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Paz Armada na Escola DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PPGP UFRJ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO DE PSICOLOGIA 
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA 
 
 
 
 
 
PAZ ARMADA NA ESCOLA 
 
 
 
THIAGO COLMENERO CUNHA 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2016 
 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
 
 
 
Thiago Colmenero Cunha 
 
 
PAZ ARMADA NA ESCOLA 
 
 
 
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em 
Psicologia da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, como requisito parcial para obtenção do 
grau de Mestre em Psicologia. Linha de pesquisa: 
Processos Psicossociais, Históricos e Coletivos. 
Orientador: 
Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2016 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cunha, Thiago Colmenero 
C972p Paz Armada na Escola / Thiago Colmenero Cunha. 
-- Rio de Janeiro, 2016. 
113 f. 
 
Orientador: Pedro Paulo Gastalho de Bicalho. 
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal 
do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2016. 
 
1. Psicologia. 2. Escola. 3. Direitos Humanos 
. 4. Criminologia. 5. Polícia. I. Bicalho, Pedro 
Paulo Gastalho de , orient. II. Título. 
 
 
 
 
FOLHA DE APROVAÇÃO 
 
CUNHA, Thiago Colmenero. Paz Armada na Escola. Dissertação de mestrado apresentada 
ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1º 
semestre de 2016. 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
_____________________________________ 
Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (Orientador) 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
________________________________________ 
Prof. Dr. Francisco Teixeira Portugal 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
________________________________________ 
Prof.ª Drª. Kátia Faria de Aguiar 
Universidade Federal Fluminense 
 
________________________________________ 
Prof.ª Drª. Adriana Marcondes Machado 
Universidade de São Paulo 
 
 
Examinado o texto de dissertação. 
Rio de Janeiro, 03 de março de 2016 
 
 
GRATIDÃO 
 
À minha mãe pela garra, pela inquietação e por me ensinar a apreender; meu pai pela 
força e pelos questionamentos; minha noiva pelo amor, cuidado e companheirismo; minhas 
cinco famílias pela presença e afeto; meus amigos em seus diversos núcleos, por me fazerem 
respirar um pouco frente a tanta correria e tensão. 
Ao Pedro por ser muito mais que orientador há mais de quatro anos. Por todas as 
oportunidades, por toda paciência, por toda aposta, por toda confiança. 
 Ao Francisco, pelos ensinamentos durante as aulas, conversas e encontros, durante a 
graduação e o mestrado, além das sábias contribuições na qualificação. 
 À Adriana Marcondes e à Kátia Aguiar, por tudo o que ensinam na luta cotidiana por 
uma educação crítica, afetiva e potente, e pela disponibilidade ao aceitarem o convite a 
participar da banca e me honrarem com as considerações. 
 Aos que teceram junto comigo o rizoma dessa pesquisa: Raquel pela excelência nos 
mapas elaborados; Marola pela rede de contatos dos professores; à Rafa pelo abstract; ao 
Leandro pela paginação; meu problemático campo de pesquisa e todas as pessoas que 
entrevistei nesse tempo por me fazerem perturbar o que parece habitual e cotidiano nessa 
nossa vida tão cruel, dura e violenta; aos alunos do curso de extensão, que a toda semana me 
desacomodavam com perguntas e dúvidas, por toda a criatividade e potência. 
Aos coletivos de supervisão e orientação que me acolhem para cuidarem desse 
psicólogo-pesquisador. Ao grupo de terça-feira (Kely, Thiago, Bruno, Silvia, Roberta, Ana, 
Malu, Jefferson, Marcello, Renata, Alexandre, Polianne, Adriana, Augusto) e ao GIRA (Alê, 
Carine, Billy, Poly, Sady, Monica, Rê, Nat, Livia, Priscila, Fabiano), penso que o meu ser-
pesquisador é composto por vocês. O cuidado com a pesquisa, a atenção metodológica, a 
rigorosidade acadêmica e conceitual sem se transformar em um dizer distanciado, muito pelo 
contrário, conectado com o presente e com a realidade a sua frente. Tenho imenso prazer e 
orgulho em poder estar em grupos tão potentes, cada momento compartilhado é um novo 
aprendizado com vocês. 
 
 
 
 
Ao PPGP por ter sido uma casa durante esses dois anos de mestrado: aos professores 
pelo acolhimento e pelos ensinamentos nas reuniões de colegiado, aos queridos amigos de 
trajetória pela força em compartilhar as dificuldades e aventuras em se pesquisar 
solitariamente, mas não sozinho (Verônica, Leandro, Bruno, Legey, Karol, Raquel, Mateus, 
Juliana, Lis, Alice); à Ana e ao Gian por serem sempre presentes e parceiros na gestão dos 
assuntos burocráticos da secretaria. 
Aos espaços de reflexão ético-política que habito que me fazem sempre repensar o que 
estou fazendo, porque sem cultura, arte e música a cidade e a vida não circula, não cria 
desvios, não resiste. 
Aos espaços públicos de estudo, às bibliotecas públicas e particulares do Rio de 
Janeiro as quais pude estudar, escrever, ler, refletir, criar. Estácio de Jacarepaguá, UFRJ da 
Praia Vermelha, UNIRIO da Urca, UERJ, Biblioteca Parque Estadual, Biblioteca Popular de 
Botafogo, FGV, CCBB, Casa França-Brasil. Fica aqui a gratidão como alerta de que é preciso 
investir mais em locais de estudo! 
 À CAPES e à FAPERJ pelo suporte financeiro. 
Obrigado pelas presenças! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A minha alma tá armada 
E apontada para a cara do sossego 
Pois paz sem voz, paz sem voz 
Não é paz é medo 
 
Às vezes eu falo com a vida 
Às vezes é ela quem diz 
Qual a paz que eu não quero 
Conservar para tentar ser feliz 
 
As grades do condomínio 
São para trazer proteção 
Mas também trazem a dúvida 
Se é você que está nessa prisão 
Procurando novas drogas de aluguel 
Nesse vídeo coagido 
É pela paz que eu não quero seguir admitindo 
 
“(Minha Alma) A paz que eu não quero” – O Rappa 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
A presente dissertação é resultado de pesquisa sobre o programa que torna possível o 
policiamento ostensivo executado pela Polícia Militar nas escolas estaduais do Rio de Janeiro. 
Tendo como objetivo fazer uma cartografia dos desdobramentos dessa política pública, 
seguindo (e traçando) linhas que em um processo sócio-histórico promovem o ordenamento e 
o controle do espaço escolar. Compreende-se a história como um campo de forças onde, aqui, 
emergem três grandes analisadores – as lógicas disciplinares na escola; a mídia como 
produtora de uníssonos; a denominada mancha criminal como judicialização da vida escolar. 
Por meio de discursos heterogêneos que atravessam aqueles que hoje vivenciam esse cenário– 
através de entrevistas, mapas, notícias, informações, estatísticas, formulários expostos 
transversalmente ao longo de todos os capítulos para fazer ver e falar o que está sendo 
discutido – percebe-se uma atualização da criminalização da pobreza, onde a figura do 
criminoso comum agora se materializa também no estudante de ensino médio da rede pública 
estadual de ensino do Rio de Janeiro – homem, adolescente, negro, pobre, morador de favela. 
Tensiona-se o campo da segurança pública em interface com a educação, trazendo múltiplas 
vozes que compõem uma construção diferente da “solução” apresentada frente aos problemas 
de conflitos no cotidiano escolar. Ao optar pelo habitar da cotidianidade das relações do 
contexto escolar e em seu entorno social, é importante fazer emergir as esperanças, os 
preconceitos, os dramas e sonhos dos professores, estudantes, pais, coordenadores 
pedagógicos, policiais e diretores,não sendo tratados como números ou objetos, mas como 
sujeitos cuja voz, os gestos e as linhas nos guiam por entre os tensos labirintos do cotidiano 
escolar. Construir possibilidades de mediação de relações mais dialógicas e menos 
truculentas, baseadas mais no dissenso do que na disputa ou do que no convencimento. 
Levantar discussões para que aos poucos a educação seja desalienada desses processos de 
terceirização das relações, de judicialização. Produzir intensidade, diferença, vida, não 
apaziguamento. 
 
Palavras-chave: Psicologia; Escola; Direitos Humanos; Criminologia; Polícia. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
This dissertation is the result of an intervention-research about the program executed by the 
Military Police inside state schools of Rio de Janeiro, providing 24/7 vigilance. Aiming to 
make a mapping of the consequences of this public policy, following (and plotting) lines in a 
social-historical process that promotes planning and control of the school environment. It is 
understood that there is a field of forces where, here, emerge three major analyzers – 
disciplinary logic in school; the mass media as a producer of unison; the so-called criminal 
“stain” as judicialization of school routine. At the hand of heterogeneous speeches crossing 
those who nowadays have gone through this scenario – through interviews, maps, news, 
information, statistics, forms exposed transversely across all the chapters to see and talk about 
what is being discussed – it can be seen an update of the criminalization of poverty, which the 
common criminal figure these days is high school students from state public schools of Rio de 
Janeiro – man, teenager, black, poor, favela resident. The present dissertation questions the 
public safety field and the education, bringing multiple voices that make up a different 
construction of the "solution" presented with the problems of conflicts in the school routine. 
By choosing to occupy the daily life of the school context and in their social environment, it is 
important to bring out the hopes, prejudices, dramas and dreams of teachers, students, parents, 
coordinators, officers and directors, not being treated as numbers or objects, but as subjects 
whose voice, gestures and lines guide us through the maze of tight school routine. Build 
mediation possibilities of dialogical relations and less truculent, based more on consensus 
than in dispute. Bring up discussions in order to turn education gradually not alienated of 
these outsourcing processes of relations. Produce intensity, difference, life, not subsidence. 
 
