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Filosofia do direito de kant

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A Filosofia do Direito de Immanuel Kant
Aula preparada com base na História da Filosofia do direito
O problema do direito
 O ponto de partida: o problema do direito só pode se colocar entre seres providos igualmente de deveres e de direitos. Por conseguinte, essas observações nos colocam diante de uma profunda característica do pensamento kantiano: ela não será um idealismo metafísico na sua maneira de pensar o direito, já que o que define o humano é precisamente não ser divino, ou seja, é a sua finitude. 
Mas ela também não será jamais um empirismo satisfazendo-se com a descrição dos fatos humanos, e tentando transformar por uma misteriosa alquimia estes fatos em normas. 
Na época de Kant: a relação jurídica, só pode ter lugar entre seres providos ao mesmo tempo de deveres e de direitos.
Uma outra condição fundamental: O direito terá sentido somente entre pessoas livres, ou melhor, igualmente livres. Essa reciprocidade tem algo de imediatamente ideal: ela dá as costas para as desigualdades de fato que sempre constituem uma sociedade, uma vez que ela se constitui de classes sociais distintas. 
O direito, no pensamento de Kant, implica uma reciprocidade ideal, fruto, por sua vez da sua filosofia transcendental. Pois, Kant é defensor de um idealismo do tipo transcendental. 
Kant dizia de sua moral que ela não era nem da Terra nem do Céu: com efeito, ele não via em nenhum caso a possibilidade de fazer derivar imperativos morais a partir de costumes e valores diversos disponíveis na Terra, porque sua própria variedade e suas contradições desencorajavam toda tentativa de descobrir aí o menor princípio universal; 
Inversamente, também em nenhum caso era crível aos olhos de Kant tentar descer o Céu sobre a Terra e extrair de uma existência indemonstrável de Deus princípios de moral, porque para ele trata-se, ao contrário, de partir da finitude do homem e contemplar sua tensão em direção a uma perfeição simbolizada, e depois garantida, pela existência postulada, como cada um sabe, de Deus.
 Ora, partir da finitude humana é partir da sensibilidade: o homem é especificamente um ser sensível, ao inverso de Deus. Mas trata-se mesmo de partir do sensível, e não de nele permanecer: na Crítica da razão pura, o transcendental não está além do sensível, mas de preferência aquém do sensível, o que o torna possível. 
A ideia do transcendental está aí: é o que torna possível, é a condição de possibilidade. Em relação à sua gnosiologia, o espaço originário absoluto deve existir, uma vez que ele é a condição sine qua non de possibilidade do que nos é dado na experiência sensível. Kant não nega jamais o sensível: ao contrário, ele refletiu sem cessar sobre o que pode torná-lo possível. 
O que é uma Filosofia Prática
O que é prático, diz o Cânone da Crítica da Razão Pura, é o que é possível por liberdade. Ora, a liberdade é um objeto fora de alcance para o conhecimento, o que é o veredicto da primeira Crítica. Todavia, ela é um requisito absoluto para pensar a prática: sem ela, a prática seria insensata, e seria preciso se satisfazer com um determinismo total. 
Liberdade
A liberdade no sentido kantiano é então um ser estranho: é a única Ideia da razão que é também um fato de razão. A liberdade torna possível tanto o dever quanto o direito. 
Mas o que, por sua vez, torna possível a própria liberdade? Nada! A liberdade não poderia depender de condições, porque seria contraditório com sua natureza. 
Não sendo causa, mas sendo ela própria uma causa, ela é uma causalidade incondicionada, o que prova certamente que ela não é observável e em seguida conhecível; ela é, literalmente, extrafenomenal. Da mesma forma que o espaço é uma forma a priori, portanto extrafenomenal, que torna possível a percepção sempre espacial do mundo que nos cerca, a liberdade é de alguma forma o espaço da prática.
Este é o sentido do requisito absoluto da liberdade: a liberdade é a atmosfera do mundo prático. Kant jamais esquece que nós vivemos também em uma outra atmosfera, a do mundo, que diremos aqui "real“, o dos fenômenos aprisionados no encadeamento das causas e dos efeitos. O ser humano evidentemente faz parte, no mínimo por seu próprio corpo, do mundo fenomenal. Mas ele não é por ele escravizado, pois tem também um pé no mundo inteligível pela liberdade.
Em resumo: o homem está no mundo, mas ele não pertence ao mundo. Conforme Kant essa dupla natureza é designada por pares empírico ou sensível/inteligível e fenomenal/numenal. O homem é, pois, fenômeno e númeno. 
