época, como os jornais, o rádio e o cinema. Essa era uma prática comum entre os governos autoritários daquele período. Desse modo, no Brasil adotou-se uma política populista na qual o uso da propaganda de massa foi intenso. Nunca uma imagem pessoal fora tão vei- culada quanto a de Getúlio. Ele era o “pai dos pobres”. Pintores 34 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais o retratavam em meio às criancinhas, sua efígie estampava os cadernos escolares. Compositores faziam-lhe hinos aclamatórios que eram veiculados pelo rádio, já então em plena era do ouro. E, mesmo na propaganda de esportes, a sua figura – baixinha, gordinha, que ao natural dificilmente se prestaria ao papel – era exposta em fotos retocadas como a de um vigoroso jogador de golfe. (LUSTOSA, 2008, p. 183) Para garantir os resultados esperados com a divulgação das propa- gandas políticas, Vargas criou, em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Além de responsável pela propaganda política, o DIP manteve sob seu controle o rádio, o teatro, o cinema e a música nacional. Esse departamento buscou popularizar a imagem de Vargas, orga- nizando homenagens e cobrindo as comemorações que exaltavam o governo. Também passou a organizar as propagandas e os rituais de culto à sua personalidade, evitando que conteúdos contrários a ele ou críticas ao seu governo fossem difundidos. Assim, o departamento exercia a censura sobre toda a produção da imprensa e dos artistas. Em relação à cultura popular, por exemplo o samba, que atingia a muitos brasileiros com a popularização do rádio, o DIP exigia que letras de músicas fossem alteradas quando fizessem alguma crítica ao governo, como ocorreu com o texto da música Bonde de São Januário, composta em 1940 por Ataulfo Alves e Wilson Batista. Na letra original do samba, o refrão era “O Bonde de São Januário/ leva mais um otário/ que vai indo trabalhar”; após a interferência do DIP, o texto passou a ser “O Bonde de São Januário/ leva mais um operário/ sou eu que vou trabalhar”. (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 258, grifo do original) Outro célebre artista perseguido pela censura do Estado Novo foi Monteiro Lobato. Publicista e autor de livros de diferentes temas, entre eles as histórias do Sítio do Picapau Amarelo, o escritor era também um severo crítico ao governo autoritário de Getúlio Vargas. Monteiro Lobato insistia na divulgação de suas ideias sobre a nacio- nalização das riquezas brasileiras, fazendo críticas à forma com que o Conselho Nacional do Petróleo conduzia a exploração dessa riqueza, que, segundo ele, favorecia os interesses internacionais, e não os bra- sileiros. Além disso, Lobato criticava, de modo irônico, a simpatia que havia entre o governo de Vargas e os regimes nazifascistas europeus. No livro Brasil Século XX: ao pé da letra da canção po- pular é apresentado um panorama da música po- pular brasileira no século XX, passando pelo perío- do do Estado Novo. Nele, conhecemos intérpretes e compositores que, ao lon- go da ditadura de Getúlio Vargas, tiveram suas mú- sicas censuradas ou não (e os motivos de não te- rem sofrido censura). WORMS, L. S.; COSTA, W. B. Curitiba: Positivo, 2005. Livro A ditadura do Estado Novo (1937-1945) 35 Para os censores do Estado Novo, essas críticas estavam expressas, também, nos livros de Monteiro Lobato para as crianças brasileiras. Um parecer de um procurador federal argumentava que as obras infantis de Lobato atentavam contra a segurança nacio- nal, na medida em que geravam um sentimento errôneo em re- lação ao governo, [...] chocavam-se contra os projetos do Estado Novo, empenhado em formar uma juventude saudável e patrióti- ca, unida em torno dos princípios da tradição cristã. (CAMARGOS; SACCHETTA, 2002, p. 229-231) Por essas posturas, Lobato foi julgado, preso e teve alguns de seus livros infantis apreendidos. Como demonstra o ofício, de 28 de junho de 1941, “o presidente do Tribunal de Segurança Nacional ordena ao chefe de polícia de São Paulo providências objetivando mandar apreen- der e destruir os exemplares de Peter Pan à venda no Estado (CAMAR- GOS; SACCHETTA, 2002, p. 229, grifo do original). Outra forma de direcionar o olhar da população para as ações do governo eram as festas cívicas, nas quais se valorizavam datas conside- radas importantes para o país, como a da Proclamação da Independên- cia e a da República ou o Dia do Trabalhador, como podemos observar na Figura 3. Elas eram usadas também para a divulgação da imagem de Vargas, que sempre era destacada em apresentações pessoais ou em cartazes e bandeirasproduzidos para tais eventos. Figura 3 Vargas em comemoração da Semana da Pátria. Getúlio Vargas e crianças na Quinta da Boa Vista, em comemorações da Semana da Pátria, em 1943. 