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Memória Jurisprudencial Castro Nunes

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Memória Jurisprudencial
MINISTRO CASTRO NUNES
SAMANTHA RIBEIRO MEYER-PFLUG
Brasília
2007
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente
Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente
Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)
Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)
Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)
Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)
Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006)
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)
Diretoria-Geral
Sérgio José Américo Pedreira
Secretaria de Documentação
Altair Maria Damiani Costa
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Nayse Hillesheim
Seção de Preparo de Publicações
Leide Maria Soares Corrêa Cesar
Seção de Padronização e Revisão
Rochelle Quito
Seção de Distribuição de Edições
Leila Corrêa Rodrigues
Diagramação: Cláudia Marques de Oliveira
Capa: Jorge Luis Villar Peres
Edição: Supremo Tribunal Federal
 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
 (Supremo Tribunal Federal – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)
Meyer-Pflug, Samantha Ribeiro
Memória jurisprudencial: Ministro Castro Nunes /
Samantha Ribeiro Meyer-Pflug. – Brasília: Supremo Tribunal
Federal, 2007. – (Série memória jurisprudencial)
1. Ministro do Supremo Tribunal Federal. 2. Brasil.
Supremo Tribunal Federal (STF). 3. Nunes, Castro –
Jurisprudência. I. Título. II. Série.
CDD-341.4191081
Ministro Castro Nunes
FOTO
APRESENTAÇÃO
A Constituição de 1988 retomou o processo democrático interrompido pelo
período militar.
Na esteira desse novo ambiente institucional, a Constituição significou
uma renovada época.
Passamos para a busca de efetividade dos direitos no campo das prestações
de natureza pública, como pelo respeito desses direitos no âmbito da sociedade
civil.
É na calmaria institucional que se destaca a função do Poder Judiciário.
É inegável sua importância como instrumento na concretização dos valores
expressos na Carta Política e como faceta do Poder Público, em que os horizontes
de defesa dos direitos individuais e coletivos se viabilizam.
O papel central na defesa dos direitos fundamentais não poderia ser
alcançado sem a atuação decisiva do Supremo Tribunal Federal na construção da
unidade e do prestígio de que goza hoje o Poder Judiciário.
A história do SUPREMO se confunde com a própria história de construção
do sistema republicano-democrático que temos atualmente e com a consolidação
da função do próprio Poder Judiciário.
Esses quase 120 anos (desde a transformação do antigo Supremo Tribunal
de Justiça no Supremo Tribunal Federal, em 28-2-1891) não significaram
simplesmente uma seqüência de decisões de cunho protocolar.
Trata-se de uma importante seqüência político-jurídica da história nacional
em que a atuação institucional, por vários momentos, se confundiu com defesa
intransigente de direitos e combate aos abusos do poder político.
Essa história foi escrita em períodos de tranqüilidade, mas houve também
delicados momentos de verdadeiros regimes de exceção e resguardo da
independência e da autonomia no exercício da função jurisdicional.
Conhecer a história do SUPREMO é conhecer uma das dimensões do
caminho político que trilhamos até aqui e que nos constituiu como cidadãos
brasileiros em um regime constitucional democrático.
Entretanto, ao contrário do que a comunidade jurídica muitas vezes tende a
enxergar, o SUPREMO não é — nem nunca foi — apenas um prédio, um
plenário, uma decisão coletada no repertório oficial, uma jurisprudência.
O SUPREMO é formado por homens que, ao longo dos anos, abraçaram
o munus publicum de se dedicarem ao resguardo dos direitos do cidadão e à
defesa das instituições democráticas.
Conhecer os vários “perfis” do SUPREMO.
Entender suas decisões e sua jurisprudência.
Analisar as circunstâncias políticas e sociais que envolveram determinado
julgamento.
Interpretar a história de fortalecimento da instituição.
Tudo isso passa por conhecer os seus membros, os valores em que
acreditavam, os princípios que seguiam, a formação profissional e acadêmica que
tiveram, a carreira jurídica ou política que trilharam.
Os protagonistas dessa história sempre foram, de uma forma ou de outra,
colocados de lado em nome de uma imagem insensível e impessoal do Tribunal.
Vários desses homens públicos, muito embora tenham ajudado, de forma
decisiva, a firmar institutos e instituições de nosso direito por meio de seus votos
e manifestações, são desconhecidos do grande público e mesmo ignorados entre
os juristas.
A injustiça dessa realidade não vem sem preço.
O desconhecimento dessa história paralela também ajudou a formar uma
visão burocrática do Tribunal.
Uma visão muito pouco crítica ou científica, além de não prestar homenagem
aos Ministros que, no passado, dedicaram suas vidas na edificação de um regime
democrático e na proteção de um Poder Judiciário forte e independente.
Por isso esta coleção, que ora se inicia, vem completar, finalmente, uma
inaceitável lacuna em nossos estudos de direito constitucional e da própria
formação do pensamento político brasileiro.
Ao longo das edições desta coletânea, o aluno de direito, o estudioso do
direito, o professor, o advogado, enfim, o jurista poderá conhecer com mais
profundidade a vida e a obra dos membros do Supremo Tribunal Federal de
ontem e consultar peças e julgados de suas carreiras como magistrados do
Tribunal, que constituem trabalhos inestimáveis e valorosas contribuições no
campo da interpretação constitucional.
As Constituições Brasileiras (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988)
consubstanciaram documentos orgânicos e vivos durante suas vigências.
Elas, ao mesmo tempo em que condicionaram os rumos político-institucionais
do país, também foram influenciadas pelos valores, pelas práticas e pelas
circunstâncias políticas e sociais de cada um desses períodos.
Nesse sentido, não há como segmentar essa história sem entender a
dinâmica própria dessas transformações.
Há que se compreender os contextos históricos em que estavam inseridas.
Há que se conhecer a mentalidade dos homens que moldaram também
essa realidade no âmbito do SUPREMO.
A Constituição, nesse sentido, é um dado cultural e histórico, datada no
tempo e localizada no espaço.
Exige, para ser compreendida, o conhecimento dos juristas e dos políticos
que tiveram papel determinante em cada um dos períodos constitucionais tanto no
campo da elaboração legislativa como no campo jurisdicional de sua interpretação.
A Constituição, por outro lado, não é um “pedaço de papel” na expressão
empregada por FERDINAND LASSALE.
O sentido da Constituição, em seus múltiplos significados, se renova e é
constantemente redescoberto em processo de diálogo entre o momento do
intérprete e de sua pré-compreensão e o tempo do texto constitucional.
É a “espiral hermenêutica” de HANS GEORG GADAMER.
O papel exercido pelos Ministros do SUPREMO, como intérpretes oficiais
da Constituição, sempre teve caráter fundamental.
Se a interpretação é procedimento criativo e de natureza jurídico-política,
não é exagero dizer que o SUPREMO, ao longo de sua história, completou o
trabalho dos poderes constituintes que se sucederam ao aditar conteúdo normativo
aos dispositivos da Constituição.
Isso se fez na medida em que o Tribunal fixava pautas interpretativas e
consolidava jurisprudências.
Não há dúvida, portanto, de que um estudo, de fato, aprofundado no campo
da política judiciária e no âmbito do direito constitucional requer, como fonte
primária, a delimitação do pensamento das autoridades que participaram, em
primeiro plano, da montagem das linhasconstitucionais fundamentais.
Nesse sentido, não há dúvida de que, por exemplo, o princípio federativo
ou o princípio da separação dos Poderes, em larga medida, tiveram suas
fronteiras de entendimento fixadas pelo SUPREMO e pela carga valorativa que
seus membros traziam de suas experiências profissionais.
Não é possível se compreender temas como “controle de constitucionali-
dade”, “intervenção federal”, “processo legislativo” e outros tantos sem se saber
quem foram as pessoas que examinaram esses problemas e que definiram as pautas
hermenêuticas que, em regra, seguimos até hoje no trabalho contínuo da Corte.
Por isso, esta coleção visa a recuperar a memória institucional, política e
jurídica do SUPREMO.
A idéia e a finalidade é trazer a vida, a obra e a contribuição dada por
Ministros como CASTRO NUNES, OROZIMBO NONATO, VICTOR NUNES
LEAL e ALIOMAR BALEEIRO, além de outros.
A redescoberta do pensamento desses juristas contribuirá para a melhor
compreensão de nossa história institucional.
Contribuirá para o aprofundamento dos estudos de teoria constitucional no
Brasil.
Contribuirá, principalmente, para o resgate do pensamento jurídico-político
brasileiro, que tantas vezes cedeu espaço para posições teóricas construídas
alhures.
E, mais, demonstrará ser falaciosa a afirmação de que o SUPREMO deve
ser um Tribunal da carreira da magistratura.
Nunca deverá ser capturado pelas corporações.