A ideia do Direito
O próprio direito será empírico-inteligível. A doutrina do direito kantiano, como aliás o conjunto da filosofia kantiana, provoca querelas dos dois lados: para os empiristas, a constituição transcendental do direito que Kant põe ao lado de sua gênese histórica é insuportável; para os defensores de um purismo do inteligível que gostariam de uma ideia do direito e da justiça dando as costas definitivamente para uma realidade muito imperfeita, a atenção que Kant dá ao aspecto empírico é insustentável.
A extrema dificuldade do criticismo sempre foi a de querer colocar juntas estas duas posições, e de querer se definir por uma terceira, a da perspectiva transcendental, quer dizer, a do exame das condições de possibilidade não empíricas das realidades empíricas. 
A ideia de crítica contida no criticismo remete a uma crítica mais reformista que revolucionária em sua forma política, mas definitivamente revolucionária em sua forma filosófica, da realidade empírica, ou histórica, do direito, em nome da condição pura de possibilidade do direito, isto é, em nome da constituição transcendental do direito. 
Direito e liberdade
Há em Kant um pensamento crítico do direito, isto é, uma crítica do direito em nome da liberdade. Nesse caso, há em certa medida uma crítica "moral" do direito, uma vez que é primeiramente na forma moral do dever e do imperativo categórico que se exerce a liberdade. 
O problema do direito é então, pela própria declaração de Kant em A ideia de uma história universal, o problema "mais difícil" e "aquele que será resolvido por último pela espécie humana": este problema é o de assegurar o máximo de liberdade com um mínimo de restrições. 
Ora, tender a esta maximização constante da liberdade é o imperativo do direito, sua restrição moral interna, se podemos dizer. 
Direito e moral
O dever moral é uma obrigação imperativa mas interna; a legislação jurídica é um constrangimento que age exteriormente, in foro externo, já que, como enuncia o § 4 da Doutrina do direito, "o direito está ligado à faculdade de coação". O direito realiza a liberdade mediante sua restrição. 
A lei natural em que se baseia a lei positiva nada mais é que a liberdade, condição de possibilidade da moral e do direito, e a finalidade do direito, por sua vez, nada mais é que esta liberdade: em suma, a liberdade torna possível a coação que a realiza. 
É preciso sublinhar aqui o interesse da ordem de exposição dos argumentos de Kant: a Doutrina do direito parte do direito privado e passa ao direito público ou político, depois ao direito cosmopolita que virá: tudo ocorre como se o texto se elevasse do nível individual ao universal, pois trata-se em última instância de um direito que regeria a humanidade inteira.
Esta ordem de exposição sem dúvida não é a ordem das razões kantianas: de fato, os direitos do indivíduo, como o dos cidadãos, não têm sentido a não ser na medida em que eles são primeiro fundados no universal. Há um duplo movimento: parte-se do universal, aquele da liberdade, como condição pura de possibilidade, e vai-se em direção ao universal, o da realização da liberdade em um direito cosmopolita.
A relação que o criticismo kantiano estabelece entre moral e direito deve ainda ser precisada sobre um ponto particularmente precioso, a fim de compreender a forma de "autonomias cruzadas" dessas duas esferas. Sabe-se, com efeito, que a forma pura da moral requer somente agir por dever, com a exclusão de todo motivo empírico: a
moralidade da ação é puramente interna, definida por uma estrita autonomia da vontade banindo toda heteronomia. 
No caso do direito, é tudo de outra forma: trata-se da legalidade das conceituação cínica da autonomia do direito; e uma confusão do direito e da moral, que acarreta uma dependência do direito com relação à moral e traz o risco do despotismo. O primeiro desses dois pontos é estabelecido por Kant em sua polêmica com Christian Garve, que opunha os deveres de direito aos deveres de consciência, e daí tirava uma teoria da autonomia do direito e do político com respeito à moral. 
Essa concepção da autonomia do direito é estigmatizada como amoral e pragmática por Kant: segundo ele, ela tem o defeito proibitivo de constituir uma teoria política do direito, este último tendo uma função de legitimar as decisões dos homens políticos. O segundo ponto, aquele da sujeição total do direito à moral, é muito claro não na Doutrina do direito, mas em A religião nos limites da simples razão. 