Keywords: Psychology; School; Human Rights; Criminology; Police. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
AEH -Abrindo Espaços Humanitários 
ALERJ - Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro 
CEC – Conselho Escola-Comunidade 
CEDAE - Companhia de Estadual de Águas e Esgotos 
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa 
CFCH - Centro de Filosofia e Ciências Humanas 
CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha 
CIEP – Centro Integrado de Educação Pública 
CIEP – Centro Integrado de Educação Pública 
CNJ – Conselho Nacional de Justiça 
CPROEIS - Coordenadoria do Programa Estadual de Integração na Segurança 
DEGASE - Departamento Geral de Ações Sócio Educativas 
DPCA - Delegacia de Proteção aCriança e Adolescente 
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente 
EJA - Educação de Jovens e Adultos 
INEA - Instituto Estadual do Ambiente 
LAMSA - Linha Amarela S.A. 
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 
PM – Policial Militar 
PMERJ - Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro 
PROEIS - Programa Estadual de Integração na Segurança 
RAS - Regime Adicional de Serviço 
SAERJ - Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro 
SEEDUC - Secretaria de Estado de Educação 
Sepe-RJ - Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro 
SESEG - Secretaria de Estado de Segurança 
SUPAD - Superintendência de Gestão das Regiões Administrativas 
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro 
UPA - Unidade de Pronto Atendimento 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
.0 COMEÇANDO PELO MEIO – A CONSTRUÇÃO DE UM RIZOMA NO 
PESQUISAR 1 
.1 DA PALMATÓRIA À POLÍCIA: GENEALOGIA DAS LÓGICAS 
DISCIPLINARES NA ESCOLA 14 
 .1.1 Príncipes infantes, crianças plebeias, índios e jesuítas: soberania e castigo 15 
 .1.2 Uma escola para chamar de sua (ainda não para todos): disciplina e controle 18 
 .1.3 Biopoder e população 23 
 .1.3.1 Do planejamento ao chão da escola: controvérsias 29 
.2 MÍDIA, MEDO E ORDEM: DISSENSOS SOBRE POLÍCIA, SEGURANÇA E 
VIOLÊNCIA – REVERBERAÇÕES NA ESCOLA 37 
 .2.1 Cultura, mídia e subjetividade 39 
 .2.2 Polícia: para quem precisa? 45 
.3 “APESAR DA VIGILÂNCIA E DA LIMPEZA, OS ALUNOS CONTINUAM 
DEIXANDO SUAS MARCAS”: DISCURSOS CRIMINALIZANTES SOBRE A 
JUVENTUDE ESCOLAR FLUMINENSE 51 
 .3.1Entre a Ideologia da Defesa Social e os processos de produção de subjetividade: 
Guattari e Baratta 54 
4. NO MEIO DE DISPUTAS, BRIGAS E TENSIONAMENTOS: COMO LIDAMOS 
COM OS CONFLITOS NO CHÃO DA ESCOLA 64 
 
 
 4.1 Desafio em sala de aula 64 
 4.2 Em nome da proteção, do cuidado e da segurança 68 
 4.3 O analisador “Mancha Criminal” 72 
CONSIDERAÇÕES MAIS 82 
REFERÊNCIAS 84 
ANEXO I –Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa CFCH/UFRJ 94 
APÊNDICE I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 97 
 
1 
 
.0 COMEÇANDO PELO MEIO – 
A CONSTRUÇÃO DE UM RIZOMA NO PESQUISAR 
 
Maior policiamento nas escolas aumenta rendimento dos alunos: presença de policiais 
militares armados dentro das escolas estaduais através do Programa Estadual de Integração na 
Segurança (PROEIS) estaria tendo efeitos positivos no rendimento e na assiduidade dos alunos, 
segundo a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC). Um levantamento feito 
pelo órgão mostra que 57% das unidades que foram contempladas com o patrulhamento 
apresentaram melhoria, entre o primeiro e o terceiro bimestres, nas notas de português em testes de 
avaliação da rede – diz o jornal O Globo, em 13 de novembro de 2012. 
Escolasmilitarizadas: Ainda em fase experimental, o Programa Estadual de Integração na 
Segurança (PROEIS) nas escolas estaduais está sendo investigado pelo Ministério Público do Rio. A 
Secretaria de Estado de Segurança (SESEG) havia garantido que os policias receberiam um 
treinamento específico para lidar com as crianças, mas uma semana depois de sua implementação, 
nenhum treinamento havia sido realizado. Denúncias envolvendo policiais nas escolas não param de 
chegar à Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC), ao Sindicato Estadual dos Profissionais da 
Educação (Sepe-RJ) e na Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de 
Janeiro (ALERJ) – diz a revista Caros Amigos, em outubro de 2014. 
Tomando como dispositivo o PROEIS, a política pública que torna possível o policiamento 
ostensivo executado pela Policia Militar nas escolas estaduais do Rio de Janeiro, a presente pesquisa 
propõe fazer uma cartografia dos desdobramentos dessa política pública, seguindo (e traçando) 
linhas que em um processo sócio-histórico promovem o ordenamento e o controle do espaço escolar. 
Trazer as reflexões e cores propostas pelos filósofos da Análise Institucional Francesa é fundamental 
para pensar esse campo de pesquisa. 
Para os geógrafos, a cartografia – diferentemente do mapa, representação de um todo estático 
– é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo com os movimentos de transformação da 
paisagem. Alteração de temperatura, de pressão, de clima, de população, de chuva, de vento, de 
acontecimentos. Fatos e dados que não estão ali representados na bidimensionalidade de um desenho 
representativo, mas podem ser colocados transversalmente em uma cartografia, como uma fotografia 
momentânea que a todo momento se renova. 
Mais importante do que listar fatores que compõem uma problemática é revelar a 
processualidade deles, mostrar as forças que os compõem, que relações de poder estão em jogo no 
2 
 
plano estudado. Em conjunção com as pontuações de Michel Foucault (1986), compreende-se a 
história como um campo de forças em combate, onde se percebe a transitoriedade dos fatos, 
descontruindo um suposto saber científico que propõe revelar a essência dos acontecimentos que 
estão no mundo, como se algo estivesse prestes a ser revelado, coletado. Essa reflexão nos impõe 
pensar a neutralidade da pesquisa quando está em campo, fazendo-nos questionar sobre como 
conjugamos o verbo conhecer, ao passo que propomos entrar em contato com o que não está dado, 
fugindo de uma ciência da representação. 
O cheiro da escola. Suor, vento batendo, leve umidade, sabor da merenda sendo servida, de 
longe sentir que o almoço está sendo preparado. Cores gritantes em cartazes, avisos e fotos, gritos, 
correrias, risos. Para muitos o ambiente escolar compõe um caos inaceitável, impossível de conviver 
com, motiva a nunca mais querer estar ali. Entretanto, ao mesmo tempo esse caos compõe vida, 
produz multiplicidade. Trocas, diálogos, vidas se fazem entre os muros da escola1. Ver potência no 
encontro que se dá entra duas e mais pessoas em um espaço, trocando, compartilhando, convivendo, 
aprendendo. Juntos. Carregar água na peneira, peraltar ou amar despropósitos, ser educador é dar 
poder de voz, fazer reverberar, enunciar. 
A instituição escolar nos carrega, compreendendo como um movimento dinâmico, como 
teoriza Lourau (1993), desde cedo: na creche durante a Educação Infantil, nos colégios durante o 
Ensino Fundamental e Médio, e na universidade no Ensino Superior. Carregar por ser levado, 
conduzido a diversos espaços, momentos, experiências e perspectivas, mas também carregado por 
me sentir forte, revigorado, com carga a cada vez que habito o espaço físico de uma escola. Ao 
longo do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e de 
Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através de esforços pude 
experimentar interseções entre os dois campos de saber, traçando paralelos e cruzamentos 
interessantes, sejam em pesquisas, estágios ou disciplinas, o disparador para esse projeto de pesquisa 
surge. 
Realizando o estágio curricular de didática no Ensino Médio de Pedagogia, alocado em uma 
escola estadual no centro do Rio de Janeiro, me vi surpreso com a política de educação (ou de 
segurança pública?) de entrada da Polícia Militar nas escolas estaduais do Rio de Janeiro que estava 
para ser implementada no então início do ano de 2012. Junto com aquele cenário escolar, composto 
por alunos, pais, professores e funcionários, questionava esse ato por nunca antes ter visto nenhuma 
 