Brasília, março de 2006
Ministro Nelson A. Jobim
Presidente do Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO
ABREVIATURAS...................................................................................19
DADOS BIOGRÁFICOS......................................................................21
NOTA DO AUTOR.................................................................................23
1. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA.................................................27
Acolhimento pelo Procurador-Geral da República das argüições
encaminhadas ao Tribunal................................................................31
Suspensão de ato inconstitucional....................................................32
Inconstitucionalidade em tese..........................................................33
Ato argüido de inconstitucional........................................................35
Caráter excepcional e rol taxativo...................................................35
Possibilidade de o vício ser sanado por outro meio judicial.................38
Presidencialismo............................................................................38
Estrutura do Poder Executivo.................................................38
Presidencialismo e parlamentarismo........................................41
Eleição indireta de vice-governador de estado..........................45
O governo presidencial e o rol dos princípios sensíveis..............46
Impeachment.......................................................................49
Autonomia municipal......................................................................52
Intervenção municipal....................................................................53
Disposições eleitorais de estado-membro.........................................53
2. INCONSTITUCIONALIDADE E RECEPÇÃO
 CONSTITUCIONAL...........................................................................55
Declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Executivo.................55
Possibilidade de revogação de lei pela Constituição...........................56
Recepção de lei anterior pela nova Constituição................................61
Cláusula de reconstitucionalização prevista na Constituição de
1937..............................................................................................62
3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO........................................................69
Delimitação...................................................................................69
Cabimento em face de ato do Governo Provisório.............................70
Necessidade de esgotamento da via recursal para o cabimento do
recurso extraordinário...................................................................70
Recurso extraordinário e recurso de revista......................................71
Inadmissibilidade em face de decisão da Justiça do Trabalho.............75
Cabimento em face das decisões do Conselho Nacional do
Trabalho......................................................................................75
Controvérsia sobre a constitucionalidade de leis federais...................77
Não-cabimento em face das decisões proferidas pela Justiça
da União.......................................................................................77
Admissão de começo de prova.......................................................78
4. SEPARAÇÃO DE PODERES E IMUNIDADES
 PARLAMENTARES..........................................................................79
Separação de Poderes e delegações legislativas................................83
Separação entre Estado e Igreja.....................................................85
Imunidade de vereador...................................................................85
5. ATOS DO GOVERNO PROVISÓRIO.................................................91
Cabimento de Exame judicial..........................................................91
Imunidade....................................................................................91
Exoneração de funcionários............................................................93
Demissão de funcionário federal por ato de autoridade que não o
Chefe do Governo Provisório..........................................................95
Controle judicial.............................................................................96
Possibilidade de revisão pelo próprio Poder Executivo......................99
Descumprimento de decisão judicial por interventor.........................100
Responsabilidade da União por atos de interventor..........................102
Cobrança compulsória de impostos................................................106
Atos legislativos...........................................................................108
Possibilidade de edição de decretos com efeito retroativo.................109
6. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO E MOVIMENTOS
 REVOLUCIONÁRIOS.......................................................................111
Cabimento de indenização por prejuízos sofridos por particular
em virtude de movimento Evolucionário.........................................111
Responsabilidade do Estado decorrente de movimento
revolucionário...........................................................................114
Cabimento de indenização por danos causados por interventor
nomeado.....................................................................................115
Cabimento de indenização por atos de prepostos da União................116
Impossibilidade de participante de movimento revolucionário
exercer cargo de parlamentar........................................................116
7. ANISTIA...........................................................................................119
Crimes contra a segurança do Estado............................................119
Efeitos da concessão....................................................................119
8. COMPETÊNCIA...............................................................................123
Competência do Supremo Tribunal Federal.....................................123
Competência originária do Supremo Tribunal Federal no pleito de
estado contra terceiros com interesse da União...........................125
Conflito de jurisdição não suscitado pelos estados...........................127
Competência do Supremo Tribunal Federal para conhecerde
causas em que seja parte autarquia................................................128
9. IRRETROATIVIDADE DE LEI.........................................................131
Direito adquirido.........................................................................131
Decisão judicial...........................................................................134
Retroatividade de lei....................................................................136
10. MANDADO DE SEGURANÇA.......................................................139
Violação de direito líquido e certo decorrente de
inconstitucionalidade...................................................................139
Cabimento contra atos judiciais.....................................................140
Cabimento em face de decisão do Tribunal de Apelação.................147
Cabimento em face de ato de presidente de tribunal.......................148
Cabimento contra ato administrativo.............................................149
Cabimento em face de ato do Executivo........................................150
Cabimento em face de ato de interventor......................................152
Recurso de ofício........................................................................153
Recurso cabível em face de decisões finais sobre mandado de
segurança..................................................................................153
Embargos...................................................................................154
Inadmissibilidade de recurso em face de decisão embargável..........156
Prazo.........................................................................................157
Direito líquido e certo...................................................................157
11. HABEAS CORPUS...........................................................................159
Concessão durante guerra...........................................................159
Garantia do exercício da liberdade de crença no estado de
guerra........................................................................................161
Crime de desacato praticado por militar.........................................162
Crime de uso de uniforme por militar da reserva.............................163
Concessão em face da falta de configuração legal..........................164
Falta de justa causa para instauração do processo..........................166
Cabimento em face de decisão de segunda instância desprovida
de fundamentação.......................................................................167
Não-cabimento para afastar retardamento de instrução
probatória...................................................................................169
Concessão para exilado político....................................................170
Concessão no crime político.........................................................171
Cabimento para garantir livramento condicional nos crimes
políticos......................................................................................172
Competência para julgar crime político..........................................173
Cabimento em favor de preso estrangeiro mantido incomunicável
para ser expulso..........................................................................174
Habeas corpus e recurso ordinário..............................................176
Concessão de regime especial......................................................176
Solicitação, pela defesa, de audiência com o ofendido.....................179
Falta de defesa prévia..................................................................180
Cabimento com base em interpretação de lei.................................181
Legitimidade para ingressar..........................................................181
Possibilidade de revisão de decisão do júri pelo tribunal...................182
Princípio da isonomia...................................................................183
12. RECURSO E COISA JULGADA......................................................185
Tempestividade..........................................................................185
Coisa julgada............................................................................185
Intangibilidade da coisa julgada nos regimes autoritários.................185
Recurso de revista.....................................................................188
13. AÇÃO RESCISÓRIA.......................................................................191
Reiteração................................................................................191
Possibilidade de admissão em face dos julgados do Supremo
Tribunal Federal proferidos em recurso extraordinário....................191
14. JUSTIÇA DO TRABALHO.............................................................197
Autonomia da Justiça do Trabalho................................................197
Cabimento de recurso em face de decisão da Justiça do
Trabalho....................................................................................198
Juntas como órgãos representativos da Justiça do Trabalho...........198
Aplicação dos Códigos comuns à Justiça do Trabalho e
proteção dos trabalhadores rurais................................................201
15. DIREITO ADMINISTRATIVO........................................................207
Apreciação de ato administrativo pelo Poder Judiciário.................207
Irredutibilidade de vencimentos dos magistrados e controle
judicial de atos administrativos.....................................................210
Possibilidade de o estado-membro conceder tratamento mais
favorável a funcionários públicos estaduais e municipais................213
Aplicabilidade automática das garantias da função pública
no âmbito estadual.....................................................................215
Garantias dos promotores públicos..............................................216
Exoneração dos serventuários da Justiça......................................217
Responsabilidade da União sobre os atos dos funcionários.............217
Tombamento.............................................................................219
16. AUTARQUIAS................................................................................223
Natureza jurídica das autarquias..................................................223
Tributação dos bens de autarquia.................................................226
Caracterização de funcionário de autarquia..................................230
17. DIREITO CIVIL..............................................................................233
Possibilidade de cobrança de dívida de jogo..................................233
Concubinato entre empregador e empregada................................237
Prova de filiação legítima............................................................239
Reconhecimento judicial de filhos ilegítimos..................................241
Divórcio por incompatibilidade de gênios......................................244
Sucessões e direito adquirido.......................................................245
Bens com cláusula de inalienabilidade..........................................246
Cabimento de indenização ao marido em virtude do falecimento
da esposa e ressarcimento por dano moral....................................248
Inclusão de honorários advocatícios na liquidação de sentença.......251
Inclusão de honorários advocatícios em pagamento de
indenização por expropriação......................................................255
18. USUCAPIÃO..................................................................................257
Impossibilidade de usucapião de terras ou bens públicos................257
Impenhorabilidade de bens ou rendas públicas...............................257Ações de reivindicação ou reintegração de posse..........................258
19. TRIBUTOS......................................................................................261
Cobrança de taxa rodoviária por município...................................261
Coisa julgada em matéria fiscal....................................................263
Isenção de imposto de imóvel de concessionária de serviço
público......................................................................................265
Isenção de imposto a professores, escritores e jornalistas..............267
Bitributação de imposto municipal................................................268
Tributação de renda pelo próprio estado........................................270
20. JUSTIÇA ELEITORAL....................................................................273
Cancelamento do registro do Partido Comunista...........................273
Possibilidade de magistrado em disponibilidade integrar a
Justiça Eleitoral.........................................................................279
APÊNDICE...........................................................................................287
ÍNDICE NUMÉRICO............................................................................445
ABREVIATURAS
ACi Apelação Cível
AR Ação Rescisória
CJ Conflito de Jurisdição
HC Habeas Corpus
MS Mandado de Segurança
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
RE Recurso Extraordinário
RHC Recurso em Habeas Corpus
Rp Representação
STF Supremo Tribunal Federal
DADOS BIOGRÁFICOS
JOSÉ DE CASTRO NUNES, filho do Dr. João Francisco Leite Nunes e
de D. Tereza da Conceição Castro Nunes, nasceu em 15 de outubro de 1882, na
cidade de Campos, Estado do Rio de Janeiro.