Falando da religião dos gregos, Kant sublinha a submissão "ilimitada" que ela acarreta e, ao contrário do que será o entusiasmo romântico pelas religiões e éticas populares, ele estabelece claramente que confundir a obediência à lei e o servilismo absoluto, alimentado pela proclamação de um assentamento moral-religioso da lei, só faria manter a humanidade em um estado de minoria perpétua e servir à causa dos déspotas. 
Confundir o político, o jurídico e a moral teria por efeito confundir a comunidade política e a comunidade ética, e rapidamente transformar legisladores e magistrados em terroristas fanáticos da virtude, como prova um certo número de países ou de grupos político-religiosos atuais, aliás assaz tragicamente.
Uma política autenticamente moral, nos termos de Kant, deve começar por se proibir de aperfeiçoar os homens, a despeito deles. Moralizar autenticamente a política não é, desde então, identificá-la com a ética, assimilando a moralidade a um bem político, mas sim compreender a moral exclusivamente como uma doutrina prática do direito que subordina o exercício do poder a princípios universalizáveis:
a moral é posta na forma (a da universalização) e não em um conteúdo (uma doutrina moralizadora do Estado que seria veiculada por um direito tornado um direito político). O direito segundo Kant só tem sentido a serviço da liberdade: para garantir esta, é preciso garantir paradoxalmente uma autonomia do direito com relação à moral.
Há, portanto, uma observação a ser feita, em relação a autonomia cruzada da moralidade e do direito: uma ação só é moral enquanto dever perfeito, realizado por um dever interior que obriga absolutamente sem nunca coagir; nisto a moral é oposta ao direito. A ação legal é um dever imperfeito, uma vez que a legalidade não pode fazer mais que coagir. 
Entre a autonomia moral do direito e a confusão politicamente perigosa da moral e do direito resta uma terceira via: consiste em tratar a moral como doutrina do direito. Isso quer dizer que a primeira parte da Metafísica dos costumes estabelece uma teoria dos deveres, ou seja, a parte racional e pura de uma ciência dos costumes que deve compreender o direito. 
O direito e a virtude são apresentados como dois ramos doutrinais da moral em sentido amplo. Os conceitos jurídicos remetem, nesse sentido, aos conceitos práticos no sentido amplo, isto é, às leis da vontade descobertas por Kant na análise do dever moral. A autonomia do direito e da virtude é preservada porque é cruzada...
mas cruzada também quer dizer posta em relação, no sentido de uma única e mesma reflexão sobre a moral que se pode então designar como uma Ética. Direito e moral constituem juntos a Ética (Sittenlehre) no sentido de uma doutrina geral dos costumes, sendo estes últimos ao mesmo tempo os fatos e as normas.
 Compreende-se que o direito seja o ponto culminante e o mais difícil do empreendimento kantiano, pois ele próprio é fato e norma, elevando-se da natureza empírico-sensível (dimensão factual) do homem e de sua natureza racional (dimensão normativa). Mas, a norma não deriva jamais do fato. 
Se observarmos em primeiro lugar o encadeamento argumentativo da Doutrina do direito, certamente é preciso ter no espírito o círculo da demonstração que sugerimos há pouco. O exame inaugural do direito privado considera os indivíduos se associando voluntariamente, quer dizer, livremente por contratos, fora de seus elos civis ou políticos.
O contrato de direito privado é um ato criador do direito, não no sentido de uma simples gênese empírica, como se o direito público fosse derivar do direito público por uma espécie de geração espontânea, mas no sentido da descoberta de uma fundação pura do direito pela descoberta do aspecto puramente inteligível (e não pragmático e sensível) da relação contratual. 
Qual é, pois, com efeito, a forma pura do contrato? Kant responde a esta questão em sua observação do §19 da Doutrina do Direito: a forma do contrato é a da promessa recíproca. 
Ora, parece que não é em virtude das condições empíricas do contrato (espaço, tempo, circunstâncias factuais) que a promessa deve ser mantida, mas em virtude da sua forma pura. Nisto o contrato procede de uma única vontade comum, na qual se exprime a faculdade legislativa, não empírico pragmática, mas pura da razão. Por minha promessa, eu me ligo ao outro como me liga um imperativo categórico. 
E se jurisconsultos como Mendelsohn, diz Kant, não puderam responder à questão de saber por que eu devo manter minha promessa, é porque eles não souberam identificar nela este postulado da razão pura prática, formal e incondicional, que apresenta como objetivamente necessária a ação que deve ser realizada e que faz dela absolutamente um dever. Em suma, há uma pureza formal no contrato que torna possível sua realização empírica.

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