1 Referência ao filme francês “Entre os Muros da Escola” (2008), que ao retratar o cotidiano de uma escola pública do 
subúrbio de Paris, na França, traz discussões sobre multiculturalismo, currículo, desigualdade social e de uma 
pedagogia voltada para a docilização social. 
3 
 
ação como essa, muito menos discussões sobre esse tema. Ali, naquele momento, era alardeado pelo 
governo que esse programa promoveria a ordem pública em espaços urbanos, trazendo prevenção e 
segurança a “espaços inseguros, para evitar novo Realengo2”, como determinadas escolas do estado 
do Rio de Janeiro (SEEDUC, 2012). 
Divulgar e usar o medo como justificativa de certa ação de segurança, de estabelecimento da 
ordem. Nenhuma catástrofe poderia acontecer, nenhum atentado, nenhuma desordem. Pautar o medo 
como regulação social usando como justificativa de um evento pontual para implementar uma 
política para toda a rede de educação estadual pública. De que Wellingtons1 nós temos medo? Será 
que são todas as crianças de todas as escolas públicas? Em que escolas nós queremos policiais para 
controlá-las? 
Estar em escolas pesquisando sobre a presença da polícia é uma prática de intervenção no 
mundo (LOURAU, 1993; ROCHA, AGUIAR, 2003), pois, como procedimento de aproximação 
com o campo, mostra-nos que ambos – pesquisador e pesquisado, ou seja, os ditos sujeito e objeto 
do conhecimento – se constituem no mesmo momento, no mesmo processo. Pensar com as 
ferramentas propostas pelos teóricos da Análise Institucional faz olhar o mundo com outros olhos, 
trocar de olhos. Estranhar processos, desvincular acessos, desconstruir. Imbuído nisso, é possível 
fazer considerações ou apontamentos possíveis, mesmo não sabendo o que encontraremos. 
Ao começar a pesquisar o tema, em 2012, ainda antes do mestrado, me incomodava o fato do 
programa ter surgido sem muito alarde, como uma noticia cotidiana e de forma tão propagandeada, 
como a nova solução milagrosa da semana. Tinha como suposição na época que as escolas 
escolhidas para receber o programa, até então, receberiam algum tipo de bonificação ou ainda por 
serem “carros-chefe” da secretaria, seja por serem muito visadas, seja por serem cartões postais, seja 
por estarem em ruas ou localizações chamativas. Era uma das minhas curiosidades entender que 
escolas eram essas, mas já percebendo que desde então havia escolha, que era possível perceber 
critérios criminalizantes desde então. 
Frente a isso, entendendo até aquele momento que a presença policial nas escolas era imposta 
pela secretaria, os alunos, professores e funcionários deveriam conviver com eles. Como seria essa 
relação? Tendo como aposta de que em muitos destes lugares a existência da polícia militar era mal 
vista, o que era feito? Se era bem quista, como era essa relação? Se muitos desses lugares se 
 
2Em 7 de abril de 2011, o jovem de 21 anos Wellington de Menezes entra na Escola Municipal Tasso da Silveira, no 
bairro de Realengo, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mata onze crianças, em seguida é mortopor um policial. O fato 
que tomou proporções nacionais e internacionais começa a ser chamado então de “massacre de Realengo”. 
Retornaremos a esse acontecimento no segundo capítulo. 
4 
 
opunham a continuidade desse programa, o que era possível fazer? Que resistências e desvios eram 
possíveis serem operados? 
Em muitas práticas de pesquisa ver e conhecer são duas faces da mesma moeda. Há aqui, 
uma convocação a que habitemos um certo modo de ver e estar no mundo, deslocando o verbo 
‘conhecer’ da sua tradicional conexão com o ‘ver’ (CIDADE, CUNHA, BICALHO, 2014). Em 
algumas, pode-se afirmar que conhecer é ver. Não qualquer ver, mas uma maneira determinada, 
construída por diversos protocolos através de estratégias que separam o ver das contaminações com 
o sentir, como os afetos e paixões do corpo, com as contingências do lugar de onde se observa algo 
produzindo um ver almejando o máximo de objetividade, um ver desencarnado. 
O método não é um modo de lidar com o mundo dado lá fora, mas sim uma prática de 
performá-lo, de fazê-lo existir. Do trampolim para o ar para a água: trazendo Barros e Kastrup 
(2010), do cartógrafo se espera que ele mergulhe nas intensidades do presente para dar língua para 
afetos que pedem passagem. É preciso cambiar os olhos, ser estrangeiro em nossa própria língua e 
território. Afirmar uma cartografia é evitar o predomínio da busca por informação para que então o 
nadador possa abrir-se ao encontro. O território vai sendo explorado por olhares, escutas, pela 
sensibilidade aos odores, gostos e ritmos. 
Sobre o que podemos falar é como se dará o processo, invertendo o processo metodológico. 
Como propõem Passos, Kastrup e Escóssia (2010), se o caminho a ser percorrido no fazer das 
práticas e vivências do pesquisar não pode ser dado a priori em busca de metas a serem alcançadas, 
meta-hódos, a ideia é reverter o sentido, o caminhar que traça no percurso suas metas, hodos-metá. 
Não falando de hipóteses, mas sim de apostas. Como pesquisador no campo problemático da 
educação e da segurança pública, surge essa forma de fazer para problematizarmos as forças que 
produzem este modo de ser aluno na escola policiada, e os discursos prontos trazidos por 
professores, pelos diretores, pela sociedade, pela mídia, por nós enquanto pesquisadores. Não 
significa desconfiar ou desacreditar das políticas públicas atualmente geridas, ou ainda 
desempoderar as escolhas de cada um, mas sim colocar em análise as práticas sociais, os instituídos 
e as instituições. Habitar esse plano para ver que movimentos emergem, sem pensar em 
consequências ou causas, mas em vetores. 
Escrever sobre a metodologia que utilizamos na pesquisa é sempre um processo, sujeito a 
mudar de rota a qualquer momento. Frente à submissão e aprovação do projeto de pesquisa no 
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – CAE 31673314.7.0000.5582 (Anexo I) - no início 
da pesquisa, era planejado fazer grupos com estudantes; entrevistar secretários, estudantes, 
5 
 
coordenadores, diretores, inspetores, professores e policiais, atores que articulam esse cenário, 
habitar o cotidiano das escolas policiadas podendo dar voz às contradições presentes, invisiblizados 
no maniqueísmo de afirmar se a polícia é boa ou não para aquele espaço. Até então, naquele 
momento, isso só seria possível a partir do momento em que conseguisse a autorização da SEEDUC 
para ir às escolas. 
 Durante o ano de 2014, após alguns meses indo de protocolo em protocolo, sendo 
redirecionado, onde sempre culpabilizavam a “velha burocracia brasileira”, falando sobre todas as 
demoras que “ninguém” tinha responsabilidade ou maneira de alterar. Já que nada se mexia, resolvi 
começar ir até as escolas. Em uma delas, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, conversando sobre o 
projeto com a coordenadora, que ao ser solicitada para que viabilizasse a entrada da pesquisa em sua 
escola, propõe: tudo bem você fazer as entrevistas, mas não sei sobre o grupo com os alunos. Você 
até pode conversar com eles, mas não em grupo! Primeiro porque eles tem horário integral, não sei 
como tiraríamos eles da sala, segundo porque não queremos gerar outra onda de polêmica com isso 
tudo, de novo. Há dois anos quando tudo isso surgiu, houve uma grande mobilização por aqui, só se 
falava disso! Hoje está mais tranquilo, as pessoas aceitaram. 
O que esse discurso e essas negativas à entrada da pesquisa nas escolas nos mostram? Weber 
(1971) nos faz pensar no conceito de burocracia, isto é, atividades relacionadas à administração 
pública, pautada pela eficiência e guiada por normas, atribuições específicas e esferas de 
competência bem delimitada. Ao mesmo tempo que traz rigidez, grande quantidade de regulamentos 
e maior padronização, resulta em lentidão dos processos, ineficácia. A grande crítica do autor não é 
só em tratar da avançada organização administrativa, mas também de uma forma de legitimar a 
dominação. Concebida como um obstáculo à participação democrática popular,totalmente formal e 
impessoal, a fim de alcançarem os fins pretendidos, a burocratização silencia reflexões coletivas em 
nome da ordem e da produção. 
O engessamento institucional, aqui traduzido por George Lapassade (1977) como burocracia 
pedagógica, visibiliza embarreiramentos e bloqueios, como algo imposto, de cima para baixo, 
hierarquicamente controlado que retira os espaços de discussão e a capacidade de decisão coletiva 
sobre a gestão e os processos cotidianos institucionais. 
Depois de mais de nove meses esperando a autorização formal da SEEDUC, decidi seguir 
pelo caminho de fora: procurar outros recursos para a pesquisa que não dependessem dessa 
protocolação toda. Primeiro, através de ligações e emails, solicitei conversar com os gestores e 
administradores do PROEIS para poder compreender melhor sobre o que estava pesquisando, visto 
pelos olhos de quem controla esse programa de dentro. Ao passo que me diziam que em nada 
poderiam acelerar os processos burocráticos, me encaminharam diversas informações, dados, 
6 
 