Iniciou seus estudos na cidade natal, prosseguindo-os no Colégio Santa
Rosa (Niterói); no Instituto Politécnico, em Salto (Uruguai), onde seu pai exercia
o cargo de Cônsul do Brasil; na Escola Pública do Engenho Velho (RJ) e no
Externato Pedro II (1897-1901), de onde saiu para matricular-se na Faculdade
de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, onde se bacharelou, em 1906.
Quando estudante, lecionou Matemática Elementar e Física no Liceu Literário
Português.
Exerceu os cargos de Fiscal de Ensino (1909-1911), Procurador dos Feitos
da Prefeitura de Niterói (1915-1931), Membro do Conselho Administrativo da
Caixa Econômica Federal e seu Presidente (1930) e Membro do Conselho
Penitenciário do Rio de Janeiro (1928-1931).
Ingressando na Magistratura, foi Juiz Federal Substituto, na Seção do
Estado do Rio de Janeiro (1931-1934); Juiz Federal da 2ª Vara da Seção do
antigo Distrito Federal (1934-1937) e Juiz dos Feitos da Fazenda Pública, também
do antigo Distrito Federal (1937-1938).
Nomeado Ministro do Tribunal de Contas da União, exerceu o cargo de
1938 a 1940.
Por decreto de 10 de dezembro de 1940, do Presidente Getúlio Vargas, foi
nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, na vaga decorrente da aposen-
tadoria do Ministro João Martins de Carvalho Mourão, tendo tomado posse em
18 do referido mês e ano. Em 1º de novembro de 1945, foi nomeado, por decreto
do Ministro José Linhares, então exercendo a Presidência da República, para o
cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, assumindo-o em 3 do
mesmo mês e ano.
Ao despedir-se da Corte, na sessão de 16 de setembro de 1949, foi saudado
pelo Ministro Laudo de Camargo, Presidente, e pelo Ministro Annibal Freire, em
nome do Tribunal; pelo Procurador-Geral da República, Dr. Luiz Gallotti, e pelo
Juiz Dr. Elmano Cruz. Falou pelos advogados o Dr. Plínio Pinheiro Guimarães,
após o que agradeceu o homenageado. Aposentou-se em 22 de setembro de
1949.
Era membro da Academia Fluminense de Letras e do Instituto do Brasil.
Publicou vários livros de ciência jurídica, destacando-se: A jornada
revisionista (Prêmio Carlos de Carvalho-1924); Do mandado de segurança e de
outros meios de defesa contra atos do Poder Público; Teoria e prática do
Poder Judiciário; Da Justiça do Trabalho no mecanismo jurisdicional do
regime; Juristas e homens de letras; Rui Barbosa e seu espírito judiciarista;
O espírito público fora dos partidos; O Poder Executivo na evolução
política do Brasil; Bitributação e competência judiciária; Da Fazenda
Pública em juízo; Soluções de direito aplicado; Alguns homens do meu tempo
(literatura); As Constituições Estaduais do Brasil; Unidade do processo;
Aspectos do federalismo contemporâneo; Patente de invenção; Os projetos
não sancionados e o art. 40 da Constituição; A proibição de entrada de
negros no Brasil; Da conceituação jurídica da Lei Orgânica do Distrito
Federal; O poder de polícia e a localização das indústrias; e, ainda, Dos
bens públicos de uso comum e da proteção possessória.
Também exerceu o jornalismo, como cronista judiciário do Correio da
Manhã (1906-1910) e como redator de A Noite, na época de Irineu Marinho
(1912-1915), e da Gazeta Judiciária, a partir de 1953.
Faleceu em 5 de setembro de 1959, na cidade do Rio de Janeiro, sendo
homenageado em sessão de 9 seguinte, quando usaram da palavra o Ministro
Orozimbo Nonato, Presidente, e, em seguida, o Ministro Luiz Gallotti, o Dr. Alceu
Barbedo, Procurador-Geral da República em exercício, e o Dr. Leopoldo Braga,
em nome dos advogados.
O Supremo Tribunal Federal comemorou o centenário de nascimento em
sessão de 20 de dezembro de 1982, falando em nome da Corte o Ministro Décio
Miranda, pela Procuradoria-Geral da República o Prof. Inocêncio Mártires Coelho
e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil o Dr. José Paulo
Sepúlveda Pertence.
Dados biográficos extraídos da obra Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal — Dados Biográficos (1828-2001), de Laurenio Lago. Este texto também pode
ser encontrado no sítio do Supremo Tribunal Federal na Internet.
NOTA DO AUTOR
Foi com imensa alegria e honra que recebi o convite para participar da
série Memória Jurisprudencial, levada a efeito pelos Ministros Nelson Jobim e
Gilmar Mendes, concluída na Presidência da Ministra Ellen Gracie e cuja
finalidade precípua é divulgar a produção jurisprudencial dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal.
A mim coube a gratificante, honrosa e desafiadora tarefa de analisar e
estudar a produção jurisprudencial do Ministro José de Castro Nunes, cujos
artigos científicos e obras são de consulta obrigatória por todos aqueles que
desejam aprofundar os conhecimentos no vasto campo do Direito Constitucional,
precipuamente no tocante ao controle de constitucionalidade, aos princípios
constitucionais, ao pacto federativo, ao mandado de segurança, aos direitos e
garantias fundamentais, entre outros.
José de Castro Nunes desempenhou a função de Ministro do Supremo
Tribunal Federal por nove anos1, tendo abrilhantado a Corte durante esse período
com votos sempre inovadores e garantidores da força normativa da Constitui-
ção. Em 1945, foi nomeado Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.
O Ministro trouxe para a Suprema Corte toda a experiência adquirida
como juiz federal, como Ministro do Tribunal de Contas da União e como jorna-
lista. Sua formação profissional mostra-se presente nos votos sempre atentos a
todos os efeitos e implicações da decisão a ser tomada, tanto no aspecto jurídico,
como no social e no econômico. Verifica-se também, em suas manifestações,
permanente preocupação com a necessidade de levar a cabo uma profunda in-
vestigação acerca de cada tema e instituto do direito comparado, bem como o
enfrentamento constante de novos desafios. O Ministro foi grande defensor do
voto obrigatório e do sufrágio feminino, além de ter delineado os contornos do
instituto do mandado de segurança.
Em face da intensa produção científica e das posições inovadoras do
Ministro Castro Nunes manifestadas em seus votos, tornou-se difícil a escolha
dos acórdãos que integrariam esta obra, principalmente tendo em vistaque o
próprio Ministro publicou duas obras que versavam sobre as matérias objetos de
acórdãos da Corte Suprema2. Esse fato já demonstra sua preocupação em divul-
gar as decisões do Supremo Tribunal Federal, pois, em sua visão, a jurisprudência
da Corte Constitucional constitui-se na fonte mais categorizada do Direito apli-
1 José de Castro Nunes foi procurador do município de Niterói, jornalista, juiz federal, juiz
dos feitos da Fazenda (1931-1938), Ministro do Tribunal de Contas da União (1938-1940)
e Ministro do Supremo Tribunal Federal de dezembro de 1940 a setembro de 1949.
2 O Ministro Castro Nunes publicou as obras: Teoria e prática do Poder Judiciário e
Soluções de direito aplicado.
cado, devendo, portanto, ser analisada, criticada e estudada, tanto no que diz
respeito às decisões que foram adotadas, como na fundamentação dos votos
vencidos.
Para o desenvolvimento do trabalho, a Secretaria de Documentação do
Supremo Tribunal Federal forneceu todos os acórdãos, em papel impresso, num
total de 1.750 decisões, nas quais o Ministro Castro Nunes proferiu voto, ou
como relator, ou como Ministro, para apreciação. Dos acórdãos analisados,
foram separados cem, nos quais a posição sustentada pelo Ministro se mostrou
relevante para o deslinde da questão ou nos quais ele figurou como voto vencido.
Estes são de extrema importância principalmente no tocante ao estudo da
fundamentação levada a cabo pelo Ministro para justificar sua posição.
Na seleção dos acórdãos, procurei dar maior ênfase às decisões que ver-
savam sobre matéria constitucional, pois o Ministro Castro Nunes era um emi-
nente constitucionalista, tendo recebido do Ministro Orozimbo Nonato a alcunha
de “O Constitucionalista”. Analisei detidamente os votos proferidos nas repre-
sentações interventivas propostas na época e cujas posições por ele sustentadas
foram decisivas para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade
brasileiro e para a preservação dos princípios constitucionais, sendo referência,
até os dias de hoje, nas decisões e nos votos dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal sobre a matéria.
