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As espécies sedentárias ou lacustres desenvolvem principalmen- te seu ciclo de vida nos lagos ou em sistemas de lagos associados. Ambientes como aningais, chavascais, cabeceiras dos lagos dendríticos (chamadas de gavetas pelos moradores locais), canais, paranás, são hábitats importantes para a reprodução e/ou refúgio. As espécies que realizam migrações sazonais com fins reprodutivos, trófico ou de dispersão, conforme o nível do rio, cum- prem parte de seu ciclo de vida nos lagos, no período de enchente, onde se alimentam e crescem intensamente. Algumas espécies migram logo no seu primeiro ano de vida, como é o caso do jaraqui (Ribeiro & Petrere, 1990; Vieira, 1999), e outras permanecem alguns anos residin- do nas áreas alagadas antes de iniciarem suas migrações no rio, como é o caso do tambaqui (Goulding, 1980; Araújo-Lima e Goulding, 1998; Costa et al., 1999). Estas espécies apresentam altas de taxas de fecundidade e de crescimento, como observado nos jaraquis, curimatãs, matrinchãs (Villacorta Correa, 1987; Oliveira, 1996; Vieira, 1999), e formam compac- tos cardumes durante suas migrações (Ribeiro & Petrere, 1990). As espécies que realizam grandes migrações têm como hábitats principais o estuário e a calha dos rios e percorrem mais de 3000km para realizar suas migrações tróficas e reprodutivas. Não utilizam dire- tamente as planícies inundáveis, mas dependem indiretamente destas ao predarem as espécies que estão saindo durante a seca (Barthem & Goulding, 1997). A dourada permanece no estuário crescendo a um ritmo acelerado durante quase dois anos, quando atingem cerca de 80cm, a partir do qual inicia sua migração rio acima até os países fron- teiriços (Colômbia, Peru), onde residem os estoques de reprodutores (Alonso, 2002). Crescimento e dinâmica populacional nas áreas alagáveis Variações sazonais ou interanuais nos ecossistemas podem ser acompanhadas por meio do crescimento nos peixes (Weatherley, 1972). Vários fatores ambientais ou eventos biológicos cíclicos podem influ- enciar o ritmo de crescimento dos peixes ao longo do ano. A tempe- ratura tem sido considerada o principal fator para explicar a diminui- ção do ritmo de crescimento e a conseqüente formação de anéis nas estruturas calcificadas nos climas temperados. Nas zonas tropicais, 41 Biologia e diversidade dos recursos pesqueiros da Amazônia como é o caso da Amazônia, a temperatura apresenta-se estável na maior parte da região e, mesmo assim, são encontradas marcas de crescimento nas estruturas calcificadas dos peixes. O principal fator que explicaria estas marcas seria a relação entre o ritmo de crescimen- to dos peixes e o pulso de inundação. Há uma série de trabalhos realizados nas duas últimas décadas que indicam que os anéis de cres- cimento nas estruturas calcificadas dos peixes amazônicos estariam associados ao ciclo de alagação. Estas marcas seriam testemunhos de processos biológicos cíclicos, tais como reprodução, alimentação e migração (Villacorta Correa, 1987; Oliveira ,1996; Fabré & Saint Paul, 1998; Corrêa, 1998; Vieira, 1999; Perez Lozano, 1999; Villacorta Correa, 1997; Alonso, 2002). Para Welcomme (1992), a diminuição do ritmo de crescimento e a conseqüente marcação de anéis estariam relacionadas com a temperatura nos climas temperados e analogamente com a retração dos ambientes aquáticos, durante a seca, nos climas tropicais. A retração dos ambientes aquáticos tropi- cais traria um incremento na competição por espaço e alimento para as espécies que utilizam as áreas alagáveis para alimentação e cresci- mento, causando um efeito inverso para os predadores que habitam o canal dos rios. Além disso, a elaboração de produtos gonadais para a reprodução geraria um gasto adicional de energia, que foi armaze- nada em forma de gordura durante a enchente. Resultados obtidos para Prochilodus nigricans (Oliveira, 1996), para Semaprochilodus insignis e S. taeniu-rus (Fabré et