formulários, apresentações, tabelas e estatísticas sobre o programa, que além de me ajudar a 
entender o tamanho e a inserção desse programa, esses dados me propiciaram confeccionar 
analisadores e reflexões que serão apresentados ao longo do texto, como o mapa da “mancha 
criminal” trazido no terceiro capítulo. 
Após essas conversas, iniciei uma busca para entrevistar os atores do cenário estudado. 
Através de amigos, colegas, familiares e das redes sociais aos poucos os participantes da pesquisa, 
junto comigo, foram (re)constituindo a rede estudada. O único critério de inclusão foi: trabalhar ou 
estudar em escola estadual do Rio de Janeiro com a presença da Polícia Militar pelo PROEIS. 
Interessante expor que os primeiros que aceitaram conversar sobreo tema, que também foram os que 
indicaram um grande número de colegas para participar da pesquisa, são professores ligados a 
movimentos sociais, às lutas sindicais e grevistas, sendo alguns deles ligados ao Sindicato Estadual 
de Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, o Sepe-RJ3. Essas pessoasqueriam contar suas 
histórias sobre suas escolas e o que tem a dizer sobre a relação com a polícia, pois havia algo a ser 
dito. Frente a esse dado, é importante pensar, que também será trazido ao longo do texto: hoje, quem 
quer falar sobre a polícia na escola? 
Em cada entrevista feita, me conectava com o depoimento, muitas vezes, extremamente 
sofrido em falar da profissão-professor ao lidar com esse programa, a ponta de um iceberg dentro do 
cenário político-educacional atual4. Dos vinte e três entrevistados, todos os quatorze professores queconversaram comigo com certeza foram os que mais me impactaram, me fazendo também me sentir 
cansado, sucateado, culpabilizado, em um muro de lamentações. Cada entrevista, de mais de uma 
hora, me deixava carregado, tão conectado com aqueles relatos de heróis cansados enxugando gelo, 
como alguns disseram. Até que ponto também me vejo nesse mesmo lugar, desse mesmo jeito, 
fazendo essa pesquisa, analisando esse programa? Importante trazer essas questões, mas ressaltar a 
prudência de não fazer uma pesquisa-panfletária, que não tem o objetivo de afirmar o certo ou o 
errado, que instituição ou órgão está correto. 
Fugindo de possíveis interpretações e teorias da representação, não se perguntará o que quer 
dizer, perguntar-se-á com o que o programa que institui o policiamento das escolas funciona, em 
conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, sempre dizendo do “como”, dos 
acoplamentos, dos conjuntos e das conexões, também dos “porquê”, dos “quando” e dos “onde”. 
Mostrar o campo de forças operando em um plano comum de acessos, entre os atores que fazem 
 
3Desde o início do PROEIS, uma das principais bandeiras de luta do sindicato em suas manifestações, conversas com o 
governo do estado e nas greves dos professores é contra a polícia nas escolas, sendo inclusive uma das pautas de debate 
entre as chapas na campanha de 2015 de eleição do sindicato. 
4A discussão sobre a militarização da educação será trazida no terceiro capítulo. 
7 
 
parte da pesquisa, trazendo as relações institucionais e suas encomendas, negativas, demandas, 
silêncios, questionamentos, verborragias. Escrever também constrói significações e explicações, 
extremamente conectadas com modo com que se faz, isto é,agrimensar, cartografar, mesmo que 
sejam regiões ainda por vir. 
Para então mapear e acompanhar nascimento, desenvolvimento a partir de problematização 
das linhas de força envolvidas na constituição de um determinado objeto, propõe-se a concepção de 
rizoma. Discussão trazida por Félix Guattari e Gilles Deleuze (1995; 2011; GUATTARI, ROLNIK, 
2013) ao longo de sua escrita conjunta sobre o modo de compreender o conhecimento, o conceito 
aparece contraposto à noção de raiz e dos sistemas arborescentes no modelo científico. Posta como 
clássica, binária, significante e hierárquica, a raiz contrasta em relação ao rizoma por apresentar 
ramificações, laterais, circulares e modos pivotantes, não dicotômicas. 
Ao invés de questionar o “que é isso?”, “quem somos nós?”, encerrar questões em lógicas 
binárias que não possibilitem a compreensão da multiplicidade dos processos, deslocar o ponto de 
vista para “que se passa com nós mesmos?”. Fazer isso coloca em relevo o sentido e valor dos 
fatores que acontecem conosco, e dos que fazemos também, no presente, não mais perguntando 
sobre as condições necessárias para determinar a verdade das coisas, até porque entendemos que a 
verdade é uma construção histórica (FOUCAULT, 2003). Não importa descobrir o que somos nós e 
sim perguntarmos como chegamos a ser o que somos, para, a partir daí, podermos contestar aquilo 
que somos, dar visibilidade aos elementos discursivos e não-discursivos, os dispositivos de um 
determinado processo histórico, operação essa titulada de genealogia por Foucault (1986). É de tal 
contestação que se pode abrir novos espaços de liberdade, para que possamos escapar (um pouco) 
das coerções vividas. 
Não é possível justificar um rizoma por modelo estrutural, montar eixos e organizações 
supostamente calcadas no presente que, baseadas no passado, expliquem o futuro. Sem sujeito nem 
objeto, fazendo uso de dimensões, linhas, versões e direções movediças, é factível construir mapas, 
sempre desmontáveis, conectáveis, reversíveis, modificáveis, com múltiplas entradas e saídas, a 
partir de experimentações inteiramente ancoradas no real, resistindo a estruturas regulamentares; 
localizar os impasses sobre o mapa e por aí abrir saídas possíveis, operar novas conexões. Não basta 
bradar pela multiplicidade, somando forças com Deleuze e Guattari (2011), é preciso fazer o 
múltiplo, de maneira simples, com força de sobriedade, sempre retirando a unidade, junto com todas 
as generalizações e universalizações, construindo assim um sistema rizomático. 
Como foi construída a noção de que uma política pública que institui o policiamento 
ostensivo nas escolas estaduais do Rio de Janeiro é a atual “solução” para o manejo de situações de 
8 
 
conflito escolar? Como uma saída possível frente a um cenário múltiplo e complexo, o PROEIS se 
torna uma “caixa-preta” (Latour, 2000): por mais controvertido que seja seu funcionamento e seu 
desenvolvimento, a questão que é importante é o resultado final, ou seja, “manter as escolas em 
funcionamento normal” (SEEDUC, 2012).Essa rede tensa e supostamente estabilizada está 
relacionada a fluxos, circulações e alianças, devendo ser compreendida como uma lógica de 
conexões e agenciamentos, onde os atores e actantes se relacionam, interagem, interferem e sofrem 
interferências. 
Todas as entrevistas foram feitas presencialmente nos mais diversos lugares da cidade e do 
estado do Rio de Janeiro. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e 
Esclarecido (Anexo II), em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 
466/12, que regula a ética em pesquisa com seres humanos. Foram feitas, de fevereiro a maio de 
2014, vinte e três entrevistas, todas gravadas e transcritas, sendo quatorze professores (três de 
português, três de geografia, dois de física, dois de história, um de sociologia, um de filosofia, um 
de música, uma de biologia), um inspetor, um aluno, uma diretora de colégio, três policiais, uma 
jornalista, dois profissionais da SEEDUC. Serão apresentadas de maneira transversal na escrita, 
monstrando-se relevantes para ver e falar o assunto em discussão. Apostamos, na transversalidade 
enquanto ato, verbo necessariamente no infinitivo. A ideia de transversalizar parte de um 
posicionamento para ação, posicionamento o qual não consiste num ponto fixo, mas a partir de 
diferentes composições oblíquas no espaço. Ação que opera no sentido da constituição de operações 
que permitem outro modo de investigar (BARROS; PASSOS, 2012). 
Os relatos, histórias e contos não ganharão nome, apenas uma identificação de acordo com o grupo 
que pertencem, mantendo os nomes originais em sigilo, assim como seus dados pessoais; o nome 
das escolas e os respectivos bairros também foram mantidos em sigilo, para evitar qualquer tipo de 
identificação. Como meio figurativo, as escolas retratadas nos casos serão identificadas apenas pelo 
bairro onde se localizam, para mostrar que, independente do nome, da locação ou do público que 
frequenta a escola, os casos são universais, poderiam ter acontecido em qualquer lugar, em qualquer 
instância. 
Como forma de trazer todos essas vidas, histórias e informações, um estilo de escrita é 
demarcado como forma de operar a pesquisa: o discurso indireto livre é escolhido então como 
política de escrita. Estamos diante do conceito do filósofo russo Mikhail Bakhtin, que Deleuze e 
Guattari(1995; 2003; DELEUZE, 1985) examinam nas obras de Franz Kafka (“A Metaformofose”) 
e Jean-Luc Godard (“Adeus à Linguagem”, “Acossado”, “Viver a Vida”), que também apresenta-se 
nas obras de Machado de Assis (“Dom Casmurro”, “Quincas Borba”). Este abrange ao mesmo 
tempo dois modos de narrativa: o discurso direto e o discurso indireto. O discurso direto evidencia a 
enunciação de alguém, mantendo-se sua forma original, entre aspas, em primeira pessoa. O discurso 
9 
 