Dediquei também especial atenção aos votos proferidos em mandado de
segurança, tendo em vista que o Ministro foi um dos responsáveis pela definição
e pela fixação dos limites e das hipóteses de cabimento do referido instituto, além
de autor de obra clássica sobre o tema “mandado de segurança”.3
Igualmente, conferi destaque aos votos apresentados nas matérias
relativas à justiça eleitoral, à coisa julgada, à anistia, à competência do Supremo
Tribunal Federal, ao recurso extraordinário, à ação rescisória, à irretroatividade
das leis, ao direito civil, ao direito administrativo, à responsabilidade da União, às
autarquias, ao direito tributário, ao direito do trabalho4, entre outros.
Tratei, em capítulo específico, do controle judicial dos atos do governo
provisório e da concessão de habeas corpus. Nesse sentido, cumpre salientar
que, a despeito de o Ministro ter aderido ao autoritarismo do Estado Novo, como
3 O Ministro Annibal Freire, em discurso proferido na sessão de aposentadoria do
Ministro Castro Nunes, assim se manifestou: “Em dois pontos capitais da nossa elabora-
ção jurídica, sobretudo, a obra de Castro Nunes há de perdurar — na conceituação e
alcance do mandado de segurança e na fixação das diretrizes do Poder Judiciário.”
4 Em discurso proferido por ocasião da homenagem ao centenário do nascimento do
Ministro José de Castro Nunes, o Ministro Xavier de Albuquerque esclareceu: “Entre as
últimas, afirma a liberdade mais ampla do juiz togado quando funciona como magistrado
do trabalho, mediante a aplicação do processo técnico do standard jurídico, conceituado
por Marcel Stati.”
magistrado sempre pautou sua conduta na mais estrita aplicação dos dispositivos
constitucionais, preservando a coisa julgada, o direito adquirido e a concessão do
habeas corpus durante o estado de guerra. Nesse aspecto, ressaltou o Ministro
Sepúlveda Pertence: “O homem filiou-se explicitamente à doutrina autoritária do
Estado Novo. Mas o juiz, este não se dobrou às arbitrariedades da ditadura.”5
A obra é composta de cem acórdãos, analisados individualmente, agrupados
por temas e, quando possível, com identificação das tendências e evoluções
jurisprudenciais.
Também foram selecionados alguns dos acórdãos mais significativos para
constar do apêndice, sem, contudo, procurar-se esgotar o assunto, o que seria de
todo impossível em face da grandiosidade da colaboração do Ministro Castro
Nunes à jurisprudência da Suprema Corte.
Tem-se, pois, que a obra consiste numa resenha jurisprudencial do Ministro
Castro Nunes e procura ressaltar sua valiosa colaboração para a história do
Supremo Tribunal Federal e do desenvolvimento do direito pátrio. Não se buscou
tratar aqui da biografia ou das obras doutrinárias do Ministro Castro Nunes,
embora no comentário de algumas decisões fosse inevitável fazer referência
expressa às obras por ele publicadas acerca do tema objeto da decisão.
É, no entanto, possível, por meio do estudo de seus votos, vislumbrar um
pouco do homem, do jornalista, do doutrinador e do juiz que foi o Ministro Castro
Nunes, cuja grandiosidade e sabedoria não se encerram em uma única obra, mas
transcendem seus textos, para adentrar a própria história do Supremo Tribunal
Federal e as discussões permanentes dos temas de Direito Público.
O Ministro Castro Nunes foi defensor árduo do debate e das discussões
sobre os temas objetos de apreciação do Supremo Tribunal Federal, mas sempre
na busca incessante da realização do direito e da justiça, como ele mesmo
afirmou no discurso que proferiu no dia da concessão de sua aposentadoria:
Não raro dissentimos, não raro divergi, sustentando, às vezes, talvez com
demasiada insistência, os meus pontos de vista; mas sempre no plano elevado
em que devem ser postas as divergências entre homens dominados pela
preocupação comum de servir ao Direito e à Justiça.
Ao fim, gostaria de agradecer especialmente: à Ministra Ellen Gracie,
Presidente do Supremo Tribunal Federal, e aos Ministros Nelson Jobim e Gilmar
Mendes, pelo convite para elaborar esta obra e pela confiança; à Dra. Altair
Maria Damiani Costa e a toda a sua equipe, pela gentileza e atenção dispensadas
ao longo deste trabalho e por seus conhecimentos precisos, que foram decisivos
5 Discurso proferido pelo Ministro José Carlos Sepúlveda Pertence, como representante
da Ordem dos Advogados do Brasil, por ocasião da homenagem ao centenário do nasci-
mento do Ministro José de Castro Nunes.
para a conclusão da obra; à minha amiga Dra. Maria Elizabeth Guimarães
Teixeira Rocha, pelo auxílio na seleção do material; e aos acadêmicos e amigos
queridos Alceu Cicco e Tércia Lisboa, pela dedicação e auxílio com várias trans-
crições.
Samantha Meyer-Pflug
Brasília, outubro de 2006
2 7
Ministro Castro Nunes
1. REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA
A representação interventiva surgiu no ordenamento jurídico brasileiro
com a Constituição de 1934. O único legitimado para propô-la era o Procurador-
Geral da República, consoante o disposto no art. 12, § 2º, do Texto Constitucional:
Ocorrendo o primeiro caso do n. V, a intervenção só se efetuará depois que
a Corte Suprema, mediante provocação do Procurador-Geral da República, tomar
conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade.
As hipóteses constantes do n. V do art. 12 remetiam à execução de leis
federais e aos princípios constitucionais especificados nas letras a até h do art.
7º, n. I, e, quais sejam: a) forma republicana representativa, b) independência e
coordenação de poderes; c) temporariedade das funções eletivas, limitada aos
mesmos prazos dos cargos federais correspondentes, proibida a reeleição de
governadores e prefeitos para o período imediato; d) autonomia dos municípios;
e) garantias do Poder Judiciário e do MinistérioPúblico locais; f) prestação de
contas da Administração; g) possibilidade de reforma constitucional e competência
do Poder Legislativo para decretá-la; h) representação das profissões.
Esses eram os denominados “princípios sensíveis”, cuja violação por parte
dos Estados-Membros ensejaria a propositura de representação interventiva no
Supremo Tribunal Federal pelo Procurador-Geral da República.
É interessante registrar que a função do Supremo Tribunal Federal, naquele
período, era verificar a constitucionalidade — consoante o disposto no art. 12, § 2º,
da Constituição — da lei que decretou a intervenção federal, e não do ato
normativo estadual que deu origem a essa intervenção. A Constituição de 1934
também continha dispositivo expresso que “vedava ao Poder Judiciário conhecer
das questões exclusivamente políticas” (art. 68).
A Constituição de 1937, por sua vez, representou retrocesso no sistema de
controle de constitucionalidade na medida em que dispôs, no seu art. 96, parágrafo
único, que:
No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do
Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou
defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República
submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois
terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do
Tribunal.
Interessante ressaltar que, uma vez confirmada pelo Parlamento a
constitucionalidade, a lei tornava-se imune à apreciação do Poder Judiciário. A
Constituição de 1937 manteve também a vedação ao Poder Judiciário para
conhecer das questões exclusivamente políticas (art. 94).
2 8
Memória Jurisprudencial
A Constituição de 1946 tratou da representação interventiva em seus
artigos 7º, VII, e 8º, parágrafo único, in verbis:
Art. 7º O Governo federal não intervirá nos Estados salvo para:
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios:
a) forma republicana representativa;
b) independência e harmonia dos Poderes;
c) temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à das
funções federais correspondentes;
d) proibição da reeleição de Governadores e Prefeitos, para o período
imediato;
e) autonomia municipal;
f) prestação de contas da Administração;
g) garantias do Poder Judiciário.
Art. 8º A intervenção será decretada por lei federal nos casos dos n. VI e VII
do artigo anterior.
Parágrafo único. No caso do n. VII, o ato argüido de inconstitucionalidade
será submetido pelo Procurador-Geral da República ao exame do Supremo
Tribunal Federal, e, se este a declarar, será decretada a intervenção.
Ficou estabelecido também, consoante o disposto no art. 13 do Texto
Constitucional de 1946, que:
Nos casos do art. 7º, n. VII, observado o disposto no art. 8º, parágrafo
único, o Congresso Nacional se limitará a suspender a execução do ato argüido
de inconstitucionalidade, se essa medida bastar para o restabelecimento da nor-
malidade no Estado.
Note-se que a Constituição de 1946 trouxe mudança na representação
interventiva, que versava aqui sobre o ato impugnado, e não sobre a lei que
decretava a intervenção, como ocorria na Constituição de 1934.