36 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais Outro objetivo dessas celebrações era fortalecer o nacionalismo en- tre os brasileiros. A construção da nacionalidade, em sua artificialidade, frequente- mente recorre a elementos da tradição, em que o passado é miti- ficado, criando heróis e momentos épicos que são apresentados como definitivos na formação do povo e da nação. [...] A identi- dade cultural é apresentada como natural e harmônica, quando nem sempre os valores desse povo tiveram tal coesão ou harmo- nia. No Brasil, por exemplo, obras de arte como os quadros de Pedro Américo e Victor Meirelles e símbolos nacionais como o Hino à Bandeira e o Hino Nacional foram elaborados para serem representativos de um passado mítico e glorioso que teria criado a chamada unidade nacional. O discurso que afirma a existên- cia dessa unidade pretende defender a homogeneidade cultural, que seria a existência de um mesmo “caráter nacional” por todo o território brasileiro, escamoteando, assim, as diferenças regio- nais. (SILVA; SILVA, 2013, p. 310) Além da realização das festividades cívicas, diversos eventos de apelo popular foram usados pelo governo para valorizar a construção da iden- tidade nacional, entre eles o futebol. A profissionalização dos clubes bra- sileiros cresceu ao longo da década de 1930, e os jogadores, sua maioria proveniente de classes populares, começaram a ganhar destaque na mídia. O sucesso internacional do futebol brasileiro veio com o terceiro lugar na Copa do Mundo de 1938. Com esse evento, o futebol tornou-se um fenômeno popular nacional, e o Brasil, nas mãos dos comunicadores do Estado Novo, passou a ser conhecido como o “país do futebol”. Os sucessos do futebol brasileiro pelo mundo e de Carmen Miranda, na Broadway e nos estúdios de Hollywood, eram catalisados para gerar a identidade do país da bola, do samba, da festa e das danças sensuais. A transformação do Rio de Janeiro num balneário internacional, servido por uma rede de grandes hotéis, espetáculos e cassinos, fundou o mito da “Cida- de Maravilhosa”. Para crismar esse clima eufórico foi composto o hino que celebrava a nova identidade nacional, “Aquarela do Brasil”. (SEVCENKO, 2000, p. 63) A ditadura do Estado Novo (1937-1945) 37 A canção Aquarela do Brasil, composição de Ary Barroso, lançada em 1939, foi incluída na animação Alô, amigos! de Walt Disney, em 1942, representando o Brasil em Hollywood ao lado de Carmen Miranda. Sobre essa música, o jornalista e produtor musical Nelson Motta escreveu: Este clássico é também o principal exemplo de um subgênero, o do samba-exaltação, que celebrava as belezas do Brasil, suas fauna e flora, gente e geografia com linguagem ufanista e grandiloquente. Lançada em pleno Estado Novo, “Aquarela do Brasil” se encaixou como uma luva à política cultural nacionalista de Getúlio Vargas. Externamente, também ajudou a vender para o mundo o lado mais solar e alegre de um país atrasado e repleto de contradições e injustiças. (MOTTA, 2016, p. 30) Esse coqueiro que dá coco Onde eu amarro a minha rede Nas noites claras de luar Ô! Estas fontes murmurantes Onde eu mato a minha sede E onde a lua vem brincar Ô! Esse Brasil lindo e trigueiro É o meu Brasil brasileiro Terra de samba e pandeiro Brasil! Brasil! Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939) Aquarela do Brasil é representativa de um projeto local e se inseriu em uma articulação internacional específica do período de 1930 a 1940. Disserte a respeito de que maneiras essa música veicula as concepções de brasilidade e como ela se encaixa nas relações internacionais da época. Atividade 2 Porém, por trás das propagandas políticas, festas cívicas e even- tos populares, o novo regime “impôs uma ordem policial, baseada na censura, na propaganda e na perseguição implacável aos adversários” (SEVCENKO, 2000, p. 63). Para muito além da ação do DIP, censurando as letras de sambas e controlando outras manifestações da cultura po- pular, a ação repressora se abateu sobre membros da imprensa e todos que se posicionassem de modo contrário às ideias de Getúlio Vargas. As ações repressivas eram comandadas pelo capitão do exército Filinto Müller, que foi chefe de polícia do governo Vargas entre 1933 e 1942. Houve casos de prisões, torturas e assassinatos relatados após o fim do Estado Novo, porém nunca investigados. Nos relatos, é possível identificar o uso de requintados instrumentos de tortura contra opo- sitores políticos, como maçaricos, estiletes de madeira, alicates, más- caras de couro para sufocamento, além do uso de cigarros e charutos para queimar as pessoas que eram presas no prédio da Polícia Espe- cial, no Rio de Janeiro, sem passar por um julgamento justo. O livro 101 canções que to- caram o Brasil apresenta informações e curiosida- des sobre 101 músicas brasileiras que, do ponto de vista de Nelson Motta, marcaram a história da música em nosso país. MOTTA, N. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2016. Livro 38 História do Brasil contemporâneo: da Era Vargas aos dias atuais A Polícia Especial era a tropa de elite da Chefia de Polícia do Distrito Federal. Ela fazia parte da Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS), criada para coibir comportamentos que, do ponto de vista do governo, atentassem contra a ordem e a segurança pública. Entre as atribuições da Polícia Especial estavam observar as pu- blicações nacionais e estrangeiras e produzir relatórios sobre organizações políticas ou pessoas consideradas suspeitas. Do lado de fora da Polícia Especial, poucas pessoas sabiam o que acontecia no interior do prédio. Isso porque, Para que os gritos dos torturados não fossem ouvidos fora do prédio da Polícia Especial, um rádio era ligado a todo o volume. Poucos torturados resistiam. Houve quem se suicidasse pulando do terceiro andar da sede da Polícia Central; outros enlouque- ciam, como foi o caso de Harry Berger, membro do Partido Co- munista Alemão, torturado durante anos juntamente com sua mulher, Sabo. Quase todos guardavam sequelas para o resto da vida no corpo e na mente. (CARVALHO, 2013, p. 193) Com o fim do Estado Novo, duas comissões foram instaladas para investigar os crimes cometidos pela polícia política do regime de Getúlio Vargas, mas ambas ficaram inconclusas, sem a produção de um relató- rio final. De qualquer forma, principalmente após 1940, a insatisfação com o governo autoritário de Vargas crescia, não apenas entre mem- bros da imprensa e do meio artístico, mas também entre industriais e empresários que queriam maior autonomia nos seus negócios. A parte da elite que estava descontente reuniu-se para fundar um partido político, a União Democrática Nacional (UDN), em 1945. No mesmo ano, Getúlio Vargas reuniu os interventores e demais apoiado- res de seu governo em outra agremiação, o Partido Social Democrático (PSD), dando seu apoio também à criação de uma legenda de base tra- balhista, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O descontentamento das elites, a reação da classe artística e da im- prensa aos atos autoritários e a criação dos partidos políticos, mesmo sob a tutela de Getúlio Vargas, são indicativos de que o Estado Novo chegava ao fim. A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial confirmou essa nova realidade. A ditadura do Estado Novo (1937-1945) 39 2.3 Brasil na Segunda Guerra Mundial Em 1941, os EUA declararam guerra ao Eixo, após o ataque japo- nês a Pearl Harbor. No ano seguinte, o governo de Getúlio Vargas, já bastante envolvido pelo comércio e pela influência norte-americana, rompeu relações com os países do Eixo e, como consequência, houve um ataque alemão a navios mercantes brasileiros. Essa tomada de posição por parte do governo brasileiro causou certa surpresa no cenário internacional, visto que Vargas
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