indireto apresenta-se em terceira pessoa, contendo comentários, impressões e elementosde ligação, 
sendo assim a voz do narrador relatando, a seu modo, a fala de outra pessoa. 
 Bakhtin (1978) divide esses dois modos de olhar o discurso em dois estilos, o linear e o 
pictórico. No primeiro, o locutor conserva a voz do outro, criando fronteiras nítidas à volta do 
discurso citado. Já no segundo, o escritor infiltra suas réplicas e seus comentários individuais no 
discurso do outro, desfazendo a estrutura compacta do discurso citado e apagando as fronteiras entre 
os dois enunciados. A escolha do discurso mostra o posicionamento ideológico dos sujeitos 
discursivos, isto é, de quem escreve. Essa estratégia de representação da palavra alheia é uma 
importante ferramenta na criação de efeitos de sentidos intencionados pelo autor. As estratégias 
empregadas para a reprodução do discurso de outrem acarretam em tons valorativos, representando 
assim uma tomada de posição. 
O discurso indireto livre aponta uma concepção diagonal onde o discurso a transmitir e 
aquele que serve à transmissão são apresentados ao mesmo tempo como conjuntos e distintos: é um 
discurso no discurso. Não há marcas que assinalem a separação da fala do narrador da fala da 
personagem, como os verbos de elocução, os sinais de pontuação e as conjunções que aparecem nos 
discursos direto e indireto. O discurso indireto livre é um discurso na forma pronominal em terceira 
pessoa, mas que mantém conteúdos, expressões do discurso, revelando a heterogeneidade interna ao 
discurso (KASTRUP, 2005). 
Ao passo que são reportadas falas de personagens entremeadas às do narrador, fundido às 
vozes que falam; aos poucos vai sendo gerada uma dissolução das pessoas que ali se pronunciam. 
Trazer fragmentos de histórias, trechos de entrevistas, relatos, notícias de jornal, pesquisas públicas, 
dados institucionais. Entretanto, não é de citações que aqui se trata. Trata-se, na verdade, de 
apropriações de uma massa discursiva de outrem, que é “roubada”, como por um “bom ladrão de 
ideias”. Nossa fala não é unicamente nossa. Nela encontram-se inseridas múltiplas vozes. Ao 
manifestar de forma ativa o seu ponto de vista acerca da palavra alheia, o locutor apresenta-se 
também como construtor do seu discurso, o que lhe confere o poder de se aproximar ou de se afastar 
da ideia sugerida pela palavra citada. 
O campo problemático apresentado vai ganhando sentido mediante a articulação de vários 
textos e ideias de outrem, a partir da dimensão coletiva e polifônica da linguagem – uma formulação 
remete a outras, compondo um bloco de discursos articulados, um conjunto de dizeres que 
caracterizam o caráter eminentemente plural e coletivo da enunciação. Assim, criam-se redes de 
enunciação, sem opor lados ou criar cisões, colocando os discursos no mesmo plano. 
10 
 
Usar da não nomeação, não identificação e de uma proposital sensação de desconhecimento 
de quem enuncia o texto é uma política de escrita. Fazer a construção da pesquisa transbordar o 
traçado das palavras, evidenciando a experiência e a vivência dos sujeitos que compõe o pesquisar, 
sendo pesquisadores desse campo junto comigo. Criar conexões e intercessores, abolindo a forma-
Eu, tão importante nos modelos de pesquisa baseados na representação, para com-por, ir colocando à 
mostra os planos de força, como construir uma colcha de retalhos, integrando macro e micropolíticas 
cotidianas, que tecem o campo problemático da pesquisa. 
Quem disse aquela parte no texto: o entrevistado, a notícia ou o pesquisador? Retirar o 
pronome pessoal da enunciação do texto é colocar em questão a forma de escrever um texto 
acadêmico e de tornar a pesquisa um processo. Nublar quem diz é sensibilizar ao que se diz, 
arredando as possíveis interferências acopladas à titulação de quem fala junto ao discurso que se lê 
para fazer ver e falar as inúmeras contradições e problemáticas presentes no chão na escola. Usar o 
discurso indireto livre como ferramenta é tornar os autores e as práticas não como objetos, mas 
como intercessores. Assim, o importante no discurso indireto livre não é a mistura de dois discursos 
diretos que os conservaria na sua identidade própria, mas a amálgama que os torna indiscerníveis e 
que atiça um movimento que afeta a todos eles. 
Além das entrevistas e dos dados fornecidos pela SEEDUC, também foram utilizadas na 
pesquisa reportagens dos jornais O Globo e Extra dentre o período de março de 2011 a maio de 
2015, a partir do acervo geral disponibilizado online; matérias do site do governo, tanto da 
Secretaria de Estado de Educação, quanto da Secretaria de Estado de Segurança. Utilizar os 
informes que são produzidos pela mídia para contar a história que é apresentada é uma forma de 
mostrar como é operada a construção da imagem de uma política pública hoje. Propor reflexões 
entre a área da Psicologia e a da Educação, em relação às lógicas de proteção e cuidado da infância e 
da adolescência nos espaços escolares, dizendo de certas formas de governar determinadas 
populações, a partir da disciplina escolar. 
Que modos de segurança, proteção, disciplina e cuidado são esses? É necessário interrogar 
não só as transgressões e desvios da ordem, mas que lógicas, desde a palmatória até a entrada da 
polícia nas escolas, estão por trás dessas normatizações. Que modos de funcionamento sustentam 
essa judicialização da vida escolar? Que modos de proteção e cuidado são utilizados, o que permeia 
essa relação norma-transgressão-castigo no espaço escolar? 
Desse modo, a justificativa da pesquisa tem como ponto contribuir para a reflexão para as 
intercessões teóricas e práticas entre psicologia, educação e segurança pública. Com a devolutiva às 
pessoas entrevistadas, a publicação da dissertação e de artigos, propagar conhecimentos sobre essas 
áreas de estudo para futuros pesquisadores. Restituir aquelas pessoas que participaram da pesquisa 
11 
 
dos resultados obtidos, devolver um pouco de tudo o que foi feito, para assim que o conteúdo e o 
conhecimento estudado continuem ressoando. Conversar presencialmente, de maneira implicada, 
sobre o que e como foi pesquisar esse tema, entendendo também como mais uma intervenção do ato 
de pesquisar. 
No primeiro capítulo, intitulado “Da palmatória à Polícia: Genealogia das lógicas 
disciplinares na escola”, as práticas de controle, punição e castigo no contexto escolar brasileiro ao 
longo dos séculos são tomadas como dispositivo para fazer ver e falaras lógicas disciplinares que 
circulam dentro desse espaço. Estas são pensadas como eixo importante no processo histórico de 
universalização da escolarização e sua função fundamental na produção da subjetividade – 
organizar, controlar, docilizar – útil para fazer funcionar determinados modos de governar em 
sociedade. A partir das reflexões trazidas por Foucault (1986), é tomado como recurso metodológico 
nesse capítulo a genealogia, pois exige a busca da singularidade dos acontecimentos, ou seja, requer 
o entendimento da emergência e proveniência de um determinado saber, daquilo que é singular, 
contingente. Do suplício (palmatória, régua; ajoelhar no milho; ser colocado de frente para a parede; 
palmatória), passando pelo poder disciplinar (distribuição no espaço; uniforme; comportamento; 
fileiras; silêncio; professor fala, aluno em silêncio, copiando) à biopolítica (estimativas, estatísticas, 
rendimentos, medições, polícia nas escolas), são trazidas correlações entre as práticas e as 
instituições, esclarecendo a coexistência desses regimes e dessas lógicas disciplinares no contexto 
escolar, mostrando as transformações ao longo do tempo e suas conexões. 
No segundo capítulo, nomeado como “Mídia, medo e ordem: dissensos sobre polícia, 
segurança e violência– reverberações na escola”,é escolhido como dispositivoa produção do 
grande bombardeio de imagens, notícias, reportagens e estatísticas veiculadas em noticiários da 
grande mídia televisiva, virtual e impressa nos últimos anos sobre o campo da segurança pública em 
interface com a educação, especialmente a partir do acontecimento Realengo para pensar sobre a 
produção de uníssonos sobre esses temas. Aos poucos, ao trazer elementos e discussões, na conexão 
entre cultura de massa, fetichização da polícia e segurança pública vão sendo produzidos dissensos, 
estranhamentos, controvérsias. Decompor esse campo problemático colocando-o quase como um 
engano, assinalando como a mídia é um importante agenciamento na produção de discursos de 
ordem, ao passo em que produz um grande esplendor, uma aura mágica, unificando vozes, 
silenciando as contradições e dissonâncias. Atua como ordenamento social ao passo que possibilita a 
circulação de discursos de (in)segurança e medo, por conseguinte a ideia de que a polícia é 
fundamental para a sociedade, construindo a sua glorificação. 
No terceiro capítulo, nomeado ““Apesar da vigilância e da limpeza, os alunos continuam 
deixando suas marcas”: Discursos criminalizantes sobre a juventude escolar fluminense” é 
12 
 