O perfil da representação interventiva descrito na Constituição de 1946
permanece, com alguns abrandamentos, ainda na Constituição Federal de 1988,
precisamente no art. 34, VII, que trata dos princípios sensíveis.
O Ministro Castro Nunes participou do julgamento de representações
interventivas relevantes, propostas com base na Constituição de 1946. Dentre
elas, destacam-se as de n. 93, 94, 96 e 97.
2 9
Ministro Castro Nunes
A primeira representação interventiva proposta foi a de n. 931, pelo
Procurador-Geral da República, Dr. Themistocles Brandão Cavalcanti, em 7 de
julho de 1947, com fundamento no art. 8º, parágrafo único, da Constituição de
1946, em virtude da existência de grave conflito de poderes originados pela
aprovação da Constituição do Estado do Ceará. Alegava-se violação da letra b
do n. VII do art. 7º do Texto Constitucional. O Procurador-Geral da República
encaminhou a Representação com parecer sobre a inconstitucionalidade.
A Representação Interventiva versava basicamente sobre a inconstituciona-
lidade de três dispositivos da Constituição do Estado do Ceará. O primeiro
deles dizia respeito à eleição do Vice-Governador pela Assembléia (art. 1º do
ADCT; art. 27, § 2º, e art. 79, § 2º); o segundo determinava que a nomeação
dos secretários do Governo deveria ser submetida à aprovação da Assembléia
Legislativa (art. 17, XXII); o terceiro estabelecia a aprovação da nomeação de
prefeitos pela Assembléia Legislativa (art. 28, §§ 1º e 2º).
O relator da Representação Interventiva foi o Ministro Annibal Freire, e o
Presidente era o Ministro José Linhares. O acórdão foi proferido em 16 de julho
de 1947 e julgou procedente em parte a reclamação, para declarar constitucional
o art. 1º das Disposições Transitórias, contra os votos dos Ministros Ribeiro da
Costa e Lafayette de Andrada, e inconstitucionais o art. 17, XXII, da Constituição
do Ceará, unanimemente, e o art. 59 das Disposições Transitórias, tendo os
Ministros Hahnemann Guimarães, Goulart de Oliveira, Orozimbo Nonato e Castro
Nunes votado com restrição.
Note-se que, em virtude da ausência de regras processuais disciplinando a
representação interventiva, coube ao Supremo Tribunal Federal desenvolver os
mecanismos procedimentais, que posteriormente constaram da legislação
processual. O Supremo Tribunal Federal enfrentou inicialmente questões que
versavam sobre a própria forma da argüição, seus aspectos processuais e limites
constitucionais, tanto como sobre a função do Procurador-Geral da República.
A Representação Interventiva n. 942 foi proposta pelo Procurador-Geral
da República, Dr. Themistocles Brandão Cavalcanti, com fundamento no art. 8º,
parágrafo único, da Constituição de 1946, por representação do Governador do
Estado do Rio Grande do Sul, em face dos arts. 78, 81, 82, 89 e outros da
Constituição estadual, que versavam sobre o secretariado, no que se referia a sua
dependência perante a Assembléia estadual, no tocante à escolha e ao
desempenho dos secretários do governo, o que comprometia a forma republicana
1 Data da decisão: 16 de julho de 1947. Relator, Ministro Annibal Freire; Presidente,
Ministro José Linhares.
2 Data da decisão: 17 de julho de 1947. Relator, Ministro Castro Nunes; Presidente,
Ministro José Linhares.
3 0
Memória Jurisprudencial
e o princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Em síntese, tratava-se
de dispositivos que consagravam o regime parlamentarista na Constituição
estadual.
Julgada em 17 de julho de 1947, a Representação n. 94 teve como relator
o Ministro Castro Nunes e foi julgada procedente, declarando o Supremo
Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro José Linhares, por unanimidade,
inconstitucionais os arts. 76, 77, 78, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87 e 89 da Constituição
do Rio Grande do Sul e também os artigos das suas disposições transitórias que
faziam referência àqueles supracitados.
O Ministro Castro Nunes suscitou, em seu voto, questões relevantes para
a criação e o desenvolvimento do controle de constitucionalidade abstrato em
nosso País e para a delimitação da ação interventiva.
A Representação Interventiva n. 963 foi proposta pelo Procurador-Geral
da República, Dr. Themistocles Brandão Cavalcanti, tendo em vista representação
do Governador do Estado de São Paulo argüindo a inconstitucionalidade de dispo-
sitivos da Constituição do Estado que violavam o princípio da independência dos
Poderes, de outros que colidiam com a própria Constituição Federal e, ainda, de
dispositivos com excessos que desvirtuavam a prática do regime. O relator da
Representação n. 96 foi o Ministro Goulart de Oliveira.
O acórdão foi proferido em 3 de outubro de 1947, e ficou decidido, por
maioriade votos, que o Tribunal conhecera de todas as argüições submetidas a
seu exame pela Representação, mesmo daquelas sobre cuja inconstitucionalidade
não havia opinado o Dr. Procurador-Geral, pronunciando, porém, apenas as que
pudessem ser enquadradas em algum dos princípios enumerados no art. 7º, n.
VII, da Constituição Federal. Isso posto, por unanimidade de votos, o Supremo
Tribunal Federal declarou inconstitucionais os arts. 21, letra i; 43, letra d; 44 e 45
da Constituição do Estado de São Paulo e, por maioria de votos, os arts. 6º; 16, §
2º; 21, letra m, 1ª parte; 37, letra d; 65, letras a, b, c e d; 66; 77, § 1º; 85; 87 e 146
da mesma Constituição e os arts. 3º, n. I (quanto a prefeitos); 28 e 30, letra f, do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A Representação Interventiva n. 974 foi proposta pelo Procurador-Geral
da República, submetendo ao Supremo Tribunal Federal a representação em que
o Governador do Estado do Piauí argüia a inconstitucionalidade de numerosos
dispositivos da Constituição estadual. A representação teve como relator o
Ministro Edgard Costa.
3 Data da decisão: 3 de outubro de 1947. Relator, Ministro Goulart de Oliveira; Presidente,
Ministro José Linhares.
4 Data da decisão: 12 de novembro de 1947. Relator, Ministro Edgard Costa; Presidente,
Ministro José Linhares.
3 1
Ministro Castro Nunes
ACOLHIMENTO PELO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
DAS ARGÜIÇÕES ENCAMINHADAS AO TRIBUNAL
Na Representação Interventiva n. 94, questionou-se a necessidade de
formulação de requerimento ao Procurador-Geral da República. Prevaleceu o
entendimento no sentido de reconhecer a necessidade de se formular requerimento
devidamente fundamentado ao Ministério Público Federal para que encaminhasse
representação interventiva, acompanhada de parecer, ao Supremo Tribunal Federal.
O requerimento com a argüição de inconstitucionalidade não poderia ser
arquivado pelo Procurador-Geral da República e deveria ser submetido à
apreciação do Supremo Tribunal Federal, uma vez que o Ministério Público
Federal era o único legitimado para propô-la. Admitia-se, igualmente, que a
argüição de inconstitucionalidade fosse acompanhada de parecer do Procurador-
Geral da República em sentido contrário.
O Supremo Tribunal Federal seguiu a mesma orientação na Representação
n. 95, na qual o Procurador-Geral da República elaborara parecer pela constitu-
cionalidade do dispositivo argüido de inconstitucional.
Na Representação Interventiva n. 96, levantou-se a questão sobre o conhe-
cimento de toda a matéria suscitada, tendo em vista o fato de o Procurador-Geral
da República, em seu parecer, manifestar-se sobre a constitucionalidade de alguns
dispositivos argüidos de inconstitucionais. O Ministro Castro Nunes, em seu voto,
deixa claro que:
Toda a matéria submetida pelo nobre Dr. Procurador-Geral da República,
qualquer que seja a opinião de S. Exa., sempre, sem dúvida, valiosa, mesmo que
seja desfavorável, não implica o afastamento da questão, uma vez que ela conste
da representação da Procuradoria-Geral.
Esclarece que, se o Procurador-Geral da República acolhe a representação
que lhe tenha sido encaminhada e a submete ao Supremo Tribunal Federal, toda
a matéria submetida deve ser apreciada pelo Tribunal, inclusive a que pareça ple-
namente constitucional para o Ministério Público Federal. Todavia, em relação à
ampla liberdade do Procurador-Geral da República no que diz respeito à emissão
de parecer, declara:
Coisa diversa é o seu parecer, a opinião emitida sobre os diversos
aspectos da questão, o acolhimento ou a repulsa deste ou daquele ponto. Nem o
Tribunal está preso a esse parecer, por valioso e esclarecido que seja, e o são os
do eminente titular do cargo — nem circunscrito na sua função aos pontos que
tenham incidido na sua censura. Fora assim e seria o nobre procurador-geral, e
não o Tribunal, o juiz da procedência das argüições, que estariam encerradas,
desde que pela sua improcedência se manifestasse o órgão do Ministério
Público.