al., 1997; Vieira, 1999), Colossoma macropomum (Vilacorta Correa, 1997), Cicla monculus (Corrêa, 1998) Calophysus macropterus (Perez Lozano, 1999), Brachiplatistoma rousseauxii (Alonso, 2002), corroboram estas correlações fundamen- tais para a validação dos anéis de crescimento presentes nas estruturas calcificadas utilizadas para determinar a idade destas espécies. Parâmetros que indicam o ritmo alimentar e reprodutivo (índices ali- mentar e gonadossomático) do aracu (Schizodon fasciatus) em áreas próxi- mas a Manaus apresentaram fortes variações sazonais associadas à flutuação do nível da água (Fabré & Saint-Paul, 1998). O índice de condição, inversa- mente relacionado com o índice gonadossomático ou diretamente com o nível da água, indica que os exemplares estão preparando-se para desovar quando o índice de condição é baixo. Portanto a energia disponível seria 42 A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia brasileira alocada para a formação dos ovócitos. Esta energia encontra-se armazena- da em forma de gordura e está inversamente relacionada com o índice gonadossomático, mostrando que a gordura acumulada durante a cheia é consumida durante a maturação das gônadas. O ritmo de crescimento sa- zonal em S. fasciatus, medido pelo incremento marginal nas escamas, segue um ciclo inverso ao de inundação. O aracu cresce mais rapidamente no período de vazante até o período de enchente do rio. Os autores também verificaram que, para o período de crescimento mais rápido, os indivíduos crescem alometricamente; o aumento em comprimento, indicado pela vari- ação do incremento marginal, ocorreria durante a vazante e a seca, à custa da gordura acumulada após a desova durante a cheia, quando ocorre o incremento em peso (Figura 6). 43 Biologia e diversidade dos recursos pesqueiros da Amazônia Figura 6. Relação do nível do rio em áreas próximas a Manaus com variações de: incremento marginal nas escamas (ritmo sazonal de crescimento), acúmulo de gordura cavitária, índice alimentar, índice de condição e índice gonadossoático (adaptado de Fabré & Saint-Paul, 1998). 44 A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia brasileira A relação entre o período de marcação nas escamas e as migra- ções de dispersão e reprodução foi bem evidenciada para os jaraquis na região de Manaus por Ribeiro (1983). Este estudo acompanhou o deslocamento espacial e obteve medidas de comprimento de uma amostra de jaraquis que migravam em cardumes no rio Negro. As médias de comprimento padrão destes jaraquis ao longo do ano per- mitiu elaborar uma curva de crescimento que foi mais tarde corrobo- rada com uma outra curva de crescimento obtida por retrocálculo de anéis nas escamas de Semaprochilodus taeniurus (Fabré & Saint – Paul, 1997) (Figura 7). Figura 7. Curva de crescimento de Semaprochilodus taeniurus: acima, obtida por acompanhamento de cardumes (Ribeiro, 1983) - os pontos da curva indicam os valores modais das distribuições de comprimento de cada cardume acompanhado; abaixo, os comprimentos retrocalculados para os diferentes anéis marcados nas escamas. 45 Biologia e diversidade dos recursos pesqueiros da Amazônia A relação entre os dados de crescimento e o comportamento dessas espécies permite dividir o ciclo de vida dos jaraquis em cinco fases: nasci- mento, primeira migração, seca, nova migração, primeira desova. 1. Enchente. Nascimento. A desova ocorre no início da estação chuvosa, entre dezembro e janeiro. Os jaraquis jovens, recém-nasci- dos, ocupam os lagos de várzea onde permanecem durante a enchen- te, alimentando-se e crescendo rapidamente. Pelo menos, quatro anéis pouco nítidos são formados nas escamas no primeiro semestre de vida, incluindo um primeiro anel (L1, Moda =12cm), não validado, já que os dados de Ribeiro (1983) são de peixes com 6 a 8 meses. 2. Vazante - Primeira migração: Primeiro anel nitidamente marca- do (L2, Moda = 16cm) corresponde ao primeiro movimento migrató- rio de subida no rio