feita articulação entre a discussão sobre ideologia da defesa social, trazidos pela Criminologia 
Crítica de Alessandro Barata (2011) e os processos de produção de subjetividade da Esquizoanálise 
de Guattari (2013), encontrando como principal convergência o que os autores, cada um em sua 
teoria, entendem como culpabilização. Processos encadeados, a ideologia da defesa social, os 
processos de subjetivação e os processos de criminalização andam juntos, principalmente quando o 
foco é introjetar no sujeito algo que ele deveria ter feito ou não, deveria estar em um lugar ou em um 
outro, deveria ser daquela forma ou de outro, injetar culpa no indivíduo. Culpa por ser ou executar 
alguma ação supostamente reprovável, porque contraria os valores e as normas, presentes na 
sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador; culpa por não se encaixar no padrão 
social estabelecido. Ao passo que seleciona, discrimina e marginaliza sendo o primeiro aparelho 
social formal da vida de um indivíduo, a escola reedita as desigualdades sociais, pois entende 
diferenças entendidas como defeitos pessoais; estereótipos transformados em “injustiça 
institucionalizada”; desadaptando o “mau” aluno cada vez mais, até a exclusão do sistema. A partir 
de relatos e histórias colhidas, percebe-se que o sistema escolar, primeiro segmento do aparelho de 
seleção, discriminação e marginalização, reproduz a estrutura social pelos critérios de avaliação do 
mérito individual, com efeitos discriminatórios sobre crianças e jovens de estratos sociais inferiores. 
 No quarto capítulo, denominado “No meio de disputas, brigas e tensionamentos: Como 
lidamos com os conflitos entre no chão da escola?”, a concepção de “mancha criminal” é tomada 
como analisador para falar do atual modo de encarar e lidar com os conflitos nesse espaço, como o 
PROEIS pode ser entendido como uma atualização da judicialização escolar. Da sala de aula a 
utilização do mesmo recurso operado pelos batalhões de polícia militar para promover a prevenção 
contra crimes à mediação judicial dos tensionamentos, a proteção, o cuidado e a segurança 
comparecem como discurso, prática e política pública. Desde a fundamentação do programa em 
trechos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a frases de professores em sala de aula e 
profissionais da SEEDUC, os enunciados manifestam uma sociedade de segurança cada vez mais 
baseada na concepção de um risco iminente, em denúncias e em medidas que são implementados em 
certos lugares diferentes da cidade e do estado. Frente a essas reflexões, é fundamental pensar como 
as questões da escola são cada vez mais levadas para fora para que alguém as resolva e como tem se 
requerido instâncias, contratos ou outros atores, como a polícia, para mediar relações. 
Por fim, mas sem chegar ao final, mais algumas considerações serão feitas, pensando em 
desdobramentos e efeitos das reflexões propostas. Problematizar as lógicas disciplinares que 
circulam no cotidiano escolar, descortinar maniqueísmos recorrentes, pensando em criar caminhos 
alternativos, fazer com que os discursos circulem por outras vias que não só as ditas 
recorrentemente. 
13 
 
A pesquisa contribuirá para criar novos possíveis, propiciar espaços de reflexão que possam 
abrir novos espaços nos cenários escolares pesquisados. A importância de exercer uma pesquisa 
crítica, presente, é justamente abrir buracos, fazer a tão supostamente gasta e violentada instituição 
escolar respirar, entrar novos ares, sair dos caminhos e vãos que grandes estruturas fazem e 
demarcam. Pensar assim é olhar para as crianças e adolescentes a partir de novos possíveis. A partir 
do plantio da semente crítica e questionadora, novas reflexões e buracos surgirão, sempre 
possibilitando novas formas de pensar a educação, as escolhas e outros tantos temas que atravessam 
a vida destes jovens. 
 
14 
 
.1 DA PALMATÓRIA À POLÍCIA: 
GENEALOGIA DAS LÓGICAS DISCIPLINARES NA ESCOLA 
 
“As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas” 
Michael Foucault, em “Vigiar e Punir” 
 
A partir das reflexões feitas pelo filósofo francês Michel Foucault [1926-1984],estudar a 
emergência de um conceito, prática, ideia ou valor é proceder a análise histórica das condições 
políticas de possibilidade dos discursos que instituíram e “alojam” tal objeto (VEIGA-NETO, 2005). 
Uma das principais contribuições desta abordagem é sua estratégia de problematização das linhas de 
força envolvidas na constituição de um determinado objeto. Esta problematização consiste na 
desconstrução ou desnaturalização das formas cristalizadas e instituídas, apontando para o caráter 
contingente que marca a constituição das mesmas, mostrando-as como frutos de uma historicidade e 
de determinadas condições de possibilidade. 
Para Foucault (1986), a genealogia não se interessa apenas por entender como os saberes se 
transformam ao longo do tempo, mas também por que essas transformações ocorrem, evidenciando 
as relações de poder subjacentes à produção do saber. A perspectiva histórica trabalhada pela 
genealogia leva em consideração duas importantes ferramentas conceituais: a noção de gênese e de 
descontinuidade. Pensar a gênese é diferente de pensar o início de algo. Gênese diz respeito às 
condições de possibilidade de emergência, considerando a existência de um campo de forças, de 
disputa. 
A proposta desse estudo é propor reflexões entre a área da Psicologia e a da Educação, em 
relação às lógicas de proteção e cuidado da infância e da adolescência nos espaços escolares, 
dizendo de certas formas de governar determinadas populações, a partir da disciplina escolar, de 
acordo com seu crescimento histórico. Que modos de segurança, proteção, disciplina e cuidado são 
esses? É necessário interrogar não as transgressões e desvios da ordem, mas que lógicas, desde a 
palmatória até a entrada da polícia nas escolas, estão por trás dessas normatizações. 
Tomando as inquietações e desacomodações propostas por Michel Foucault em seus estudos, 
o norte não é buscar fins ou origens nos objetos, mas sim entendê-los como instituições sociais, 
produzidas em práticas datadas a partir de determinados eventos. Para, então, fazer uma genealogia, 
15 
 
toma-se aqui a disciplina escolar como um analisador, para pensá-la a partir de um emaranhado de 
redes e lógicas. 
 
.1.1 Príncipes infantes, crianças plebeias, índios e jesuítas: soberania e castigo 
Lançando suas raízes nas monarquias antigas fundadas pelo direitodivino dos reis, a 
soberania do rei é originária, ilimitada, absoluta, perpétua em face de qualquer outro poder temporal 
ou espiritual (BODIN, 1967). Monarcas funcionavam como representantes de Deus na ordem 
temporal, e na sua pessoa se concentravam todos os poderes. 
Em relação ao registro do poder soberano, durante o século XVI, diante da voz do rei, a 
maior parte das penas aplicadas aos criminosos da época eram banimentos ou multas, pequena 
quantidade era destinada ao suplício, sendo todos acompanhados por exposição em praça pública, 
roda, coleira de ferro, açoite, marcação com ferrete, isto é, um ritual organizado para a marcação das 
vítimas e a manifestação do poder que pune. Mais do que a economia do exemplo, o que sustenta a 
prática do suplício é uma política de medo: tornar sensível a todos, sobre o corpo do criminoso, a 
presença encolerizada do soberano (FOUCAULT, 2011a). 
Todas as vozes se calam diante do medo produzido a partir do exemplo do criminoso sendo 
castigado em público. Nesta forma de governo, o rei controla a vida de seus súditos pela via da 
morte, podendo dizer quem irá matar ou viver, como um fazendeiro cuidando de seu rebanho, como 
um controle pastoral sobre a população (FOUCAULT, 2005). 
No contexto da monarquia, surgem os “infantes”: o termo vem do latim, como “o que não 
fala”, “o não falante”. Esse termo começa a ser utilizado a partir de 1205, em Portugal, para falar 
dos príncipes: o infante é o que ainda está sendo criado, por isso ainda não fala, por razões da idade. 
Diferente das outras crianças, as plebeias, o príncipe infante é aquele que um dia estará autorizado a 
falar o direito, ditando-o para toda a sociedade (HANSEN, 2002). 
 Para alcançar a categoria de adulto e ser criado, virtudes cristãs precisariam ser atingidas, 
para assim, governar bem. Baseada em racionalidade teológico-cristã e uma educação como 
progresso da razão, pensa-se em uma ““criatura frágil e maleável”, que será dominada pelas 
deformações morais decorrentes do pecado original se for deixada à própria sorte” (ALBERTI, 
1918). Segundo mestres da época (HANSEN, 2002), a alma infantil é dominada pela natural 
anarquia que poderá ser contida, no entanto, por meio do exemplo e da correção da família cristã e 
dos mestres qualificados. 
16 
 
O castigo foi o principal meio encontrado para doutrinar essas criaturas indomáveis: o mestre 
modela os hábitos infantis, visando resfriar e canalizar a natural abundância de calor do caráter 
inquieto da infância para o fim superior do autocontrole (VIVES, 1984). 
 Da nobreza de armas, do orgulho de sangue para uma nobreza de lutas civilizada e erudita, 
subordinada ao rei, o poder guerreiro dá lugar ao império da escrita e da lei, privilégio de poucos. A 
educação é então dispositivo que naturaliza a desigualdade social. Constitui a infância por meio da 
instrução e formação, distinguindo o corpo alto, erudito, discreto e sublime do príncipe dos corpos 
baixos, tolos e vulgares das crianças do povo.Os autores dos tratados, sendo cristãos, negam que só 
os homens nobres têm disposição para a virtude, alegando que “o caminho para as coisas grandiosas 
foi franqueado a todos” (ALBERTI, p. 323, 1918). 
 A liberdade de cada indivíduo é definida como subordinação à cabeça real. Para mantê-la, 
interesse do “bem comum”, a educação deve “tornar mais homem”, isto é, quem aprende a agir de 
acordo com o estabelecido visando à concórdia, e a paz do “bem comum”. A política católica é 
definida, entre mestres e príncipes, como uma arte para manter a unidade e a segurança do reino, 
supondo Deus como fundamento mediato da ação política (HANSEN, 2002). Quem se rebela contra 
as leis, rebela-se contra Deus, pois o rei é enunciado por Ele para impor ordem à anarquia dos 
homens corrompidos pela lei do pecado original. 
A diferenciação das classes evidencia-se nas formas de castigo. Diferente das crianças 
plebeias, tidas como vulgares, a repressão e o castigo violento atuam para corrigir a fragilidade ainda 
não dominada; os mestres não deveriam repreender os infantes, pois seria um desacato a lei: 
A educação dos príncipes não sofre desordenada repressão e castigo porque isto é 
uma espécie de desacato. Se controla os ânimos com rigor, e não é conveniente ser 
vil nessas situações. A juventude é um potro que com cabeça dura se precipita e 
facilmente se deixa governar, mas há de se permitir a fragilidade, levando-a 
destramente pelas delícias honestas (FAJARDO, 1976, p. 89, tradução nossa). 
O castigo físico imposto a crianças como método de ensino foi migrado, no século XVI, para 
o Brasil pelas mãos dos padres jesuítas. A história da educação começa então em 1549, com a 
chegada dos primeiros, inaugurando uma crise que haveria de deixar marcas profundas na cultura e 
civilização do país. Movidos por intenso sentimento religioso de propagação da fé cristã, durante 
mais de 200 anos os jesuítas foram praticamente os únicos educadores do Brasil. Expulsos em 1750, 
a partir de quando se criou uma espécie de vácuo em termos de projeções educacionais no País. 
17 
 