3 2
Memória Jurisprudencial
Vale dizer que foi esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal
acerca do tema, justamente no sentido de conhecer toda a matéria argüida na
representação interventiva, independentemente do parecer proferido pela
Procuradoria-Geral da República.
SUSPENSÃO DE ATO INCONSTITUCIONAL
Na Representação Interventiva n. 94, o Ministro Castro Nunes, relator,
analisou pedido formulado pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul e
encaminhado pelo Procurador-Geral da República para que fosse suspensa a
Constituição estadual, provisoriamente, até o pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal sobre a controvérsia. No entanto, o Ministro Castro Nunes foi
enfático ao estabelecer que não era possível aplicar o procedimento do mandado
de segurança, por analogia, à representação interventiva, para efeito de
deferimento de pedido de suspensão provisória, pois tratava-se de ações
constitucionais distintas:
A atribuição ora conferida ao Supremo Tribunal é sui generis, não tem por
objeto ato governamental ou administrativo, senão ato constituinte ou legislativo;
não está regulada em lei, que, aliás, não poderia dispor para estabelecer uma
tramitação que entorpecesse a solução, de seu natural expedita, da crise ins-
titucional prefigurada.
O Ministro salienta que o poder de suspender o ato argüido de inconstitucio-
nal não compete ao Supremo Tribunal Federal, por força da própria Constituição,
que é expressa ao estabelecer, no art. 13, que incumbe ao Congresso suspender
a execução de ato argüido de inconstitucional, se essa medida bastar para o
restabelecimento da normalidade no estado:
A suspensão aí prefigurada articuladamente com a decisão judicial não
será do ato, se parcial a inconstitucionalidade declarada, mas somente do
dispositivo ou dispositivos atingidos. Consiste a intervenção, nas hipóteses do
n. VII, na suspensão, importa dizer na decretação pelo Congresso da não-
vigência do ato legislativo. São duas atribuições distintas, de índole diversa, mas
articuladas: a decisão do Supremo Tribunal situa-se no terreno jurídico; a do
Congresso, no plano político, mas a título de sanção daquela.
Outro ponto levantado pelo Ministro Castro Nunes, na Representação n.
94, dizia respeito ao fato de o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, ao ter
provocado a iniciativa do Procurador-Geral da República, haver solicitado a
declaração de inconstitucionalidade em bloco do Texto Constitucional estadual.
Ressalta o Ministro Castro Nunes que a Constituição Federal não proíbe a
declaração de inconstitucionalidade parcial, prática sistematicamente exercida
pela Corte Suprema no controle difuso de constitucionalidade em sede de recurso
3 3
Ministro Castro Nunes
extraordinário. Esclarece, quanto à suspensão do ato, que ela deve ser feita nos
termos do art. 13 do Texto Constitucional:
A Constituição não distingue, mas não exclui evidentemente que a decla-
ração da inconstitucionalidade possa atingir o ato apenas em parte, a exemplo do
que se pratica nos julgamentos em espécie, consoante jurisprudência assentada,
à luz dos ensinamentos da doutrina e dos subsídios do direito americano. Na
mesma medida, se terá de entender a suspensão pelo Congresso do ato declarado
inconstitucional, nos termos do art. 13.
Para o Ministro Castro Nunes, a atuação do Supremo Tribunal Federal, ao
julgar representação interventiva, não é a de órgão consultivo, pois tal papel
contraria a própria essência do Poder Judiciário. É enfático ao esclarecer que o
Supremo Tribunal Federal: “não se limita a opinar, decide, sua decisão é um
aresto, um acórdão; põe fim à controvérsia como árbitro final no contencioso da
inconstitucionalidade.”
Em seu voto, deixa claro que, em sede de representação interventiva, não
atua o Supremo Tribunal Federal como órgão meramente consultivo. Pelo
contrário, o Tribunal profere decisão, consubstanciadaem acórdão que põe fim à
controvérsia sobre a constitucionalidade do ato impugnado. Atua, assim, como
guardião da Constituição em conflito em face de ato estadual. Conclui que:
É nessa função de árbitro supremo que ele intervém, se provocado, no
conflito aberto entre a Constituição, que lhe cumpre resguardar, e a atuação deli-
berante do poder estadual. Daí resulta, que, declarada a inconstitucionalidade, a
intervenção sancionadora é uma decorrência do julgado.
Sustenta o fato de que, proferido o acórdão que resolve o conflito acerca
da inconstitucionalidade do ato estadual impugnado, com base na Constituição,
cabe ao legislador estadual, por sua vez, cumprir a decisão do Supremo Tribunal
Federal. Esclarece que:
Atribuição nova, que o Supremo Tribunal é chamado a exercer pela
primeira vez e cuja eficácia está confiada, pela Constituição, em primeira mão, ao
patriotismo do próprio legislador estadual no cumprir, de pronto, a decisão e, se
necessário, ao Congresso Nacional, na compreensão esclarecida da sua função
coordenada com a do Tribunal, não será inútil o exame desses aspectos, visando
delimitar a extensão, a executoriedade e a conclusividade do julgado. Na
declaração em espécie, o Judiciário arreda a lei, decide o caso por inaplicação
dela, e executa, ele mesmo, o seu aresto.
INCONSTITUCIONALIDADE EM TESE
O Ministro Castro Nunes entende que a decisão em representação
interventiva é uma inovação jurídica, que se consubstancia na apreciação pelo
3 4
Memória Jurisprudencial
Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade “em tese”. Portanto, verifica-se
aqui o surgimento do papel do Supremo Tribunal Federal como órgão de defesa
da Constituição na apreciação da inconstitucionalidade em tese, ou seja, do
controle abstrato de constitucionalidade, desvinculado do caso concreto, pois se
aprecia a adequação do texto da lei ao texto da Constituição. São estas as
palavras do Ministro no voto proferido na Representação Interventiva n. 94, de
que foi relator:
Trata-se, aqui, porém, de inconstitucionalidade em tese, e nisso consiste a
inovação desconhecida entre nós na prática judicial, porquanto até então não
permitida pela Constituição. Em tais casos a inconstitucionalidade declarada não
se resolve na inaplicação da lei ao caso ou no julgamento do direito questionado
por abstração do texto legal comprometido; resolve-se por uma fórmula legislativa
ou quase legislativa que vem a ser a não-vigência, virtualmente decretada, de
uma dada lei.
O Ministro traça a distinção entre o controle abstrato e o julgamento em
espécie (controle concreto), em que, segundo entende, o Supremo Tribunal
Federal não suspende a lei, que subsiste, ou seja, permanece em vigor, sendo,
portanto, aplicada até que o Senado venha a suspendê-la, conforme dispõe o art.
64 da Constituição de 1946, in verbis: “Art. 64. Incumbe ao Senado Federal
suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados
inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
O Ministro Castro Nunes foi o primeiro a ressaltar que a declaração em
tese da inconstitucionalidade da lei implica sua ab-rogação ou derrogação e que,
portanto, o efeito dessa decisão será erga omnes, e não inter partes, como
ocorre nos julgamentos em espécie:
Na declaração em tese, a suspensão redunda na ab-rogação da lei ou na
derrogação dos dispositivos alcançados, não cabendo ao órgão legiferante
censurado senão a atribuição meramente formal de modificá-la ou regê-la,
segundo as diretivas do prejulgado; é uma inconstitucionalidade declarada erga
omnes, e não somente entre as partes; a lei não foi arredada apenas em concreto;
foi cassada para todos os efeitos.
Adverte, ainda, que, segundo alguns consideram:
os julgamentos em tese não podem constituir a res judicata, porque a função
exercida pelo Judiciário é antes política do que jurisdicional, função da mesma
natureza da exercida pelas assembléias e a que falta o requisito de um direito
subjetivo em reação, inerente ao exercício da jurisdição.
Entende o Ministro que não se trata de função de natureza diversa, na
medida em que o Supremo Tribunal Federal decide por aplicação dos mesmos
3 5
Ministro Castro Nunes
critérios de julgamento, cujo conteúdo não deixa de ser interpretação da
Constituição consubstanciada em um aresto. A diferença reside tão-somente na
maior extensão da decisão.
ATO ARGÜIDO DE INCONSTITUCIONAL
No voto proferido na Representação n. 94, o Ministro Castro Nunes fixa o
sentido do que vem a ser ato argüido de inconstitucional, que, segundo seu entendi-
mento, só diz respeito aos atos legislativos, atos da Assembléia Legislativa em sua
função legiferante ou constituinte, restando excluídos os atos governamentais:
Será, no entendimento natural do dispositivo constitucional, o ato institu-
cional do Estado e as leis orgânicas que o completam. O legislador constituinte
usou da palavra ato na sua acepção mais ampla e compreensiva, para abranger no
plano legislativo as normas de qualquer hierarquia que comprometam algum dos
princípios enumerados.
Nesse particular, acrescenta que a Constituição não deixa de ser ato
constituinte da Nação ou do Estado, ou seja, a manifestação da vontade do povo
por meio de seus representantes. Portanto, restam excluídos da representação
interventiva os atos governamentais. Nessa linha de raciocínio, demonstra o
Ministro ser plenamente cabível a representação interventiva em face de atos
legislativos e, no plano constitucional, por conseguinte, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias:
No direito privado, o ato jurídico se traduz no contrato; no direito público,
pode ser também o contrato, mas é precipuamente a manifestação da vontade do
Estado como poder público na forma legalmente estabelecida. Se se trata de
Poder Legislativo, está consagrada até na linguagem corrente a locução atos
legislativos e, no plano constitucional, ato adicional, ato das disposições
constitucionais transitórias...
CARÁTER EXCEPCIONAL E ROL TAXATIVO
No voto proferido na Representação n. 94, adverte o Ministro Castro
Nunes que o intérprete deve, necessariamente, tratando-se de representação
interventiva, ter em mente o “caráter excepcional dessa medida”, que se encontra
pressuposta no regime da autonomia constituinte, legislativa e administrativa
dos estados-membros. Nesse particular, deve o intérprete preservar essa autono-
mia, sob pena de ser elidida pelos Poderes da União:
Daí decorre que a interpretação não será jamais extensiva, em qualquer
dos dois planos em que se situam os casos de intervenção, quer no plano
propriamente político, quer no plano jurídico do n. VII, que se define pelos
princípios aí enumerados. A intervenção, no primeiro caso, isto é, nos casos
3 6
Memória Jurisprudencial
enumerados de I a VI, escapa à apreciação judicial, como matéria de índole
puramente política, e supõe a perturbação de ordem jurídica por fatos e não sob
a forma de leis.
A diferença, segundo entende, reside precipuamente no fato de que os
incisos I a VI tratam de situações concretas, portanto de fatos. Já o inciso VII
trata de princípios; logo, a violação ocorre por meio de atos legislativos. Estabelece
o Ministro:
O n. VII contém um elenco de princípios, e o que aí se pressupõe é a ordem
jurídica comprometida, não por fatos, mas por atos legislativos destoantes
daquelas normas fundamentais. Esses princípios são somente os enumerados
para o efeito da intervenção, que é a sanção prevista para efetivá-los. Não serão
outros, que os há na Constituição, mas cuja observância está posta sob a égide
dos tribunais, em sua função normal.
Esclarece que todas as hipóteses enumeradas no art. 7º são passíveis de
intervenção, mas apenas as enumeradas no n. VII estão sob a guarda do Supre-
mo Tribunal Federal, pois são verdadeiras declarações de princípios, “comportan-
do o que possa comportar cada um dessesprincípios como dados doutrinários, que
são, conhecidos na exposição do direito público.”
É por essa razão que o exame do conteúdo e da extensão desses princípios
ficou reservado ao Supremo Tribunal Federal, portanto ao controle do Poder
Judiciário. A partir daí, conclui o Ministro:
Quero dizer, com estas palavras, que a enumeração é limitativa como
enumeração. Dessa forma, fica respondido o argumento que o eminente Sr. João
Mangabeira suscitou da tribuna. A enumeração é taxativa, é limitada, é restritiva e
não pode ser ampliada a outros casos pelo Supremo Tribunal. Mas cada um desses
princípios é dado doutrinário que tem de ser examinado no seu conteúdo e
delimitado na sua extensão. Daí decorre que a interpretação é restritiva apenas no
sentido de limitada aos princípios enumerados; não o exame de cada um, que não
está nem poderá estar limitado, comportando necessariamente a exploração do
conteúdo e a fixação das características pelas quais se defina cada qual deles, nisso
consistindo a delimitação do que possa ser consentido ou proibido aos estados.
Ele deixa claro, portanto, que a restrição da interpretação reside tão-
somente nos princípios enumerados no n. VII, mas não quanto ao exame de cada
um, pois definir a extensão e a profundidade dessa análise é tarefa exclusiva do
Poder Judiciário; no caso, do Supremo Tribunal Federal.
O Ministro Castro Nunes mantém e reforça esse ponto de vista no voto
proferido na Representação Interventiva n. 96, para deixar claro que a represen-
tação interventiva só pode versar sobre os princípios enumerados no art. 7º, n.
VII, da Constituição Federal de 1946:
3 7
Ministro Castro Nunes
Basta considerar que a sanção adstrita ao veredictum do Tribunal é a
intervenção, para mostrar o seu caráter excepcional. O Tribunal pode conhecer de
quaisquer das argüições, mas pela via comum. Mediante os remédios judiciais
adequados, poderão essas argüições vir aos tribunais competentes e chegar até
ao Supremo Tribunal Federal. Mas, para exercer a atribuição do art. 8º, parágrafo
único, que lhe dá o poder de declaração da inconstitucionalidade, em tese, e,
como conseqüência, a intervenção federal, ele está adstrito e obrigado a verificar,
em cada argüição, a sua filiação, o seu entroncamento em alguns dos princípios
enumerados na Constituição. Do contrário, estaríamos ampliando uma atribuição
que é do seu natural, excepcionalíssima, e de certa forma diminuindo e ameaçando
a autonomia dos estados. Isso não podemos fazer, data venia.
O rol do n. VII do art. 7º do Texto Constitucional é taxativo e, como tal, não
admite o acréscimo de nenhum princípio que não os elencados expressamente.
Adverte o Ministro Castro Nunes:
Fora daí, por mais evidente que seja a inconstitucionalidade do dispositivo
estadual, não lhe compete corrigir a violação no exercício da atribuição excepcional
que lhe foi conferida, e sim em espécie, mediante os meios ou recursos de que
dispuser o interessado.
Reconhece, ainda, que existem outros princípios, outras regras, outras limi-
tações que podem ser violadas, e isso não deve ficar impune. Todavia, entende
que essas situações fogem “ao julgamento por disposição geral e à intervenção
que virtualmente o acompanha, como sanção excepcional só compreensível
naqueles casos restritos”.
No entanto, ressalta que cada um dos princípios constitucionais elencados
no n. VII do art. 7º é um dado doutrinário e, como tal, comporta exploração e
conceituação. Desse modo, deve o intérprete estudar a noção de cada um desses
princípios, segundo a doutrina e a jurisprudência, para então verificar se o
dispositivo atacado na representação interventiva está incluído ou não nesses
princípios constitucionais:
Se se concluir que não é possível, não se deve conhecer da argüição. Não
temos que nos pronunciar sobre ela. Temos que aguardar que o caso venha, por
provocação do interessado, para ser examinado em espécie. Pondera, ainda, que
não se pode pronunciar sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade
antes de se apreciar se a questão está ou não contida no art. 7º do Texto
Constitucional e adverte que essa questão não pode ser examinada como
questão preliminar: Este é o meu ponto de vista, tanto que, no caso do Rio
Grande, não destaquei a questão constitucional; não pode o Tribunal,
preliminarmente, examinar esta questão. Eu não fiz assim e entendo que,
realmente, não é possível, porque a preliminar exige, para ser destacada e
examinada, o exame do fundo da argüição. Seria perturbador do julgamento
fazermos, agora, essa apreciação.
3 8
Memória Jurisprudencial
POSSIBILIDADE DE O VÍCIO SER SANADO POR OUTRO MEIO
JUDICIAL
Admite o Ministro Castro Nunes a propositura da representação interven-
tiva, ainda que haja outro meio capaz de sanar a violação de determinado direito
subjetivo decorrente de dispositivo eivado de inconstitucionalidade. Para isso, exige
apenas que reste demonstrado que a violação se relaciona com os princípios enu-
merados no n. VII do art. 7º do Texto Constitucional. O ingresso da representação
interventiva se torna possível na exata medida em que seus efeitos diferem das
demais ações. Nesse sentido, esclarece:
Muitas vezes a violação argüida poderá ser remediada em espécie,
configurando um direito subjetivo em termos de ingressar em juízo, circunstância
que por si só não bastará para que o Tribunal se abstenha de declarar a
inconstitucionalidade em tese. Se se demonstra que a violação poderia ser
corrigida pelos meios processuais comuns, mas se, igualmente, se demonstra que
ela se relaciona com qualquer das cláusulas enumeradas no art. 7º, n. VII, nem por
isso estará trancado o julgamento por disposição geral. Pode ocorrer que se trate
de argüição para a qual esteja previsto na própria Constituição o recurso para
dada justiça.
PRESIDENCIALISMO
Estrutura do Poder Executivo
O Ministro Castro Nunes, em seu voto na Representação Interventiva n.
93, enfrenta questão relativa à estrutura do Poder Executivo no âmbito dos
estados-membros, tendo como parâmetro a estrutura desse Poder no âmbito
federal. Esclarece que a estrutura do Poder Executivo é definida pelo Presidente
da República e seus Ministros, que são escolhidos — e destituídos por ele — como
seus auxiliares imediatos:
O Poder Executivo não se reduz ao presidente da República. O Ministério
ou os ministros, individualmente considerados, como auxiliares imediatos do
presidente da República, constituem uma peça constitucional desse Poder, da
qual cogita a Constituição Federal e da qual não poderia o presidente da República
declinar, porque cada um dos ministros completa a ação do presidente da República,
legaliza essa ação e nisso consiste a referenda.