As políticas pombalinas5, no final do período colonial, após a expulsão dos jesuítas, pouco 
concluíram em termos de constituição de uma rede estatal de ensino, muito menos pública e 
obrigatória (MEINERZ, CAREGNATO, 2011). Importante destacar que, no período colonial, a 
ideia de identidade nacional e de povo brasileiro não era objeto de atenção; os registros eram de 
etnias que não configuravam ainda um ideal de nação independente. 
Introduzida pelos jesuítas, o padre José de Anchieta recomendava que amar é castigar e dar 
trabalhos nesta vida, onde vícios devem ser combatidos com açoites e castigos (ALVES, 2013). 
Portanto, apanhar, para a criança no período colonial, era trivial. Para os jesuítas, a correção era vista 
como uma forma de amor, sendo que a punição corporal inseria-se no âmbito do controle 
pedagógico ― boa educação implicava castigos físicos e palmadas. Contrário a esse modelo de 
educação, a população indígena não aceitava a prática, exatamente porque desconheciam o ato de 
castigar, espancar, maltratar crianças. 
Por muitos anos o castigo e a punição física foram artifícios muito usados por professores, 
castigava-se fisicamente. Era comum a utilização da régua ou da palmatória para bater no aluno que 
não respondesse, adequadamente, as suas perguntas. A quantidade de palmadas dependia do juízo 
deste professor sobre a possível gravidade do erro. O castigo físico noutras vezes dava-se pela 
prática de colocar o aluno de joelhos sobre grãos de milho ou feijão, ou ainda, de mandá-lo para 
frente da classe, voltado para a parede e com os braços abertos. 
Como se vê, o estabelecimento da palmatória como instrumento de castigo disciplinar, a ser 
aplicado por professores vem desde a segunda metade do século XVIII. Na época, considerava-se 
que os erros dos alunos resultavam da indolência, impondo-se então o castigo corporal como modo 
de remir o “pequeno pecador preguiçoso” (ALVES, 2013). 
É situada na interface da violência física com a psicológica, como por exemplo, deixar o 
aluno em pé durante a aula enquanto os outros colegas permanecem sentados. O aluno é castigado 
fisicamente, pela posição forçada, e moralmente, pelo fato de o castigo imposto se tornar visível a 
todos os colegas, constituindo-se em uma exposição pública da punição (STELKO-PEREIRA, 
SANTINI, WILLIAMS, 2011). Além disso, outras situações de castigo físico, como ficar de rosto 
para a parede, ficar de joelhos no milho, ficar retido na sala de aula durante o recreio, suspender o 
 
5Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a1777, foi o 
responsável pela implementação de reformas que tiveram o objetivo de recuperar a economia através de da concentração 
do poder real e da modernização da cultura portuguesa. Assim, procurou industrializar Portugal, fundou academias, 
incentivou a produção agrícola e a construção naval, entretanto, o exemplo mais conhecido de suas ações reformadoras 
foi a expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus domínios coloniais, como o Brasil, por entender que eles escravizavam 
os índios que eram catequizados (BAUSBAM, 1957). 
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lanche, realizar tarefas extras em sala de aula ou permanecer com os braços suspensos por períodos 
eram punições recorrentemente utilizadas. 
Nos estudos de Michel Foucault (2011a), o uso do castigo físico faz parte de um sistema de 
controle de uma sociedade investida do sentido da ordem e da lei. A vigilância enreda a todos. A 
ideia e a prática do castigo decorrem da concepção de que as condutas de um sujeito – aqui, no caso, 
o aluno –, que não correspondem a um determinado padrão preestabelecido, merecem ser castigadas, 
a fim de que ele "pague" o seu erro e "aprenda" a assumir a conduta que seria correta. 
Isso conduz à percepção de que o entendimento e a prática do castigo decorrem de uma visão 
culposa dos atos humanos (BARATTA, 2011). Ou seja, a culpa está na raiz do castigo. No caso da 
escola, este senso caminha pela seguinte sequência: um aluno manifesta uma conduta não-aprendida 
e, por isso, é culpado; pelo “bem comum”, como tal deve ser castigado de alguma forma, a fim de 
que adquira e direcione seus atos na perspectiva da conduta considerada adequada. 
Pensando em uma sociedade “para todos”, desde essa época, o governo da sociedade é 
guiado pela ideologia da defesa social, aqui trazidos por autores da Criminologia Crítica 
(BARATTA, 2011). A partir de princípios que visavam o suposto bem de todos, entende-se que 
proteger e cuidar dos infantes é cuidar do futuro da sociedade, constituído a partir do discurso 
repressivo. 
Pautar-se na ideologia da defesa social é estabilizar os questionamentos, no sentido que 
possui o efeito de legitimar cientificamente e de consolidar a imagem tradicional da criminalidade, 
como própria do comportamento e do status típico das classes pobres na nossa sociedade, e o 
correspondente recrutamento efetivo da “população criminosa” destas classes. 
 
.1.2 Uma escola para chamar de sua (ainda não para todos): disciplina e controle 
Com a mesma etimologia da palavra “discípulo”, que significa “aquele que segue”, disciplina 
tem a ideia de submissão ou respeito às regras, às normas, àqueles que são seus superiores, 
regulamentação que garante a satisfação de indivíduos ou instituições, submissão ou respeito a um 
regulamento (MICHAELIS, 1998). Nesse sentido, as normas passam a ser compreendidas como 
condição necessária ao convívio social. 
Para Foucault (2011b), a disciplina é um princípio de controle de produção do discurso, 
fixando os limites do jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das 
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regras. O filósofo francês nos lembra que a disciplina é um elemento central no controle da 
sociedade (2011a), seja regulando o corpo, a alma ou as populações. 
 É a disciplina — enquanto "anatomia política do detalhe" (FOUCAULT, 2001a, p.128) — 
que funciona como um operador, como uma técnica, em bloco, capaz de colocar para dentro de cada 
indivíduo o olhar do soberano que se apaga com o raiar da Modernidade. Esse apagamento só é 
possível porque se dá um duplo deslocamento da disciplinaridade: do âmbito religioso para o âmbito 
civil e do âmbito do indivíduo para o âmbito da população (VEIGA-NETO, 2000). 
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, o poder da soberania é substituído gradativamente pelo 
poder disciplinar e, por conseguinte, as monarquias soberanas se convertem aos poucos em 
verdadeiras sociedades disciplinares. Mas a que se deve esta transformação histórica? É nesse ponto 
que a pesquisa de Foucault revela que, ao longo desses dois séculos, multiplicaram-se por todo o 
corpo social verdadeiras instituições de disciplina, tais como as oficinas, as fábricas, as escolas, os 
manicômios, os hospitais e as prisões. 
Ao contrário do que ocorre no âmbito do poder soberano, o poder disciplinar não se 
materializa na pessoa do rei, mas nos corpos dos sujeitos individualizados por suas técnicas 
disciplinares. Enquanto que o poder soberano se apropria e expia os bens e riquezas dos súditos, o 
poder disciplinar não se detém como uma coisa, não se transfere como uma propriedade, deixa o 
campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata. 
Ao passo do controle dos corpos, “o poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de 
se apropriar e retirar, tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se 
apropriar ainda mais e melhor" (FOUCAULT, 2011a, p.143). Isso porque a modalidade disciplinar 
do poder faz aumentar a utilidade dos indivíduos, faz crescer suas habilidades e aptidões e, 
consequentemente, seus rendimentos e lucros. O poder disciplinar, através de suas tecnologias de 
poder específicas, torna mais fortes todas as forças sociais, uma vez que leva ao aumento da 
produção, ao desenvolvimento da economia, à distribuição do ensino e à elevação da moral pública, 
por exemplo (FOUCAULT, 2011a). 
Ao passo de uma anátomo-política, o corpo só se torna útil se é ao mesmo tempo corpo 
produtivo e corpo submisso. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que 
pode ser transformado e aperfeiçoado. Longe de serem regimes distantes, poder soberano e 
disciplinar coexistem, porque ao mesmo tempo em que há uma posição hierárquica de poder que 
comanda as leis, regras e normas que cuidam das instituições, há o poder que se entranha através da 
disciplina por meio dessas mesmas instituições. 
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Técnicas minuciosas, muitas vezes íntimas, que definem um certo modo de investimento 
político e detalhado do corpo, aparecem na educação cristã, na pedagogia escolar ou militar, de 
todas as formas, finalmente, de treinamento. A minúcia do regulamento, o olhar esmiuçante das 
inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo proporcionam no quadro da escola 
uma racionalidade econômica ou técnica ao cálculo do ínfimo e do infinito. 
A invenção da escola no século XVII concebe um certo modo de olhar o desenvolvimento 
que cria uma certa forma de infância. Ariès (1981) nos traz que, de um olhar ligado à ideia de 
fragilidade e de morte, a escola produz um “apego” à infância ligado a um interesse psicológico e 
moral por querer conhecê-la. 
Distribuição no espaço, esquadrinhamento: ordenação por fileiras, os alunos sentam-se 
alinhados; aulas expositivas, o aluno somente copia; os alunos em silêncio, o professor manda; filas 
nos corredores, nos pátios, de acordo com uma série de critérios pré-estabelecidos (ordem de idade, 
separação por sexo, por comportamento, por desempenho), marcando hierarquia do saber ou das 
supostas capacidades: “a organização do espaço serial fez funcionar o espaço escolar como uma 
máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT, 2001a, 
p. 242). 
Em um contexto do século XIX, onde a sociedade burguesa atinge o seu apogeu, a educação 
é utilizada como cimento ideológico para garantir soberania nacional e popular: instituição pública, 
universal, obrigatória, como instrumento para unidade nacional. Tendo a ciência e a razão grande 
poder, a partir do legado iluminista e do projeto liberal de mundo vigente, além do nacionalismo 
como propulsão de política de implantação de sistemas educacionais públicos, a escola ganha a 
concepção de instituição “redentora da humanidade”.A ideia de identidade nacional e de povo brasileiro emerge como necessidade a partir do 
Império, mas o de um povo com características próprias e comuns só vai ser consolidado a partir da 
década de 1930, por meio de elaborações como a obra de Gilberto Freyre, “Casa-Grande e 
Senzala”.O sentido político da inexistência da expressão “povo brasileiro” até então denota um 
vazio diante de uma nação não unificada e sem políticas estatais para todos, bem como a ausência de 
políticas educacionais para a população em geral no período imperial. 
Políticas pensadas para uma escolarização mais ampla não eram nem pauta, pois, até 1888, o 
país viveu em um sistema escravista que não viabilizava na prática a educação massiva, em termos 
de políticas concretas, muito embora, nos textos da Constituição de 1824, já apareça a ideia de 
instrução primária e gratuita para todos. Confirmado em 1827, pela lei de 15 de outubro, que então 
previa a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e vilarejos. 
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Entretanto, a promulgação do ato adicional de 1834, que delegou às províncias a prerrogativa 
de legislar sobre a educação primária, fez com que o governo central se afastasse da 
responsabilidade de assegurar educação elementar para todos. Tanto com o surgimento de novos 
centros urbanos pela província, quanto pelo esplendor exibido nas fazendas dos barões do café via-
se a prosperidade trazida pelo "ouro verde", o que propulsionou o desenvolvimento da educação, 
notado pela construção de várias escolas por todas as cidades, mesmo que só para a elite. 
A descentralização da educação básica, instituída em 1834, foi mantida pela República, na 
Constituição de 1891, impedindo mais uma vez o governo central de formular e coordenar a 
universalização do ensino fundamental, o que ampliou, nas décadas seguintes, a distância entre as 
elites do país e as camadas sociais populares, segundo Cunha (1977). 
O discurso da ciência recobre expressivo conjunto de objetos, constituindo campos 
disciplinares cada vez mais especializados. Ao incidir sobre temas variados, a razão colabora para 
demarcar fronteiras, fabricar vocabulário e prescrever práticas que a elas passam a ficar associadas. 
Através da prescrição de comportamentos, do controle de condutas anteriores e demarcação de 
fronteiras, higieniza-se as ideias de família, infância, escola (GONDRA, 2002). 
Transitando dos corpos individuais ao tecido social, a ordem médica constitui a infância, com 
foco em uma ciência da higiene. Com projeto de modelação higiênica dos sujeitos e do social, no 
que se refere à infância, tratava-se de prescrever procedimentos, desde o controle das condutas dos 
pais até a “idade dos colégios”, demarcando fronteiras entre os espaços escolares e familiares. 
Com o advento da Revolução Industrial o e ajustamento a novas demandas, é dada 
importância à preservação da inocência e da sociabilidade, diferente dos primeiros anos de escola 
em que tinha um caráter mais moral (FERREIRA, 2013).À medida que se avançou no tempo, os 
castigos físicos começaram a serem evidentemente questionados na segunda metade do século XIX. 
Em seu lugar entraram em cena formas mais tênues de controle disciplinar, mas não menos 
violentos: os castigos morais (LUCKESI, 1999). 
Em nossa sociedade, os sistemas punitivos devem ser colocados como uma economia política 
do corpo: ainda que não recorram a castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam 
métodos “suaves” de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata – do corpo e de suas forças, 
da utilidade e da docilidade delas, da sua repartição e de sua submissão. 
Se antes as práticas de punição tal qual a palmatória pareciam bem evidenciadas, hoje se 
apresentam de modo sutil e obscuro. A disciplina e a competição impostas às crianças na virada do 
século XIX para o XX vem a partir do interesse sobre essa população na busca de formar, 
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futuramente, maiores mercados consumidores, assim como forjar o espírito competitivo entre as 
crianças (ALVES, 2013). 
A escola pública para todos entra nas agendas sociais a partir do início do século XX. No 
final do regime imperial, o tema da identidade nacional vincula-se aos debates em torno da educação 
como projeto de nação e de desenvolvimento. Começa-se a difundir a ideia de que a educação e a 
escolarização é necessidade de todos, toda a população deve estudar. 
Esse ideal é totalmente conectado com o aumento das cidades e o intuito de formar mão de 
obra, educar as crianças e jovens, ter algum espaço que as crianças possam ficar para que seus pais 
saiam para trabalhar, diminuir os índices de criminalidade. A educação é a solução para os 
problemas da sociedade, através dela tudo será solucionado. As famílias prosperaram, o estado 
produzirá mais e terá mais lucro, a sociedade funcionará como uma máquina, adestrada e 
disciplinada. 
Nessa época então começa a ser defendida a ideia de que a educação é o caminho para o 
desenvolvimento, pois através da instrução é possível gerar e render mais. Entende-se por essa 
lógica que se educar gera benefícios para o próprio indivíduo que se educou, mas também constrói 
muitos benefícios externos, o que justifica o subsídio estatal para fomentar a difusão de 
conhecimento. O campo da educação, com desenvolvimento sempre tardio, começa então a contar 
como carro-chefe de propagandas e discursos no firmamento de uma identidade nacional a partir 
desse período, contando com figuras e ideais de grande expressão. 
A hipotética relação entre mais educação e menor violência tem como premissa que com 
mais educação, mais oportunidades, é menor a tentação do crime. Além desse raciocínio quase 
igualar pobreza à criminalidade, cai na questão dos benefícios gerados por quem investe em 
educação – supondo que “ter que cometer crimes” para sobreviver é um mal, então educar-se 
potencialmente acaba com esse mal, é um efeito-benefício que o próprio agente usufrui. 
Cabe destacar que, no processo de constituição da ideia de nação, durante a Primeira 
República (1889-1930), a perspectiva positivista na organização de políticas estatais e, 
especialmente, na política educacional, fez-se presente (CUNHA, 1977), através da presença de 
militares positivistas na Assembleia Constituinte, por exemplo. De outra parte, Anísio Teixeira, 
Fernando Azevedo e um conjunto de educadores com ideais inovadores foram protagonistas de 
importantes manifestações filosóficas e políticas vinculadas à ação para a educação no Brasil. Anísio 
Teixeira foi absorvido pelas ideias de democracia e de ciência, as quais apontavam a educação como 
o canal capaz de gerar as transformações necessárias para um Brasil que buscava modernizar-se. 
Nesse sentido, seus ideais educacionais contribuíam para a constituição da nação brasileira. 
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.1.3 Pesquisas, probabilidades e resultados na era das estatísticas escolares: Biopoder e 
população 
Ultrapassando a noção das sociedades disciplinares, onde o foco de vigilância e punição era 
sobre todos, a partir da disciplinarização e do adestramento do corpo, Foucault (1986) nos lembra 
que no início do século XX surge o biopoder, colocando-se em outra escala,aplicando-se à vida dos 
indivíduos, ampliando a uma biopolítica da espécie humana. Também utilizando técnicas 
disciplinares, o biopoder tenta compreender, descrever, quantificar o corpo humano, jogando 
descrições e quantidades, combinando-as, comparando-as e sempre que possível, prevendo seu 
futuro a partir do seu passado. Dois mecanismos se estabelecem: 
(...) na esfera do corpo, o poder disciplinar atuando por meio de mecanismos 
disciplinares; na esfera da população, o biopoder atuando por intermédio de 
mecanismos regulamentadores. Tais esferas situam-se

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