Tendo em vista o princípio da simetria, a organização estadual estrutura-se,
segundo o Ministro Castro Nunes, como a esfera federal. Desse modo, cabe aos
governadores escolher seus secretários livremente, sem nenhuma restrição
imposta pelo Legislativo ou qualquer outro Poder. Os secretários de estado
devem corresponder aos ministros de Estado na órbita federal, devendo ser
nomeados e demissíveis livremente pelo governador.
3 9
Ministro Castro Nunes
Tal organização deve ocorrer de maneira autônoma, do contrário restaria
violado o princípio da separação de Poderes. O Ministro Castro Nunes manifesta,
em seu voto, a preocupação em preservar a harmonia e a independência entre os
Poderes como elemento intrínseco ao Estado Democrático de Direito:
Essas relações de independência entre os três Poderes do Estado, tomada
a expressão no seu sentido teórico, doutrinário ou genérico, são governadas por
um sistema chamado de “freios e contrapesos” e que consiste, exatamente, em
manter a independência e ao mesmo tempo a harmonia e o equilíbrio dos poderes.
No caso, o que se estabelece é um freio, e um freio, sem contrapeso, porque o
governador do estado lança a nomeação ou faz a nomeação, mas estapoderá ser
cassada pela Assembléia. Cria-se, assim, um verdadeiro impasse, e esse impasse
se define por uma limitação do governador para organizar o seu governo, para se
cercar dos auxiliares imediatos, que lhe completam a ação.
O Ministro traça, ainda, paralelo entre o modelo brasileiro e o americano,
para ressaltar as distinções entre eles, visto que, no modelo americano, os
secretários do governo são nomeados pelo Presidente da República, mas
dependem da aprovação do Senado. Nesse particular, pondera:
Não existe nisso nenhum traço de parlamentarismo, e sim coisa diversa, a
exageração do princípio eletivo como limitação posta ao poder titulado no gover-
nador. A origem ou razão de ser do Senado é conhecida. É uma representação
quase corporativa dos estados. O regímen vinha do consentimento das ex-colônias,
era um produto de transação política. O Senado é o sinal ou a expressão política
da Federação. O partido chamado dos estados reivindicava para o Senado funções
executivas complementares, e contrapesos à possível ação do presidente em
detrimento das prerrogativas estaduais.
Assinala que, no modelo brasileiro, a realidade é distinta, pois a Constituição
Federal faculta ao Presidente da República cercar-se de auxiliares de sua livre
escolha, de modo que tal prerrogativa deve ser estendida aos estados-membros:
Não seria possível admitir que o governador, que é o órgão do Poder
Executivo do estado, que encarna o Poder Executivo no estado, tivesse cerceada
a sua escolha, por qualquer forma, mediante um freio não cogitado no sistema
federal e, por isso, eu estou de acordo com o eminente Sr. Ministro Relator, em
haver por inconstitucional a limitação estabelecida no caso da nomeação dos
secretários de estado.
O Ministro Castro Nunes entende também ser violação do princípio dos
Poderes harmônicos e independentes a intervenção do Legislativo, no âmbito dos
estados-membros, na escolha, pelo governador, do chefe de polícia:
O chefe de polícia é o auxiliar de mais imediata confiança do governador,
livre de escolher os secretários do seu governo conforme lhe aprouver, segundo
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Memória Jurisprudencial
o entendimento que já firmamos nos casos do Ceará e do Rio Grande, e, por
melhor razão, o chefe de polícia. É disposição que contravém à independência do
Executivo e, portanto, inconstitucional, ainda que possivelmente inócua ou de
caráter meramente diretivo no interesse de colocar a função acima das competi-
ções partidárias.5
Todavia, pondera que, no tocante à escolha dos prefeitos com o auxílio da
assembléia legislativa, deve-se obedecer à ressalva estabelecida pela Constituição:
quanto aos prefeitos das estações hidrominerais, das bases militares e da capital
do estado, porque, com relação a esses, a Constituição Federal, ela mesma, declara
que compete ao governador nomeá-los; e, se a Constituição confere ao governador
o poder de nomear os prefeitos da capital, das estações hidrominerais e das bases
militares, não é possível que o legislador estadual, mesmo constituinte, limite
esse poder conferido, que é de presumir irrestrito.
Fundamenta-se o Ministro no art. 28, § 1º, do Texto Constitucional, que
estabelece, in verbis:
Poderão ser nomeados pelos Governadores dos Estados ou dos Territórios
os Prefeitos das Capitais, bem como os dos Municípios onde houver estâncias
hidrominerais naturais, quando beneficiadas pelo Estado ou pela União.
O Ministro faz distinção no que se refere aos:
prefeitos que o governador terá de nomear para as prefeituras eletivas, aquelas
que tenham de ser exercidas por prefeitos eleitos e não nomeados, serão, portanto,
outros que não os mencionados. Relativamente a esses, o governador não tem o
poder conferido na Constituição Federal; ele poderá, segundo determina a
Constituição cearense, nas disposições transitórias, ter o seu poder limitado
pela assembléia estadual. Aí a dificuldade que encontro é de articular, consti-
tucionalmente, a proibição. Não encontro na Constituição, data venia do Sr.
Ministro Relator, base para declarar que está limitada a autonomia estadual.
Nesse caso, segundo o Ministro Castro Nunes, o governador não tem o
poder conferido na Constituição Federal, de modo que poderá ter seu poder
limitado pela assembléia estadual, como faz a Constituição do Ceará:
eu não encontro disposição constitucional que proíba o provimento interino por
nomeação, porque o constituinte estadual terá provido a uma situação não
regulada na Constituição Federal, ainda porque, na Constituição Federal, o
presidente da República não nomeia prefeitos, senão o da capital da República, e
para isto se estabeleceu, após a promulgação da Constituição —, a aprovação do
Senado, o que seria um argumento a mais, para admitir o símile adotado.
5 Voto proferido na Representação Interventiva n. 97. Data da decisão: 12 de novembro
de 1947. Relator, Ministro Edgard Costa; Presidente, Ministro José Linhares.
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Ministro Castro Nunes
Contudo, considera plenamente constitucional as nomeações, pelo gover-
nador, dos diretores das autarquias e das sociedades de economia mista ficarem
sujeitas ao placet da assembléia legislativa:
Argumenta-se que não admitimos a colaboração da Assembléia na escolha
dos secretários de governo, que declaramos livre de tal restrição, e assim decidimos
no caso do Ceará. Mas não existe paridade. A nomeação de tais auxiliares do
chefe do Executivo situa-se, nos termos da Constituição, no plano da confiança
do presidente da República, devendo refletir-se na órbita estadual com a mesma
característica. Muito diverso é o caso dos serviços autônomos que a lei institui (e
tais são as autarquias e as sociedades de economia mista) para que se desenvolvam
à margem da administração direta dos serviços do Estado. Não vejo por que
censurar, por inconstitucional, a reserva de uma colaboração do Legislativo na
escolha dos dirigentes de tais serviços.
Adverte ainda que a administração indireta está subordinada, quanto aos
atos da administração financeira, aos tribunais de contas.
Presidencialismo e parlamentarismo
Na Representação Interventiva n. 94, o Ministro Castro Nunes também
analisa, em seu voto, a estrutura do Poder Executivo no âmbito dos estados-
membros, bem como verifica a existência de alguns traços do regime parlamen-
tarista em constituição estadual.
A Constituição do Rio Grande do Sul estabelecia que o Poder Executivo era
exercido pelo Governador e pelo Secretariado. Para o Ministro Castro Nunes, o
enunciado por si só não revela o bastante para ser considerado inconstitucional, na
medida em que se considera que o Executivo federal é composto pelo Presidente e
pelos Ministros de Estado, seus auxiliares imediatos, que, por força da Constituição,
têm funções complementares das do Presidente da República:
A instituição ministerial existe, pois, por determinação constitucional, com
assento nos arts. 78, 90 e 91, e já existia ao tempo da Constituição de 91, quando
do assunto me ocupei em artigo sob o título “Dos ministros de Estado no regime
presidencial” (Arquivo Judiciário, vol. 12, Supl.), consoante a lição, já então
preponderante, que os ministros, ainda que livremente escolhidos e dispensados
pelo presidente, integram o Poder Executivo na sua definição constitucional.
Recordei então que a possibilidade, nem sempre admitida, do que entre nós se
chamava despacho coletivo, prática adotada por alguns presidentes, não bastaria
para abastardar o governo presidencial, como se afigurava a certos espíritos
extremados. O despacho coletivo, sobretudo nos primeiros tempos da República,
era suspeitado de parlamentarismo e repelido pelos republicanos da propaganda
como uma corruptela do regime ou prática larvada de parlamentarismo. Era um
exagero, porquanto o Ministério não seria só por isso um ser coletivo, um órgão
colegiado, senão somente uma reunião dos seus componentes em torno do
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Memória Jurisprudencial

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